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Se o fim do capitalismo tardar, não haverá mais humanos.

Numa coluna surpreendente, intitulada Fim do capitalismo não tornaria o homem mais ‘humano’ (vide aqui), Delfim Netto reduz o homem a “um animal territorial, dotado pela evolução biológica de um terrível e perigoso instrumento — a sua inteligência”; afirma que não se descobriu ainda como evitar que continue exterminando seus iguais (uma tendência que o diferencia de todos os outros animais); e diz ser duvidosa a hipótese de que se humanizará antes que “produza sua própria destruição”.

Parece estar abalado com o advento da era Trump, quando o capitalismo volta a se mostrar tão desumano quanto o era na fase mais selvagem, além de ter elevado sua iniquidade intrínseca à enésima potência.

Enfim, aos 88 anos, Delfim chega finalmente à idade da razão. E deve estar contemplando a obra de sua vida com a mesma perplexidade do dr. Frankenstein face à criatura: terá sido para isso que serviu caninamente aos piores ditadores e acumpliciou-se com o festival de horrores resultante das 15 assinaturas de ministros (uma delas a sua) aprovando a instituição do AI-5?!

 Numa provável tentativa de exorcizar os fantasmas que lhe tiram o sono, escreveu um texto na linha de que, se o capitalismo conduziu a humanidade a “uma desigualdade insuportável”, o fim do capitalismo também não conseguiria civilizar os homens.

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.“A desigualdade aumentou tal maneira

que uma ínfima minoria acumulou poder

suficiente para impor sua vontade

à imensa maioria dos seres  humanos” .____________________________ 

Quer acreditar que, numa encruzilhada do destino, a opção existente era entre dois caminhos igualmente ruinosos. Isto o aliviaria um pouco de sua culpa por ter escolhido a via que levou a resultados catastróficos, a ponto de o Brasil estar em frangalhos e a própria sobrevivência da humanidade encontrar-se gravemente ameaçada.

Deixa, contudo, de considerar um dado fundamental da equação que tenta montar: o de que os animais brigam com outros animais e defendem com unhas e dentes seu território por uma questão de sobrevivência. Precisam garantir alimentação e abrigo para si e para o grupo a que pertencem, caso contrário sucumbirão à fome, ao frio, às intempéries, etc.

Foi também devido à escassez que os homens passaram milênios competindo encarniçadamente uns com os outros. Inexistindo o suficiente para todos terem tudo de que necessitavam para uma existência digna, o quero mais a que alude Delfim forneceu o impulso decisivo para irem, pouco a pouco, desenvolvendo as forças produtivas. A motivação egoísta acabava sendo uma espécie de motor do progresso, ainda que obtido graças ao enorme sofrimento e mazelas terríveis que desabavam sobre os mais fracos.

O fantasma da escassez deixou de nos assombrar.


Era. Não é mais, pois a barreira da necessidade foi afinal transposta e hoje já dispomos de conhecimento científico e meios tecnológicos para a produção do que é realmente preciso para todos vivermos sem privações e sem o estresse que a competição exacerbada causa.

O que ainda nos impede de alcançarmos uma existência feliz e plena, em lugar do atual pesadelo globalizado?


O capitalismo, claro! Ou, mais precisamente, o fato de que ele fez a desigualdade aumentar de tal maneira que uma ínfima minoria acumulou poder suficiente para impor sua vontade à imensa maioria dos seres humanos.

E, em nome da perpetuação de um status quo que só a ela beneficia, arrasta a humanidade a uma crise econômica que se prenuncia avassaladora e à destruição do equilíbrio ecológico sem o qual nossa espécie se extinguirá.

Só sobreviveremos se nos unirmos para deter a atual marcha da insensatez, fazendo com que o bem comum prevaleça sobre os interesses mesquinhos que nos estão levando à beira do abismo.

E, se formos capazes disto, certamente também o seremos para, em seguida, construirmos uma sociedade verdadeiramente humana.


SOBRE O MESMO ASSUNTO, LEIA TAMBÉM:
DALTON ROSADO: “DELFIM NETTO NOS VÊ COMO ETERNOS CONDENADOS AO FRATRICÍDIO”

Um novo 1968 pode estar começando

O protesto dos estudantes contra a palestra ultradireitista…

Esta notícia é atual:

O campus da Universidade da Califórnia em Berkeley foi fechado nesta quarta-feira (1) em meio a um protesto violento contra uma palestra do editor do site de extrema-direita Breitbart, Milo Yiannopoulos.

 A polícia ordenou que os manifestantes da universidade se dispersassem e, de acordo com a rede de TV americana CNN, pelo menos um incêndio foi iniciado pelos manifestantes.
Este trecho de um ótimo artigo da revista Cult, assinado por Sean Purdy (professor do departamento de História da USP), nos mostra o papel histórico que tal universidade desempenhou na década de 1960:                                                                                                        .

A primeira grande mobilização do movimento estudantil nos Estados Unidos aconteceu na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1964-1965 sobre o direito dos estudantes de organizar atividades políticas no campus, já que, nos anos 1950, os administradores dessa renomada universidade pública haviam banido tais atividades.

No outono de 1964, estudantes abertamente organizaram atos no campus em solidariedade ao movimento negro para desafiar as proibições. O aluno Jack Weinberg foi preso pela polícia e uma manifestação espontânea de 3 mil estudantes cercou o carro da polícia, proibindo-o de partir por 32 horas. Por dois meses, estudantes continuaram organizando grandes atos e manifestações sob a bandeira do Movimento pela Livre Expressão. Em dezembro, alunos ocuparam o principal prédio da administração da universidade. A polícia entrou e mais de 700 alunos foram presos.

…veio na sequência das manifestações de repúdio a Trump. 

Em janeiro, a universidade suspendeu os líderes da ocupação, provocando uma greve estudantil e manifestações amplas que efetivamente fecharam a universidade. Logo depois, a administração da universidade cedeu e atividades políticas foram permitidas no campus.

O Movimento pela Livre Expressão obteve uma vitória importante, inspirando a organização estudantil no país inteiro. Com a aceleração da guerra no Vietnã, a SDS e outras organizações montaram campanhas nacionais contra a guerra e contra o serviço militar obrigatório.

Estamos passando por momento semelhante, com uma difusa insatisfação entre os jovens dos EUA e Europa, cientes de que a crise econômica colocará enormes obstáculos no seu caminho para a inserção profissional e sucesso nas futuras carreiras. 

Os avanços autoritários pipocam em várias nações e a recém-iniciada presidência de Donald Trump vai na contramão de quase tudo que é belo, digno e justo na face da Terra, ameaçando tanger a humanidade para uma nova Idade Média ou mesmo para o extermínio (em função de seus desvarios ambientais).

Não é utópico trabalharmos com a hipótese de que os EUA novamente se dividirão entre uma embotada e intolerante parcela reacionária e uma ampla frente comum de pessoas esclarecidas e idealistas, dispostas a deter a marcha para a insensatez trumpiana. 

Trump poderá bisar o papel da Guerra do Vietnã: o de aberração contra a qual os melhores se unem.

Sendo que, desta vez, a correlação de forças não será maioria silenciosa x minoria estridente, mas, provavelmente, meio a meio (não esqueçamos que a o apresentador de reality show só ganhou permissão para tocar o terror graças ao estapafúrdio sistema eleitoral estadunidense, pois foi sua hilária adversária quem obteve maior quantidade de votos).

E, com os rigores que se abatem sobre a Europa, tudo leva a crer que uma escalada de protestos estudantis e outras manifestações de inconformismo contra as políticas de Trump repercutirá instantaneamente no velho continente, alavancando o ressurgimento, em larga escala, da contestação jovem.

Um novo 1968 não só é possível, como pode já estar começando.

Crise final do capitalismo virá com as catástrofes ambientais?

Pesadelos da ficção-científica virarão realidade?

A grande crise do capitalismo virá quando chegar a catástrofe ambiental. Penso que haverá desastres cada vez mais frequentes e profundos. Haverá um momento de virada na história, uma espécie de barbárie ou alguma forma de regulação global dos mercados. (…)

Não sei quando isso acontecerá, mas essa será a crise de fundo do capitalismo: destruir as condições de sua própria existência, destruindo o ambiente, modificando condições que nunca deveriam ter sido modificadas.

A previsão é de Michael Burawoy, presidente da Associação Internacional de Sociologia.

Fez-me lembrar a tese soturna de Friedrich Engels: se uma classe dominante consegue perpetuar relações de produção condenadas, que estão travando o desenvolvimento das forças produtivas, acaba ensejando o advento da barbárie.

Assim, quando a escravidão se tornou anacrônica e contraproducente, era Spartacus e seus gladiadores que encarnavam a possibilidade de, mediante sua erradicação, o Império Romano ascender a um degrau superior de civilização. Ao derrotá-los, Roma tirou de cena os únicos sujeitos históricos capazes de darem uma resposta positiva à contradição existente.

A estagnação ensejou a barbárie

Detida a revolução que a transformaria  por dentro, fazendo-a evoluir, sobreveio a estagnação, o enfraquecimento e, finalmente, a destruição por parte dos que vinham  de fora  e expressavam um estágio de desenvolvimento há muito superado por Roma. O relógio da História andou para trás.

Agora, podemos estar diante de uma situação semelhante. O capitalismo se torna cada vez mais pernicioso e destrutivo, porque esgotou seu papel histórico e tem sobrevida parasitária.

Desenvolveu enormemente as forças produtivas, permitindo que a humanidade finalmente ultrapassasse a barreira da necessidade; hoje estão dadas as condições para a produção de tudo aquilo de que cada habitante do planeta necessita para uma existência digna.

Mas, tendo como prioridade máxima o lucro e não o atendimento das necessidades humanas, desperdiça criminosamente tal potencial, impõe uma desnecessária e embrutecedora penúria a parcela considerável da humanidade, provoca turbulências econômicas cada vez mais frequentes, multiplica as agressões ambientais e malbarata os recursos naturais finitos dos quais depende a sobrevivência de nossa espécie.

Sopa dos pobres na Grande Depressão

Por enquanto, graças aos mimos que proporciona aos que participam do sistema (ao preço da exclusão de tantos outros seres humanos), à avassaladora eficiência tecnológica e à manipulação científica das consciências por parte de sua nefanda indústria cultural, tem conseguido evitar a revolução — cada vez mais necessária e premente. Até quando?

Marcuse acreditava numa resposta provinda de quem estivesse fora do sistema, não submetido à sua lógica unidimensional, que exclui alternativas e veda o espírito crítico.

É exatamente o que começa a suceder, como, aliás, está bem caracterizado nestas outras afirmações do sociólogo Burawoy:

Estive em Barcelona e vi os indignados. Agora também em Wall Street. São muito similares. Resistem a se engajar no sistema político, em levantar temas políticos…

Burawoy: momento de virada da História.

Todos esses movimentos refletem uma era de exclusão. (…) O centro de gravidade desses movimentos são os excluídos, os desempregados, estudantes semi-empregados, juventude desempregada, até membros precários da classe média. É um conglomerado de grupos diferentes todos vivendo um estado de precariedade porque foram excluídos da possibilidade de ter uma posição estável [dentro do sistema, pois esta se tornou] um privilégio para poucos.

…É um movimento muito fluido e flexível. (…) Há espontaneidade, flexibilidade. É fascinante. Aparecer, desaparecer. É parte de sua força e de sua fraqueza.

…os participantes são de esquerda, são radicais democratas participativos, que preferem estruturas horizontais a verticais. Protestam contra o capitalismo que enxergam ao seu redor.

Mas, esses pequenos Davis serão suficientes para derrotar o terrível Golias dos dias atuais? Provavelmente, não.

Catástrofes levarão seres humanos a se unirem

No entanto, a barbárie também ronda as fronteiras do império –não mais na forma de contingentes humanos, mas sim das forças de destruição que o capitalismo engendrou contra si, mas se abaterão sobre nós todos.

As catástrofes ambientais que assolarão o planeta nas próximas décadas certamente levarão os seres humanos a unirem-se na luta pela sobrevivência.

Isto para não citarmos outros pesadelos, como os terroristas islâmicos, que em tudo e por tudo lembram as invasões bárbaras, pois corporificam o retrocesso histórico, a volta a um estágio inferior da evolução da humanidade. E poderão causar imenso dano se, p. ex., voltarem seus ataques suicidas contra instalações nucleares. Em se tratando de fanáticos religiosos, tudo é possível.

O certo é que, se escaparmos da destruição total, será o momento em que os seres humanos remanescentes, obrigados a tomar seu destino nas mãos, poderão dar um novo rumo à economia e à sociedade, que vão ser obrigados a reconstruir.

Por enquanto, o futuro é uma completa incógnita –inclusive a existência ou não de um futuro para a humanidade. A única certeza: assim como na canção célebre de Neil Young, estamos saindo do azul e entrando nas trevas.

Quiçá saiamos delas regenerados.

 

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Sugestão de Dilma, a abduzida: “Não têm água? Bebam petróleo!”

A ficha ainda parece não ter caído para a presidenta Dilma Rousseff: como a Petrobrás derrete e encolhe a olhos vistos, mesmo que sobreviva ao tsunami da Operação Lava-Jato, nem remotamente disporá de recursos suficientes para a exploração do pré-sal.

Tão distante da realidade se mostram seus discursos ufanistas que ela dá a impressão de ter sido abduzida e de extraterrestres estarem controlando sua fala, quando diz que o Brasil deve usar os proventos da exploração do pré-sal como “passaporte” para melhorar a qualidade do nosso ensino.

Que proventos, cara pálida? Pois Dilma e o PT estão entre três opções que lhes são igualmente indigestas: ou congelam os planos relativos ao pré-sal, ou privatizam a Petrobrás, ou oferecem mais vantagens aos parceiros estrangeiros.

Isto, claro, dentro da ótica de que o pré-sal seja uma espécie de salvação da lavoura para o Brasil. Mas, será mesmo? Ou representa nossa prestimosa contribuição à marcha da insensatez?

A pergunta que não quer calar é: foi para que ele cravasse pregos no caixão da espécie humana que tanto ralamos, até conseguirmos levar um partido de esquerda ao poder? O sonho virou pesadelo?

Pois, só não vê quem não quer: o aquecimento global e as alterações climáticas já estão secando nossas torneiras, como um trailer das catástrofes terríveis que nos aguardam adiante. O petróleo é fóssil e ameaça tornar-nos, a todos, fósseis.

Vamos, por um punhado de dólares, agravar um quadro que já é dos mais agourentos? De que adiantará a melhora da qualidade do ensino, se não houver sobreviventes para aprenderem?

Talvez a Dilma, como a rainha Maria Antonieta, aponte esta solução imediata para os sedentos: “Não têm água? Bebam petróleo!”.

E mais tarde, quando estivermos sucumbindo à devastação global, complete: “Pelo menos, morremos educados!”.

“F…-se o mundo!” deixou de ser gracejo

Primeiro vieram os alertas de que as alterações climáticas convulsionariam o planeta, ameaçando a própria sobrevivência da espécie humana.

Depois, os que lucram com as práticas causadoras do aquecimento global e da dilapidação de recursos essenciais para continuarmos a existir, contra-atacaram com uma verdadeira blietzkrieg de propaganda enganosa.

 No capitalismo todos se vendem, até cientistas. Então, não foi difícil encontrar quem preferisse um bom saldo bancário do que boas perspectivas para  os pósteros. É a velha história do “eu não me chamo Raimundo”. Mesmo quando “f…-se o mundo!” deixou de ser gracejo, tornando-se possibilidade concreta.

Veio Fukushima e poucos notaram que as inundações e terremotos causados pelos distúrbios do clima poderão ter efeito semelhante em qualquer usina nuclear do planeta. São bombas-relógio que armamos para nós mesmos.  Passamos tanto tempo temendo que o fim do mundo viesse com as superpotências iniciando uma guerra atômica e não nos demos conta de que a radiação poderá se abater sobre nós… por acaso.

Mas, os grandes poluidores e os grandes devastadores continuam auferindo grandes lucros. Já as chances de haver um século 22 deixaram de ser grandes e diminuem cada vez mais.

E ainda há quem acredite que uma campanha eleitoral deva centrar-se em miudezas paroquiais, quando deveríamos, isto sim, estar tentando deter a marcha da insanidade, na economia e no clima.

Eis um novo alerta, desta vez do colunista Marcelo Leite, da Folha de S. Paulo. Faz lembrar um filme agourento do mestre Robert Altman, Quinteto (1979), sobre os estertores da humanidade sob uma nova Era Glacial. Leiam e reflitam:

Seis dias atrás, o oceano Ártico alcançou um recorde notado por pouca gente. A calota de gelo que flutua sobre ele, na região do polo Norte, encolheu para a menor área já registrada: 3,4 milhões de km² (para comparar, o território do Brasil tem 8,5 milhões de km²).

 …são fortes os indícios (…) de uma tendência para sobrar cada vez menos gelo.

Essa tendência foi prevista por sucessivos relatórios do vilipendiado Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, nos quais se apontava que o aquecimento global seria mais rápido e intenso no hemisfério Norte. Só que as projeções do IPCC indicavam um Ártico livre de gelo no verão ali por 2100, e agora parece cada vez mais provável que esse evento descomunal ocorra já nesta década.

Por trás da aparente aceleração estaria o ‘feedback positivo’ temido por climatologistas, ou seja, uma tendência que se realimenta de si própria -uma reação em cadeia.

Menos gelo significa uma área menor de superfície branca para refletir a luz do sol, radiação que passa a ser absorvida pela água escura. Mais quente, o oceano forma menos gelo, e assim por diante.

…um Ártico sem gelo tumultuaria o clima no hemisfério Norte. Paradoxalmente, prevê-se que seus invernos fiquem mais rigorosos.

Por isso, se lá por dezembro ou janeiro caírem nevascas gigantes na Europa ou nos EUA, fique esperto com os murmúrios de que o aquecimento global é pura farsa.

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O capitalismo nos obriga a flertar com a morte

É de Norman O. Brown a tese de que o capitalismo, em sua fase terminal, tornou-se agente da destruição da humanidade.

 

A teorização dele em Vida contra morte (1959) é tão complexa que os resumos se tornam inevitavelmente reducionistas e empobrecedores. É melhor mesmo enfrentarmos a obra, uma das poucas que trazem reais subsídios à compreensão do nosso tempo… mesmo meio século depois!

 

O certo é que, indo além do óbvio ululante de que o capitalismo já esgotou sua função histórica e está prenhe de revolução, O. Brown dissecou com ferramentas freudianas, exaustivamente, as características que o vampiro assume em sua sobrevida artificial, concluindo que ele cataliza as energias destrutivas dos homens, voltando-as contra eles.

 

Fantasioso? Se pensarmos na destruição e no caos que estão à nossa espera nas próximas décadas, decorrentes das agressões insensatas ao meio ambiente, perceberemos que ele foi, isto sim, profético.

 

Vide, p. ex., esta notícia da Agência Brasil, assinada pela repórter Renata Giraldi, que aproveitou despachos da BBC e de outras agências internacionais:

O mundo está ‘perigosamente’ despreparado para lidar com futuros desastres naturais, advertiu a agência de desenvolvimento internacional da Grã-Bretanha. A agência britânica informou que o despreparo é causado pela ausência de contribuição dos países ricos ao fundo de emergência mundial.

 

O fundo de emergência é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas, criada como resposta a tsunamis, com o objetivo de auxiliar regiões afetadas por desastres naturais.

 

De acordo com informações de funcionários da ONU, o fundo emergencial sofre com um déficit equivalente a R$ 130,5 milhões para 2012.

 

A escassez do fundo, segundo especialistas, tem relação direta com a série de tragédias naturais que ocorreram ao longo de 2011, como o tsunami seguido por terremoto no Japão; a sequência de tremores de terra na Nova Zelândia, enchentes no Paquistão e nas Filipinas e fome no Chifre da África.

 

Ontem (26) peritos japoneses e estrangeiros concluíram que medidas de precaução adequadas poderiam ter evitado os acidentes radioativos, na Usina de Fukushima Daiichi, no Nordeste do Japão, em 11 de março deste ano…

 

…Segundo eles, houve falhas no que se refere às influências de terremotos e tsunamis na estrutura física da usina.

Resumo da opereta: o lucro é a prioridade máxima, dane-se a nossa sobrevivência! A mesma lógica perversa se constata numa infinidade de outras ocorrências. O capitalismo nos obriga a flertar com a morte.

 

O pensador nascido no México, filho de um casal estadunidense, apostava na  ressurreição dos corpos, na liberação do erotismo para derrotarmos a repressão e a morte –um pouco na linha de Wilhelm Reich, só que com argumentação bem mais sofisticada.

 

Contudo, deve ser também considerada a tese de Herbert Marcuse sobre a  dessublimação repressiva sob o capitalismo, ou seja, uma dessublimação meia-boca, que não extingue a repressão.

 

É como pode ser considerada a atual banalização do sexo como descarga física, sem real envolvimento amoroso.

 

Ou seja, o sexo casual, coisificado, em que os parceiros usam um ao outro para obterem seu prazer egoísta, sem doação, sem verdadeiramente se complementarem.

 

Este acaba reforçando a repressão, ao deslocá-la para o outro oposto: em lugar do amor com sexo travado de outrora, o sexo animalizado de hoje, dissociado do amor.

 

Já encontrei moças que, nuas e oferecidas, recusavam-se a ser beijadas na boca, como antes era atitude comum das prostitutas. Só faltava repetirem a frase que Hollywood costuma atribuir aos gangstêres: “Não é pessoal, são só negócios”…

 

Neste sentido, acredito em O. Brown: a plenitude amorosa –em que o amor físico e espiritual são uma e a mesma coisa, com a identidade dos parceiros se dissolvendo num conjunto maior, quando um mais um soma bem mais do que dois– continua incompatível com o capitalismo.

 

Transgride-o e o transcende, empurrando os domesticados seres humanos para uma convivência amorosa/harmoniosa com o(a) outro(a) –e, por extensão do mesmo clima, com todos os demais  e com a natureza.

 

Impelindo-os, enfim, à aventura da libertação.