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Direitos humanos precisam estar no centro da atuação das empresas na pandemia

A quinta edição do Fórum Regional de Empresas e Direitos Humanos para América Latina e o Caribe trouxe para um plenário virtual, entre os dias 7 e 11 de setembro, uma série de debates com a proposta de transformar desafios em oportunidades na busca de uma conduta empresarial responsável em tempos difíceis como o que vivemos.

À medida que a economia global é atingida por uma enorme crise, os impactos no direito de condições justas e favoráveis de trabalho são um desafio a todos. Esses desafios evoluirão com o tempo e é importante que as empresas desenvolvam um pensamento claro sobre maneiras de conduzir os negócios com responsabilidade durante e após a crise.

Nesse sentido, entre os diversos painéis realizados no Fórum, uma sessão organizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a Rede Brasil do Pacto Global discutiu, na quinta (10), o papel das empresas no enfrentamento da COVID-19 sob a perspectiva dos direitos humanos. A mesa contou com a participação de representantes do setor privado e da sociedade civil.

Juliana Ramalho, coordenadora da plataforma de ação pelos direitos humanos do Pacto Global e mediadora do evento, abriu o debate citando a Alta Comissária das Nações Unidas, Michelle Bachelet, que destacou que os “os direitos humanos precisam estar na frente e no centro da resposta ao COVID-19”.

Ao tratar sobre os desafios enfrentados pelas empresas em questões de direitos humanos no momento atual, a CEO da Ben&Jerry’s no Brasil, Adriana Castro, afirmou que a pandemia “expôs questões estruturais e estruturantes que mostram e amplificam as fissuras sociais criadas como consequências das divisões econômicas, culturais, étnicas, sociais, raciais, que já existiam na América Latina”.

Para a executiva, esse é o momento de provocar de forma profunda a reflexão sobre o papel das empresas na promoção dos direitos humanos: “Não podemos mais nos restringir ao assistencialismo simplesmente. É uma discussão que precisa evoluir para a justiça social e a prosperidade social.”

A questão dos direitos humanos como um tema amplo que não pode se restringir apenas aos limites das empresas, mas que deve alcançar também as diversas dimensões de impacto da cadeia produtiva também foi um dos temas chave do debate.

“Nós sentimos falta de que as empresas olharem para os diferentes grupos. É importante que elas adotem a devida diligência em suas cadeias,” pontuou a representando da sociedade civil no debate, Julia Neiva, que é coordenadora de desenvolvimento e direitos socioambientais da Conectas.

Andreza Souza, gerente de sustentabilidade da Natura, lembra que as empresas que têm uma dependência muito grande de pessoas em suas atividades enfrentam um grande desafio que demanda reavaliação de todos os processos.

“No caso da nossa empresa, temos quase 4 milhões de colaboradoras e consultoras no grupo em toda a América Latina. A nossa preocupação é cuidar não só dessa rede, mas também pensar como podemos contribuir com a sociedade toda envolvida, dos fornecedores aos consumidores, mas sobretudo aqueles em maior risco e vulnerabilidade,” afirmou. “Isso demanda novos processos, articulação e formação de parcerias para realizar um trabalho mais significativo.”

Julia Neiva chamou a atenção para as questões do racismo estrutural, do sexismo e das desigualdades sociais que caracterizam a sociedade brasileira, e que ficaram ainda mais expostas no contexto atual.

Ela reforçou que as mulheres — sobretudo as negras, indígenas e trabalhadoras rurais — estão entre as mais afetadas, pois ocupam posições de alta exposição ao vírus, muitas vezes sem qualquer estrutura de proteção à saúde. “A mulher negra é uma das mais impactadas pela pandemia. A taxa de mortalidade dos indígenas é muito maior que das outras camadas da população,” destacou.

As debatedoras abordaram ainda o tema da violência contra a mulher e como as empresas devem ter um papel fundamental também nesse sentido: empregar mulheres em todas as áreas e pagar salários dignos e equiparados, por exemplo, é também uma forma de garantir a elas a sua autonomia financeira e evitar a dependência de seus violadores. Adriana Castro citou as insterseccionalidades das diversas camadas de preconceito às quais são submetidas as mulheres para reforçar que companhias devem tomar medidas efetivas para combatê-las.

Para Julia Neiva, o papel das empresas na defesa e proteção dos direitos humanos vai além de apenas promover ações internas. “Elas têm o dever de pressionar o poder público para que atue de forma responsável, a fim de proteger os instrumentos existentes de proteção dos direitos fundamentais em toda a sociedade,” concluiu.

Sobre o Fórum Regional

O Fórum Regional para América Latina e o Caribe é organizado pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) para a América Central e pelo Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas.

O Fórum é organizado em colaboração com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e apoiado pela União Européia (UE), sob o projeto Conduta Empresarial Responsável na América Latina e no Caribe (CERALC).

O projeto RBCLAC visa promover práticas responsáveis de conduta empresarial em linha com as normas internacionais, incluindo os Princípios Orientadores das ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs), as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais e a Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT.

A primeira sessão do Fórum foi realizada em Medellín, Colômbia, em 2013. Desde então, o Fórum tornou-se a principal plataforma multi-stakeholder de intercâmbio de boas práticas e aprendizagem entre pares em relação aos direitos humanos e atividades empresariais na região.

Como nos anos anteriores, os debates do Fórum Regional serão alimentados na 9ª sessão do Fórum das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, a ser realizada de 16 a 18 de novembro de 2020 em Genebra, que se concentrará nas ações necessárias para promover o respeito corporativo aos direitos humanos, com um foco especial nas ações preventivas.

Fonte: Nações Unidas – Brasil

ACNUR lança consultas sobre os direitos dos refugiados LGBTI

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) lançou nesta semana uma série de consultas para identificar formas de assegurar que refugiados lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) estejam mais bem protegidos e possam buscar justiça e apoio quando sofrerem situações de violência e discriminação.

Ecoando o tema escolhido para o Dia Internacional contra a LGBTIfobia, “Justiça e Proteção para Todos”, a primeira rodada de consultas com organizações e defensores LGBTI aconteceu no dia 16 de maio, em Genebra, na Suíça. Outras consultas serão realizadas em diferentes partes do mundo nos próximos meses.

“O ACNUR tem trabalhado arduamente para garantir que os solicitantes de refúgio e refugiados LGBTI estejam protegidos onde quer que estejam, mas precisamos nos mobilizar ainda mais. É por isso que é tão importante ouvir e unir forças com indivíduos e organizações que possuem conhecimento especializado sobre esta questão”, disse o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi.

Com mais de 70 países do mundo ainda criminalizando as relações entre pessoas do mesmo sexo, muitas pessoas LGBTI continuam a sofrer graves abusos dos direitos humanos e perseguições. Forçados a buscar segurança e proteção no exterior, geralmente enfrentam riscos semelhantes ou até maiores quando chegam aos países de acolhida.

“É vital criarmos espaços seguros para os solicitantes de refúgio e refugiados LGBTI, para que eles não se sintam compelidos a esconder sua orientação sexual ou identidade de gênero em um esforço para se proteger”, disse Grandi, observando que, nos últimos anos, o ACNUR investiu no desenvolvimento de orientações, ferramentas e treinamento sobre questões LGBTI para seus funcionários e parceiros.

O alto-comissário observou que tem havido muitos exemplos encorajadores do trabalho feito nos últimos anos, como trabalhar com líderes LGBTI na África para aumentar a divulgação e encaminhamento para serviços, construindo redes com os empregadores para criar oportunidades para os refugiados LGBTI nas Américas e estabelecer grupos de apoio à juventude LGBTI na região do Oriente Médio.

“Esses esforços também devem ser refletidos em nossa força de trabalho. Os colegas LGBTI que trabalham para o ACNUR devem se sentir seguros e livres do medo de julgamento ou discriminação, e confiantes de que recebem oportunidades de carreira iguais e o apoio de que precisam”, disse o Alto Comissário. “A luta pelos direitos LGBTI é sobre cada um de nós. É sobre a nossa diversidade e nossa humanidade. Todos nós devemos desempenhar um papel ativo no combate à homofobia, transfobia e bifobia”, concluiu ele.

Fonte: Nações Unidas

Colômbia: perigo de extinção para alguns povos indígenas continua

Os indígenas Awá têm sido afetados por deslocamentos massivos e massacres desde 2004. Essa imagem corresponde a um deslocamento ocorrido no começo de 2009. Foto: ACNUR/ M.H.Verney.

Gustavo Valdivieso em Bogotá, Colômbia, para a ACNUR

A poucas horas de celebrar o Dia Mundial dos Povos Indígenas, dia 9 de agosto, dois deslocamentos, um de indígenas Sicuani, em Orinoquía, e outro da etnia Wounaan, desde o rio San Juan até o porto de Buenaventura, demonstram a difícil situação que esses povos vivem em várias partes da Colômbia, apesar dos esforços do Estado em protegê-los.

Após o alarme dado em 2004 por Rodolfo Stavenhagen, Relator Especial das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Indígenas, sobre o perigo de extinção de 12 povos indígenas, a preocupação por esse risco cresceu. Em 2009, a Corte Constitucional colombiana pediu ao Governo o desenho e a implementação de planos para a proteção especial (salvaguarda) de 34 povos indígenas, em consenso com os povos em questão.

Desde então, o Governo redobrou seus esforços buscando acordos com os povos sobre esses e outros planos de “proteção de direitos fundamentais”, e convidou o país para o Fórum Permanente das Nações Unidas para Assuntos Indígenas.

Alguns planos de salvaguarda já estão finalizados e, outros estão em processo, sendo necessário agora executá-los. Tanto os Wounaan como os Sicuani, afetados por deslocamentos esta semana, estão incluídos na ordem da Corte.

Uma líder Wounaan da Asociación de Cabildos Indígenas do Vale do Cauca destacou que “para nós o plano de salvaguarda é muito importante já que a situação em nossas comunidades está piorando. Antes não se cultivava coca, agora há plantações por todos os lados, e com elas crescem, também, a presença dos grupos e da violência. Cada vez fica mais difícil nos mover, inclusive para caçar ou fazer a colheita.”

Enquanto em algumas zonas da Colômbia a intensidade da violência diminui, em outras aumenta, e os povos indígenas que vivem aí sofrem as conseqüências. Os homicídios e as ameaças a líderes são freqüentes, e está aumentando o envolvimento das comunidades no controle social e o uso de minas terrestres por alguns grupos armados. Os homicídios relatados por indígenas cresceram 63% entre 2008 e 2009, e só os Awá perderam 33 membros em três massacres no ano anterior.

Povos como os Wounaan e os Embera, em Chocó, os Awá e os Eperara-Siapidara, na Costa Pacífica de Nariño, os Jiw, Nukak e Sicuan, na região dos rios Guaviare e Guayabero, requerem atenção especial. Também há uma preocupação crescente pelo recrutamento forçado de jovens indígenas e pela violência sexual cometida por grupos armados nas zonas de Guaviare e Chocó. (Em algumas regiões suspeita-se que suicídio de jovens indígenas pode estar relacionado ao recrutamento forçado e/ou violência sexual).

O ACNUR e outras agências da ONU acompanham as comunidades em várias dessas zonas e, entre 2008 e 2010, o ACNUR implementou 11 projetos práticos de proteção dentro da estratégia de prevenção de deslocamento: fornecimento de água potável, melhores escolas, albergues.

O perigo de desaparecer física e culturalmente se mantém, e em alguns casos aumenta, tanto para os 34 povos para os quais a Corte pediu proteção especial quanto para outros não incluídos nessa lista, como os Jitnu em Aurauca – na fronteira centro-oriental com Venezuela – ou os 43 Pisamira que ACNUR encontrou há um ano nos rios do departamento de Vaupés, no sudeste do país.

Povos nômades ou semi-nômades como os Nukak, os Sicuani, os Jiw ou os Jitnu sofrem processos de sedentarização e confinamento forçado por grupos armados ilegais que colocam em risco as atividades dessas comunidades para conseguir alimentos, os seus ciclos produtivos (caça e pesca) e rituais, além de suas formas de organização social e parentesco.

O deslocamento indígena para os centros urbanos é outro fenômeno que gera grande preocupação, já que os desafios para a preservação da identidade cultural e das formas de organização social, nesses ambientes, são ainda mais acentuados.

Como afirma Simón, um indígena Inga de 40 anos procedente das montanhas do sul da Colômbia, que vive agora em Villavicencio, “as crianças que nasceram aqui já não falam ingá, ou falam com vergonha. E isso não é culpa dos jovens: si nós pudéssemos fazer reuniões, se eles pudessem participar freqüentemente dos nossos encontros, seria mais fácil se sentir parte de uma comunidades e sentir orgulho por isso”.

Novos elementos requerem atenção na hora de proteger os direitos dos indígenas. Em certas ocasiões, os projetos de desenvolvimento nesses territórios são fonte de conflito e por isso requerem atenção especial quando são implementados em zonas muito violentas onde os grupos armados ilegais podem tentar se beneficiar deles. A consulta prévia sobre decisões ligadas ao desenvolvimento econômico e social nos territórios é o instrumento que permite aos povos exercer seu direito de participar das decisões nacionais e locais sobre esses temas. Além disso, é a base para o desenvolvimento de respostas às necessidades específicas dos membros de comunidades, e de mulheres e homens de diferentes idades. Por isso o ACNUR também acompanha os processos de consulta prévia com vários povos em diferentes lugares do país.

Para Terry Morel, Representante do ACNUR na Colômbia, “existem muitos temas nos quais é preciso avançar para melhorar as condições dos povos indígenas na Colômbia, mas o primeiro é proteger sua própria existência. Para o ACNUR, que enfatiza a prevenção das causas que geram deslocamentos, acompanhar a aplicação dos planos de salvaguarda e os processos de consulta prévia é fundamental. Por isso mesmo, estabelecemos oficinas nos lugares mais distantes do país, onde estamos mais próximos dessas comunidades tão expostas à violência”.