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Consciência Negra, ou: aquilo que você não entende mas incomoda

Pichação racista em Porto Alegre.
Nas discussões sobre ação afirmativa, alguns estudiosos afirmam que a “questão das cotas” criaria um problema que não existe no Brasil, um problema “importado” pelo Movimento Negro e uma meia dúzia de intelectuais. Quando em 2003 estas discussões tiveram maior espaço na Universidade, alunos contrários as cotas discursavam aos berros que o sistema era “meritocrático”. Que cada um deveria ter sua vaga alcançada por esforço.
No Capão Redondo alguém riu as duas da manhã, antes de sair para o trabalho! O problema é importado, eles diziam na sala de convenções. As cotas iriam “baixar o nível dos alunos”, teria dito um reitor.
Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, alguns grupos se formavam, apontando os cotistas, esperando que se espatifassem graduação abaixo. Mas o problema era importado. Não havia problema nos 90% dos professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro pertencendo a um único grupo étnico-racial.
Seria estranho trancar todos estes defensores do problema “importado” em uma sala e iniciar uma conversa sobre nação e diáspora? Seria estranho apresentar os números sobre tráfico negreiro nas Américas? Ou os números sobre encarceramento nos Estados Unidos e no Brasil? De que povo brasileiro estávamos falando? De Gilberto Freyre, suas usinas em Pernambuco e suas mulatas sensuais? Dos apadrinhados da Casa Grande? Que problema era este, importado que batia á porta da Universidade Brasileira?
Era tarde demais para retroceder, então era preciso dizer, berrar, que raças não existem, que era preciso investir no ensino fundamental. Em uma reunião com pesquisadores portugueses, houve até choro e confissões de amor pelos negros brasileiros, pelos estudantes de periferia, a afirmação de que não somos racistas.
Mas era tarde demais para retroceder. A questão das ações afirmativas já estava cravada no coração das Universidades brasileiras e a cada rodada revelava o fundo do poço. Em um muro da João Pessoa, em Porto Alegre, uma pichação: Negros só na cozinha do R.U. De fato, durante toda a graduação em Ciências Sociais, este era mesmo o lugar onde eu os via diariamente. Na cozinha dos restaurantes universitários.
Qual era a ameaça dos 20%? O que assustava tanto em tornar um lugar como o Campus do Vale, menos homogêneo racialmente? Talvez, uma verdade muito incômoda, ouvida durante a graduação por muitos dos que estão lendo este texto. As formas de racismo institucional praticadas diariamente quando se está em uma turma de 40 ou mesmo na pós graduação, em uma turma de 10 pessoas. Tanto faz se estamos em Porto Alegre, Rio de Janeiro ou Salvador. Em certos níveis da educação e certas Faculdades, a distribuição é a mesma, basta ver os formandos de Medicina na Bahia no ano de 2012.
O que levou um professor de agronomia a pagar multa civil por ato de racismo em 2000? No primeiro dia de aula, o nobre docente proferiu as seguintes frases: “os negrinhos da favela só tinha os dentes brancos porque a água que bebiam possuía flúor”, e depois, arrematou “soja é que nem negro, uma vez que nasce, é difícil de matar”. Quando Pierre Bourdieu faz sua crítica avassaladora sobre a instituição escolar, muitos franceses torceram o nariz: como ele ousava atacar logo esta instituição? Como ousava desconstruir o mito da escola como formadora de cidadania? Não há engano, o que vemos hoje não tem relação com posturas científicas ou argumentos isentos de ideologia.
As razões apresentadas para acreditar que as ações afirmativas são “ruins” para o Brasil são pífias, não se sustentam, revelam mais da alma do que muitos dos que as atacam gostariam de revelar. É certo que não resolveremos o problema da educação no Brasil com reservas de vagas. Não devemos reservar vagas, devemos garantir acesso universal ao ensino superior. Mas não é esta bandeira dos críticos às cotas. Estão simplesmente em pânico.
Como aceitar linguagens de outro tipo? Como lidar com alunos que ouvem rap e trabalham, têm filhos e dormem pouco? E mesmo que não seja esta a realidade de boa parte dos cotistas, o simples fato da existência de diferença em sala de aula, perturba tão profundamente alguns professores! É como se alguém tivesse colocado câmeras pelos corredores. É como se tivessem de tratar como iguais aqueles á quem habitualmente dão ordens. Que segredos foram ocultados?
Ah, lembrei: o profundo desprezo que nutrem por alunos que desviam de seus padrões de reprodução teórica, de sua visão de mundo. A pergunta de corredor feita pelo professor de sociologia rural ao aluno negro: mas por que, para que o mestrado? A graduação já não está de bom tamanho? O mesmo professor que bocejou durante sua defesa de tese. E que o classificou em quinto lugar em um concurso público sem critérios. Por que falar de racismo na Universidade afinal?
Como diziam os moradores Santa Rosa, em uma cidade majoritariamente branca do sul: “o problema da criminalidade é esse pessoal que foge do Rio, esse pessoal moreno que vem para cá”. É isto, o problema da Universidade, para alguns professores, é este pessoal que foge às estatísticas, este pessoal moreno, negro, pardo, nordestino, que vem para cá, para a sala de aula.

Sindicato dos Jornalistas do Rio lança primeira edição do Prêmio Jornalista Abdias Nascimento

Evento no dia 10 de maio marca o lançamento do Prêmio voltado para reportagens relacionadas à população negra do País

Em 2011, Ano Internacional dos Afrodescendentes declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ) lança a 1ª edição do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento. Fruto da iniciativa da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio), o prêmio estimula a cobertura jornalística qualificada sobre temas relacionados à população negra. O prêmio será anual.

O lançamento ocorrerá no próximo dia 10 de maio, às 14 horas, no auditório do SJPMRJ na Rua Evaristo da Veiga, nº 16/ 17º andar, no Centro do Rio de Janeiro, e contará com as presenças da jornalista Miriam Leitão e do professor Muniz Sodré que farão uma palestra sobre “A questão negra na mídia contemporânea”. Na ocasião, Abdias Nascimento – um dos principais ícones da luta contra o racismo – será homenageado com uma placa com o seu registro profissional de jornalista, datado de 1947.

Batizado em homenagem a este ativista histórico dos direitos humanos, o Prêmio destacará a produção de conteúdos jornalísticos que contribuam para a prevenção, o combate às desigualdades raciais e a eliminação de todas as formas de manifestação do racismo. Desta forma, objetiva estimular a prática de um jornalismo plural com foco na promoção da igualdade racial.

Para Miriam Leitão, o Prêmio “vai incentivar o país a falar de um assunto que é sempre tratado como não existente: o racismo. Quanto mais falarmos das nossas desigualdades, mais conheceremos o problema, quanto mais o conhecermos mais perto estaremos da sua solução”, aposta a jornalista. Já Muniz Sodré acredita que o recorte não é racial, mas sim axial: “o negro é o eixo novo de uma mudança nas relações sociais, porque, como o proletário em Marx, tornou-se classe histórica no país”, sintetiza.

Homenagear Abdias Nascimento, para ambos, contribui para a construção de uma mídia mais plural e igualitária. De acordo com Miriam Leitão, “Abdias Nascimento tem uma vida inteira de coerência na mesma luta, da qual é precursor no Brasil, de apontar a desigualdade racial como uma das chagas nunca curadas”. Muniz Sodré complementa, afirmando que “homenagear Abdias Nascimento com um prêmio de jornalismo é restituir ao jornalismo de hoje, tão empenhado em serviços de consumo, algo da pública voz cívica que ele tinha no passado, a exemplo da imprensa abolicionista e republicana. Abdias é voz de pulmão cheio”.

O Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento contempla sete categorias: mídia impressa; televisão; rádio; mídia alternativa ou comunitária; fotografia; Internet; e categoria especial de gênero, com destaque para as reportagens com foco nas demandas femininas. A melhor reportagem de cada categoria receberá o prêmio de R$ 5.000,00. Os vencedores serão anunciados em uma grande festa que ocorrerá em novembro, mês de comemoração da Consciência Negra.

As inscrições para o Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento estarão abertas no período de 11 de maio e 19 de agosto de 2011. Estão aptos a participar do Prêmio jornalistas profissionais em todo o país. As reportagens inscritas devem ter sido veiculadas ou publicadas entre 01 de janeiro de 2009 e 30 de abril de 2011.

Entre os temas sugeridos para concorrer ao Prêmio, estão: saúde da população negra, intolerância religiosa, juventude negra, ações afirmativas, empreendedorismo, desigualdades, direitos humanos, relações raciais, políticas públicas, populações/comunidades tradicionais e discriminação racial.

Breve biografia Abdias Nascimento: O ex-senador Abdias Nascimento é um ícone no combate ao racismo no país. Nascido em 1914, desenvolveu vasta produção intelectual como ativista, político, pintor, escritor, poeta, dramaturgo. Natural de São Paulo, participou dos primeiros congressos de negros no país. Já no Rio de Janeiro, criou o Teatro Experimental do Negro (TEN) na década de 1940. Como jornalista, foi repórter do Jornal Diário, além de ter trabalhado em vários periódicos. Fundou o Jornal Quilombo e também é filiado no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro desde 1947. Pressionado pela ditadura, se exilou nos Estados Unidos durante 13 anos. De volta ao Brasil, ocupou os cargos de Deputado Federal e Sena dor da República. Hoje, aos 97 anos, é professor emérito da Universidade de Nova York e Doutor Honoris Causa por várias instituições de ensino superior, entre elas, a Universidade de Brasília e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Cojira-Rio: Desde 2003, a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Rio de Janeiro lida com questões relacionadas a discriminação racial no mundo do trabalho secundada pela educação. Atualmente, a equipe é formada por Angélica Basthi (coordenação), Sandra Martins (coordenação), Miro Nunes (coordenação), Isabela Vieira (integrante) e Camila Marins (integrante). Acesse http://pt-br.facebook.com/people/Cojira-Rio/100001842288734

Mais informações sobre o Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento podem ser obtidas a partir da próxima quarta-feira, 27 de abril, em www.premioabdiasnascimento.org.br

Serviço

Lançamento Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento
Data: 10 de maio
Horário: 14h
Local: Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro
Rua Evaristo da Veiga 16/ 17º andar – Centro – RJ

Informações

Angélica Basthi, coordenadora do Prêmio e integrante da Cojira-Rio / Cojira-Rio – cojirario@gmail.com