Curioso me cobrarem insistentemente, como defensor dos direitos humanos, a denúncia mais enfática do que está acontecendo na Venezuela.
As violações estão acontecendo neste país, claramente.
Aliás, a situação dos direitos humanos pelo mundo é deplorável. O Mali acaba de sair de uma crise de segurança e alimentar, na Nigéria o grupo Boko Haram executou mais de 100 pessoas nos últimos dias. Crises humanitárias atingem o Sudão do Sul e na República Centro-Africana já deixaram milhares de mortos, milhões de deslocados internos e refugiados. Na Ucrânia, na Turquia e em outros países a violência contra manifestantes continua.
No Brasil o Estado, impune, continua sendo o principal responsável por execuções sumárias nas periferias das cidades. Após um período de muita atenção, milhares foram esquecidos pelo mundo nas Filipinas. E um relatório independente sobre a Coreia do Norte vincula as violações no país a memoráveis práticas nazistas. Na última crise alimentar no Chifre da África (Somália e região), algumas milhares de crianças morreram pela inação da comunidade internacional. Isso sem falar na Síria e na República Democrática do Congo, as duas maiores crises contemporâneas.
Se fosse transformar meu Facebook pessoal em mural de violações, seriam pelo menos algumas dezenas de publicações por dia. Todo dia. E em todos os países, talvez com exceção da Islândia (talvez).
Mas tenho que falar da Venezuela. Porque o principal problema é a Venezuela.
Lá o problema é grave mesmo. Em termos mais contextualizados, a Venezuela é um país violento, com uma circulação de armas e um nível de militarização que, por si só, promovem uma quantidade de homicídios maior, proporcionalmente, que muitas guerras declaradas. E a questão política é por demais complexa para um texto curto.
Quais crises vemos na “mídia”, e na TV principalmente? Para mim, quem classifica as crises de acordo com o volume de aparições na mídia, e não pelo volume de sofrimento que gera para seres humanos reais, está é tomando partido ideologicamente sob o pretexto de denunciar violações, e não defendendo os direitos humanos. O que para mim, francamente, não faz o menor sentido.
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.