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Lei da Ficha Limpa: o povo como objeto, não sujeito, das mudanças

“Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali, sozinho
Eu vou ficar tanto pior
(Chico Buarque)
Como qualquer cidadão com espírito de justiça, contemplo indignado a falta de critério dos eleitores brasileiros, que elegem notórios corruptos e delinquentes contumazes, espertalhões que trocam falsamente de domicílio eleitoral para concorrerem em grotões onde a vitória é mais fácil, ministros que usaram todo o peso do seu poder para achatar um coitadeza qualquer, etc.

Mas, como revolucionário, só vislumbro um caminho coerente para a erradicação dessa praga: convencermos os eleitores a repudiarem os feios, sujos e malvados da política.

O caminho policialesco de se pressionar autoridades para barrá-los burocraticamente é uma admissão implícita de falta de fé no povo, na possibilidade de esclarecimento do eleitorado.

Equivale a abdicar-se da conquista dos corações e mentes, optando pela imposição da vontade de uma minoria mobilizada sobre a maioria bovinizada.

E os folclóricos da política, os candidatos de mafuá, os Enéas da vida: vamos encontrar um subterfúgio qualquer para impugnar também suas candidaturas?

E essas fanáticas e obscurantistas bancadas evangélicas, como vamos fechar as portas aos mercadores da fé?

No fundo, o rolo compressor virtual que tenta impingir autoritariamente a Lei da Ficha Limpa, inclusive incorrendo no absurdo jurídico da retroatividade, é composto por cidadãos que, por enxergarem um pouco mais do que os outros, querem enfiar-lhes goela adentro seus valores.

Nem só no cinema (Tropa de Elite) e no futebol (Dunga) o autoritarismo escorraçado pelo povo brasileiro em 1985 insinua-se sorrateiramente, tentando voltar pela porta dos fundos; certas correntes virtuais fazem lembrar os ferrabrazes que iniciaram as escaladas de Hitler e Mussolini.

Repito: revolucionários existem para livrar o povo de sua cegueira, a fim de que ele possa ser o sujeito na construção de uma História diferente.

Não para arrastá-lo, como objeto, na direção que se crê ser melhor para ele.

OS VÉUS QUE OCULTAM A
FACE MEDONHA DO VILÃO

A pior mazela dos políticos não são as pequenas falcatruas que praticam, mas sua subserviência aos valores do capitalismo, que norteiam e nortearão toda sua atuação, irremediavelmente, enquanto não resgatarmos a humanidade do primado do lucro sobre as necessidades humanas.

Tendem a ser desonestos porque o sistema a que estamos submetidos estimula a ganância, o privilégio e a competitividade, o “levar vantagem” sobre os outros a todo custo e por quaisquer meios. É o sistema o inimigo, não seus zumbis, os indivíduos por ele teleguiados.

Bem mais danosa para os eleitores é a atuação limpa dos políticos, ajudando a estabelecer e manter a exploração do homem pelo homem, do que essas delinquências de ladrões de galinhas de que tanto se ocupa a imprensa burguesa, exatamente para desviar a atenção do principal: mais do que qualquer um dos que o servem, o capitalismo, em si, é criminoso e constitui ameaça terrível para a sobrevivência da humanidade.

Quando discernirmos quem é o verdadeiro vilão estaremos no caminho certo para o combatermos. Por enquanto, ingenuamente, ajudamos a manter as ilusões que convêm aos poderosos, os muitos véus atrás dos quais o vilão oculta sua face medonha.

Desde os tempos da UDN, já lá se vai mais de meio século, o moralismo na política serve aos objetivos da direita, duma ou doutra maneira.

Pois parte do pressuposto e inspira esperanças de que o sistema possa ser saneado, purificado, quando, na verdade, está podre até a medula e tem de ser revolucionado.

Trabalhei, duas décadas atrás, na assessoria de comunicação do Palácio dos Bandeirantes. Dia após dia, ficava enojado com os dirigentes do Estado mais poderoso do Brasil: velhacos e pulhas, quase todos.

De vez em quando, havia solenidades às quais compareciam os prefeitos e presidentes de câmaras municipais de todos os municípios paulistas. Tinha vontade de chorar: saltava aos olhos que quem tentava sofregamente substituir os poderosos chefões não passava de mais do mesmo, piorado.

Eles tinham todos os defeitos dos que haviam chegado ao topo da carreira, acrescidos de uma crassa ignorância. A versão tosca daquela ralé moral da qual eu era profissionalmente obrigado a me ocupar, tapando o nariz.

Enfim, fico pasmo ao constatar que muitos companheiros de esquerda contribuem para colocar a cidadania correndo atrás de miragens. Quanto tempo desperdiçamos percorrendo caminhos que não levam a lugar nenhum!

OS CAÇADORES DE CABEÇAS
E OS JUDAS DE OCASIÃO

E vejo com enorme apreensão esses rolos compressores que se formam para impor medidas ao arrepio do Direito.

Quem só leva em conta o interesse imediato aplaude: aberrações como a retroatividade implícita que o Tribunal Superior Eleitoral acatou, servem ao objetivo do momento.

Mas, e quando os contestadores do sistema formos enquadrados em leis que nem sequer existiam quando os atos imputados ocorreram, acharemos graça?

Pois, enquanto durar o capitalismo, seremos sempre nós, os empenhados em construir uma sociedade mais justa e igualitária, os alvos preferenciais das injustiças.

Se ajudarmos a implodir barreiras contra o autoritarismo, acabaremos prejudicados adiante, correndo o risco de ser linchados por vias legais. Como o foi Cesare Battisti no julgamento italiano, realizado num período em que os rolos compressores esmagavam o Direito na terra de Mussolini.

Então, apesar de ter sido sempre crítico contundente de Gilmar Mendes, tendo várias vezes o apontado como o presidente mais parcial e desastroso da história do STF; apesar de desprezar profundamente o ministro José Antonio Dias Tóffoli, por sua omissão vergonhosa no Caso Battisti; apesar de considerar particularmente desprezível o senador Heráclito Fortes; ainda assim lembro que a Lei da Ficha Limpa, da forma como querem aplicá-la, é juridicamente insustentável e comporta mesmo os questionamentos legais que lhe estão sendo feitos, bem como a concessão de liminares para sustar seus efeitos.

Chega de populismo primário e irresponsável! Nosso papel é o de elevar a consciência política dos cidadãos, para que eles possam tomar seu destino em mãos.

Não o de tangê-los a agirem como caçadores de cabeças, justiceiros que se limitam a malhar os Judas de ocasião, sem que isto sequer arranhe os fundamentos da dominação capitalista.

Botaram fantasia de preso no Arruda

“Parece que uma das características do carnaval é dar aos escravos de qualquer época o direito de criticar e zombar de seus senhores”, avaliou a pesquisadora Eneida, em sua História do Carnaval Carioca.

Bem dentro desse espírito, o Superior Tribunal de Justiça colocou o (des)governador do Distrito Federal José Roberto Arruda atrás de grades — apenas simbólicas, já que passou a noite de 5ª para 6ª feira confortavelmente instalado no gabinete da diretoria do Instituto Nacional de Criminalística.

E ninguém duvida de que o Supremo Tribunal Federal acabará soltando Arruda, cujo azar foi seu pedido de habeas corpus ter caído nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, um dos que honram a toga.
Ele adiou a decisão por faltarem alguns elementos para análise liminar da ação… e, provavelmente, para que Arruda recebesse ao menos uma punição moral.

Em último caso, entretanto, o presidente Gilmar Mendes dará um jeito de restabelecer a ordem natural das coisas.

Até nosso bom Lula teria lamentado, segundo um assessor próximo, que os acontecimentos houvessem chegado ao ponto de ser pedida a prisão de um governador.

Cá com meus botões, apostaria que a possibilidade de Arruda ser finalmente expelido do governo é muito maior do que a de passar uma temporada preso.

Fico me lembrando de como os militantes revolucionários dos anos 60 encarávamos tais casos de corrupção: nós os víamos como intrínsecos ao capitalismo, e não meramente circunstanciais.

Ou seja, só teriam fim a partir de uma mudança profunda da organização econômica, política e social do País.

Para quem considera que a propriedade é o roubo (anarquistas) ou que o capitalismo se alicerça sobre a usurpação individual de parte do produto do trabalho coletivo (marxistas), é esta a distorção suprema de nossa sociedade, não a corrupção dos políticos — os quais devem ser tidos como meros ladrões de galinhas, na comparação com os banqueiros e os grandes empresários.

Os tão alardeados prejuízos que os políticos causam aos pagadores de impostos são irrisórios, insignificantes ao extremo, em relação à rapinagem legalizada que o capital pratica contra a totalidade dos brasileiros.

Mas, claro, interessa ao sistema, por meio de sua indústria cultural, manter a plebe ignara sempre mesmerizada pela árvore e incapaz de perceber a floresta por trás dela.

O combate à corrupção fornece catarse para as massas e, em momentos de crise, enseja mobilizações golpistas. Não por acaso, foi um dos principais motes da quartelada de 1964, apelidada de redentora porque se propunha a moralizar os costumes políticos brasileiros.

Daí a amarga crítica feita pelos revolucionários mais consequentes aos agrupamentos de esquerda que, embarcando nos desvarios populistas, ajudaram a minar o governo João Goulart, ao fazerem coro às acusações lançadas pela direita. No fundo, só serviram para colocar azeitona na empada dos golpistas.

O “HOMEM DA VASSOURA” E O “ROUBA-MAS-FAZ

As desventuras momentâneas do Arruda lembram episódios do populismo pré-1964, como a acusação feita a Adhemar de Barros (o rouba-mas-faz anterior a Paulo Maluf), de que em 1949 abusara de seu poder como governador paulista para obter um empréstimo irregular do Banco do Estado de São Paulo, visando à aquisição de dez automóveis Chevrolet.

A denúncia foi exumada em 1956 por Jânio Quadros, que se definia politicamente como o anti-Adhemar.

Jânio tinha como símbolo a vassoura, que serviria para varrer a roubalheira do rato Adhemar. E, na esperança de liquidar politicamente o rival, arrancou do Tribunal de Justiça de São Paulo sua tardia condenação a dois anos de reclusão, por peculato.

Acabaram sendo apenas dois meses de exílio na Bolívia, para onde fugiu.

Beneficiado por habeas corpus do STF (Gilmar Mendes teve predecessores…), Adhemar de Barros voltou em triunfo, elegeu-se prefeito da capital e, em seguida, governador do Estado, posição a partir da qual apoiou fortemente o esquema golpista de 1964.

Já Jânio Quadros, o caçador de roedores que inspiraria o caçador de marajás, alcançou a Presidência em 1960, com a maior votação até então obtida por um candidato ao posto máximo da República, vencendo de forma esmagadora o marechal Henrique Lott.

Fez um governo anedótico, entre 31/01/1961 e 25/08/1961, ocupando-se de ninharias como a proibição das rinhas de galo, do lança-perfume nos bailes de carnaval e do televisionamento de concursos de miss nos quais as ditas cujas trajassem biquinis.

Ao renunciar na esperança de que o povo o reconduzisse ao poder com poderes ampliados, abriu, isto sim, as portas para as duas tentativas dos conspiradores militares: a que fracassou em 1961 e a que resultou em 1964.

Invertendo a frase célebre de Hegel, as farsas do populismo criaram condições para a tragédia que se abateu por 21 anos sobre o Brasil.

IMPUNIDADE APÓS A REDEMOCRATIZAÇÃO

É claro que a atual impunidade dos poderosos — de Pimenta Neves até José Sarney, passando por banqueiros como Dantas e mensaleiros como Palocci — ofende profundamente o espírito de justiça de que todos nós somos dotados, segundo Platão.

O Brasil consegue ser o pior dos mundos possíveis, com a inclemência capitalista elevada ao máximo e nem sombra da igualdade de todos perante a lei que é erigida em valor importante nos países capitalistas avançados (muito deixa de vir à tona, claro, mas quando figurões são flagrados, dificilmente escapam da punição).

Vai daí que que o opróbrio de um Arruda nos lava a alma, depois de tantos episódios que tiveram desfechos pífios.

Mas, é pouco e por aí não chegaremos a lugar nenhum: o verdadeiro desafio continua sendo o de mudarmos as estruturas.

P.S.: no início da tarde, saiu a decisão do ministro Marco Aurélio, negando o habeas corpus a Arruda, que permanecerá preso pelo menos até a 4ª feira de cinzas, quando o STF vai apreciar seu caso. Aí, a tendência é de que  poderes mais altos se alevantem, como diria Camões…

Sarney vocifera contra a imprensa. Quem a mandou mostrar sua nudez?

Como Collor, Calheiros, Palocci, Severino e tantos outros do mesmo quilate, o presidente de fato do Senado José Sarney está profundamente irritado com a imprensa por haver denunciado as práticas ilegais de que foi responsável por ação ou omissão.

Digo de fato porque, se prevalecesse o Direito, ele teria sido não só expelido da presidência da Casa, como também perdido o mandato. Aliás, nem sequer o haveriam empossado, já que disputou a eleição com domicílio eleitoral sabidamente fictício.

Ao ler que Sarney discursou na sessão solene relativa ao Dia Internacional da Democracia (!), fiquei lamentando que o grande Sérgio Porto, a.k.a. Stanislaw Ponte Preta, não esteja mais entre nós. Ele acrescentaria outra ocorrência emblemática ao seu Festival de Besteiras que Assola o País.

A queixa de Sarney é, na verdade, a de que o crucificam por práticas nas quais incidem muitos e muitos dos seus pares.

Vou surpreender os meus leitores: nisto ele tem toda razão. É próprio da hipocrisia latina deixar um boi ser sacrificado às piranhas para o resto da boiada não ser incomodado. Mantêm-se as aparências e a verdadeira justiça vai pro ralo.

Pior ainda, entretanto, é termos descido mais um degrau na escada da civilização: agora, não se punem nem mesmo os delinquentes políticos pilhados em flagrante.

Como resultado, o cidadão comum se torna absolutamente cético quanto à possibilidade de que a política sirva para a concretização dos grandes ideais da humanidade.

Quem foi um dia de esquerda e hoje não vê nada de errado em aliar-se a Collor, Calheiros e Sarney, ou em absolver quem jogou todo o peso do Estado em cima de um coitadeza qualquer, na verdade define-se como um utilitarista, adepto da ignomínia de que todos e quaisquer meios sejam válidos para ele atingir seus grandes objetivos .

Mas, revolucionários de formação marxista são dialéticos, acreditando, isto sim, na interação entre fins e meios: quem recorre a meios espúrios, torna espúrios os próprios objetivos que persegue.

Para a direita, pouco importa ser associada a essas figuras execráveis. Ela não aspira à superioridade moral. Quer apenas nos impingir o conceito niilista de que a política é mesmo imunda e não adianta remarmos contra a corrente.

Já um marxista está tentando construir uma sociedade que só existe, por enquanto, em seus sonhos. Então, a imagem que os cidadãos comuns têm do socialismo é dada pelo comportamento daqueles que o defendem.

Daí a conclusão a que eles chegaram na melancólica década atual: “Se é para os Collor, Sarney, Calheiros e Palocci continuarem impunes e poderosos, não vale a pena desperdiçarmos nosso tempo e nossas energias tentando implantar o socialismo.Temos é de zelar por nossos interesses. Que se dane o mundo!”.

Ou seja, em nome das conveniências imediatas da politicalha sórdida, leva-se o cidadão comum a concluir que direitistas e esquerdistas são todos farinha do mesmo saco.

Ainda pagaremos muito caro por esse relativismo moral (ou imediatismo imoral).

De resto, nada do que Sarney diga vale grande coisa, daí eu ter deixado para o final seu desabafo. Enfim, vamos ao besteirol:

“A tecnologia levou os instrumentos de comunicação a tal nível que a grande discussão que se trava é justamente esta: quem representa o povo? Diz a mídia: somos nós; e dizemos nós, representantes do povo: somos nós. É por essa contradição que existe hoje, um contra o outro, que, de certo modo, a mídia passou a ser uma inimiga das instituições representativas”.

Legislativo e imprensa só representam o povo quando cumprem suas respectivas missões.

A do Legislativo seria expurgar-se dos Sarney e congêneres. Não o fez e dificilmente o fará.

A da imprensa é disponibilizar a verdade ao cidadão comum. Só o faz nos momentos em que seus interesses estão divididos.

Quando se trata de criminalizar os movimentos sociais ou os personagens históricos que lutam/lutaram contra o jugo do capital (caso de Cesare Battisti), a imprensa só tem representado, monoliticamente, os interesses da burguesia. Atua com tendenciosidade absoluta, estarrecedora.

Quando denuncia os podres dos Sarney da vida, mesmo que para beneficiar adversários igualmente pútridos, acaba agindo, sim, como representante do povo… por linhas tortas.

Pois é nesses tiroteios que ficamos sabendo a verdade sobre ambos os lados.

A leitura que o cidadão comum faz é exatamente esta: acredita em tudo de que um acusa o outro e não dá a mínima para as desculpas esfarrapadas de parte a parte…

Daí o que há muito clamo, no deserto desta política em que os ideais cederam lugar aos interesses e às conveniências: se quisermos ser novamente respeitados pelo povo, como o éramos no momento da redemocratização, teremos de organizar a cidadania fora do sistema e contra o sistema.

Pois o inimigo, hoje, não é apenas o capitalismo globalizado, mas também o Estado que o representa e perpetua.

O qual atingiu tal estágio de putrefação que já não pode ser redimido de dentro, condenando os que tentam fazê-lo, mesmo honestos, a ficarem patinhando sem sair do lugar.

Teremos de engendrar a alternativa fora dele.

O rescaldo do apagão judiciário

“O relator deste caso é — logo quem! — Gilmar Mendes (…). Se precedentes significam algo, vem aí uma decisão tão aberrante quanto a tomada no julgamento do diploma de jornalista, que teve Mendes como relator. Os rumores em Brasília são de que, utilizando filigranas jurídicas, o STF absolverá Palocci.” (prognóstico certeiro do blogue Náufrago da Utopia, três dias antes da decisão aberrante)

“Se você perguntar a qualquer um do povo se ele acha que Palocci mandou quebrar o sigilo, verá que a sensação é de que ele tinha interesse nisso. Ele é o único beneficiado. Isso é de uma clareza solar. A corda acabou estourando do lado mais fraco, como sempre.” (Marco Aurélio Mello, ministro do STF)

“No recebimento de uma denúncia, exige-se que a autoria e a materialidade do crime estejam presentes. Depois, no curso do processo, discute-se se há provas suficientes. O Supremo, porém, discutiu se o ministro sabia ou não da quebra. Olha, tanto o Palocci sabia que, na época, ele perdeu o cargo! O que o STF fez foi uma ‘absolvição sumária’.” (Luiza Cristina Frischeisen, procuradora regional da República)

“O Ministério Público tinha indícios contundentes para abrir um processo contra Palocci. A decisão do Supremo, mais uma vez, é contrária à sociedade.” (Janice Ascari, procuradora regional da República)

“O que significa, afinal, um episódio de violação de sigilo bancário, promovida em retaliação a um serviçal doméstico, diante do excelente trânsito de Palocci nos setores que contam para o governo, seus sustentáculos na área empresarial e financeira?” (Folha de S. Paulo, editorial)

“Essa foi a lição ministrada pelo STF a caseiros, mordomos, secretárias e motoristas de poderosos: tomem cuidado. Suas palavras não valem nada. Terão efeito nulo se desejarem relatar alguma impostura. Todos vocês correm o risco de terem suas vidas devassadas.” (Fernando Rodrigues, colunista)

“Tem gosto pra tudo. Pra elogiar Mussolini, Hitler, Pinochet, Átila, Gengis Khan, Vlad Dracul, a ditadura militar… e até as abomináveis manipulações da Justiça em proveito dos poderosos que marcam a trajetória do Robin Hood às avessas responsável pelo apagão judiciário de anteontem.” (resposta que dei a um comentário no CMI)

“Eu, brasileiro, confesso/ Minha culpa, meu degredo/ Pão seco de cada dia/ Tropical melancolia/ Negra solidão/ (…) Aqui, meu pânico e glória/ Aqui, meu laço e cadeia/ Conheço bem minha história/ Começa na lua cheia/ E termina antes do fim/ Aqui é o fim do mundo/ Aqui é o fim do mundo/ Aqui é o fim do mundo” (Marginália II, canção que foi composta por Gilberto Gil e Torquato Neto há quatro décadas, mas cuja atualidade ficou comprovada anteontem)

O espírito de justiça e a nudez do rei

Ontem fiz duas palestras sobre ditadura x direitos humanos, na Faculdade de Direito de Sorocaba, interior paulista.
Fui lá a convite do Centro Acadêmico. E percebi o de sempre: cidadão que pegou em armas contra o regime militar continua sendo encarado com desconfiança (para não dizer hostilidade contida) por alguns pilares da comunidade.

Mas, os jovens não têm tais prevenções. Alguns até haviam escutado as falácias das viúvas da ditadura a respeito dos resistentes. Só que não lhes dão crédito absoluto: vêm me perguntar se são ou não expressão da verdade. E tiram suas conclusões.

Voltei para casa de táxi, cortesia dos organizadores do evento. E o motorista, nordestino e falante, veio discorrendo com muita propriedade sobre religiões.

Lá pelas tantas, ele me disse que toda pessoa, no íntimo, sabe o que é certo e o que é errado.

Comentei que Platão, há milênios, constatou o mesmo, ao se referir ao espírito de justiça que nos é inerente. Ele ignorava a frase célebre.

Fiquei matutando sobre isso. Como o homem comum, na era da internet, passou a confiar mais no resultado de suas reflexões, em vez de acatar bovinamente a posição das autoridades e otoridades.

Este vem sendo meu grande trunfo nas batalhas de opinião pública dos anos recentes: a que travei por minha anistia de ex-preso político e a que estou travando pela liberdade de Cesare Battisti.

Sempre que consegui tornar a verdade acessível e compreensível para quaisquer cidadãos, obtive retorno.

É até uma reação previsível, face à terrível desmoralização das nossas instituições.

Gilmar Mendes disse que, para tomar suas decisões jurídicas, jamais levará em conta a opinião do homem da esquina.

Ele se considera o sacerdote que detém o monopólio da interpretação da palavra divina, então está se lixando para o que qualquer zé mané pense.

Não lhe caiu ainda a ficha de que o zé mané também está se lixando para a pretensão de infalibilidade dos doutos. Já não engole que os estudados e os togados estejam sempre certos. Quer que lhe apresentem argumentos, não diplomas, títulos e cargos.

Então, o zé mané sabe que Sarney era, sim, culpado das acusações que lhe foram feitas. E deveria, sim, ter sido expelido da presidência do Senado.

Erro crasso do PT é privilegiar o placar oficial e esquecer o moral. Salvou Sarney por meio a zero. Moralmente, o placar foi de 10 x 0… contra. As consequências virão, com o tempo.

Ontem, Gilmar Mendes, como relator, conduziu o Supremo Tribunal Federal à decisão que interessava ao Poder: isentar Antonio Palocci de uma culpa que salta aos olhos e clama aos céus.

Linguajar pomposo à parte, o que ele alegou foi:

  1. o então ministro da Fazenda Palocci sofreu acusação vexatória do caseiro Francenildo;
  2. Palocci era a pessoa mais interessada, no Brasil inteiro, em desacreditar Francenildo;
  3. Palocci detinha autoridade de fato sobre o então presidente da Caixa Econômica Federal;
  4. o presidente da CEF não tinha motivo real nenhum (o que declarou foi risível) para interessar-se pessoalmente pela movimentação bancária de Francenildo, dentre os milhões de correntistas da instituição;
  5. o presidente da CEF requisitou os dados e os levou até a casa de Palocci;
  6. por uma feliz coincidência, lá estava também um assessor de imprensa;
  7. Palocci leu;
  8. o assessor distribuiu à imprensa;
  9. mas, não há como provar que foi Palocci quem pediu que os dados lhe fossem mostrados, nem que ele tivesse ordenado ao assessor para divulgá-los, já que os outros dois não admitiram isso;
  10. então, o único que cometeu um delito foi o ex-presidente da CEF.
Para quem passou da idade de acreditar em Papai Noel, fada dos dentes e saci-pererê, essa insólita reunião na casa de Palocci foi obviamente tramada para produzir o resultado que produziu. E a ligação entre os personagens secundários só aconteceu porque foram convocados pelo personagem principal.

Ademais, mesmo ao zé mané mais crédulo ocorreria a pergunta que não quer calar: se dar conhecimento a terceiros de dados sigilosos que se detém em função do cargo ocupado é crime, como um ministro de Estado pôde testemunhar o crime cometido pelo presidente da CEF sem tomar providência nenhuma contra seu autor?

Outra: se Palocci, não sendo um zé mané, estava ciente de que o presidente da CEF não tinha o direito de lhe revelar a movimentação bancária de Francenildo, por que não procedeu como um homem honrado faria, recusando-se a ler o que lhe era ilicitamente oferecido?

Enfim, com malabarismos e interpretações tortuosas pode-se criar a ilusão de que a conduta de Palocci não feriu a letra da Lei, só o alfabeto completo da ética. Mas, o espírito de Justiça continuará levando cada zé mané a concluir, corretamente, que tanto o mandante quanto o segundo pau mandado também eram culpados.

É por essas e outras que, explicando as coisas direitinho às pessoas, evitando que sejam enroladas pela linguagem cifrada dos doutos, conseguimos resultados surpreendentes.

Como o de, a partir da internet, equilibrarmos a batalha de opinião em torno do destino de Cesare Battisti, apesar da extrema tendenciosidade da imprensa burguesa.

Temos o espírito de justiça ao nosso lado. E, cada vez mais, a conquista dos corações e mentes é que determinará o desfecho dos episódios.

Pois até o homem da esquina está enxergando a nudez dos reis, nesta fase deplorável de nossa história republicana.