O livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr, está entre os dez mais vendidos em livrarias e sites de literatura. No entanto, na lista dos 20 mais vendidos da revista Veja, a publicação não aparece em nenhuma das posições.
Segundo as livrarias Cultura, Publifolha e Saraiva, além do site especializado Publishnews, o livro que divulga possíveis irregularidades cometidas por integrantes do PSDB figura no 2º lugar entre os mais vendidos, na categoria não-ficção, perdendo apenas para o livro Steve Jobs, de Walter Isaacson. A obra de Ribeiro Jr aparece em 10º no ranking anual da Fnac.
No lugar em que deveria aparecer A Privataria Tucana, a Veja destaca o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch. Nas outras listas, o livro de Narloch aparece apenas na 15ª posição.
Livro não aparece em nenhuma das 20 posições da Veja
A Privataria Tucana, editado pela Geração Editorial, é resultado de 12 anos de trabalho do ex-repórter do jornal O Globo e Estado de Minas, Amauri Rineiro Jr., que acabou indiciado pela Polícia Federal por suspeita de participar de um grupo que tentou quebrar o sigilo fiscal e bancário de políticos tucanos.
Segundo o jornalista, Serra tentou investigar detalhes da vida política de Aécio Neves, do mesmo partido, já que os dois disputavam internamente a candidatura à presidência da República, nas eleições de 2010. Irritado com a repercussão, Serra negou as acusações descritas na obra e chegou a chamar o livro de “lixo”.
Procurada pelo Comunique-se, a revista Veja preferiu não se pronunciar.
Um dos assuntos mais comentados nos últimos dias, o livro “A privataria tucana”, de Amaury Ribeiro Jr., será tema do debate “A Privataria Tucana e o Silêncio da Mídia”, promovido pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, na próxima quarta-feira (21/12).
Para o debate também estarão presentes o jornalista e blogueiro Paulo Henrique Amorim e o deputado federal autor do pedido da instalação da CPI da Privataria Protógenes Queiroz.
Na ocasião, também haverá o coquetel de lançamento do livro e festa de confraternização de fim de ano do Centro de Estudos Barão de Itararé. O evento acontecerá no Sindicato dos Bancários de São Paulo (Rua São Bento, 413), a partir das 19h.
Como e porque o empresário Gregório Marin Preciado, primo, amigo e ex-sócio de José Serra, depositou US$ 1,2 milhão na conta da empresa Franton Interprises pertencente ao ex-tesoureiro de campanha do candidato do PSDB à Presidência, Ricardo Sérgio de Oliveira. E por que a maior parte de tais depósitos ocorreu justamente no ano eleitoral de 2002 quando Serra concorreu contra Lula? Estas duas questões foram levantadas ontem (segunda) pelo jornalista Amaury Ribeiro Junior, em documento distribuído à imprensa após seu depoimento à Polícia Federal, em Brasília. Ao fim de seu quarto depoimento, o repórter foi indiciado pela PF sob a acusação de que encomendou a quebra de sigilo fiscal de familiares de Serra e praticou outros três crimes. Ribeiro Junior contesta as acusações.
Os depósitos do primo de Serra beneficiando seu caixa de campanha – e de Fernando Henrique Cardoso – somente agora foram revelados, embora sejam datados de 2001 e 2002. Mais importante: estão comprovados documentalmente em material obtido pelo repórter através de uma ação de exceção da verdade na Justiça de São Paulo. Estão presentes nos extratos da chamada conta Beacon Hill do banco JP Morgan Chase, de Nova York. A Beacon Hill nada mais é senão uma conta aberta pela empresa Beacon Hill Service Corporation (BHSC) onde eram administradas muitas subcontas com titulares ocultos. Nos EUA, a BHSC foi condenada em 2004 por operar contra a lei.
Tais documentos bancários constam do relatório da CPMI do Banestado, de 2004, e foram, até agora, ignorados pela mídia.
Casado com uma prima de Serra, Preciado realizou, no mínimo, sete depósitos beneficiando Ricardo Sérgio, também conhecido como o grande articulador dos consórcios de privatização no período FHC. O menor no valor de US$ 17 mil, no dia 3 de outubro de 2001, e o maior – de US$ 375 mil – em 15 de outubro de 2002. A proximidade com Serra valeu a Preciado, por exemplo, uma nomeação para o conselho de administração do antigo Banespa.
Posteriormente, com a ajuda de Ricardo Sérgio, Preciado renegociou uma dívida milionária junto ao Banco do Brasil, reduzindo seu valor em mais de 100 vezes. E ainda com o apoio do ex-caixa de Serra, mesmo na condição de devedor contumaz do BB, Preciado conseguiu a participação do banco no consórcio Guaraniana, que arrematou três estatais de energia elétrica no nordeste. No Guaraniana, Preciado, de origem espanhola, representou a Iberdrola, da Espanha.
O segundo ponto levantado por Ribeiro Junior também é inédito. Trata-se dos depósitos realizados pela empresa Infinity Trading e também favorecendo a Franton, do ex-caixa de Serra. O repórter descobriu que a Infinity Trading pertence ao empresário Carlos Jereissati, que liderou um dos consórcios que participou dos leilões de privatização e comprou parte da Telebrás. Sempre se suspeitou do pagamento de propina na venda das estatais, mas esta é a primeira vez que aparece um claro indício a respeito e calcado em documentos bancários oficiais. A Infinity Trading depositou comprovadamente mais de US$ 410 mil favorecendo o ex-caixa de Serra.
Esta semana, um importante depoimento veio a público. O autor:
“[…] esclarece que trabalhava na compilação dos dados das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, em que tinha Ricardo Sérgio de Oliveira como operador principal da formação dos consórcios que participaram das privatizações das teles, cobrança de propina e criador do modus operandi utilizado para internar valores escusos das Ilhas Virgens Britânicas no Brasil, que inclusive se compromete a oferecer para juntada aos autos todo o material coletado ao longo de seu trabalho, o qual esclarecerá o detalhadamente esquema mencionado acima”.
No mínimo curioso, né? Este é um trecho do depoimento do jornalista Amaury Martins Ribeiro Júnior (foto) à Polícia Federal, obtido com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo. Ótima para publicar, não? Para alguns não. Ele contou à PF que compilou dados sobre o caso e que “[…] concluída a matéria, em 2001, não conseguiu publicar a mesma no O Globo“. Ele afirma que, somente após sua ida para o Jornal do Brasil conseguiu publicar. [Nota: O Globo é aquele jornal que defende com grande veemência a liberdade de imprensa]
E olha que a pauta é boa, heim. Envolve esquemas de desvio de recursos durante a privatização, beneficiamento ilícito de empresas, pagamento de propina e evasão e divisas, entre outras coisas. A TV Record foi a única que deu até agora:
Em 2007, este notável arquivo vivo de informações bombásticas chamado Amaury Martins Ribeiro Júnior sofreu um atentado quando trabalhava em Brasília, no Correio Brasiliense, e teve de ser transferido para Belo Horizonte.
São coisas graves mesmo: no depoimento – enquanto experiente jornalista, Amaury entende que estava se dirigindo à Polícia Federal -, afirma que documentos “apontavam para a existência de empresas – off shores – sediadas em paraísos fiscais, em nome da filha de José Serra, Verônica Allende Serra e de seu esposo Alexandre Bourgeois; QUE, essas empresas, inclusive, funcionavam no mesmo escritório operado por Ricardo Sérgio de Oliveira, nas Ilhas Virgens.”
Em outro trecho, ele informa que foi procurado por um amigo (Luiz Lanzetta) cuja empresa (Lanza Comunicações) trabalha na campanha de Dilma. Este amigo afirmou que todas as informações que circulavam na casa onde a campanha de Dilma funciona vazavam e pedia a ajuda de Amaury para saber quem era o responsável.
Surge daí uma das “denúncias” da “revista” VEJA: “QUE, cerca de três semanas após deixar Brasília-DF, recebeu um telefonema de Lanzetta [o amigo], que dizia que […] Onézimo e Dadá, seriam “espiões” e teriam dito à Revista Veja que o declarante, Benê e Lanzetta estariam preparando um dossiê para prejudicar o candidato José Serra”.
Ou seja: o delegado aposentado Onésimo de Souza e o sargento da reserva da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo (Dadá) eram os infiltrados, “fogo amigo” dentro da campanha de Dilma, e foram os autores da história inventada que VEJA publicou.
Dadá teria dito então a Amaury que o editor de VEJA, Policarpo Júnior, o acusara de ser do grupo de “aloprados” do tal dossiê. Amaury fez o óbvio: ligou para o próprio Policarpo Júnior para esclarecer essa posição. Ele não só confirmou que achava isso, como disse que Amaury recebeu um dossiê sobre as privatizações ocorridas no Brasil. E aí:
“[…] QUE, o declarante surpreendeu-se quando Policarpo fez uma descrição do citado dossiê, pois teve a certeza de que se tratava do material que produzira e que estava em seu notebook, ou seja, seu futuro livro; QUE, o declarante deseja registrar que nunca entregou tal material a qualquer pessoa e acredita, com veemência, que o mesmo foi copiado de seu notebook, quando ocupava um apartamento do hotel – apart hotel Meliá Brasília, de propriedade de Jorge, cujo sobrenome se recorda, mas esclarece ser responsável pela administração dos gastos da casa do Lago Sul e da campanha de Dilma Roussef; QUE, afirma ter certeza que tal material foi copiado por Rui Falcão, pois somente ele tinha a chave do citado apartamento, pois já havia residido no mesmo.”
Historinha muito mal explicada. Mas o fato é que este depoimento é seríssimo. Estou interessado no seguinte, a partir do documento:
(1) Quais são os dados levantados por Amaury acerca da corrupção e evasão de divisas envolvendo o PSDB? (2) A verdade acerca da autoria dos dossiês, que – segundo Amaury contou à PF – foi produzido por tucanos. (3) Qual o envolvimento de Policarpo Júnior, editor de VEJA, nesta história? Como ele conseguiu dados sigilosos que Amaury diz terem sido roubados de seu laptop? (4) Haverá uma profunda investigação que o caso merece, por parte da Polícia Federal?
Aliás, foi publicado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim a introdução do tal livro, leia aqui ou aqui. O depoimento de Amaury Ribeiro Jr. à Polícia Federal está aqui ou aqui.
Fora isso, poderíamos buscar mais informações sobre a “turma” do Serra e do PSDB, citada nesta matéria. Apenas para dar um exemplo, Gregório Marin Preciado é um espanhol naturalizado brasileiro, casado com a prima de José Serra. Ele tem, digamos, uma ficha não muito legal. Todos os demais não resistiriam à investigação adequada sobre as privatizações no Brasil. Não se trata de perseguir um partido ou grupo político: são milhões e milhões de dólares ilegalmente movimentados, fruto do seu, do meu, do nosso bolso.
Curiosamente, o Estadão – que publicou o documento online – não está nem aí para estes trechos. O foco é na quebra de sigilos de tucanos por parte de Amaury – um direito constitucional quebrado, um absurdo… Mais importante, por exemplo, que evasão de divisas, corrupção ativa, movimentação financeira ilegal em ilhas fiscais…
Amaury negou a Rodrigo Vianna que tenha quebrado alguma vez sigilo fiscal. Aliás, a “revista” VEJA, em mais um factóide patético que só mesmo pessoas totalmente despolitizadas e ignorantes poderiam acreditar, atribuiu a seguinte frase ao secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay: “Não aguento mais receber pedidos da Dilma e do Gilberto Carvalho pra fazer dossiês (…) eu quase fui preso como um dos aloprados”. Abramovay não só negou qualquer coisa do tipo como lamentou o fato de VEJA não fornecer as gravações. “A revista Veja, na edição número 2188 de 2010, afirma ter obtido o áudio de uma gravação clandestina entre mim e um ex-colega de trabalho. Infelizmente a revista se recusou a fornecer o conteúdo da suposta conversa ou mesmo a íntegra de sua transcrição”. Foi capa, claro, mais esta invenção. A fita, óbvio, nunca será mostrada.
Nós havíamos publicado aqui neste Consciência.Net alguns links e o trecho de uma reportagem de Amaury Ribeiro Jr., na ISTOÉ. Ela segue abaixo, bem como outras que temos disponível em arquivo. E há mais algumas aqui.
Relatório do Banco Central incrimina Ricardo Sérgio, que arrecadou dinheiro para Serra, em várias irregularidades Amaury Ribeiro Jr., Revista IstoÉ, 24/3/2002
Principal articulador da formação dos consórcios que disputaram o leilão das empresas de telecomunicações, o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, está tirando o sono da cúpula do PSDB e dos coordenadores da candidatura do senador José Serra. Companheiro de militância política de Serra desde a época do regime militar, Ricardo Sérgio, que em 1998 foi caixa das campanhas de Fernando Henrique Cardoso, para a Presidência, e de Serra, para o Senado, acaba de ser responsabilizado pelo Banco Central por um caminhão de irregularidades que favoreceram a entrada do Banco Opportunity em um consórcio para disputar o leilão da Telebrás. Mantido em absoluto sigilo, o relatório do BC, ao qual ISTOÉ teve acesso, é uma bomba que vai jogar estilhaços por todos os lados. O efeito é tão devastador que uma operação foi montada na Polícia Federal do Rio de Janeiro para abafar o caso.
Amigo de Serra, com quem trabalhou entre 1998 e 1999 no Ministério da Saúde, montando uma central de informações que recrutava arapongas, o superintende da PF no Rio, delegado Marcelo Itagiba, usou um dispositivo que lhe permite promover reformas administrativas internas para afastar na semana passada o delegado que investigava o caso. Deuler da Rocha Gonçalves comandava os dois inquéritos (civil e criminal) que investigam a participação de Ricardo Sérgio e de outros caciques do PSDB nas supostas irregularidades ocorridas no processo de privatização. Os inquéritos foram transferidos para a delegada Patrícia Freitas, recém-chegada aos quadros da PF, que substituiu Deuler na Delegacia de Combate ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais. Depois de ler o relatório do BC, Deuler havia antecipado a amigos que já possuía provas suficientes para indiciar Ricardo Sérgio e outros políticos ligados ao PSDB por falsidade ideológica, estelionato e corrupção.
Composto por atas de reuniões do Opportunity e da diretoria do Banco do Brasil, o relatório do BC, com cerca de 50 páginas, confirma o que o Ministério Público Federal já havia denunciado em 1999: a carta de fiança do BB, no valor de R$ 874 milhões, que permitiu à Solpart Participações Ltda, empresa do Banco Opportunity, participar do leilão, está repleta de irregularidades. De acordo com o BC, a Solpart, que não efetuou nenhum depósito e nem sequer ofereceu garantias para conseguir o empréstimo, foi fundada um mês antes do leilão, ocorrido em setembro de 1998, com o capital social irrisório de R$ 1 mil da Techold. Na avaliação do BC, esse dado já era suficiente para provar que a Solpart, que recebeu o nome inicial de Banco Opportunity Xin S.A., não teria condições de quitar a dívida.
Segundo o relatório, Ricardo Sérgio e os demais diretores do Banco do Brasil mentiram até mesmo na súmula de operações – na qual é analisada a proposta de garantia feita por empresas que tentam obter empréstimos –, ao dizerem que não foram apurados riscos na operação financeira. O risco seria detectado com uma simples consulta interna, que indicaria que a conta da Solpart havia sido aberta no BB cinco dias antes da aprovação do empréstimo. “A carta de fiança foi concedida apenas em critérios subjetivos, sem atentar para princípios da boa técnica bancária como os de seletividade, garantia, liquidez e diversificação dos riscos, demonstrando imprudência na gestão dos negócios da instituição financeira, fato que em tese configura delito”, diz o relatório do BC. O documento compromete também Pérsio Arida, que na condição de presidente do Conselho de Fiscalização do BB referendou a decisão de Ricardo Sérgio. (…)
Junho de 1998, ano da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na agenda política do país, as privatizações e o encolhimento do Estado. E também a oportunidade para que alguns escolhidos, entre eles o banqueiro Daniel Dantas, ganhassem muito dinheiro na venda de empresas estatais, como as de telecomunicações. É bom lembrar o grampo de uma conversa telefônica em que o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, revela ao interlocutor, Ricardo Sérgio de Oliveira, então diretor de relações internacionais do Banco do Brasil e quem mandava nos fundos de pensão, principalmente a Previ, o interesse de um banco de porte médio pelo que se tornaria a Telemar, uma das privatizadas:
– Está tudo acertado – garante Mendonça de Barros – Mas o Opportunity está com um problema de fiança. Não dá para o Banco do Brasil dar?
– Acabei de dar.
– Não é para a Embratel, é para a Telemar.
– Dei para a Embratel e 874 milhões para o Telemar. Nós estamos no limite da nossa irresponsabilidade. São três dias de fiança para ele – responde Ricardo Sérgio.
Tal irresponsabilidade referia-se a dar condições ao banco Opportunity, de Dantas, ligado ao grupo político de Antônio Carlos Magalhães e depois ao próprio FHC, a concorrer em mais um “leilão”. No caso da Telemar, o resultado não foi o esperado: perdeu porque o grupo já havia adquirido a Brasil Telecom (BrT) e a Telemig.
Mas se, nesse caso, a irresponsabilidade chegou perto do limite, ele foi ultrapassado no consórcio que arrematou as outras duas empresas, BrT e Telemig. Montou-se uma teia intricada de associações, totalmente fora dos padrões de mercado, em que, com a minoria das ações, menos de 10% do total dos diversos fundos e empresas, Dantas ficou com a gestão e o controle. Seria interessante alguém explicar por que os detentores de mais de 90% dos papéis de controle da empresa que representava a participação nas privatizadas não tinham nenhum direito. Ao contrário, eram obrigados por contrato a seguir as decisões de Dantas.
No caso dos fundos de pensão, a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, e mais dez fundos têm investido recursos superiores a R$ 2,6 bilhões. Pelos quais nunca receberam dividendos e que poderiam virar pó caso não fossem tomadas medidas para retomar o controle das empresas. A intenção do banqueiro, que até o começo do ano representava o Citibank, sócio dos fundos nas companhias, “era deixar os fundos sem o controle e oportunidade de saída do negócio, com ações sem nenhum valor de mercado”, afirma Francisco Alexandre, diretor de administração eleito pelos funcionários da Previ.
“Na discussão que se trava sobre os acordos e possibilidades de negócio não são apresentados os riscos envolvidos. Como não tínhamos o poder de decisão na cadeia societária, poderiam acontecer vendas sem que a nossa parte fosse respeitada e com isso a Previ arcaria com prejuízos bilionários”, pontua. “É negócio feito no passado, com problemas, e que temos procurado encontrar uma solução que melhor preserve nosso patrimônio. Esse me parece um grande escândalo do governo FHC, pois é algo feito para os fundos entrarem com o dinheiro para nunca mais reaver. Ou seja, um negócio que pode chegar a R$ 3 bilhões em benefício de setores privados. Por que isso foi feito?”, questiona.
A resposta não é fácil, mas várias denúncias surgiram a respeito da atuação de Ricardo Sérgio e Dantas no financiamento de campanhas dos tucanos. E é bom lembrar que suas digitais aparecem também no escândalo recente do governo do PT, com Ricardo Sérgio sendo dono do prédio em que funciona uma das agências de Marcos Valério, e Dantas o principal depositante nas contas das agências, com cerca de R$ 40 milhões mandados à DNA pela Telemig, Amazônia Celular e BrT, controladas pelo banqueiro baiano.
As aparições de Dantas em escândalos não são novidades. Ele foi indiciado pela Polícia Federal pela contratação da empresa internacional de investigações Kroll para espionar a Telecom Italia – outro sócio, com cerca de um terço da BrT – e telefones e e-mails do Palácio do Planalto, em 2003, entre eles o do ex-ministro Luiz Gushiken, acusado de influenciar os fundos de pensão na gestão petista. Há quem garanta que Dantas tentou uma ponte com o governo atual para derrubar o presidente da Previ, Sergio Rosa, e pôr em seu lugar o então presidente do conselho e diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. Pizzolato saiu dos dois cargos há pouco tempo, depois que se descobriu o recebimento de mais de R$ 300 mil das contas de Marcos Valério. Pizzolato diz que apenas mandou um boy buscar uma encomenda no banco a pedido de um amigo, mas até hoje não disse para quem foi o favor.
O esquema das teles
Dantas, há cerca de duas décadas, era apenas um economista talentoso que dava consultoria ao PFL da Bahia, diga-se, a ACM. Mas, já como banqueiro, construiu fortuna e formou no final da década de 1990, no governo tucano, um fundo de investidores para atuar na privatização das teles. Na realidade, dois fundos, um estrangeiro, cujo principal investidor é o Citibank, e um nacional, com dinheiro principalmente dos fundos de pensão. Assim foram arrematadas empresas nas quais, com muito menos dinheiro que os sócios, o Opportunity garantiu numa curiosa série de contratos o controle total.
Na BrT, Previ (do Banco do Brasil), Petrus (Petrobrás), Funcef (Caixa Econômica Federal), Telos (Embratel) e Sistel (hoje Fundação-14, dos funcionários das Teles) entre outros, Citibank e Opportunity compuseram o capital da Zain Participações. O banco de Dantas só entrou com 9,8% por meio de um fundo constituído em Cayman. A Zain detém dois terços da Techold, que por sua vez possui o mesmo percentual da Solpart, sendo o restante da Telecom Italia. Os fundos de pensão, mesmo com uma participação cinco vezes maior do que o Opportunity ficaram sem direito a voto efetivo nas várias holdings. Enquanto isso, o banco de Dantas foi nomeado gestor de todas as empresas da árvore societária.
“A participação do gestor com aquisição de ações na empresa é normal, com o objetivo de comprometê-lo com os resultados”, afirmou Sérgio Rosa, presidente da Previ, em entrevista coletiva em julho. “Mas o Opportunity fez um investimento bem maior do que o usual, com um fundo criado em Cayman, o que provocou conflitos de interesses entre os sócios e o próprio gestor e de seus acionistas que a gente não sabe quem é”, arremata, referindo-se aos investidores estrangeiros. O fundo citado, sediado num paraíso fiscal, foi acusado de angariar recursos entre brasileiros, o que não é permitido.
Mas, além da criação de fundos suspeitos, contratos estranhos e não pagamento de dividendos a acionistas, depois da destituição do Opportunity pelos fundos de pensão, em 2003, outras irregularidades foram encontradas na administração da empresa. Por exemplo, na Zain Participações, que está no alto da cadeia de controle da Brasil Telecom, o banco de Dantas resolveu pagar a si próprio uma taxa de performance, bônus dado ao gestor caso a meta fixada seja ultrapassada, de IGP-M mais 12%, o dobro dos 6% acordados.
Foram descobertas ainda decisões sem autorização do Comitê de Investimentos, como a aquisição do futebol do Esporte Clube Bahia, em 1998, time da terra do banqueiro. O negócio foi descoberto Por que uma empresa de telecomunicação deveria comprar um time e por que o Bahia? A resposta tem muito mais a ver com a liberdade de Dantas para tomar qualquer decisão do que com uma estratégia para dar retorno e remunerar os investidores. Mais grave foi a compra da Telemar, em 2000, por meio do investimento na Argolis, que detinha o controle da empresa de telefonia do Nordeste e Minas Gerais. A operação teve o Citi como parceiro, com novo aporte, o que diluiu a importância dos investidores nacionais na sociedade, que não foram informados nem tiveram a opção de também investir.
Além da contratação de executivos pelas empresas que acabavam trabalhando para o banco e de pagar ações judiciais contra os outros sócios com dinheiro das empresas, Dantas também decidiu comprar três jatinhos de última geração por 35 milhões de dólares, além de mais 15 milhões anuais em manutenção. O custo foi pago pela BrT (70%), Telemig (26%) e Opportunity (3,3%). Quem administra o uso das aeronaves é o banco, que nunca prestou contas como origem e destino das viagens ou o nome de um passageiro sequer.
Mas todo esse prejuízo é pequeno diante do que se diz ser o verdadeiro objetivo do banqueiro, a perpetuação no controle de todas as sociedades e a desvalorização da participação dos sócios para comprá-la a preços irrisórios. Como aconteceu com a canadense Telesystem International Wireless (TIW) – parceira estratégica na Telemig –, que acabou se tornando uma “minoritária de luxo”, perdia todas as votações e assistia à desvalorização de seus papéis. “A tática do Opportunity era não cumprir determinados passos previstos na discussão original quando se montaram os consórcios, criar problemas com os sócios a tal ponto que, no limite, aceitassem vender suas participações muito baratas para o próprio Opportunity”, sintetiza Sérgio Rosa.
Foi o que aconteceu com a TIW, que vendeu suas ações ao banqueiro por 65 milhões de dólares, mais ou menos um sexto do valor original investido para adquirir a Telemig. Pechincha mantida em segredo, cujos “parceiros” não tiveram direito a participar da compra.
Pela estratégia original, os fundos compraram participações nas teles para valorizar o negócio e vender no futuro, o que deveria ocorrer entre setembro de 2005 e 2007. O Citibank, que até o começo deste ano trabalhava próximo ao Opportunity, também investiu para vender com lucro, e chegou a obter garantias de retorno de seu dinheiro de Dantas, o que não foi oferecido ao fundo nacional. Pior foi ver sua saída ameaçada pela pretendida compra da Telemig pela BrT, que se desenhava em 2003 e que geraria problemas legais e novamente a diluição do valor das ações dos fundos de pensão.
Opportunity fora – Depois da perda de confiança, os fundos de pensão se mobilizaram para destituir o banco como gestor do fundo nacional. Conseguiram, em outubro de 2003, com cerca de 99% de votos válidos, impedindo por meio de liminares os votos controlados por Dantas, sob alegação de conflito de interesses. A partir daí, mais de cem ações judiciais foram movidas pelo Opportunity. O pior, usando o dinheiro do caixa das empresas para processar os sócios.
Mas o Opportunity ainda tinha muito poder de fogo por contar com a confiança do Citibank, principal investidor do fundo estrangeiro. Confiança perdida depois que constatou, em auditorias a partir de 2004, problemas semelhantes aos encontrados pelos sócios nacionais. A muito custo também, destituiu Dantas da gestão de seu fundo, com ações judiciais nos tribunais dos Estados Unidos, onde o acordo foi selado em 1998.
Depois que os objetivos passaram a ter a mesma direção, o Citi começou a negociar com os fundos de pensão para valorizarem e venderem suas ações em conjunto. O que envolveu uma opção de venda da participação do banco norte-americano, fechada em março deste ano.
Isso quer dizer que, entre o final de 2007 e o início de 2008, caso não apareça algum comprador único das participações de ambos, os fundos serão obrigados a comprar as ações do Citi por 1,45 bilhão de dólares na BrT e 305 milhões na Telemar.
A posição foi embargada pelo Tribunal de Contas da União, com parecer do ministro Benjamin Zymler, por medida do deputado João Alberto Fraga (PFL-DF), um dos membros da tropa de choque de Dantas no Congresso, como afirma a revista Carta Capital. A mesma tropa de choque que conta nas suas fileiras com o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, que fez uma manobra há poucos dias para que o banqueiro fosse ouvido na CPI antes da análise de seu sigilo fiscal, que fora quebrado. Mesmo assim, a CPI terá muito a questionar e desvendar. E um bom caminho é saber como conseguiu tantos contratos vultosos, nos quais só ele e seu grupo eram favorecidos, usando o dinheiro dos fundos de pensão à época da privatização. E por que, segundo informações da imprensa à época, em 2002, os diretores eleitos da Previ foram destituídos e mudou-se o estatuto da entidade dando maior poder de decisão aos representantes do governo depois de uma reunião entre Dantas e FHC. Mistérios…
* * * O elo perdido
Ex-sócio de Serra, Vladimir Rioli foi responsável por operações fraudulentas em parceria com Ricardo Sérgio Amaury Ribeiro Jr., Revista IstoÉ, edição 1704, 29/05/2002
Integrantes da tropa de choque que investiga irregularidades no Banespa, os deputados Robson Tuma (PFL-SP), Luiz Antônio Fleury (PTB-SP) e Ricardo Berzoini (PT-SP) ficaram revoltados com a operação abafa montada pela base governista para evitar o depoimento do economista Ricardo Sérgio de Oliveira na CPI que investiga operações podres nos tempos em que o banco era estatal. “Levamos um gol de mão aos 46 minutos do segundo tempo”, comparou Fleury. Os deputados passaram a última semana intrigados com o nervosismo demonstrado pelo Palácio do Planalto e pela cúpula do PSDB com a convocação. Caixa de campanha dos tucanos, Ricardo Sérgio estava intimado a comparecer à Assembléia Legislativa de São Paulo na quarta-feira 22, onde seria realizada a reunião da CPI. Diante das câmeras de televisão, o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil deveria explicar uma operação montada por ele em parceria com o Banespa em 1992, que trouxe de volta ao País US$ 3 milhões sem procedência justificada investidos nas Ilhas Cayman, um conhecido paraíso fiscal no Caribe.
Receosos de que Ricardo Sérgio faltasse ao depoimento, os deputados Tuma e Fleury chegaram a acionar a Polícia Federal. Num encontro com o superintendente da PF em São Paulo, delegado Ariovaldo Peixoto dos Anjos, os deputados receberam a garantia de que agentes federais conduziriam o economista até a Assembléia caso ele se recusasse a depor. Mas nada disso foi preciso. Uma manobra na terça-feira 21 enterrou as pretensões da CPI. Aproveitando a ausência da bancada oposicionista, o deputado Julio Semeghini (PSDB-SP) aprovou, junto à Mesa Diretora da Câmara, a derrubada do depoimento, sob o argumento de que a operação ocorreu antes da intervenção federal. O período em que o banco ficou sob o Regime de Administração Especial Temporária (Raet) foi de 31 dezembro de 1994 a dezembro de 1997. O presidente da CPI desmonta o argumento, dizendo que a comissão investigou várias operações de empresas privadas e ouviu muitos diretores do Banespa do período anterior ao Raet. “O PSDB só questionou quando Ricardo Sérgio apareceu. Foi um ato político”, acusou Fleury. Mas documentos obtidos por ISTOÉ revelam a existência de um novo personagem que, na verdade, é o verdadeiro motivo do empenho em evitar o depoimento do ex-diretor do BB.
A Operação Banespa que ajudou Ricardo Sérgio a internar dinheiro de paraísos fiscais foi aprovada pelo então vice-presidente de operações do Banespa Vladimir Antônio Rioli. Na época, o senador José Serra (PSDB-SP) era sócio de Rioli. De acordo com o contrato social, Serra tinha 10% das cotas da empresa Consultoria Econômica e Financeira Ltda. Rioli foi companheiro de militância de Serra e do falecido ministro das Comunicações Sérgio Motta na Ação Popular (AP), movimento de esquerda da década de 60 – e arrecadador de recursos para campanhas do PSDB juntamente com Ricardo Sérgio. Era Rioli quem comandava todas as reuniões do comitê de crédito do banco estadual. Além de aprovar a operação que permitiu o ingresso dos US$ 3 milhões, ele autorizou outras transações envolvendo Ricardo Sérgio e a Calfat, uma indústria têxtil com sede em São Paulo, na qual o próprio Ricardo Sérgio atuava como presidente do seu conselho deliberativo. Em setembro de 1992, Rioli liberou para a tecelagem, sem nenhuma garantia, um empréstimo do Banespa no valor de CR$ 3,7 bilhões (correspondente hoje a R$ 1,7 milhão). Um ano depois, Rioli autorizou o Banespa a tocar várias operações de câmbio que permitiram ao ex-diretor do BB e à Calfat trazer outros recursos do Exterior, provocando um rombo nas contas do ex-banco estatal. O valor do prejuízo é desconhecido. O processo de cobrança dessa operação foi retirado da 5ª Vara Civil do Fórum de Santo Amaro, em São Paulo, pelos advogados do banco e sumiu misteriosamente em 1995.
A sociedade entre Rioli e Serra começou em 10 de março de 1986, quando o hoje candidato à Presidência estava deixando a Secretaria de Planejamento do governo Franco Montoro para disputar sua primeira eleição a deputado federal. A consultoria funcionou até 17 de março de 1995. Investidor da Bolsa de Valores de São Paulo, Rioli também é conhecido por sua ficha suja. Em 1999, foi condenado pela Justiça Federal a quatro anos de prisão – convertidos em prestação de serviços e pagamento de indenização – por liberar um empréstimo do Banespa equivalente a US$ 326,7 mil à Companhia Brasileira de Tratores, empresa da família Pereira Lopes, de São Carlos (SP), que estava em dificuldades e colecionava títulos protestados na praça. Em 1993, Rioli se envolveu em outro escândalo. Foi acusado pelo Tribunal de Contas da União de arquitetar uma operação que deu à Cosipa, na época estatal, um prejuízo equivalente a US$ 14 milhões. A operação, um fantástico contrato sem correção monetária numa época de inflação galopante, foi fechada em 1986, quando Rioli presidia uma outra consultoria, a Partbank S.A., e já era conhecido por dar passes de mágica no mercado financeiro. Na lista dos envolvidos, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a incluir um outro amigo de Rioli: André Franco Montoro Filho, que na época era diretor do BNDES e apoiou o negócio. Rioli e Montoro Filho também trabalharam juntos no programa de desestatização do governo federal.
Simulação – No entanto, nenhum desses escândalos ganhou tanta notoriedade no nervoso mercado financeiro paulista como a parceria de Rioli com Ricardo Sérgio na Operação Banespa. Quatro experientes investidores e banqueiros examinaram documentos da transação obtidos por ISTOÉ. Todos classificaram-na como uma engenhosa simulação de empréstimo com o único propósito de produzir um pretexto legal para trazer milhões de dólares de volta ao País, com o aval do Banespa. “Os documentos são assustadores. Mostram que Rioli era mais ligado a Serra do que o próprio Ricardo Sérgio. É surpreendente saber que os tucanos conseguiram usar o Banespa para internar dinheiro durante o meu governo”, diz o presidente da CPI, deputado Luiz Antônio Fleury, que governou São Paulo entre 1991 e 1994.
De acordo com a papelada obtida pela revista, Ricardo Sérgio conseguiu um feito que transformaria qualquer operador em herói: vender no exigente mercado internacional títulos de uma empresa falida. A transação foi feita por meio de um instrumento específico, tecnicamente chamado de Contrato Particular de Emissão e Colocação de Pagamento e Títulos no Exterior (Fixe Rate Notes). Especialistas do mercado explicam que, de tão sofisticado, esse tipo de operação é exclusividade de empresas do porte, por exemplo, da Petrobras, com credibilidade e estrutura para obter empréstimos a juros baixos no Exterior por meio da emissão de títulos. Acostumadas a operar esse tipo de transação, essas empresas em geral têm escritórios lá fora, equipes especializadas e um permanente cartel de clientes interessados em seus papéis, que ficam depositados em uma casa de custódia renomada até serem resgatados. Ao banco intermediário cabe apenas a responsabilidade de operar os recursos obtidos com a venda dos títulos e convertê-los em moeda nacional. Mas, no lugar de profissionalismo, a Operação Banespa reúne uma coleção de lances inacreditáveis.
Na época da assinatura do contrato, o Banespa não tinha nenhuma condição para realizar transação desse tipo. Envolvido em vários escândalos, faltava ao banco estadual tradição nesse tipo de negócio e também estrutura no Exterior para intermediar um lançamento de títulos. A Calfat, por sua vez, era uma empresa têxtil de médio porte em processo de liquidação. Além de não possuir condição de atrair investidores no Exterior, enfrentava uma avalanche de processos de execução na Justiça, o suficiente para impedi-la de passar um cheque na quitanda da esquina. Mesmo assim, o dinheiro foi transferido das contas do Banespa nas Ilhas Cayman para a conta da Calfat, na agência do banco em Campinas.
Segundo relatório da CPI do Banespa, Rioli também beneficiou com um empréstimo de R$ 21 milhões, em 1993, o empresário Gregório Marin Preciado, casado com uma prima de Serra e ex-sócio do senador em terreno no Morumbi, área nobre de São Paulo. Os empréstimos, sem nenhuma garantia legal, foram concedidos às empresas Gremafer e Aceto, de propriedade de Preciado, que estavam em processo de liquidação e até hoje não foram quitados.
Títulos podres – Para investidores experientes consultados pela revista, esses dados bastam para provar que a Operação Banespa não passou de uma simulação. A CPI e o Ministério Público suspeitam que a transação trouxe uma sobra de campanha, já que Ricardo Sérgio e Rioli trabalhavam como arrecadadores. “Tudo indica que a Calfat emitiu títulos podres no mercado externo, que foram resgatados a valores superfaturados pela própria empresa ou empresas amigas. Essa operação acabou permitindo o retorno do dinheiro, provavelmente sobra de campanha, que estava sem procedência no Exterior. Caso contrário, significa que o Banespa assumiu todos os riscos de uma operação com uma empresa falida, um escândalo ainda maior”, afirmou um banqueiro familiarizado com esse tipo de negócio, ao analisar os documentos. Especialista em operações de lavagem de dinheiro, o jurista Heleno Tôrres explica que negócios desse tipo são cada vez mais conhecidos das unidades de inteligência financeiras, criadas em todo o mundo para rastrear transações financeiras ilícitas. Segundo Tôrres, as empresas compram no Brasil títulos podres e, em operações fajutas, vendem os papéis no Exterior a preços astronômicos. Na verdade, os títulos são resgatados pela própria empresa que os lançou em operações casadas. O jurista explica que a diferença entre os valores de compra do papel no Brasil e os do resgate, na verdade, corresponde à quantia que acaba sendo internada – e esquentada – no País.
Fantasma – Uma juíza federal que trabalhou no mercado financeiro diz que, para dar legalidade a operações assim, os contratos seguem todas as exigências habituais. Quando envolvem empréstimos simulados – o caso da Operação Banespa –, há cobrança judicial e até a penhora de bens e fiadores para dar cumprimento às normas do Banco Central. Só que, como se trata de uma operação-fantasma, a cobrança se arrasta até o arquivamento, sem que a dívida seja paga, e os advogados do banco dão um jeito de nunca incluir os fiadores e donos de empresas executadas na lista de inadimplentes da praça. Foi exatamente o que aconteceu na Operação Banespa. Na 4ª Vara Cível do Fórum de Santo Amaro tramitam dois processos de 1994, movidos pelo Banespa contra Ricardo Sérgio pelo não-pagamento dos US$ 3 milhões. Os autos do processo revelam outro absurdo: a garantia da operação foi a hipoteca de uma fábrica da Calfat em Leopoldina, Minas Gerais, comprovadamente insuficiente para quitar a dívida, mas o Banespa jamais tentou avançar sobre os bens do economista para diminuir seu prejuízo, apesar de seus conhecidos sinais de riqueza.
Outras operações tocadas por Ricardo Sérgio mostram sua habilidade em atuar em paraísos fiscais. Em 1989, o ex-diretor do BB realizou uma operação para trazer ao Brasil dinheiro que estava em Tortolla, nas Ilhas Virgens. Os documentos dessa transação mostram que no dia 19 de fevereiro a Andover Nacional Corporation, uma empresa sediada naquele paraíso caribenho, comprou do banco americano Wells Fargo um escritório localizado na avenida Paulista.
Uma escritura lavrada em Nova York prova que o representante da Andover era Roberto Visneviski, sócio de Ricardo Sérgio. Um ano depois, Ricardo Sérgio e o próprio Visneviski compram o mesmo escritório da Andover. Numa operação esdrúxula, o sócio de Ricardo Sérgio assina duas vezes o termo de venda do imóvel: como comprador e vendedor. “É uma típica operação de internação de dinheiro”, atesta o jurista Tôrres.
O tal escritório acabou se transformando na sede da Westchester, uma das consultorias do ex-diretor do BB. Frequentada pelo alto tucanato, a empresa foi fechada em 1998, depois que Ricardo Sérgio deixou o governo como pivô do escândalo em torno do processo de privatização da Telebrás. Vítima de um grampo, o economista cunhou uma frase para a história: “Estamos no limite da irresponsabilidade.” Já o encerramento da parceria de Serra e Rioli na empresa de consultoria confirma a proximidade entre tucanos de alta plumagem. O documento que selou o fim da empresa foi assinado dentro do escritório da Hidrobrasileira, empreiteira que pertenceu durante 20 anos a Sérgio Motta. No dia 28 de janeiro de 1995, dias depois de Serra assumir o Ministério do Planejamento no primeiro governo FHC, Rioli nomeou Dellinger Mendes, sócio de Motta na Hidrobrasileira, como seu procurador para providenciar o encerramento das atividades da consultoria.
Luiz Alberto Souza Aranha, outro sócio de Motta na Hidrobrasileira, assinou como testemunha. Nesse mesmo período, Dellinger e Luiz Alberto estavam à frente de uma simulação de venda, a da própria Hidrobrasileira para a PDI, uma companhia offshore instalada em Luxemburgo, outro paraíso fiscal muito procurado por brasileiros. Documentos obtidos por ISTOÉ mostram que antes de comprar a Hidrobrasileira a PDI – Project Development International simulou um empréstimo de US$ 4 milhões junto à Albion Inc., também com sede em Luxemburgo. O esquema usado pela Hidrobrasileira é conhecido nas cartilhas de lavagem de dinheiro. Depois de rodar de conta em conta em paraísos fiscais, o dinheiro acaba voltando ao País em operações suspeitas. No caso da transação envolvendo a PDI e a Albion, o depósito final foi na conta da Hidrobrasileira no Banespa. As semelhanças levam o Ministério Público e a CPI a suspeitar de um grande esquema de internação de dinheiro. Ao seguir os rastros da PDI e da Albion, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a comissão ligada à Receita Federal encarregada de rastrear operações de lavagem de dinheiro, tem poderes para identificar a origem do dinheiro.
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(*) Gustavo Barreto é jornalista. Entre em contato com o autor pelo @gustavobarreto_
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.
A mídia rebola para esconder o fato: a quebra do sigilo da turma de Serra é fruto de uma guerra tucana. A PF revelou ter sido o jornalista Amaury Ribeiro Jr. (foto), então a serviço do jornal O Estado de Minas, que encomendou a despachantes de São Paulo a quebra dos sigilos. Por Leandro Fortes
Apesar do esforço em atribuir a culpa à campanha de Dilma Rousseff, o escândalo da quebra dos sigilos fiscais de políticos do PSDB e de parentes do candidato José Serra que dominou boa parte do debate no primeiro turno teve mesmo a origem relatada por CartaCapital em junho: uma disputa fratricida no tucanato.
Obrigada a abrir os resultados do inquérito após uma reportagem da Folha de S.Paulo com conclusões distorcidas, a Polícia Federal revelou ter sido o jornalista Amaury Ribeiro Júnior, então a serviço do jornal O Estado de Minas, que encomendou a despachantes de São Paulo a quebra dos sigilos. O serviço ilegal foi pago. E há, como se verá adiante, divergências nos valores desembolsados (o pagamento teria variado, segundo as inúmeras versões, de 8 mil a 13 mil reais).
Ribeiro Júnior prestou três depoimentos à PF. No primeiro, afirmou que todos os documentos em seu poder haviam sido obtidos de forma legal, em processos públicos. Confrontado com as apurações policiais, que indicavam o contrário, foi obrigado nos demais a revelar a verdade. Segundo contou o próprio repórter, a encomenda aos despachantes fazia parte de uma investigação jornalística iniciada a pedido do então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, que buscava uma forma de neutralizar a arapongagem contra ele conduzida pelo deputado federal e ex-delegado Marcelo Itagiba, do PSDB. Itagiba, diz Ribeiro Júnior, agiria a mando de Serra. À época, Aécio disputava com o colega paulista a indicação como candidato à Presidência pelo partido.
Ribeiro Júnior disse à PF ter sido escalado para o serviço diretamente pelo diretor de redação do jornal mineiro, Josemar Gimenez, próximo à irmã de Aécio, Andréa Neves. A apuração, que visava levantar escândalos a envolver Serra e seus aliados durante o processo de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso, foi apelidada de Operação Caribe. O nome sugestivo teria a ver com supostas remessas ilegais a paraísos fiscais.
Acuado por uma investigação tocada por Itagiba, chefe da arapongagem de Serra desde os tempos do Ministério da Saúde, Aécio temia ter a reputação assassinada nos moldes do sucedido com Roseana Sarney, atual governadora do Maranhão, em 2002. Naquele período, a dupla Itagiba-Serra articulou com a Polícia Federal a Operação Lunus, em São Luís (MA), que flagrou uma montanha de dinheiro sujo na empresa de Jorge Murad, marido de Roseana, então no PFL. Líder nas pesquisas, Roseana acabou fora do páreo após a imagem do dinheiro ter sido exibida diuturnamente nos telejornais. Serra acabou ungido a candidato da aliança à Presidência, mas foi derrotado por Lula. A família Sarney jamais perdoou o tucano pelo golpe.
Influente nos dois mandatos do irmão, Andréa Neves foi, por sete anos, presidente do Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas) de Minas Gerais, cargo tradicional das primeiras-damas mineiras, ocupado por ela por conta da solteirice de Aécio. Mas nunca foi sopa quente ou agasalho para os pobres a vocação de Andréa. Desde os primeiros dias do primeiro mandato do irmão, ela foi escalada para intermediar as conversas entre o Palácio da Liberdade e a mídia local. Virou coordenadora do Grupo Técnico de Comunicação do governo, formalmente criado para estabelecer as diretrizes e a execução das políticas de prestação de contas à população. Suas relações com Gimenez se estreitaram.
Convenientemente apontado agora como “jornalista ligado ao PT”, Ribeiro Júnior sempre foi um franco-atirador da imprensa brasileira. E reconhecido. Aos 47 anos, ganhou três prêmios Esso e quatro vezes o Prêmio Vladimir Herzog, duas das mais prestigiadas premiações do jornalismo nativo. O repórter integra ainda o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos e é um dos fundadores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Entre outros veículos, trabalhou no Jornal do Brasil, O Globo e IstoÉ. Sempre se destacou como um farejador de notícia, sem vínculo com políticos e partidos. Também é reconhecido pela coragem pessoal. Nunca, portanto, se enquadrou no figurino de militante.
Em 19 de setembro de 2007, por exemplo, Ribeiro Júnior estava em um bar de Cidade Ocidental, em Goiás, no violento entorno do Distrito Federal, para onde havia ido a fim de fazer uma série de reportagens sobre a guerra dos traficantes locais. Enquanto tomava uma bebida, foi abordado por um garoto de boné, bermuda, casaco azul e chinelo com uma arma em punho. O jornalista pulou em cima do rapaz e, atracado ao agressor, levou um tiro na barriga. Levado consciente ao hospital, conseguiu se recuperar e, em dois meses, estava novamente a postos para trabalhar no Correio Braziliense, do mesmo grupo controlador do Estado de Minas, os Diários Associados. Gimenez acumula a direção de redação dos dois jornais.
Depois de baleado, Ribeiro Júnior, contratado pelos Diários Associados desde 2006, foi transferido para Belo Horizonte, no início de 2008, para sua própria segurança. A partir de então, passou a ficar livre para tocar a principal pauta de interesse de Gimenez: o dossiê de contrainformação encomendado para proteger Aécio do assédio da turma de Serra. O jornalista tinha viagens e despesas pagas pelo jornal mineiro e um lugar cativo na redação do Correio em Brasília, inclusive com um telefone particular. Aos colegas que perguntavam de suas rápidas incursões na capital federal, respondia, brincalhão: “Vim ferrar com o Serra”.
Na quarta-feira 20, por ordem do ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, a cúpula da PF foi obrigada a se movimentar para colocar nos eixos a história da quebra de sigilos. A intenção inicial era só divulgar os resultados após o término das eleições. O objetivo era evitar que as conclusões fossem interpretadas pelos tucanos como uma forma de tentar ajudar a campanha de Dilma Rousseff. Mas a reportagem da Folha, enviezada, obrigou o governo a mudar seus planos. E precipitou uma série de versões e um disse não disse, que acabou por atingir o tucanato de modo irremediável.
Em entrevista coletiva na quarta-feira 20, o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, e o delegado Alessandro Moretti, da Divisão de Inteligência Policial (DIP), anunciaram não existir relação entre a quebra de sigilo em unidades paulistas da Receita Federal e a campanha presidencial de 2010. De acordo com Moretti, assim como constou de nota distribuída aos jornalistas, as provas colhidas revelaram que Ribeiro Júnior começou a fazer levantamento de informações de empresas e pessoas físicas ligadas a tucanos desde o fim de 2008, por conta do trabalho no Estado de Minas. A informação não convenceu boa parte da mídia, que tem arrumado maneiras às vezes muito criativas de manter aceso o suposto elo entre a quebra de sigilo e a campanha petista.
Em 120 dias de investigação, disse o delegado Moretti, foram ouvidas 37 testemunhas em mais de 50 depoimentos, que resultaram nos indiciamentos dos despachantes Dirceu Rodrigues Garcia e Antonio Carlos Atella, além do office-boy Ademir Cabral, da funcionária do Serpro cedida à Receita Federal Adeildda dos Santos, e Fernando Araújo Lopes, suspeito de pagar à servidora pela obtenção das declarações de Imposto de Renda. Ribeiro Júnior, embora tenha confessado à PF ter encomendado os do cumentos, ainda não foi indiciado. Seus advogados acreditam, porém, que ele não escapará. Um novo depoimento do jornalista à polícia já foi agendado.
De acordo com a investigação, a filha e o genro do candidato do PSDB, Verônica Serra e Alexandre Bourgeois, tiveram os sigilos quebrados na delegacia da Receita de Santo André, no ABC Paulista. Outras cinco pessoas, das quais quatro ligadas ao PSDB, tiveram o sigilo violado em 8 de outubro de 2009, numa unidade da Receita em Mauá, também na Grande São Paulo. Entre elas aparecem o ex-ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, e Gregório Preciado, ex-sócio de Serra. O mesmo ocorreu em relação a Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor do Banco do Brasil e tesoureiro de campanhas de Serra e FHC.
Segundo dados da PF, todas as quebras de sigilo ocorreram entre setembro e outubro de 2009. As informações foram utilizadas para a confecção de relatórios, e todas as despesas da ação do jornalista, segundo o próprio, foram custeadas pelo jornal mineiro. Mas o repórter informou aos policiais ter disposto de 12 mil reais, em dinheiro, para pagar pelos documentos – 8,4 mil reais, segundo Dirceu Garcia – e outras despesas de viagem e hospedagem. Garcia revelou ao Jornal Nacional, da TV Globo, na mesma quarta 20, ter recebido 5 mil reais de Ribeiro Júnior, entre 9 e 19 de setembro passado, como “auxílio”. A PF acredita que o “auxílio” é, na verdade, uma espécie de suborno para o despachante não confessar a quebra ilegal dos sigilos.
A nota da PF sobre a violação fez questão de frisar que “não foi comprovada sua utilização em campanha política”, base de toda a movimentação da mídia em torno de Ribeiro Júnior desde que, em abril, ele apareceu na revista Veja como integrante do tal “grupo de inteligência” da pré-campanha de Dilma Rousseff. Embora seja a tese de interesse da campanha tucana e, por extensão, dos veículos de comunicação engajados na candidatura de Serra, a ligação do jornalista com o PT não chegou a se consumar e é um desdobramento originado da encomenda feita por Aécio.
A vasta apuração da Operação Caribe foi transformada em uma reportagem jamais publicada pelo Estado de Minas. O material, de acordo com Ribeiro Júnior, acabou por render um livro que ele supostamente pretende lançar depois das eleições. Intitulado Os Porões da Privataria, a obra pretende denunciar supostos esquemas ilegais de financiamento, lavagem de dinheiro e transferência de recursos oriundos do processo de privatização de estatais durante o governo FHC para paraísos fiscais no exterior. De olho nessas informações, e preocupado com “espiões” infiltrados no comitê, o então coordenador de comunicação da pré-campanha de Dilma, Luiz Lanzetta, decidiu procurar o jornalista.
Lanzetta conhecia Ribeiro Júnior e também sabia que o jornalista tinha entre suas fontes notórios arapongas de Brasília. Foi o repórter quem intermediou o contato de Lanzetta com o ex-delegado Onézimo Souza e o sargento da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, o Dadá. O quarteto encontrou-se no restaurante Fritz, localizado na Asa Sul da capital federal, em 20 de abril. Aqui, as versões do conteú do do convescote divergem. Lanzetta e Ribeiro Júnior garantem que a intenção era contratar Souza para descobrir os supostos espiões. Segundo o delegado, além do monitoramento interno, a dupla queria também uma investigação contra Serra.
O encontro no Fritz acabou por causar uma enorme confusão na pré-campanha de Dilma e, embora não tenha resultado em nada, deu munição para a oposição e fez proliferar, na mídia, o mito do “grupo de inteligência” montado para fabricar dossiês contra Serra. A quebra dos sigilos tornou-se uma obsessão do programa eleitoral tucano, até que, ante a falta de dividendos eleitorais, partiu-se para um alvo mais eficiente: os escândalos de nepotismo a envolver a então ministra da Casa Civil Erenice Guerra.
O tal “grupo de inteligência” que nunca chegou a atuar está na base de outra disputa fratricida, desta vez no PT. De um lado, Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte que indicou a empresa de Lanzetta, a Lanza Comunicações, para o trabalho no comitê eleitoral petista. Do outro, o deputado estadual por São Paulo Rui Falcão, interessado em assumir maior protagonismo na campanha de Dilma Rousseff. Essa guerra de poder e dinheiro resultou em um escândalo à moda desejada pelo PSDB.
Em um dos depoimentos à polícia, Ribeiro Júnior acusa Falcão de ter roubado de seu computador as informações dos sigilos fiscais dos tucanos. Segundo o jornalista, o deputado teria mandado invadir o quarto do hotel onde ele esteve hospedado em Brasília. Também atribuiu ao petista o vazamento de informações a Veja. O objetivo de Falcão seria afastar Lanzetta da pré-campanha e assumir maiores poderes. À Veja, Falcão teria se apresentado como o lúcido que impediu que vicejasse uma nova versão dos aloprados, alusão aos petistas presos em 2006 quando iriam comprar um dossiê contra Serra. Em nota oficial, o parlamentar rebateu as acusações. Segundo Falcão, Ribeiro Júnior terá de provar o que diz.
As conclusões do inquérito não satisfizeram a mídia. Na quinta 21, a tese central passou a ser de que Ribeiro Júnior estava de férias – e não a serviço do jornal – quando veio a São Paulo buscar a encomenda feita ao despachante. E que pagou a viagem de Brasília à capital paulista em dinheiro vivo. Mais: na volta das férias, o jornalista teria pedido demissão do Estado de Minas sem “maiores explicações”.
É o velho apego a temas acessórios para esconder o essencial. Por partes: A retirada dos documentos em São Paulo é resultado de uma apuração, conduzida, vê-se agora, por métodos ilegais, iniciada quase um ano antes. Não há dúvidas de que o diá rio mineiro pagou a maioria das despesas do repórter para o levantamento das informações. Ele não é filiado ao PT ou trabalhou na campanha ou na pré-campanha de Dilma.
Ribeiro Júnior pediu demissão, mas não de forma misteriosa como insinua a imprensa. O pedido ocorreu por causa da morte de seu pai, dono de uma pizzaria e uma fazenda em Mato Grosso. Sem outros parentes que pudessem cuidar do negócio, o jornalista decidiu trocar a carreira pela vida de pequeno empresário. Neste ano, decidiu regressar ao jornalismo. Hoje ele trabalha na TV Record.
Quando o resultado do inquérito veio à tona, a primeira reação do jornal mineiro foi soltar uma nota anódina que nem desmentia nem confirmava o teor dos depoimentos de Ribeiro Júnior. “O Estado de Minas é citado por parte da imprensa no episódio de possível violação de dados fiscais de pessoas ligadas à atual campanha eleitoral. Entende que isso é normal e recorrente, principalmente às vésperas da eleição, quando os debates se tornam acalorados”, diz o texto. “O jornalista Amaury Ribeiro Júnior trabalhou por três anos no Estado de Minas e publicou diversas reportagens. Nenhuma, absolutamente nenhuma, se referiu ao fato agora em questão. O Estado de Minas faz jornalismo.”
No momento em que o assunto tomou outra dimensão, a versão mudou bastante. Passou a circular a tese de que Ribeiro Júnior agiu por conta própria, durante suas férias. Procurado por CartaCapital, Gimenez ficou muito irritado com perguntas sobre a Operação Caribe. “Não sei de nada, isso é um absurdo, não estou lhe dando entrevista”, disse, alterado, ao telefone celular. Sobre a origem da pauta, foi ainda mais nervoso. “Você tem de perguntar ao Amaury”, arrematou. Antes de desligar, anunciou que iria divulgar uma nova nota pública, desta vez para provar que Ribeiro Júnior, funcionário com quem manteve uma relação de confiança profissional de quase cinco anos, não trabalhava mais nos Diários Associados quando os sigilos dos tucanos foram quebrados na Receita.
A nota, ao que parece, nem precisou ser redigida. Antes da declaração de Gimenez a CartaCapital, o UOL, portal na internet do Grupo Folha, deu guarida à versão. Em seguida, ela se espalhou pelo noticiário. Convenientemente.
O que Gimenez não pode negar é a adesão do Estado de Minas ao governador Aécio Neves na luta contra a indicação de Serra. Ela se tornou explícita em 3 de fevereiro deste ano, quando um editorial do jornal intitulado Minas a Reboque, Não! soou como um grito de guerra contra o tucanato paulista. No texto, iniciado com a palavra “indignação”, o diário partiu para cima da decisão do PSDB de negar as prévias e impor a candidatura de Serra contra as pretensões de Aécio. Também pareceu uma resposta às insinuações maldosas de um articulista de O Estado de S. Paulo dirigidas ao governador de Minas.
“Os mineiros repelem a arrogância de lideranças políticas que, temerosas do fracasso a que foram levados por seus próprios erros de avaliação, pretendem dispor do sucesso e do reconhecimento nacional construído pelo governador Aécio Neves”, tascou o editorial. Em seguida, desfiam-se as piores previsões possíveis para a candidatura de Serra: “Fazem parecer obrigação do líder mineiro, a quem há pouco negaram espaço e voz, cumprir papel secundário, apenas para injetar ânimo e simpatia à chapa que insistem ser liderada pelo governador de São Paulo, José Serra”. E termina, melancólico: “Perplexos ante mais essa demonstração de arrogância, que esconde amadorismo e inabilidade, os mineiros estão, porém, seguros de que o governador ‘político de alta linhagem de Minas’ vai rejeitar papel subalterno que lhe oferecem. Ele sabe que, a reboque das composições que a mantiveram fora do poder central nos últimos 16 anos, Minas desta vez precisa dizer não”.
Ao longo da semana, Aécio desmentiu mais de uma vez qualquer envolvimento com o episódio. “Repudio com veemência e indignação a tentativa de vinculação do meu nome às graves ações envolvendo o PT e o senhor Amaury Ribeiro Jr., a quem não conheço e com quem jamais mantive qualquer tipo de relação”, afirmou. O senador recém-eleito disse ainda que o Brasil sabe quem tem o DNA dos dossiês, em referência ao PT.
Itagiba, derrotado nas últimas eleições, também refutou as acusações de que teria comandado um grupo de espionagem com o intuito de atingir Aécio Neves, no meio da briga pela realização de prévias no PSDB. “Não sou araponga. Quando fui delegado fazia investigação em inquérito aberto, não espionagem, para pôr na cadeia criminosos do calibre desses sujeitos que formam essa camarilha inscrustada no PT.”
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Leandro Fortes
Jornalista, professor e escritor, autor dos livros Jornalismo Investigativo, Cayman: o dossiê do medo e Fragmentos da Grande Guerra, entre outros. Mantém um blog chamado Brasília eu Vi. http://brasiliaeuvi.wordpress.com
Esta semana, um importante depoimento veio a público. O autor:
“[…] esclarece que trabalhava na compilação dos dados das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, em que tinha Ricardo Sérgio de Oliveira como operador principal da formação dos consórcios que participaram das privatizações das teles, cobrança de propina e criador do modus operandi utilizado para internar valores escusos das Ilhas Virgens Britânicas no Brasil, que inclusive se compromete a oferecer para juntada aos autos todo o material coletado ao longo de seu trabalho, o qual esclarecerá o detalhadamente esquema mencionado acima”.
No mínimo curioso, né? Este é um trecho do depoimento do jornalista Amaury Martins Ribeiro Júnior (foto) à Polícia Federal, obtido com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo. Ótima para publicar, não? Para alguns não. Ele contou à PF que compilou dados sobre o caso e que “[…] concluída a matéria, em 2001, não conseguiu publicar a mesma no O Globo“. Ele afirma que, somente após sua ida para o Jornal do Brasil conseguiu publicar. [Nota: O Globo é aquele jornal que defende com grande veemência a liberdade de imprensa]
E olha que a pauta é boa, heim. Envolve esquemas de desvio de recursos durante a privatização, beneficiamento ilícito de empresas, pagamento de propina e evasão e divisas, entre outras coisas. A TV Record foi a única que deu até agora:
Clique na imagem para acessar os documentos divulgados pelo repórter Amaury Ribeiro Jr. em Brasília. Saiba mais sobre o caso aqui
Em 2007, este notável arquivo vivo de informações bombásticas chamado Amaury Martins Ribeiro Júnior sofreu um atentado quando trabalhava em Brasília, no Correio Brasiliense, e teve de ser transferido para Belo Horizonte.
São coisas graves mesmo: no depoimento – enquanto experiente jornalista, Amaury entende que estava se dirigindo à Polícia Federal -, afirma que documentos “apontavam para a existência de empresas – off shores – sediadas em paraísos fiscais, em nome da filha de José Serra, Verônica Allende Serra e de seu esposo Alexandre Bourgeois; QUE, essas empresas, inclusive, funcionavam no mesmo escritório operado por Ricardo Sérgio de Oliveira, nas Ilhas Virgens.”
Em outro trecho, ele informa que foi procurado por um amigo (Luiz Lanzetta) cuja empresa (Lanza Comunicações) trabalha na campanha de Dilma. Este amigo afirmou que todas as informações que circulavam na casa onde a campanha de Dilma funciona vazavam e pedia a ajuda de Amaury para saber quem era o responsável.
Surge daí uma das “denúncias” da “revista” VEJA: “QUE, cerca de três semanas após deixar Brasília-DF, recebeu um telefonema de Lanzetta [o amigo], que dizia que […] Onézimo e Dadá, seriam “espiões” e teriam dito à Revista Veja que o declarante, Benê e Lanzetta estariam preparando um dossiê para prejudicar o candidato José Serra”.
Ou seja: o delegado aposentado Onésimo de Souza e o sargento da reserva da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo (Dadá) eram os infiltrados, “fogo amigo” dentro da campanha de Dilma, e foram os autores da história inventada que VEJA publicou.
Dadá teria dito então a Amaury que o editor de VEJA, Policarpo Júnior, o acusara de ser do grupo de “aloprados” do tal dossiê. Amaury fez o óbvio: ligou para o próprio Policarpo Júnior para esclarecer essa posição. Ele não só confirmou que achava isso, como disse que Amaury recebeu um dossiê sobre as privatizações ocorridas no Brasil. E aí:
“[…] QUE, o declarante surpreendeu-se quando Policarpo fez uma descrição do citado dossiê, pois teve a certeza de que se tratava do material que produzira e que estava em seu notebook, ou seja, seu futuro livro; QUE, o declarante deseja registrar que nunca entregou tal material a qualquer pessoa e acredita, com veemência, que o mesmo foi copiado de seu notebook, quando ocupava um apartamento do hotel – apart hotel Meliá Brasília, de propriedade de Jorge, cujo sobrenome se recorda, mas esclarece ser responsável pela administração dos gastos da casa do Lago Sul e da campanha de Dilma Roussef; QUE, afirma ter certeza que tal material foi copiado por Rui Falcão, pois somente ele tinha a chave do citado apartamento, pois já havia residido no mesmo.”
Historinha muito mal explicada. Mas o fato é que este depoimento é seríssimo. Estou interessado no seguinte, a partir do documento:
(1) Quais são os dados levantados por Amaury acerca da corrupção e evasão de divisas envolvendo o PSDB? (2) A verdade acerca da autoria dos dossiês, que – segundo Amaury contou à PF – foi produzido por tucanos. (3) Qual o envolvimento de Policarpo Júnior, editor de VEJA, nesta história? Como ele conseguiu dados sigilosos que Amaury diz terem sido roubados de seu laptop? (4) Haverá uma profunda investigação que o caso merece, por parte da Polícia Federal?
Aliás, foi publicado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim a introdução do tal livro, leia aqui ou aqui. O depoimento de Amaury Ribeiro Jr. à Polícia Federal está aqui ou aqui.
Fora isso, poderíamos buscar mais informações sobre a “turma” do Serra e do PSDB, citada nesta matéria. Apenas para dar um exemplo, Gregório Marin Preciado é um espanhol naturalizado brasileiro, casado com a prima de José Serra. Ele tem, digamos, uma ficha não muito legal. Todos os demais não resistiriam à investigação adequada sobre as privatizações no Brasil. Não se trata de perseguir um partido ou grupo político: são milhões e milhões de dólares ilegalmente movimentados, fruto do seu, do meu, do nosso bolso.
Curiosamente, o Estadão – que publicou o documento online – não está nem aí para estes trechos. O foco é na quebra de sigilos de tucanos por parte de Amaury – um direito constitucional quebrado, um absurdo… Mais importante, por exemplo, que evasão de divisas, corrupção ativa, movimentação financeira ilegal em ilhas fiscais…
Amaury negou a Rodrigo Vianna que tenha quebrado alguma vez sigilo fiscal. Aliás, a “revista” VEJA, em mais um factóide patético que só mesmo pessoas totalmente despolitizadas e ignorantes poderiam acreditar, atribuiu a seguinte frase ao secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay: “Não aguento mais receber pedidos da Dilma e do Gilberto Carvalho pra fazer dossiês (…) eu quase fui preso como um dos aloprados”. Abramovay não só negou qualquer coisa do tipo como lamentou o fato de VEJA não fornecer as gravações. “A revista Veja, na edição número 2188 de 2010, afirma ter obtido o áudio de uma gravação clandestina entre mim e um ex-colega de trabalho. Infelizmente a revista se recusou a fornecer o conteúdo da suposta conversa ou mesmo a íntegra de sua transcrição”. Foi capa, claro, mais esta invenção. A fita, óbvio, nunca será mostrada.
Nós havíamos publicado aqui neste Consciência.Net alguns links e o trecho de uma reportagem de Amaury Ribeiro Jr., na ISTOÉ. Ela segue abaixo, bem como outras que temos disponível em arquivo. E há mais algumas aqui.
Relatório do Banco Central incrimina Ricardo Sérgio, que arrecadou dinheiro para Serra, em várias irregularidades Amaury Ribeiro Jr., Revista IstoÉ, 24/3/2002
Principal articulador da formação dos consórcios que disputaram o leilão das empresas de telecomunicações, o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, está tirando o sono da cúpula do PSDB e dos coordenadores da candidatura do senador José Serra. Companheiro de militância política de Serra desde a época do regime militar, Ricardo Sérgio, que em 1998 foi caixa das campanhas de Fernando Henrique Cardoso, para a Presidência, e de Serra, para o Senado, acaba de ser responsabilizado pelo Banco Central por um caminhão de irregularidades que favoreceram a entrada do Banco Opportunity em um consórcio para disputar o leilão da Telebrás. Mantido em absoluto sigilo, o relatório do BC, ao qual ISTOÉ teve acesso, é uma bomba que vai jogar estilhaços por todos os lados. O efeito é tão devastador que uma operação foi montada na Polícia Federal do Rio de Janeiro para abafar o caso.
Amigo de Serra, com quem trabalhou entre 1998 e 1999 no Ministério da Saúde, montando uma central de informações que recrutava arapongas, o superintende da PF no Rio, delegado Marcelo Itagiba, usou um dispositivo que lhe permite promover reformas administrativas internas para afastar na semana passada o delegado que investigava o caso. Deuler da Rocha Gonçalves comandava os dois inquéritos (civil e criminal) que investigam a participação de Ricardo Sérgio e de outros caciques do PSDB nas supostas irregularidades ocorridas no processo de privatização. Os inquéritos foram transferidos para a delegada Patrícia Freitas, recém-chegada aos quadros da PF, que substituiu Deuler na Delegacia de Combate ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais. Depois de ler o relatório do BC, Deuler havia antecipado a amigos que já possuía provas suficientes para indiciar Ricardo Sérgio e outros políticos ligados ao PSDB por falsidade ideológica, estelionato e corrupção.
Composto por atas de reuniões do Opportunity e da diretoria do Banco do Brasil, o relatório do BC, com cerca de 50 páginas, confirma o que o Ministério Público Federal já havia denunciado em 1999: a carta de fiança do BB, no valor de R$ 874 milhões, que permitiu à Solpart Participações Ltda, empresa do Banco Opportunity, participar do leilão, está repleta de irregularidades. De acordo com o BC, a Solpart, que não efetuou nenhum depósito e nem sequer ofereceu garantias para conseguir o empréstimo, foi fundada um mês antes do leilão, ocorrido em setembro de 1998, com o capital social irrisório de R$ 1 mil da Techold. Na avaliação do BC, esse dado já era suficiente para provar que a Solpart, que recebeu o nome inicial de Banco Opportunity Xin S.A., não teria condições de quitar a dívida.
Segundo o relatório, Ricardo Sérgio e os demais diretores do Banco do Brasil mentiram até mesmo na súmula de operações – na qual é analisada a proposta de garantia feita por empresas que tentam obter empréstimos –, ao dizerem que não foram apurados riscos na operação financeira. O risco seria detectado com uma simples consulta interna, que indicaria que a conta da Solpart havia sido aberta no BB cinco dias antes da aprovação do empréstimo. “A carta de fiança foi concedida apenas em critérios subjetivos, sem atentar para princípios da boa técnica bancária como os de seletividade, garantia, liquidez e diversificação dos riscos, demonstrando imprudência na gestão dos negócios da instituição financeira, fato que em tese configura delito”, diz o relatório do BC. O documento compromete também Pérsio Arida, que na condição de presidente do Conselho de Fiscalização do BB referendou a decisão de Ricardo Sérgio. (…)
Junho de 1998, ano da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na agenda política do país, as privatizações e o encolhimento do Estado. E também a oportunidade para que alguns escolhidos, entre eles o banqueiro Daniel Dantas, ganhassem muito dinheiro na venda de empresas estatais, como as de telecomunicações. É bom lembrar o grampo de uma conversa telefônica em que o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, revela ao interlocutor, Ricardo Sérgio de Oliveira, então diretor de relações internacionais do Banco do Brasil e quem mandava nos fundos de pensão, principalmente a Previ, o interesse de um banco de porte médio pelo que se tornaria a Telemar, uma das privatizadas:
– Está tudo acertado – garante Mendonça de Barros – Mas o Opportunity está com um problema de fiança. Não dá para o Banco do Brasil dar?
– Acabei de dar.
– Não é para a Embratel, é para a Telemar.
– Dei para a Embratel e 874 milhões para o Telemar. Nós estamos no limite da nossa irresponsabilidade. São três dias de fiança para ele – responde Ricardo Sérgio.
Tal irresponsabilidade referia-se a dar condições ao banco Opportunity, de Dantas, ligado ao grupo político de Antônio Carlos Magalhães e depois ao próprio FHC, a concorrer em mais um “leilão”. No caso da Telemar, o resultado não foi o esperado: perdeu porque o grupo já havia adquirido a Brasil Telecom (BrT) e a Telemig.
Mas se, nesse caso, a irresponsabilidade chegou perto do limite, ele foi ultrapassado no consórcio que arrematou as outras duas empresas, BrT e Telemig. Montou-se uma teia intricada de associações, totalmente fora dos padrões de mercado, em que, com a minoria das ações, menos de 10% do total dos diversos fundos e empresas, Dantas ficou com a gestão e o controle. Seria interessante alguém explicar por que os detentores de mais de 90% dos papéis de controle da empresa que representava a participação nas privatizadas não tinham nenhum direito. Ao contrário, eram obrigados por contrato a seguir as decisões de Dantas.
No caso dos fundos de pensão, a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, e mais dez fundos têm investido recursos superiores a R$ 2,6 bilhões. Pelos quais nunca receberam dividendos e que poderiam virar pó caso não fossem tomadas medidas para retomar o controle das empresas. A intenção do banqueiro, que até o começo do ano representava o Citibank, sócio dos fundos nas companhias, “era deixar os fundos sem o controle e oportunidade de saída do negócio, com ações sem nenhum valor de mercado”, afirma Francisco Alexandre, diretor de administração eleito pelos funcionários da Previ.
“Na discussão que se trava sobre os acordos e possibilidades de negócio não são apresentados os riscos envolvidos. Como não tínhamos o poder de decisão na cadeia societária, poderiam acontecer vendas sem que a nossa parte fosse respeitada e com isso a Previ arcaria com prejuízos bilionários”, pontua. “É negócio feito no passado, com problemas, e que temos procurado encontrar uma solução que melhor preserve nosso patrimônio. Esse me parece um grande escândalo do governo FHC, pois é algo feito para os fundos entrarem com o dinheiro para nunca mais reaver. Ou seja, um negócio que pode chegar a R$ 3 bilhões em benefício de setores privados. Por que isso foi feito?”, questiona.
A resposta não é fácil, mas várias denúncias surgiram a respeito da atuação de Ricardo Sérgio e Dantas no financiamento de campanhas dos tucanos. E é bom lembrar que suas digitais aparecem também no escândalo recente do governo do PT, com Ricardo Sérgio sendo dono do prédio em que funciona uma das agências de Marcos Valério, e Dantas o principal depositante nas contas das agências, com cerca de R$ 40 milhões mandados à DNA pela Telemig, Amazônia Celular e BrT, controladas pelo banqueiro baiano.
As aparições de Dantas em escândalos não são novidades. Ele foi indiciado pela Polícia Federal pela contratação da empresa internacional de investigações Kroll para espionar a Telecom Italia – outro sócio, com cerca de um terço da BrT – e telefones e e-mails do Palácio do Planalto, em 2003, entre eles o do ex-ministro Luiz Gushiken, acusado de influenciar os fundos de pensão na gestão petista. Há quem garanta que Dantas tentou uma ponte com o governo atual para derrubar o presidente da Previ, Sergio Rosa, e pôr em seu lugar o então presidente do conselho e diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. Pizzolato saiu dos dois cargos há pouco tempo, depois que se descobriu o recebimento de mais de R$ 300 mil das contas de Marcos Valério. Pizzolato diz que apenas mandou um boy buscar uma encomenda no banco a pedido de um amigo, mas até hoje não disse para quem foi o favor.
O esquema das teles
Dantas, há cerca de duas décadas, era apenas um economista talentoso que dava consultoria ao PFL da Bahia, diga-se, a ACM. Mas, já como banqueiro, construiu fortuna e formou no final da década de 1990, no governo tucano, um fundo de investidores para atuar na privatização das teles. Na realidade, dois fundos, um estrangeiro, cujo principal investidor é o Citibank, e um nacional, com dinheiro principalmente dos fundos de pensão. Assim foram arrematadas empresas nas quais, com muito menos dinheiro que os sócios, o Opportunity garantiu numa curiosa série de contratos o controle total.
Na BrT, Previ (do Banco do Brasil), Petrus (Petrobrás), Funcef (Caixa Econômica Federal), Telos (Embratel) e Sistel (hoje Fundação-14, dos funcionários das Teles) entre outros, Citibank e Opportunity compuseram o capital da Zain Participações. O banco de Dantas só entrou com 9,8% por meio de um fundo constituído em Cayman. A Zain detém dois terços da Techold, que por sua vez possui o mesmo percentual da Solpart, sendo o restante da Telecom Italia. Os fundos de pensão, mesmo com uma participação cinco vezes maior do que o Opportunity ficaram sem direito a voto efetivo nas várias holdings. Enquanto isso, o banco de Dantas foi nomeado gestor de todas as empresas da árvore societária.
“A participação do gestor com aquisição de ações na empresa é normal, com o objetivo de comprometê-lo com os resultados”, afirmou Sérgio Rosa, presidente da Previ, em entrevista coletiva em julho. “Mas o Opportunity fez um investimento bem maior do que o usual, com um fundo criado em Cayman, o que provocou conflitos de interesses entre os sócios e o próprio gestor e de seus acionistas que a gente não sabe quem é”, arremata, referindo-se aos investidores estrangeiros. O fundo citado, sediado num paraíso fiscal, foi acusado de angariar recursos entre brasileiros, o que não é permitido.
Mas, além da criação de fundos suspeitos, contratos estranhos e não pagamento de dividendos a acionistas, depois da destituição do Opportunity pelos fundos de pensão, em 2003, outras irregularidades foram encontradas na administração da empresa. Por exemplo, na Zain Participações, que está no alto da cadeia de controle da Brasil Telecom, o banco de Dantas resolveu pagar a si próprio uma taxa de performance, bônus dado ao gestor caso a meta fixada seja ultrapassada, de IGP-M mais 12%, o dobro dos 6% acordados.
Foram descobertas ainda decisões sem autorização do Comitê de Investimentos, como a aquisição do futebol do Esporte Clube Bahia, em 1998, time da terra do banqueiro. O negócio foi descoberto Por que uma empresa de telecomunicação deveria comprar um time e por que o Bahia? A resposta tem muito mais a ver com a liberdade de Dantas para tomar qualquer decisão do que com uma estratégia para dar retorno e remunerar os investidores. Mais grave foi a compra da Telemar, em 2000, por meio do investimento na Argolis, que detinha o controle da empresa de telefonia do Nordeste e Minas Gerais. A operação teve o Citi como parceiro, com novo aporte, o que diluiu a importância dos investidores nacionais na sociedade, que não foram informados nem tiveram a opção de também investir.
Além da contratação de executivos pelas empresas que acabavam trabalhando para o banco e de pagar ações judiciais contra os outros sócios com dinheiro das empresas, Dantas também decidiu comprar três jatinhos de última geração por 35 milhões de dólares, além de mais 15 milhões anuais em manutenção. O custo foi pago pela BrT (70%), Telemig (26%) e Opportunity (3,3%). Quem administra o uso das aeronaves é o banco, que nunca prestou contas como origem e destino das viagens ou o nome de um passageiro sequer.
Mas todo esse prejuízo é pequeno diante do que se diz ser o verdadeiro objetivo do banqueiro, a perpetuação no controle de todas as sociedades e a desvalorização da participação dos sócios para comprá-la a preços irrisórios. Como aconteceu com a canadense Telesystem International Wireless (TIW) – parceira estratégica na Telemig –, que acabou se tornando uma “minoritária de luxo”, perdia todas as votações e assistia à desvalorização de seus papéis. “A tática do Opportunity era não cumprir determinados passos previstos na discussão original quando se montaram os consórcios, criar problemas com os sócios a tal ponto que, no limite, aceitassem vender suas participações muito baratas para o próprio Opportunity”, sintetiza Sérgio Rosa.
Foi o que aconteceu com a TIW, que vendeu suas ações ao banqueiro por 65 milhões de dólares, mais ou menos um sexto do valor original investido para adquirir a Telemig. Pechincha mantida em segredo, cujos “parceiros” não tiveram direito a participar da compra.
Pela estratégia original, os fundos compraram participações nas teles para valorizar o negócio e vender no futuro, o que deveria ocorrer entre setembro de 2005 e 2007. O Citibank, que até o começo deste ano trabalhava próximo ao Opportunity, também investiu para vender com lucro, e chegou a obter garantias de retorno de seu dinheiro de Dantas, o que não foi oferecido ao fundo nacional. Pior foi ver sua saída ameaçada pela pretendida compra da Telemig pela BrT, que se desenhava em 2003 e que geraria problemas legais e novamente a diluição do valor das ações dos fundos de pensão.
Opportunity fora – Depois da perda de confiança, os fundos de pensão se mobilizaram para destituir o banco como gestor do fundo nacional. Conseguiram, em outubro de 2003, com cerca de 99% de votos válidos, impedindo por meio de liminares os votos controlados por Dantas, sob alegação de conflito de interesses. A partir daí, mais de cem ações judiciais foram movidas pelo Opportunity. O pior, usando o dinheiro do caixa das empresas para processar os sócios.
Mas o Opportunity ainda tinha muito poder de fogo por contar com a confiança do Citibank, principal investidor do fundo estrangeiro. Confiança perdida depois que constatou, em auditorias a partir de 2004, problemas semelhantes aos encontrados pelos sócios nacionais. A muito custo também, destituiu Dantas da gestão de seu fundo, com ações judiciais nos tribunais dos Estados Unidos, onde o acordo foi selado em 1998.
Depois que os objetivos passaram a ter a mesma direção, o Citi começou a negociar com os fundos de pensão para valorizarem e venderem suas ações em conjunto. O que envolveu uma opção de venda da participação do banco norte-americano, fechada em março deste ano.
Isso quer dizer que, entre o final de 2007 e o início de 2008, caso não apareça algum comprador único das participações de ambos, os fundos serão obrigados a comprar as ações do Citi por 1,45 bilhão de dólares na BrT e 305 milhões na Telemar.
A posição foi embargada pelo Tribunal de Contas da União, com parecer do ministro Benjamin Zymler, por medida do deputado João Alberto Fraga (PFL-DF), um dos membros da tropa de choque de Dantas no Congresso, como afirma a revista Carta Capital. A mesma tropa de choque que conta nas suas fileiras com o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, que fez uma manobra há poucos dias para que o banqueiro fosse ouvido na CPI antes da análise de seu sigilo fiscal, que fora quebrado. Mesmo assim, a CPI terá muito a questionar e desvendar. E um bom caminho é saber como conseguiu tantos contratos vultosos, nos quais só ele e seu grupo eram favorecidos, usando o dinheiro dos fundos de pensão à época da privatização. E por que, segundo informações da imprensa à época, em 2002, os diretores eleitos da Previ foram destituídos e mudou-se o estatuto da entidade dando maior poder de decisão aos representantes do governo depois de uma reunião entre Dantas e FHC. Mistérios…
* * * O elo perdido
Ex-sócio de Serra, Vladimir Rioli foi responsável por operações fraudulentas em parceria com Ricardo Sérgio Amaury Ribeiro Jr., Revista IstoÉ, edição 1704, 29/05/2002
Integrantes da tropa de choque que investiga irregularidades no Banespa, os deputados Robson Tuma (PFL-SP), Luiz Antônio Fleury (PTB-SP) e Ricardo Berzoini (PT-SP) ficaram revoltados com a operação abafa montada pela base governista para evitar o depoimento do economista Ricardo Sérgio de Oliveira na CPI que investiga operações podres nos tempos em que o banco era estatal. “Levamos um gol de mão aos 46 minutos do segundo tempo”, comparou Fleury. Os deputados passaram a última semana intrigados com o nervosismo demonstrado pelo Palácio do Planalto e pela cúpula do PSDB com a convocação. Caixa de campanha dos tucanos, Ricardo Sérgio estava intimado a comparecer à Assembléia Legislativa de São Paulo na quarta-feira 22, onde seria realizada a reunião da CPI. Diante das câmeras de televisão, o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil deveria explicar uma operação montada por ele em parceria com o Banespa em 1992, que trouxe de volta ao País US$ 3 milhões sem procedência justificada investidos nas Ilhas Cayman, um conhecido paraíso fiscal no Caribe.
Receosos de que Ricardo Sérgio faltasse ao depoimento, os deputados Tuma e Fleury chegaram a acionar a Polícia Federal. Num encontro com o superintendente da PF em São Paulo, delegado Ariovaldo Peixoto dos Anjos, os deputados receberam a garantia de que agentes federais conduziriam o economista até a Assembléia caso ele se recusasse a depor. Mas nada disso foi preciso. Uma manobra na terça-feira 21 enterrou as pretensões da CPI. Aproveitando a ausência da bancada oposicionista, o deputado Julio Semeghini (PSDB-SP) aprovou, junto à Mesa Diretora da Câmara, a derrubada do depoimento, sob o argumento de que a operação ocorreu antes da intervenção federal. O período em que o banco ficou sob o Regime de Administração Especial Temporária (Raet) foi de 31 dezembro de 1994 a dezembro de 1997. O presidente da CPI desmonta o argumento, dizendo que a comissão investigou várias operações de empresas privadas e ouviu muitos diretores do Banespa do período anterior ao Raet. “O PSDB só questionou quando Ricardo Sérgio apareceu. Foi um ato político”, acusou Fleury. Mas documentos obtidos por ISTOÉ revelam a existência de um novo personagem que, na verdade, é o verdadeiro motivo do empenho em evitar o depoimento do ex-diretor do BB.
A Operação Banespa que ajudou Ricardo Sérgio a internar dinheiro de paraísos fiscais foi aprovada pelo então vice-presidente de operações do Banespa Vladimir Antônio Rioli. Na época, o senador José Serra (PSDB-SP) era sócio de Rioli. De acordo com o contrato social, Serra tinha 10% das cotas da empresa Consultoria Econômica e Financeira Ltda. Rioli foi companheiro de militância de Serra e do falecido ministro das Comunicações Sérgio Motta na Ação Popular (AP), movimento de esquerda da década de 60 – e arrecadador de recursos para campanhas do PSDB juntamente com Ricardo Sérgio. Era Rioli quem comandava todas as reuniões do comitê de crédito do banco estadual. Além de aprovar a operação que permitiu o ingresso dos US$ 3 milhões, ele autorizou outras transações envolvendo Ricardo Sérgio e a Calfat, uma indústria têxtil com sede em São Paulo, na qual o próprio Ricardo Sérgio atuava como presidente do seu conselho deliberativo. Em setembro de 1992, Rioli liberou para a tecelagem, sem nenhuma garantia, um empréstimo do Banespa no valor de CR$ 3,7 bilhões (correspondente hoje a R$ 1,7 milhão). Um ano depois, Rioli autorizou o Banespa a tocar várias operações de câmbio que permitiram ao ex-diretor do BB e à Calfat trazer outros recursos do Exterior, provocando um rombo nas contas do ex-banco estatal. O valor do prejuízo é desconhecido. O processo de cobrança dessa operação foi retirado da 5ª Vara Civil do Fórum de Santo Amaro, em São Paulo, pelos advogados do banco e sumiu misteriosamente em 1995.
A sociedade entre Rioli e Serra começou em 10 de março de 1986, quando o hoje candidato à Presidência estava deixando a Secretaria de Planejamento do governo Franco Montoro para disputar sua primeira eleição a deputado federal. A consultoria funcionou até 17 de março de 1995. Investidor da Bolsa de Valores de São Paulo, Rioli também é conhecido por sua ficha suja. Em 1999, foi condenado pela Justiça Federal a quatro anos de prisão – convertidos em prestação de serviços e pagamento de indenização – por liberar um empréstimo do Banespa equivalente a US$ 326,7 mil à Companhia Brasileira de Tratores, empresa da família Pereira Lopes, de São Carlos (SP), que estava em dificuldades e colecionava títulos protestados na praça. Em 1993, Rioli se envolveu em outro escândalo. Foi acusado pelo Tribunal de Contas da União de arquitetar uma operação que deu à Cosipa, na época estatal, um prejuízo equivalente a US$ 14 milhões. A operação, um fantástico contrato sem correção monetária numa época de inflação galopante, foi fechada em 1986, quando Rioli presidia uma outra consultoria, a Partbank S.A., e já era conhecido por dar passes de mágica no mercado financeiro. Na lista dos envolvidos, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a incluir um outro amigo de Rioli: André Franco Montoro Filho, que na época era diretor do BNDES e apoiou o negócio. Rioli e Montoro Filho também trabalharam juntos no programa de desestatização do governo federal.
Simulação – No entanto, nenhum desses escândalos ganhou tanta notoriedade no nervoso mercado financeiro paulista como a parceria de Rioli com Ricardo Sérgio na Operação Banespa. Quatro experientes investidores e banqueiros examinaram documentos da transação obtidos por ISTOÉ. Todos classificaram-na como uma engenhosa simulação de empréstimo com o único propósito de produzir um pretexto legal para trazer milhões de dólares de volta ao País, com o aval do Banespa. “Os documentos são assustadores. Mostram que Rioli era mais ligado a Serra do que o próprio Ricardo Sérgio. É surpreendente saber que os tucanos conseguiram usar o Banespa para internar dinheiro durante o meu governo”, diz o presidente da CPI, deputado Luiz Antônio Fleury, que governou São Paulo entre 1991 e 1994.
De acordo com a papelada obtida pela revista, Ricardo Sérgio conseguiu um feito que transformaria qualquer operador em herói: vender no exigente mercado internacional títulos de uma empresa falida. A transação foi feita por meio de um instrumento específico, tecnicamente chamado de Contrato Particular de Emissão e Colocação de Pagamento e Títulos no Exterior (Fixe Rate Notes). Especialistas do mercado explicam que, de tão sofisticado, esse tipo de operação é exclusividade de empresas do porte, por exemplo, da Petrobras, com credibilidade e estrutura para obter empréstimos a juros baixos no Exterior por meio da emissão de títulos. Acostumadas a operar esse tipo de transação, essas empresas em geral têm escritórios lá fora, equipes especializadas e um permanente cartel de clientes interessados em seus papéis, que ficam depositados em uma casa de custódia renomada até serem resgatados. Ao banco intermediário cabe apenas a responsabilidade de operar os recursos obtidos com a venda dos títulos e convertê-los em moeda nacional. Mas, no lugar de profissionalismo, a Operação Banespa reúne uma coleção de lances inacreditáveis.
Na época da assinatura do contrato, o Banespa não tinha nenhuma condição para realizar transação desse tipo. Envolvido em vários escândalos, faltava ao banco estadual tradição nesse tipo de negócio e também estrutura no Exterior para intermediar um lançamento de títulos. A Calfat, por sua vez, era uma empresa têxtil de médio porte em processo de liquidação. Além de não possuir condição de atrair investidores no Exterior, enfrentava uma avalanche de processos de execução na Justiça, o suficiente para impedi-la de passar um cheque na quitanda da esquina. Mesmo assim, o dinheiro foi transferido das contas do Banespa nas Ilhas Cayman para a conta da Calfat, na agência do banco em Campinas.
Segundo relatório da CPI do Banespa, Rioli também beneficiou com um empréstimo de R$ 21 milhões, em 1993, o empresário Gregório Marin Preciado, casado com uma prima de Serra e ex-sócio do senador em terreno no Morumbi, área nobre de São Paulo. Os empréstimos, sem nenhuma garantia legal, foram concedidos às empresas Gremafer e Aceto, de propriedade de Preciado, que estavam em processo de liquidação e até hoje não foram quitados.
Títulos podres – Para investidores experientes consultados pela revista, esses dados bastam para provar que a Operação Banespa não passou de uma simulação. A CPI e o Ministério Público suspeitam que a transação trouxe uma sobra de campanha, já que Ricardo Sérgio e Rioli trabalhavam como arrecadadores. “Tudo indica que a Calfat emitiu títulos podres no mercado externo, que foram resgatados a valores superfaturados pela própria empresa ou empresas amigas. Essa operação acabou permitindo o retorno do dinheiro, provavelmente sobra de campanha, que estava sem procedência no Exterior. Caso contrário, significa que o Banespa assumiu todos os riscos de uma operação com uma empresa falida, um escândalo ainda maior”, afirmou um banqueiro familiarizado com esse tipo de negócio, ao analisar os documentos. Especialista em operações de lavagem de dinheiro, o jurista Heleno Tôrres explica que negócios desse tipo são cada vez mais conhecidos das unidades de inteligência financeiras, criadas em todo o mundo para rastrear transações financeiras ilícitas. Segundo Tôrres, as empresas compram no Brasil títulos podres e, em operações fajutas, vendem os papéis no Exterior a preços astronômicos. Na verdade, os títulos são resgatados pela própria empresa que os lançou em operações casadas. O jurista explica que a diferença entre os valores de compra do papel no Brasil e os do resgate, na verdade, corresponde à quantia que acaba sendo internada – e esquentada – no País.
Fantasma – Uma juíza federal que trabalhou no mercado financeiro diz que, para dar legalidade a operações assim, os contratos seguem todas as exigências habituais. Quando envolvem empréstimos simulados – o caso da Operação Banespa –, há cobrança judicial e até a penhora de bens e fiadores para dar cumprimento às normas do Banco Central. Só que, como se trata de uma operação-fantasma, a cobrança se arrasta até o arquivamento, sem que a dívida seja paga, e os advogados do banco dão um jeito de nunca incluir os fiadores e donos de empresas executadas na lista de inadimplentes da praça. Foi exatamente o que aconteceu na Operação Banespa. Na 4ª Vara Cível do Fórum de Santo Amaro tramitam dois processos de 1994, movidos pelo Banespa contra Ricardo Sérgio pelo não-pagamento dos US$ 3 milhões. Os autos do processo revelam outro absurdo: a garantia da operação foi a hipoteca de uma fábrica da Calfat em Leopoldina, Minas Gerais, comprovadamente insuficiente para quitar a dívida, mas o Banespa jamais tentou avançar sobre os bens do economista para diminuir seu prejuízo, apesar de seus conhecidos sinais de riqueza.
Outras operações tocadas por Ricardo Sérgio mostram sua habilidade em atuar em paraísos fiscais. Em 1989, o ex-diretor do BB realizou uma operação para trazer ao Brasil dinheiro que estava em Tortolla, nas Ilhas Virgens. Os documentos dessa transação mostram que no dia 19 de fevereiro a Andover Nacional Corporation, uma empresa sediada naquele paraíso caribenho, comprou do banco americano Wells Fargo um escritório localizado na avenida Paulista.
Uma escritura lavrada em Nova York prova que o representante da Andover era Roberto Visneviski, sócio de Ricardo Sérgio. Um ano depois, Ricardo Sérgio e o próprio Visneviski compram o mesmo escritório da Andover. Numa operação esdrúxula, o sócio de Ricardo Sérgio assina duas vezes o termo de venda do imóvel: como comprador e vendedor. “É uma típica operação de internação de dinheiro”, atesta o jurista Tôrres.
O tal escritório acabou se transformando na sede da Westchester, uma das consultorias do ex-diretor do BB. Frequentada pelo alto tucanato, a empresa foi fechada em 1998, depois que Ricardo Sérgio deixou o governo como pivô do escândalo em torno do processo de privatização da Telebrás. Vítima de um grampo, o economista cunhou uma frase para a história: “Estamos no limite da irresponsabilidade.” Já o encerramento da parceria de Serra e Rioli na empresa de consultoria confirma a proximidade entre tucanos de alta plumagem. O documento que selou o fim da empresa foi assinado dentro do escritório da Hidrobrasileira, empreiteira que pertenceu durante 20 anos a Sérgio Motta. No dia 28 de janeiro de 1995, dias depois de Serra assumir o Ministério do Planejamento no primeiro governo FHC, Rioli nomeou Dellinger Mendes, sócio de Motta na Hidrobrasileira, como seu procurador para providenciar o encerramento das atividades da consultoria.
Luiz Alberto Souza Aranha, outro sócio de Motta na Hidrobrasileira, assinou como testemunha. Nesse mesmo período, Dellinger e Luiz Alberto estavam à frente de uma simulação de venda, a da própria Hidrobrasileira para a PDI, uma companhia offshore instalada em Luxemburgo, outro paraíso fiscal muito procurado por brasileiros. Documentos obtidos por ISTOÉ mostram que antes de comprar a Hidrobrasileira a PDI – Project Development International simulou um empréstimo de US$ 4 milhões junto à Albion Inc., também com sede em Luxemburgo. O esquema usado pela Hidrobrasileira é conhecido nas cartilhas de lavagem de dinheiro. Depois de rodar de conta em conta em paraísos fiscais, o dinheiro acaba voltando ao País em operações suspeitas. No caso da transação envolvendo a PDI e a Albion, o depósito final foi na conta da Hidrobrasileira no Banespa. As semelhanças levam o Ministério Público e a CPI a suspeitar de um grande esquema de internação de dinheiro. Ao seguir os rastros da PDI e da Albion, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a comissão ligada à Receita Federal encarregada de rastrear operações de lavagem de dinheiro, tem poderes para identificar a origem do dinheiro.
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(*) Gustavo Barreto é jornalista. Entre em contato com o autor pelo @gustavobarreto_
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.
Introdução do livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr. (*)
Quem recebeu e quem pagou propina. Quem enriqueceu na função pública. Quem usou o poder para jogar dinheiro público na ciranda da privataria. Quem obteve perdões escandalosos de bancos públicos. Quem assistiu os parentes movimentarem milhões em paraísos fiscais. Um livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que trabalhou nas mais importantes redações do país, tornando-se um especialista na investigação de crimes de lavagem do dinheiro, vai descrever os porões da privatização da era FHC. Seus personagens pensaram ou pilotaram o processo de venda das empresas estatais. Ou se aproveitaram do processo. Ribeiro Jr. promete mostrar, além disso, como ter parentes ou amigos no alto tucanato ajudou a construir fortunas. Entre as figuras de destaque da narrativa estão o ex-tesoureiro de campanhas de José Serra e Fernando Henrique Cardoso, Ricardo Sérgio de Oliveira, o próprio Serra e três dos seus parentes: a filha Verônica Serra, o genro Alexandre Bourgeois e o primo Gregório Marin Preciado. Todos eles, afirma, tem o que explicar ao Brasil.
Ribeiro Jr. vai detalhar, por exemplo, as ligações perigosas de José Serra com seu clã. A começar por seu primo Gregório Marín Preciado, casado com a prima do ex-governador Vicência Talan Marín. Além de primos, os dois foram sócios. O “Espanhol”, como (Marin) é conhecido, precisa explicar onde obteve US$ 3,2 milhões para depositar em contas de uma empresa vinculada a Ricardo Sérgio de Oliveira, homem-forte do Banco do Brasil durante as privatizações dos anos 1990. E continuará relatando como funcionam as empresas offshores semeadas em paraísos fiscais do Caribe pela filha – e sócia — do ex-governador, Verônica Serra e por seu genro, Alexandre Bourgeois. Como os dois tiram vantagem das suas operações, como seu dinheiro ingressa no Brasil …
Atrás da máxima “Siga o dinheiro!”, Ribeiro Jr perseguiu o caminho de ida e volta dos valores movimentados por políticos e empresários entre o Brasil e os paraísos fiscais do Caribe, mais especificamente as Ilhas Virgens Britânicas, descoberta por Cristóvão Colombo em 1493 e por muitos brasileiros espertos depois disso. Nestas ilhas, uma empresa equivale a uma caixa postal, as contas bancárias ocultam o nome do titular e a população de pessoas jurídicas é maior do que a de pessoas de carne e osso. Não é por acaso que todo dinheiro de origem suspeita busca refúgio nos paraísos fiscais, onde também são purificados os recursos do narcotráfico, do contrabando, do tráfico de mulheres, do terrorismo e da corrupção.
A trajetória do empresário Gregório Marin Preciado, ex-sócio, doador de campanha e primo do candidato do PSDB à Presidência da República mescla uma atuação no Brasil e no exterior. Ex-integrante do conselho de administração do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), então o banco público paulista – nomeado quando Serra era secretário de planejamento do governo estadual, Preciado obteve uma redução de sua dívida no Banco do Brasil de R$ 448 milhões (1) para irrisórios R$ 4,1 milhões. Na época, Ricardo Sérgio de Oliveira era diretor da área internacional do BB e o todo-poderoso articulador das privatizações sob FHC.
(Ricardo Sergio é aquele do “estamos no limite da irresponsabilidade. Se der m… “, o momento Péricles de Atenas do Governo do Farol – PHA)
Ricardo Sérgio também ajudaria o primo de Serra, representante da Iberdrola, da Espanha, a montar o consórcio Guaraniana. Sob influência do ex-tesoureiro de Serra e de FHC, mesmo sendo Preciado devedor milionário e relapso do BB, o banco também se juntaria ao Guaraniana para disputar e ganhar o leilão de três estatais do setor elétrico (2).
O que é mais inexplicável, segundo o autor, é que o primo de Serra, imerso em dívidas, tenha depositado US$ 3,2 milhões no exterior através da chamada conta Beacon Hill, no banco JP Morgan Chase, em Nova York. É o que revelam documentos inéditos obtidos dos registros da própria Beacon Hill em poder de Ribeiro Jr. E mais importante ainda é que a bolada tenha beneficiado a Franton Interprises. Coincidentemente, a mesma empresa que recebeu depósitos do ex-tesoureiro de Serra e de FHC, Ricardo Sérgio de Oliveira, de seu sócio Ronaldo de Souza e da empresa de ambos, a Consultatun. A Franton, segundo Ribeiro, pertence a Ricardo Sérgio.
A documentação da Beacon Hill levantada pelo repórter investigativo radiografa uma notável movimentação bancária nos Estados Unidos realizada pelo primo supostamente arruinado do ex-governador. Os comprovantes detalham que a dinheirama depositada pelo parente do candidato tucano à Presidência na Franton oscila de US$ 17 mil (3 de outubro de 2001) até US$ 375 mil (10 de outubro de 2002). Os lançamentos presentes na base de dados da Beacon Hill se referem a três anos. E indicam que Preciado lidou com enormes somas em dois anos eleitorais – 1998 e 2002 – e em outro pré-eleitoral – 2001. Seu período mais prolífico foi 2002, quando o primo disputou a presidência contra Lula. A soma depositada bateu em US$ 1,5 milhão.
O maior depósito do endividado primo de Serra na Beacon Hill, porém, ocorreu em 25 de setembro de 2001. Foi quando destinou à offshore Rigler o montante de US$ 404 mil. A Rigler, aberta no Uruguai, outro paraíso fiscal, pertenceria ao doleiro carioca Dario Messer, figurinha fácil desse universo de transações subterrâneas. Na operação Sexta-Feira 13, da Polícia Federal, desfechada no ano passado, o Ministério Público Federal apontou Messer como um dos autores do ilusionismo financeiro que movimentou, através de contas no exterior, US$ 20 milhões derivados de fraudes praticadas por três empresários em licitações do Ministério da Saúde.
O esquema Beacon Hill enredou vários famosos, entre eles o banqueiro Daniel Dantas. Investigada no Brasil e nos Estados Unidos, a Beacon Hill foi condenada pela justiça norte-americana, em 2004, por operar contra a lei.
Percorrendo os caminhos e descaminhos dos milhões extraídos do país para passear nos paraísos fiscais, Ribeiro Jr. constatou a prodigalidade com que o círculo mais íntimo dos cardeais tucanos abre empresas nestes édens financeiros sob as palmeiras e o sol do Caribe. Foi assim com Verônica Serra. Sócia do pai na ACP Análise da Conjuntura, firma que funcionava em São Paulo em imóvel de Gregório Preciado, Verônica começou instalando, na Flórida, a empresa Decidir.com.br, em sociedade com Verônica Dantas, irmã e sócia do banqueiro Daniel Dantas, que arrematou várias empresas nos leilões de privatização realizados na era FHC.
Financiada pelo banco Opportunity, de Dantas, a empresa possui capital de US$ 5 milhões. Logo se transfere com o nome Decidir International Limited para o escritório do Ctco Building, em Road Town, ilha de Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas. A Decidir do Caribe consegue trazer todo o ervanário para o Brasil ao comprar R$ 10 milhões em ações da Decidir do Brasil.com.br, que funciona no escritório da própria Verônica Serra, vice-presidente da empresa. Como se percebe, todas as empresas tem o mesmo nome. É o que Ribeiro Jr. apelida de “empresas-camaleão”. No jogo de gato e rato com quem estiver interessado em saber, de fato, o que as empresas representam e praticam é preciso apagar as pegadas. É uma das dissimulações mais corriqueiras detectada na investigação.
Não é outro o estratagema seguido pelo marido de Verônica, o empresário Alexandre Bourgeois. O genro de Serra abre a Iconexa Inc no mesmo escritório do Ctco Building, nas Ilhas Virgens Britânicas, que interna dinheiro no Brasil ao investir R$ 7,5 milhões em ações da Superbird. com.br que depois muda de nome para Iconexa S.A…Cria também a Vex capital no Ctco Building, enquanto Verônica passa a movimentar a Oltec Management no mesmo paraíso fiscal. “São empresas-ônibus”, na expressão de Ribeiro Jr., ou seja, levam dinheiro de um lado para o outro.
De modo geral, as offshores cumprem o papel de justificar perante o Banco Central e à Receita Federal a entrada de capital estrangeiro por meio da aquisição de cotas de outras empresas, geralmente de capital fechado, abertas no país. Muitas vezes, as offshores compram ações de empresas brasileiras em operações casadas na Bolsa de Valores. São frequentemente operações simuladas tendo como finalidade única internar dinheiro nas quais os procuradores dessas offshores acabam comprando ações de suas próprias empresas… Em outras ocasiões, a entrada de capital acontecia através de sucessivos aumentos de capital da empresa brasileira pela sócia cotista no Caribe, maneira de obter do BC a autorização de aporte do capital no Brasil. Um emprego alternativo das offshores é usá-las para adquirir imóveis no país.
Depois de manusear centenas de documentos, Ribeiro Jr. observa que Ricardo Sérgio, o pivô das privatizações — que articulou os consórcios usando o dinheiro do BB e do fundo de previdência dos funcionários do banco, a Previ, “no limite da irresponsabilidade” conforme foi gravado no famoso “Grampo do BNDES” — foi o pioneiro nas aventuras caribenhas entre o alto tucanato. Abriu a trilha rumo às offshores e as contas sigilosas da América Central ainda nos anos 1980. Fundou a offshore Andover, que depositaria dinheiro na Westchester, em São Paulo, que também lhe pertenceria…
Ribeiro Jr. promete outras revelações. Uma delas diz respeito a um dos maiores empresários brasileiros, suspeito de pagar propina durante o leilão das estatais, o que sempre desmentiu. Agora, porém, existe evidência, também obtida na conta Beacon Hill, do pagamento da US$ 410 mil por parte da empresa offshore Infinity Trading, pertencente ao empresário, à Franton Interprises, ligada a Ricardo Sérgio.
(1) A dívida de Preciado com o Banco do Brasil foi estimada em US$ 140 milhões, segundo declarou o próprio devedor. Esta quantia foi convertida em reais tendo-se como base a cotação cambial do período de aproximadamente R$ 3,2 por um dólar.
(2) As empresas arrematadas foram a Coelba, da Bahia, a Cosern, do Rio Grande do Norte, e a Celpe, de Pernambuco.
________________________________ (*) Publicado no Conversa Afiada e no Vi O Mundo. Se alguém tiver acesso ao livro na íntegra, favor indicar aqui.