Arquivo da categoria: Trabalho escravo

Massacre dos fiscais e Genivaldo: recordar para não repetir

Massacre dos fiscais e Genivaldo: recordar para não repetir. Por Gilvander Moreira[1]

Após 18,4 anos, em quatro dias de 2º julgamento, em Belo Horizonte, MG, dia 27 de maio último (2022), na 1ª instância da Justiça Federal, o empresário Antério Mânica, “rei do feijão”, ex-prefeito de Unaí pelo PSDB, no noroeste de Minas Gerais, foi condenado a 64 anos de prisão por ter sido um dos mandantes do “Massacre dos Fiscais”, em Unaí, dia 28 de janeiro de 2004, que se tornou, pela Lei 12.064, o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. O 1º julgamento de Antério Mânica, em 2015, que o condenou a 100 anos de prisão, foi anulado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região em 2018. Nada a comemorar, pois Antério Mânica seguirá livre como os outros mandantes Norberto Mânica, Hugo Pimenta e José Alberto, que, mesmo condenados há cerca de 100 anos, seguem livres gozando o direito de ir e vir para onde quiserem. E pior, Minas Gerais segue sendo o estado campeão em trabalho escravo contemporâneo.

Recordar as opressões e violências do passado que continuam presentes, se reproduzindo, e as lutas de resistência popular é imprescindível para seguirmos com as lutas libertárias. “Recordar para não repetir”, alertava a filósofa Hannah Arendt ao analisar o totalitarismo político nazista. Era dia 28 de janeiro de 2004, 8h20 da manhã, em uma emboscada, cinco jagunços dispararam rajadas de tiros em quatro fiscais da Delegacia Regional do Ministério do Trabalho, perto da Fazenda Bocaina, no município de Unaí. Na maior chacina contra agentes do Estado Brasileiro, foram ceifadas as vidas dos fiscais Erastótenes de Almeida Gonçalves (o Tote), de 42 anos, João Batista Soares Lage, 50, e Nelson José da Silva, 52, e do motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52. Por quê? Porque como servidores éticos e idôneos, estavam cumprindo seu dever: fiscalizando a existência de trabalho escravo em fazendas do agronegócio no município de Unaí. As autuações de vários fazendeiros escravocratas incomodavam, porque revelavam que “reis do feijão” eram na verdade “reis do trabalho escravo”.

Assisti presencialmente a algumas manhãs e tardes do 1º e 2º julgamento do Antério Mânica e também dos julgamentos dos outros mandantes. Ouvi coisas estarrecedoras que aconteceram na trama capitalista – satânica e diabólica – para assassinar trabalhadores éticos que cumpriam sua missão como servidores públicos. Ouvi, por exemplo, durante o 2º julgamento do Antério Mânica: “Havia um homem bravo dentro de um marea azul escuro, “o patrão”, que mandou matar todo mundo: «Tora todo mundo, todos!»”. Esta ordem alterou o acordo inicial à moda de Caim, que era para matar só o fiscal Nelson José da Silva. Os jagunços Chico Pinheiro e Erinaldo, e Hugo Pimenta em delação premiada, disseram que quem estava no Marea azul escuro era Antério Mânica, que disse: “Tora todo mundo“.

Após perseguir por vários dias no encalço dos fiscais sempre juntos, preferiram não mais esperar um momento para emboscar só o fiscal Nelson. O empresário dono de cerealista, Hugo Pimenta, não tinha fazenda de soja e nem de feijão, era um grande comerciante de feijão em Unaí. Logo parecia não ter interesse direto no assassinato dos fiscais. Os patrões que se sentiam incomodados pelas fiscalizações eram Antério Mânica e Norberto Manica. Os jagunços simularam praticar um latrocínio, assalto seguido de morte. Por isso, pegaram os celulares dos fiscais, jogaram em córregos e o relógio de Erastótenes foi encontrado em uma privada na casa de um dos jagunços em Formosa, GO. Não levaram a caminhonete branca com placa do governo federal. Esse tipo de caminhonete dificilmente é roubado. Provocado, o jagunço Erinaldo pediu 300 mil reais para assumir o massacre como latrocínio, mas desistiu, pois tinha muita gente envolvida e seria impossível demonstrar que tinha sido latrocínio e não massacre a mando. Antério Mânica e Norberto Mânica pressionaram os jagunços na prisão para eles assumirem que era latrocínio, o que livraria os mandantes. Esposa de um dos jagunços foi na prefeitura de Unaí pedir dinheiro para Antério Mânica.

Após o massacre, os jagunços voltaram para cidade de Formosa, em Goiás, distante cerca de 110 Km de Unaí, passando antes por Brasília, onde jogaram o carro roubado usado, no lago Paranoá. José Alberto e Chico Pinheiro executaram ordens de Antério Mânica e Norberto Mânica. Automóvel de luxo na época, o Marea, de propriedade de Bernadete Mânica, esposa de Antero, ficou escondido após o massacre, coberto por uma capa durante muito tempo na garagem de sua casa para ser ocultado. Declaração do DETRAN/MG comprovou que em Unaí na época do massacre só existia um marea azul escuro.

Márcia Mânica, filha de Antério, sofreu autuação dos fiscais do Ministério do Trabalho dia 17 de janeiro de 2004. A quebra de sigilo telefônico e depoimentos dos jagunços comprovaram que Antério Mânica telefonou para a cidade de Formosa para o agenciador dos jagunços várias vezes em janeiro de 2004, antes do massacre. Poucos minutos após o massacre, Antério Mânica telefonou para a Delegacia Regional do Trabalho na cidade de Paracatu, onde era o escritório dos fiscais, perguntando se já sabiam do massacre dos fiscais.

Os jagunços procuraram em Unaí um hotel que não tivesse câmera. O chefe dos jagunços, Chico Pinheiro, dormiu em outro hotel. Os jagunços foram em Unaí e Paracatu várias vezes para matar os fiscais, mas não acharam ocasião e lugar propício. “Andando pra cima e pra baixo”, “pressionamos para matar logo, pois não podíamos continuar andando armado em carro roubado”, disse o jagunço Erinaldo no 2º julgamento de Antério. Por isso, a ordem: “Mata todo mundo“. Os jagunços procuraram vários dias para matar o Nelson, mas não o encontraram sozinho. O José Alberto, um dos mandantes, levou os jagunços até a porta da casa do Nelson, em Unaí, mas por causa de cerca elétrica e porque “jagunço respeita a casa e a família” – disse Erinaldo -, resolveram não matá-lo na casa dele.

O Norberto Mânica procurou Erinaldo para matar outras pessoas no Paraná. “É mais fácil eu matar você, Norberto, do que matar outras pessoas novamente a seu mando“, disse Erinaldo. Por fazer delação premiada, Erinaldo teve um abatimento de 30% da pena que ficou em 72 anos. Após cumprir 16 anos de prisão em regime fechado, ele já está em regime aberto.

Em Unaí, alguém (o nome foi dito durante o 2º julgamento. Não escrevo o nome aqui na esperança de que todos que pensam assim se convertam) disse: “Foram mortos quatro cachorros, não quatro fiscais“. As viúvas, os familiares dos fiscais e todos que combatem o trabalho escravo no Brasil tiveram que ouvir esta violenta e criminosa afirmação. Quem vomita violência assim precisa ser alcançado pela justiça divina! Convertam antes que seja tarde!

A Polícia Federal e a Polícia Civil de MG fizeram varredura em todos os hotéis de Unaí para descobrir onde os jagunços tinham hospedado. Puseram nomes falsos na portaria do hotel onde dormiram já decididos a assassinar os fiscais na manhã seguinte, mas um número de RG verdadeiro foi escrito no caderno, por vacilo. Nunca os crimes são totalmente invisíveis. Os policiais durante a investigação vasculharam também números de celulares usados na região de Unaí.

Após identificar os pistoleiros, eles passaram a ser monitorados até quando julgaram oportuno prendê-los. Após a prisão, os pistoleiros passaram a colaborar com a investigação que comprovou a existência de dois intermediários – José Alberto e Hugo Pimenta – e dois mandantes: Antério Mânica e Norberto Mânica. Mataram os fiscais sem quebrar os vídeos das portas da camionete ranja com placa branca, carro oficial. Com isso, se descartou ser latrocínio. Não iriam fazer um assalto com quatro pessoas em uma camionete do Governo Federal e não levá-la. Os jagunços Erinaldo, Wiliam, Rogério Alan e Chico Pinheiro foram presos no mesmo dia em Formosa, Goiás, e levados de helicóptero para a Polícia Federal em Brasília.

Parabéns a todas as pessoas e organizações, como a Comissão Pastoral da Terra, que seguem firmes na luta pela erradicação do trabalho escravo no Brasil. Basta de relações sociais escravocratas! Respeito à dignidade humana é princípio constitucional e precisa ser respeitado.

Em tempo: Nos Estados Unidos, George Floyd foi morto asfixiado dois anos atrás. No Brasil, dia 25 de maio de 2022, vários policiais da Polícia Rodoviária Federal (PRF) fizeram uma Sexta-feira da Paixão, em câmara de gás no camburão de uma viatura, em Umbaúba, SE, ao torturar e matar Genivaldo de Jesus, negro, esposo e pai, outro Jesus. Em prantos, a esposa dele desabafou: “Ele nunca fez mal a ninguém”.

Quem elogiou o massacre que a Polícia Militar do RJ e PRF fizeram na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, dia 24/5/2022, causando 25 mortos, elogiou política de segurança satânica e diabólica: a do bangue-bangue. Além da mãe morta, todos os mortos nasceram inocentes, mas a sociedade capitalista desumaniza muitas pessoas. Segurança pública se conquista com justiça socioambiental, cultura, educação pública de qualidade, direitos humanos e relações sociais de justiça, solidariedade, amor e paz.

Presente em nós e nas vítimas de violência, o Deus da vida continua interpelando os jagunços e mandantes que massacraram os fiscais, os policiais do RJ e da PRF, Cains de hoje: “Onde estão os irmãos de vocês, os fiscais Nelson, Erastótenes, João Batista e Ailton, a mãe, os negros de periferia, o Genivaldo? Ouço o sangue deles clamando por mim de Unaí, dos morros do RJ e da câmara de gás da viatura” (Gn 4,9-10). Justiça, JÁ!

 

31/5/2022

 

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Helba, viúva do fiscal Nelson: “São muitas provas que condenaram Antério Mânica. 4 mandantes livres”

2 – Viúvas de Unaí e auditoras fiscais: trabalho escravo, não! Prisão dos mandantes, sim! RJ, 23/02/16

3 – Marinês, viúva do fiscal Erastótenes, fala sobre o Massacre dos Fiscais em Unaí. 04/09/2013

4 – Chacina dos fiscais em Unaí: Entrevista com a viúva do Ailton, Marlene e filha Rayanne. 18/01/2013

5 – Entrevista com Helba, viúva de Nelson, 1 dos 4 fiscais matados em Unaí em 28/01/2004 – 07/01/2012

6 – Entrevista com Calazans sobre o Massacre de 4 fiscais do MTE, em Unaí – 2a parte – 12/01/2012

7 – 8 anos do massacre de 4 fiscais do MTE, em Unaí – Entrevista com Calazans – 1a parte – 12/01/2012

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

Função social, coluna mestra da propriedade

Função social, coluna mestra da propriedade. Por Gilvander Moreira[1]

Temos que pensar as sociedades, os territórios e a globalização transnacional do capital não apenas como espaços, movimentos e identidades homogeinizantes. Em Minas Gerais, por exemplo, temos grande diversidade territorial e cultural. No sul de Minas, as monoculturas do café e do pasto predominam. No sudoeste de Minas, os canaviais estão mudando o panorama territorial. No Triângulo Mineiro, a pecuária e as monoculturas do café, da cana e do capim. Em Belo Horizonte e Região Metropolitana, no quadrilátero ferrífero, que é primordialmente um quadrilátero aquífero, a explotação de minério de ferro há mais de 300 anos está desfigurando o território e desertificando vários territórios. Monoculturas do eucalipto estão alastrando-se em Minas Gerais nas regiões norte, noroeste e Vale do Jequitinhonha. Minas Gerais é estado mais assolado e devastado pela monocultura do eucalipto. As comunidades quilombolas estão espalhadas por quase todo o território mineiro, em mais de 600 já com autorreconhecimento.  No Brasil, a Fundação Palmares contabiliza a certificação de 2821 comunidades como remanescentes de quilombo rural ou urbano. Espalhados em todas as regiões de Minas Gerais estão os centenas de acampamentos e 422 assentamentos de Sem Terra do MST e de vários outros Movimentos de luta pela terra. No norte de Minas estão também as comunidades tradicionais: geraizeiros, vazanteiros e ribeirinhos, nas margens dos principais rios. Nessa perspectiva, pode-se inferir que cultura ou território, enquanto um espaço carregado de historicidade, não existe de forma estagnada, fixa, mas como uma cultura dinâmica, construída a partir de uma situação relacional aberta, e em movimentos constantes de mudanças, de fluxos, e contrafluxos.

Neste contexto é necessário compreendermos a função social da propriedade da terra como coluna mestra da propriedade. A terra não é apenas pátria (pai), mas mãe: pacha mama, como os povos indígenas quéchuas a chamam e a representam como uma mulher levando ao colo sua criança. Interessa-nos a função social da propriedade da terra, pois propriedade é um conceito, algo abstrato, que se tornou “um direito criado, inventado, construído, constituído” (MARÉS, 2003, p. 117). Para se compreender a luta pela terra enquanto pedagogia de emancipação humana, temos que analisar a fundo a questão da propriedade capitalista da terra. Joaquim Modesto Pinto Júnior e Valdez Adriani Farias (2005), no artigo Função Social da Propriedade: dimensões ambiental e trabalhista, asseveram: “A propriedade não é mais direito absoluto. Com efeito, embora parte da doutrina e jurisprudência, de forma totalmente contrária ao sistema posto, relute em negar proteção absoluta ao direito de propriedade, o fato é que o ordenamento constitucional e infraconstitucional veem que pesa sobre a propriedade uma hipoteca social” (JÚNIOR; FARIAS, 2005, p. 13).

A esse propósito nos referimos à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI[2] nº 2213, que diz: “O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), a propriedade deixa de existir”. Há jurisprudências no sistema judiciário brasileiro em que pedidos de intervenções judiciais da União em estados da federação foram negados[3]. Por exemplo, na primeira semana de agosto de 2014, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou acórdão em que negou, por unanimidade, pedido de intervenção federal no Paraná para compelir o governo do Estado a realizar reintegração de posse com uso da força ao proprietário da Fazenda São Paulo, no município de Barbosa Ferraz, que tinha escritura e registro, mas não cumpria a função social. Essa decisão do STJ na prática definiu que a propriedade não é um direito absoluto e que, por isso, mesmo que o proprietário tenha conseguido na justiça estadual a reintegração de posse, a execução da determinação judicial causaria muitos danos sociais às 240 famílias de camponeses Sem Terra do MST[4] que tinham ocupado a fazenda por dois motivos principais: por necessidade, isto, porque vários princípios constitucionais, tais como: respeito à dignidade humana, função social da propriedade e direito à terra, não estavam sendo oferecidos pelo Estado e, porque a fazenda estava abandonada sem cumprir função social. Logo, para ser coerente com os princípios constitucionais e também com o objetivo da Constituição de 1988 que busca construir uma sociedade que supere as desigualdades e a miséria, a Corte Especial do STJ tomou uma decisão justa e sensata. Essa decisão foi saudada pelo MST, CPT[5] e ONG Terra de Direitos, mas foi duramente criticada pela mídia e por advogados e professores de Direito que ainda absolutizam o direito à propriedade.[6]

A propriedade, segundo a ideologia dominante, é algo sagrado, intocável, mas se há algo de sagrado e de absoluto na propriedade é a sua função social, que constitui, em síntese, o seu perfil constitucional. O constitucionalista José Afonso da Silva, afirma que “[…] a doutrina se tornara de tal modo confusa a respeito do tema, que acabara por admitir que a propriedade privada se configura sob dois aspectos: a) como direito civil subjetivo e b) como direito público subjetivo. Essa dicotomia fica superada com a concepção de que a função social é elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade; é, pois, princípio ordenador da propriedade privada; incide no conteúdo do direito de propriedade; impõe-lhe novo conceito”, conforme se lê no Curso de Direito Constitucional Positivo (SILVA, 1992, p. 241). Enfim, diferentemente da Constituição da época do Império, a Constituição de 1988 não assegura o direito absoluto à propriedade e condiciona o direito à propriedade ao cumprimento da sua função social. Portanto, a função social é a coluna mestra da propriedade. Sem função social, a propriedade não é constitucional e nem legítima.

08/12/2021

Referências

MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.

PINTO JÚNIOR, Joaquim Modesto; FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1992.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Fora Heineken da APA Carste de Lagoa Santa/MG! Fora, Rodoanel da RMBH! Sim p preservar o ambiente!

2 – NÃO ao PL 1480/21 que altera os limites do Parque Estadual Alto Cariri para mineração. SIM Piabanha

3 – Rodoanel na RMBH, racismo ambiental. Fora, Rodoanel! Respeite Santa Luzia/MG. Glaucon Durães na ALMG

4 – Adv. Henrique Lazarotti mostra a atrocidade que será Rodoanel na RMBH, se for construído. Na ALMG/BH

5 – Frei Gilvander na ALMG: “Qualquer Alternativa de Rodoanel na RMBH será brutalmente devastadora.”

6 – Acampamento Marielle Vive, em Valinhos, SP, sob ameaça de despejo. Basta de despejo! – 28/11/21

7 – Qualquer alternativa de traçado de RODOANEL na RMBH será devastadora (Frei Gilvander/Rádio América)

8 – Ato “Fora, Bolsonaro na Periferia”, no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, MG: BASTA! – 27/11/21

 

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Ação Direta de Inconstitucionalidade.

[3] Cf. IF 111/PR, Rel. Ministro Gilson Dipp, Corte Especial, julgado em 1º/7/2014, REPDJe 6/8/2014, DJe 5/8/2014).

 

[4] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – www.mst.org.br

[5] Comissão Pastoral da Terra – www.cptnacional.org.br

[6] Cf. Reportagem “Quando ocupar é um direito: decisão do STJ repercute na mídia” e quatro artigos que discutem a decisão do STJ, no link a seguir: http://terradedireitos.org.br/2014/08/27/quando-ocupar-e-um-direito-decisao-do-stj-repercute-na-midia/ .

Divisão do trabalho, propriedade e escravidão

Divisão do trabalho, propriedade e escravidão. Por Gilvander Moreira[1]

Como acontecem as relações sociais em uma sociedade capitalista? A ideologia dominante diz que no capitalismo há liberdade. Qual? Para quem? Na realidade, no capitalismo, a tríade “divisão do trabalho, propriedade privada capitalista e escravidão” tecem relações sociais escravocratas que causam superexploração da dignidade humana e de toda a natureza. Vejamos! “A linguagem é tão antiga quanto a consciência – a linguagem é a consciência real, prática, que existe para as outras pessoas e que, portanto, também existe para mim mesmo; e a linguagem nasce, tal como a consciência, do carecimento, da necessidade de intercâmbio com outras pessoas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 34). Iniciada na divisão do trabalho na família, a divisão do trabalho transformou o mundo da produção e o mundo das relações sociais. Com a divisão do trabalho, dividem-se as famílias na sociedade ficando opostas umas às outras, estabelecendo a distribuição desigual do trabalho e do seu produto. Assim, se cria, na família, de forma embrionária, a noção de propriedade, em que mulher e filhos passam a ser coisas/escravos do homem. A noção de propriedade diz respeito ao poder de dispor da força de trabalho alheia. Assim, divisão do trabalho, propriedade e escravidão constituem a tríade que sustenta a sociedade capitalista.

Com a divisão do trabalho, na qual todas essas contradições estão dadas e que, por sua vez, se baseia na divisão natural do trabalho na família e na separação da sociedade em diversas famílias opostas umas às outras, estão dadas ao mesmo tempo a distribuição e, mais precisamente, a distribuição desigual, tanto quantitativa quanto qualitativamente, do trabalho e de seus produtos; portanto, está dada a propriedade, que já tem seu embrião, sua primeira forma, na família, onde a mulher e os filhos são escravos do homem. A escravidão na família, ainda latente e rústica, é a primeira propriedade, que aqui, diga-se de passagem, corresponde já à definição dos economistas modernos, segundo a qual a propriedade é o poder de dispor da força de trabalho alheia” (MARX; ENGELS, 2007, p. 36).

Com a divisão do trabalho, “cada pessoa passa a ter um campo de atividade exclusivo e determinado, que lhe é imposto e ao qual não pode escapar” (MARX; ENGELS, 2007, p. 37). Ainda mais com o exército de reserva de desempregados, o/a trabalhador/a é obrigada/o a aceitar qualquer tipo de trabalho que lhe apareça, sem ter direito de optar por aquilo que gosta de fazer ou que seja sua vocação. E não pode também trabalhar em várias funções, o que cultivaria sua criatividade e seria menos cansativo. “Na sociedade comunista, onde cada um não tem um campo de atividade exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se em todos os ramos que agradam, a sociedade regula a produção geral e me confere, assim, a possibilidade de hoje fazer isto, amanhã aquilo” (MARX; ENGELS, 2007, p. 38).

Não são as ideias que dominam o mundo e as pessoas, mas “as ideias da classe dominante, são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (MARX; ENGELS, 2007, p. 47). Por ter em suas mãos os meios de produção material, a classe dominante domina também pensando, produzindo ideias que regulam a (re)produção e a distribuição das ideias de seu tempo. A divisão de trabalho acontece também no interior da classe dominante. Nesta, “uns serão os ideólogos ativos, criadores de conceitos, que fazem da atividade de formação da ilusão dessa classe sobre si mesma o seu meio principal de subsistência” (MARX; ENGELS, 2007, p. 48), enquanto outros são os membros ativos dessa classe e se ocupam com a produção de mais-valia e a acumulação do seu capital.

Para atingir seus fins, a classe dominante tem que apresentar seu interesse como o interesse comum de todos os membros da sociedade: “É obrigada a dar às suas ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais, universalmente válidas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 48).

As relações entre diferentes nações dependem do ponto até onde cada uma delas tenha desenvolvido suas forças produtivas, a divisão do trabalho e o intercâmbio interno. Esse princípio é, em geral, reconhecido. Mas não apenas a relação de uma nação com outras, como também toda a estrutura interna dessa mesma nação dependem do nível de desenvolvimento de sua produção e de seu intercâmbio interno e externo. A que ponto as forças produtivas de uma nação estão desenvolvidas é mostrado de modo mais claro pelo grau de desenvolvimento da divisão do trabalho. Cada nova força produtiva, na medida em que não é a mera extensão quantitativa de forças produtivas já conhecidas (por exemplo, o arroteamento de terras), tem como consequência um novo desenvolvimento da divisão do trabalho. A divisão do trabalho no interior de uma nação leva, inicialmente, à separação entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de outro, e, com isso, à separação da cidade e do campo e à oposição entre os interesses de ambos” (MARX; ENGELS, 2007, p. 89).

Na história da humanidade houve diversas concepções de propriedade da terra. A primeira forma da propriedade é a propriedade tribal[2], que pressupõe uma grande quantidade de terras incultas, baixa população e corresponde à fase não desenvolvida da produção. O povo se alimentava da pesca e da caça, pastoreando algum rebanho e/ou com algum início de agricultura, o que criou as sociedades agrárias. A escravidão se desenvolve primeiro na família com o aumento da população, com o crescimento das necessidades, com o aumento do intercâmbio comercial e com as guerras.

A segunda forma de propriedade é a propriedade estatal ou comunal da Antiguidade, que resulta da unificação de mais de uma tribo numa cidade por meio de contrato ou conquista, e na qual a escravidão continua a existir” (MARX; ENGELS, 2007, p. 90). Com o avanço do modo de produção surge a propriedade privada móvel, depois a propriedade privada imóvel e vai-se desenvolvendo. “A terceira forma de propriedade é a propriedade feudal ou estamental. Se a Antiguidade baseou-se na cidade e em seu pequeno território, a Idade Média baseou-se no campo” (MARX; ENGELS, 2007, p. 90). Com o declínio do Império Romano e sua conquista pelos chamados povos bárbaros, mas que não eram bárbaros – eram humanos tanto quanto os latinos – uma enorme quantidade de forças produtivas foram destruídas e com pestes e guerras houve uma grande diminuição das populações, o que tornou possível ser engendrado o modo de produção medieval com grandes territórios vazios. “A propriedade principal era constituída, durante a época feudal, de um lado, pela propriedade da terra e pelo trabalho servil a ela acorrentado e, do outro, pelo trabalho próprio com pequeno capital que dominava o trabalho dos oficiais” (MARX; ENGELS, 2007, p. 91). Nas cidades, “as castas ou os estamentos que formavam esses núcleos dependiam física e socialmente do campesinato. […] Tudo e todos tornavam o camponês a base indispensável da reprodução social” (MOURA, 1988, p. 10). Enfim, o sistema capitalista se sustenta e se reproduz cotidianamente impondo a divisão do trabalho, a propriedade privada dos meios de produção e do capital financeiro e a escravidão nas relações sociais.

01/12/2021

Referências

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

MOURA, Margarida Maria. Camponeses. 2ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1988.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Rodoanel na RMBH, racismo ambiental. Fora, Rodoanel! Respeite Santa Luzia/MG. Glaucon Durães na ALMG

2 – Adv. Henrique Lazarotti mostra a atrocidade que será Rodoanel na RMBH, se for construído. Na ALMG/BH

3 – Frei Gilvander na ALMG: “Qualquer Alternativa de Rodoanel na RMBH será brutalmente devastadora.”

4 – Acampamento Marielle Vive, em Valinhos, SP, sob ameaça de despejo. Basta de despejo! – 28/11/21

5 – Qualquer alternativa de traçado de RODOANEL na RMBH será devastadora (Frei Gilvander/Rádio América)

6 – Ato “Fora, Bolsonaro na Periferia”, no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, MG: BASTA! – 27/11/21

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista de www.domtotal.com , de www.brasildefatomg.com.br , de www.revistaconsciencia.com , de www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Na década de 1840, o termo Stamm, na língua alemã (tribo, clã, tronco, linhagem) desempenhava um papel fundamental na ciência da história. Designava uma comunidade de pessoas que descendia de um único e mesmo predecessor (Cf. Nota n. 17, MARX; ENGELS, 2007: 549).

Missa Afro e Abraço denunciam devastação do Rodoanel, em Santa Luzia, MG, e RMBH

Missa Afro e Abraço denunciam devastação do Rodoanel, o “Rodominério”, em Santa Luzia, no Cemitério dos Escravizados, na região de Pinhões, Vale do Rio das Velhas, MG. Por Glaucon Durães[1], Alenice Baeta[2], Gilvander Moreira[3], Henrique Lazarotti[4]

Fotos: Alenice Baeta

Aconteceu no dia 02 de novembro de 2021, no Dia de Finados, das 16h às 19h, a tradicional Missa Afro no “Cemitério dos Escravos”, ou melhor, no Cemitério dos Escravizados, localizado na Comunidade Rural dos Fechos, ao lado da Comunidade Quilombola dos Pinhões, município de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG. A missa foi organizada pela Pastoral Afro e presidida pelo padre João Lucena, da paróquia São Raimundo Nonato, distrito de São Benedito, Santa Luzia, e por Frei Gilvander Luís Moreira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG).

Durante a Missa Afro, que ocorre há decênios em reverência e memória dos ancestrais do povo negro escravizado, quilombola da região, ali enterrados, foi denunciado o megaprojeto devastador do Rodoanel, mais conhecido como “Rodominério”, que vai rasgar e devastar brutalmente territórios tradicionais, milhares de moradias, fontes de água, campos sagrados, entre outras benfeitorias no município de Santa Luzia e em outros 12 municípios da RMBH.

O projeto do Rodoanel do Governador Zema, em “parceria” com a mineradora Vale S/A, é composto por quatro alças – Sul, Sudoeste, Oeste e Norte – e indica que no Vetor Norte vai destruir e descaracterizar o território místico em que se encontram o Cemitério dos Escravos, o Córrego do Cachimbeiro, o Cruzeiro do Cantanhão e a Comunidade Quilombola de Pinhões, área da antiga sesmaria de Bicas. Esta destruição seria uma grande tragédia socioambiental, cultural, histórica, simbólica e religiosa para o estado de Minas Gerais, em especial para a memória e a resistência do povo preto e quilombola. O Cemitério dos Escravos é um importante campo sagrado, sítio arqueológico e histórico, tombado em nível municipal em 2008, categoria de patrimônio material e imaterial, composto por construção vernacular em alvenaria de pedra seca, cuja obra remonta do início do século XIX. É fundamental, inclusive, que a referida Missa Afro seja reconhecida também como patrimônio imaterial.

O traçado oficial do Rodoanel, divulgado pelo governo de Minas Gerais proposto, e suas “alternativas” (muitas delas apresentadas por entidades ditas “ambientalistas” de forma oportunista e superficial), demonstram reiterado desconhecimento e irresponsabilidade para com os territórios e bens ambientais, culturais e socioeducativos da RMBH, em especial por parte da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA), indicando forte crise de governança, falta de transparência, evidente inconsistência técnica e péssima gestão dos recursos patrimoniais e hídricos, além de ser regado por um processo de licenciamento ambiental conturbado e repleto de sequelas normativas e legais inaceitáveis, a começar pela ausência de participação e consulta popular de forma eficaz, bem como ausência de consulta prévia, livre e informada (CPLI) aos povos e comunidades tradicionais, como prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Visando denunciar o famigerado projeto do Rodoanel e o terrorismo socioambiental que se instalou por seus “defensores” na RMBH, após a Missa Afro tradicional, houve um grande ato denominado “Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos”, com muitas faixas, panfletos e bandeirolas, denunciando o RODOANEL. Perguntou-se: “A quem interessaria este projeto? Ao povo que não é”. Serão geradas pelo governo do estado de Minas Gerais, com esta obra na RMBH, milhares de famílias atingidas pelo Rodoanel, população já assolada pelas tragédias causadas pelo rompimento das barragens de mineradoras que destruíram a Bacia do Rio Doce e do Rio Paraopeba, além de precipitar o risco já iminente de colapso hídrico e de carência por moradia, destruindo ainda áreas periurbanas e do cinturão verde, voltadas tradicionalmente para a agricultura familiar e produção de alimentos, o que causará fatalmente insegurança alimentar em todo o colar metropolitano.

Além de inúmeros moradores de Santa Luzia e dos representantes das comunidades tradicionais Quilombolas de Pinhões, Manzo Ngunzo Kaingo e indígena (etnia Pataxó, moradora no bairro Bonanza), várias entidades, associações, coletivos e movimentos ambientalistas de toda a RMBH compareceram à Missa Afro e ao “Ato Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos”, entre eles, Movimento Salve Santa Luzia, S.O.S Santa Luzia, Pastoral Afro de Santa Luzia, Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), Movimento Negro Unificado (MNU/MG), Federação Quilombola de Minas Gerais-N´Golo, Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), Movimento Serra Sempre Viva, SOS Vargem das Flores, Observatório da Evangelização da PUC/MG, Paróquia São Raimundo Nonato, Movimento Todos Contra o Rodoanel, Diretório Municipal do PT de Santa Luzia, Diretório Municipal do PSOL de Santa Luzia, Jornal Brasil de Fato, Site Luzias etc.

Nos últimos meses, várias manifestações, atividades e atos públicos vêm sendo realizados continuamente em toda a RMBH com o objetivo de denunciar o Rodoanel, megaprojeto devastador: notas, manifestos, artigos, panfletagem, faixas, lives (veja canal youtube frei Gilvander), aulão, vídeos, rodas de conversa, carro de som denunciando nas ruas dos bairros, carreatas, reuniões virtuais e presenciais, entre outros.

Na Missa Afro e no Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos foram proferidas falas e manifestações que reiteraram e ecoaram alto que o projeto do Rodoanel não será aceito em nenhuma hipótese, pois todo e qualquer trajeto/traçado será brutalmente devastador e injusto socialmente. O Rodoanel não será uma rodovia pública, mas “privada”, com o pedágio mais caro do Brasil: acima de 35 centavos por KM, totalizando mais de R$70,00 de pedágio para ir e voltar, passando por esse famigerado Rodoanel. Quem poderá pagar acima de R$70,00 por dia durante toda a semana para ir trabalhar e voltar? Assim, o rodoanel é obra tecnocida, ecocida e de cunho racista ambiental, onde deverão circular os grandes caminhões de escoamento de produtos da mineração, do agronegócio e industriais, por isso a denominação “Rodominério”, incentivando a ampliação e a instalação de empreendimentos danosos à RMBH.

O Rodoanel não resolverá em nada os problemas de mobilidade em BH e na RMBH, pois o que precisa, respeitando os acordos climáticos e as normas internacionais para o bem viver nas cidades, é incentivar projetos comprometidos com a baixa emissão de carbono e não investimento em novas rodovias voltadas para o tráfego de caminhões e veículos pesados. Os problemas de mobilidade urbana em BH e RMBH podem ser equacionados com: 1) Ampliação do metrô para várias cidades da RMBH; 2) Resgate do transporte de passageiros através de trens, o que existia entre as 34 cidades das RMBH com BH; 3) Melhoria no transporte público por meio de ônibus.

O megaprojeto do rodoanel, portanto, vai na contramão das orientações internacionais de cunho socioambientais e urbanísticos para as cidades e, concretizado, funcionará  como uma grande muralha na RMBH, desalojando moradores, escolas, apartando inúmeras comunidades e bairros, mutilando territórios tradicionais, sítios históricos, áreas da agricultura familiar, áreas verdes, bichos, plantas, nascentes, aquíferos e unidades de conservação ao longo dos seus mais de 100 km de extensão.

A organização popular está a cada dia se fortalecendo contra mais esta aberração e desrespeito ao povo, aos viventes, às terras e às águas de Minas Gerais. “Olhem bem as montanhas” e valorizem as águas que delas emanam…

FORA, RODOANEL! FORA, RODOMINÉRIO!

Santa Luzia, 03 de novembro de 2021.

[1] Professor de Sociologia, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas, morador de Santa Luzia e membro do movimento das comunidades quilombolas de Santa Luzia e região impactadas pelo Rodoanel e do coletivo Salve Santa Luzia. E-mail: galduraes@gmail.com

[2] Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Antropologia e Arqueologia-FAFICH/UFMG; Historiadora e Membro do CEDEFES, do Movimento Serra Sempre Viva, do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios-ICOMOS/Brasil. E-mail: alenicebaeta@yahoo.com.br

 

[3] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[4] Advogado popular e integrante do Movimento Serra Sempre Viva, de Ibirité, MG. E-mail: henriquelazarottioliveira@gmail.com – Os autores e autora deste artigo integram o Movimento Todos Contra o Rodoanel na RMBH.

Riqueza e luxo à custa de trabalho alheio?

Riqueza e luxo à custa de trabalho alheio? Por Gilvander Moreira[1]

Em contexto de superexploração da dignidade humana dos/as trabalhadores/as e dos camponeses e camponesas, não podemos abrir mão da utopia que é conquistar emancipação humana. Parece à primeira vista impossível, mas é possível, urgente e necessário, antes que a barbárie que o capitalismo e todos seus agentes e vassalos reproduzem cotidianamente levem à dizimação da humanidade por mudanças climáticas causadas pela destruição das condições materiais objetivas que garantam a vida dos humanos e de todos os seres vivos da biodiversidade. Refletindo sobre a emancipação humana, que precisa acontecer, Marx afirma na Crítica do programa de Gotha: “Quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelectual e manual; quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital; quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira: “De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!” (MARX, 2012, p. 33).

Ao tecer críticas ferrenhas ao programa de coalizão de dois partidos operários socialistas alemães, em 1875, tal como, programa “absolutamente nefasto e desmoralizador para o partido” (MARX, 2012, p. 22), Marx enfatiza a dimensão ecológica ao afirmar a natureza como a fonte primeira de toda riqueza, conditio sine qua non para o ser humano, através do trabalho gerar riqueza. “O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (e é em tais valores que consiste propriamente a riqueza material!), tanto quanto o é o trabalho, que é apenas a exteriorização de uma força natural, da força de trabalho humana” (MARX, 2012, p. 24).

Em sintonia com o que advoga o apóstolo Paulo, na Bíblia, na carta aos tessalonicenses – “Quem não quer trabalhar também não há de comer” (2 Tessalonicenses 3,10) -, Marx pondera que a emancipação humana passa necessariamente pela não apropriação de riqueza enquanto fruto de trabalho alheio. “Porque o trabalho é a fonte de toda a riqueza, ninguém na sociedade pode apropriar riqueza que não seja fruto do trabalho. Se, portanto, ele mesmo não trabalha, então vive do trabalho alheio e apropria sua cultura também à custa do trabalho alheio” (MARX, 2012, p. 25). Exceção óbvia às pessoas impossibilitadas de trabalhar por motivo de doença, deficiência ou por estar com idade avançada. A esses também segundo suas necessidades e segundo sua história de trabalho e/ou de alguma forma gerando sociabilidade justa. “O fruto do trabalho pertence inteiramente, com igual direito, a todos os membros da sociedade” (MARX, 2012, p. 28).

Os frutos do trabalho – o trabalho social integral – devem ser distribuídos a todos, com igual direito, após deduzir os recursos para a substituição dos meios de produção consumidos, a parte adicional para a expansão da produção, um fundo de reserva ou segurança contra acidentes, prejuízos causados por fenômenos naturais etc. Após essas deduções, a parte restante do produto total deve ser destinada ao consumo, sem esquecer o que serve à satisfação das necessidades coletivas, como escolas, serviços de saúde, etc. (Cf. MARX, 2012, p. 29). “É a ‘classe trabalhadora’ que tem de libertar – o quê? – ‘o trabalho’” (MARX, 2012, p. 34).

Se “a burguesia se desenvolveu dentro da ordem feudal, mas fora do eixo central da relação senhores feudais/servos dos quais a classe dominante extraía sua fonte principal de riqueza” (IASI, 2011, p. 97) – concordamos que provavelmente foi assim que se deu historicamente -, é provável que a classe revolucionária que guiará o processo de emancipação humana para uma sociedade para além do capitalismo e do capital, não será composta pelo proletariado, classe presa à própria relação fundamental do capital/trabalho – proprietários dos meios de produção/trabalhadores assalariados -, mas poderá ser a classe camponesa – o campesinato na sua imensa pluralidade de expressões – e todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores que sobrevivem injustiçados à margem do eixo central do sistema do capital: indígenas, quilombolas, sem-teto e todos os injustiçados por motivos de gênero, etnia, orientação sexual etc.

A forma como a sociedade em geral e a classe dominante, em particular, veem os Movimentos Populares, condiciona, pelo menos em parte, como os Movimentos Populares se veem. Parafraseando Arroyo, podemos dizer: para o êxito dos Movimentos Populares do campo e da cidade é imprescindível reconhecer a centralidade e a força matriz da luta pela terra, pelo território, com todas suas raízes culturais e religiosas. A terra, ao longo da história, tem sido âncora de sustentação dos movimentos de luta por emancipação. O trabalho coletivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) irradia a centralidade da luta pela terra, que é disputada pelo poder do capital. Enquanto perdurar o cativeiro da terra na brutal injustiça agrária pautada no latifúndio, que viabiliza o agronegócio com uso indiscriminado de agrotóxicos, em latifúndios de monoculturas e muitas vezes com trabalho análogo à situação de escravidão, o trabalho alheio continuará sendo sugado para o enriquecimento da classe dominante.

Enfim, urge superarmos a lógica e as relações sociais que promovem riqueza e luxo para uma minoria à custa do trabalho alheio, ou seja, os/as trabalhadores/as trabalhando e produzindo não para si mesmos, mas para os patrões. Isto é a negação da utopia bíblica de “novos céus e nova terra” profetizada pelos discípulos e discípulas do grande profeta Isaías ao bradar: “Construirão casas e nelas habitarão, plantarão vinhas e comerão seus frutos. Ninguém construirá para outro morar, ninguém plantará para outro comer, porque a vida do meu povo será longa como a das árvores, meus escolhidos poderão gastar o que suas mãos fabricarem …” (Isaías 65,21-22). Que tenhamos a graça e a fibra de seguirmos lutando para a construção desta utopia: uma sociedade com pessoas livres, sem opressões, sem explorados e sem exploradores, respeitando os direitos da natureza, inclusive.

04/11/2021

Referências

IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.

 

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Frei Carlos Mesters, Paulo Freire da Bíblia – Por frei Gilvander – 1º/11/2021

2 – Mineradora Vale S/A insiste em obter Licenciamento para devastar a Serra da Gandarela tb. Por Teca

3 – Plano Urbanístico da Ocupação Cidade de Deus de Sete Lagoas, MG: UMA MARAVILHA! Vídeo 3 – 29/09/2021

4 – “Absurdo fábrica de cerveja Heineken em Pedro Leopoldo/MG, no Sítio Arqueológico da Luzia” (Alenice)

5 – Chaves de leitura do livro de Josué: Partilha da terra – Mês da Bíblia 2022. Por Ildo Bohn e CEBI/MG

6 – Noite Cultural 34ª Romaria de Canudos, BA: Viva Antônio Conselheiro e as lutas populares! – 23/10/21

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

Quanto mais capitalismo, mais superexploração. E a luz da cruz?

Quanto mais capitalismo, mais superexploração. E a luz da cruz? Por Frei Gilvander Moreira[1]

Durante a marcha histórica do capitalismo, “a força externa que impunha a atividade ao indivíduo se internalizou; agora no contexto da igualdade “natural” dos indivíduos, cada um aparece como um sujeito atomizado buscando seu próprio interesse enquanto, de fato, realiza o interesse do capital social total” (IASI, 2006, p. 217). Mas como tudo o que é sólido se desmancha no ar, com a evolução desenfreada das forças produtivas, o que faz aumentar a exploração dos trabalhadores, dos camponeses, da terra, das águas e de toda a biodiversidade, as ideias da classe dominante por si mesmas não conseguem mais justificar a crescente opressão: exploração e expropriação, crescentes em progressão geométrica. Cria-se uma crise ideológica e muitos trabalhadores adquirem uma consciência diferente ao perceber que o interesse da classe dominante não é interesse universal, mas ilusões e hipocrisias deliberadas que sopram vento no moinho do capital. “Quanto mais a forma normal das relações sociais e, com ela, as condições da classe dominante acusam a sua contradição com as forças produtivas, quanto mais cresce, em decorrência, o fosso cavado no seio da própria classe dominante, fosso que separa esta classe da classe dominada, mais naturalmente se torna nestas circunstâncias, que a consciência que originalmente correspondia a esta forma de relações sociais se torna inautêntica: dito por outras palavras, essa consciência deixa de ser correspondente, e as representações anteriores que são tradicionais desse sistema de relações […] degradam-se progressivamente em meras fórmulas idealizantes, em ilusão consciente, em hipocrisia deliberada” (MARX; ENGELS, 2007, p. 283).

Uma segunda forma possível de consciência como processo não linear em movimento trata-se da consciência em si que pode ocorrer quando as pessoas agem coletivamente e vislumbram, para além da possibilidade de se revoltar isoladamente, uma possibilidade de alterar as  relações de espoliação do capital. Nesse ponto, as trabalhadoras e os trabalhadores agindo em grupo tecem relações que explicitam os elos e a identidade do grupo e seus interesses próprios, que contrastam com os interesses de quem lhes são opostos. Nessa fase, “o proletariado ao se assumir como classe, afirma a existência do próprio capital. Cobra desse uma parte maior da riqueza produzida por ele mesmo, alegra-se quando consegue uma parte um pouco maior do que recebia antes” (IASI, 2011, p. 31). É a fase corporativa, aquela que pauta a luta por reivindicar melhores salários e melhores condições de trabalho “para mim, para nós”: os trabalhadores de uma empresa específica. Não questionam o sistema do capital, apenas reivindicam uma fatia um pouco maior das migalhas que recebem ao vender sua força de trabalho ao patrão. “Quem reivindica ainda reivindica de alguém. Ainda é o outro que pode resolver por nós nossos problemas” (IASI, 2011, p. 31). Trabalhadoras e trabalhadores que assim lutam ainda estão dentro das relações do capital e muito longe de emancipação humana, que é fazer a história com as próprias mãos, superando todo e qualquer tipo de exploração, seja humana, seja ecológica. Apenas se reconhecendo como classe proletária os trabalhadores negam o capitalismo afirmando-o, questiona-o, mas aceitam-no como modo de vida social.

Nós, seres humanos, – trabalhadores e camponeses – temos condições de construir a nossa história com as próprias mãos, mas não de forma independente como quisermos. “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhe as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram” (MARX, 2011, p. 25). Na sociedade capitalista o indivíduo é o foco como se fosse uma célula isolada e autossuficiente; é levado a agir dentro do seu tempo de vida, até a morte. Diferentemente, em perspectiva emancipatória da classe que age em grupo, coletivamente, a história é feita por nós, mas continua sendo feita após nossa morte. Assim, na luta pela terra e por moradia, os Sem Terra e os Sem Teto não terminam em si mesmos, pois se tornam raios de luzes para os que nos seguirão após nossa morte. Nesse tom, canta Victor Jara sobre a morte do padre Camilo Torres, tombado no fronte de luta dos revolucionários colombianos, dia 15 de fevereiro de 1966: “Onde caiu Camilo nasceu uma cruz, porém não de madeira, mas de luz”.[2]

O conceito marxiano de emancipação humana se coloca na contraposição de emancipação política e aparece na obra Sobre a questão judaica como crítica a Bruno Bauer. Para Marx não basta perguntar quem seria emancipado, porque “não há mais emancipação pura e simples. Seu problema é precisamente esclarecer de que emancipação se trata” (MARX, 2010, p. 21). Marx alerta que não dá para se contentar apenas com emancipação política. Diz ele que “desde 1844, não se trata mais de refazer o caminho da Revolução Francesa, de marchar sobre seus rastros, mas de empreender uma revolução inédita, inaudita, sem precedente. Não se trata de obter somente a emancipação política, mas de atingir a emancipação humana” (MARX, 2010, p. 16). Até porque a tríade da Revolução Francesa era liberté, égalité e fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), mas com o fortalecimento do poder econômico da burguesia a fraternité desapareceu e foi substituída pela onipotente proprieté (Propriedade), que no capitalismo ganhou ares quase absoluto reduzindo a liberté e a égalité aos seus aspectos formais e abstratos.

12/10/2021

Referências

IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

_______. As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o consentimento. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.

______.  Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Rodoanel na Fazenda do Rosário, Associação Pestalozzi, Jd. do Rosário, Ibirité/MG. Vídeo 7 –10/10/21

2 – Rodoanel afetará brutalmente a região da Fundação Helena Antipoff em Ibirité, MG. Vídeo 6 – 10/10/21

3 – Em Ibirité, MG, o Rodoanel do Zema e da Vale S/A trará brutal devastação também. Vídeo 5 – 10/10/21

4 – “Tem que garantir moradia p/ famílias da Ocupação Irmã Dorothy, Salto da Divisa/MG.” (Dr. João, DPU)

5 – Território Geraizeiro, norte de MG: atentado brutal, incêndio criminoso, no município de Grão Mogol

6 – Gigante Ato Público e Marcha por “FORA, BOLSONARO!”, Belo Horizonte/MG. Por Frei Gilvander, 02/10/21

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] https://www.youtube.com/watch?v=_rllf7Df10o&feature=youtu.be : 50 anos do martírio de Padre Camilo Torres.

Em BELO HORIZONTE LEI PROÍBE O TRABALHO DE 10.000 CARROCEIROS/AS. Nota Pública!

Em BELO HORIZONTE LEI PROÍBE O TRABALHO DE 10.000 CARROCEIROS/AS. As bandeiras da justiça, da verdade e da vida digna flamulam a meia altura. Nota pública!

Carroceata em Belo Horizonte, MG, dia 19/01/2021. Fotos: Cáritas Brasileira Regional MG

No dia de ontem, 22 de janeiro de 2021, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) sancionou a lei que extingue o trabalho e o sustento financeiro de 10 mil famílias carroceiras em Belo Horizonte e Região Metropolitana. Foi sancionado “o coração, os pulmões, os rins e a coluna mestra do PL 142” e vetado pontos secundários, que serão comentados aqui. De autoria do então vereador e empresário Osvaldo Lopes (então PHS, hoje PSD), o projeto de lei 142/2017 prevê que em prazo máximo de 10 anos a tração animal em Belo Horizonte não mais exista e seja passível de punição a desobediência dos que permanecerem em prática. O prefeito ainda anunciou que será enviado projeto do executivo, tratando especificamente sobre medidas de apoio aos carroceiros durante o processo de transição. Proíbe, encurrala colocando no corredor da morte 10.000 carroceiros/as e suas famílias e diz que “vai encaminhar medidas de apoio”. Isso é o mesmo que perguntar a quem foi dada uma sentença de morte: que tipo de morte você escolhe? A inexistência concreta dessa proposta se soma à violência da criminalização, uma vez que gera maior insegurança e incerteza quanto ao futuro da comunidade carroceira.

A tentativa de criminalização dos carroceiros é baseada em argumentos falaciosos depositados em cima da suposição de que o modo de vida de milhares de famílias seria baseado nos maus-tratos aos animais. Sob a capa do pretenso cuidado com os animais impera o manto do RACISMO, do ÓDIO AOS POBRES, do HIGIENISMO, do AUTORITARISMO, da VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, entre os quais estão os carroceiros, quilombolas, os ciganos, agricultores familiares e demais comunidades tradicionais que utilizam a carroça no seu dia a dia para trabalhar e como modo de fazer e viver.

Não existe nenhum estudo responsável sobre o assunto. A prefeitura, na figura do prefeito Alexandre Kalil, em conluio com os vereadores que aprovaram o projeto e os defensores advindos de movimentos que dizem defender o direito dos animais, não tem sequer um estudo ou pesquisa sobre a condição das carroceiras e dos carroceiros em Belo Horizonte. Não são capazes de apresentar o número oficial de trabalhadores e trabalhadoras, o número de animais envolvidos e nem o número de animais apreendidos pelo poder público, vítimas de maus-tratos advindos do trabalho carroceiro. Estima-se que haja mais de 10.000 carroceiros/as em BH e mais de 20 mil cavalos, mas foi aprovada uma lei racista sem sequer um censo.

O poder público jamais deve se afirmar sobre achismos. A vida dos mais empobrecidos/as não pode ser destruída pelo poder de achismos advindos de pessoas poderosas e influentes. De novo, reina o anti-cientificismo típico de governos autoritários e fascistas. Tampouco pode o poder público lavar as mãos ante a responsabilidade de decisões importantes. O prefeito Kalil foi o Pilatos que, por covardia, condenou as famílias carroceiras ao calvário da miséria. Um covarde não tem envergadura para exercer a direção de cidade alguma, muito menos a de Belo Horizonte – tão grande, tão complexa, tão diversa.

Uma cidade com a grandiosidade, a complexidade e a diversidade de Belo Horizonte não pode excluir carroceiras e carroceiros. Elas e eles são ciganos, são quilombolas, indígenas, agricultores familiares – carroceiros por tradição de cultura e família, são Povos e Comunidades Tradicionais, protegidos pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da ONU.

O prefeito Kalil e os 28 vereadores, entre os quais muitos pastores, levarão impresso às suas histórias a covardia de tentar extinguir a profissão e o modo de vida das pessoas pobres que buscam VIDA DIGNA para suas famílias – compostas de humanos e animais – por meio do trabalho com carroças, uma cultura milenar.

Assim como não se constrói uma casa pelo telhado, casas não devem ser desmontadas pelo alicerce. Na lei 11.285/2021, racista, aprovada, dizem como senhores escravocratas: “Cavalo para sustentar família pobre não pode. Cavalo e cachorro que são “domesticados” (violentados) para estraçalhar pessoas pelos desígnios de forças militares pode”. Colocar cachorros adestrados para farejar drogas letais e mergulhar em lama tóxica e biocida, pode? Não há questionamentos sobre a indústria farmacêutica, a cosmética e a militar na mesma proporção que a perseguição aos carroceiros. “Para isso pode maltratar os animais”, dizem hipocritamente.

As  vitórias serão festejadas pelas patadas impressas no peito do povo preto e pobre – e pobre não por origem, mas por consequência histórica da escravidão e das relações sociais escravocratas que insistem em se reproduzir cotidianamente. Podem, realmente ser chamadas de vitórias? Há quem ganha perdendo. Perde-se humanidade, ética, caráter, sensibilidade, respeito… E se isso não os incomoda, mais gravemente afetados estão por esse sistema de destruição e morte, que coloca o capital acima de tudo e de todos.

O Brasil, tendo adotado a ilegalidade da escravidão há pouco mais de um século, se recusa a abolir a escravidão como prática social sobre os corpos negros. Sob a hipócrita capa da proteção aos animais, há o regozijo sobre o sofrimento negro – “que puxem eles as carroças!” – reverberam!

Por isso, a lei 11.285/2021 aprovada é RACISTA, porque é COVARDE! São aguerridos contra os pobres – quase sempre pretos – e são submissos aos poderosos das indústrias e das armas militares – quase sempre brancos. São COVARDES, são RACISTAS e têm ÓDIO AOS POBRES! O ÓDIO AOS POBRES é tal que se maquia se como projeto educativo!

Pretensamente, a prefeitura deverá oferecer cursos de formação àqueles que se tornarão desempregados e serão empurrados para a miséria, a fome e a morte lenta, um pouco a cada dia. Entretanto, a questão fundamental não repousa sobre a formação, mas sobre a GARANTIA DE TRABALHO! As pessoas e suas famílias não se sustentam por possibilidades, e sim por efetividades! A conquista do pão, o pagamento das contas, os gastos com saúde e lazer não são advindos de ilusões, mas de trabalho concreto, renda e suor. A prefeitura da capital mineira, os vereadores e as agremiações supostamente dedicadas à pretensa proteção animal garantirão a vida digna das mais de 10 mil famílias carroceiras, com trabalho e renda!? – NÃO!!! São hipócritas! Então, o projeto, transformado em lei, simplesmente não prevê e nem garante isso. Por isso, além de RACISTA e COVARDE, é um projeto de ÓDIO AOS POBRES! NÃO BASTA A POBREZA, DEVEM SER JOGADOS NA MISÉRIA!

A prefeitura de BH sabe que em Porto Alegre, RS, sob administração de direita e antipopular, após a proibição do trabalho dos/as carroceiras, apenas uma ínfima minoria conseguiu algum tipo de outro trabalho, e pesquisa da própria prefeitura demonstrou que milhares de famílias foram empurradas para a miséria e a fome.

Pisar, violentar e cuspir na Comunidade Tradicional Carroceira em Belo Horizonte entristece o horizonte e violenta a história de BH, cidade construída pelo povo carroceiro desde o Curral del Rey. Por várias décadas, antes da tração motora, os carroceiros foram imprescindíveis para a construção de BH. Centenas e centenas de carroças pegavam as mercadorias na Praça da Estação trazida pelos trens e distribuíam para toda a cidade. No Museu de Arte e Ofícios, situada na mesma Praça da Estação, estão expostas nas vitrines carroças antigas e utensílios dos carroceiros e tropeiros. Considerado o primeiro projeto museológico dedicado integralmente ao tema do trabalho, das artes e dos ofícios de todo o país, entende-se que há um reconhecimento desta categoria sociocultural, em nível nacional, mas parece que a atual gestão da capital mineira prefere ouvir os “negacionistas”. Há ainda vários artigos, publicações, livros e teses de mestrado e de doutorado sobre a memória, a história, os direitos e a tradição carroceira. Os racistas, na prática, dizem: “No museu e nos livros podem estar, mas nas ruas como cultura viva não pode”. Matar a diversidade cultural é exterminar o futuro de uma cidade que queremos justa, fraterna, solidária, o que passa necessariamente pela valorização e reconhecimento da imensa diversidade biocultural presente na cidade. Tudo isso apunhalado agora por esta lei racista.

O que fazer com os milhares de animais (cavalos, éguas, burros e mulas) que foram proibidos de integrar a comunidade carroceira? A solução apresentada pelos que tentam criminalizar os carroceiros tem sido a “adoção solidária”. Como proposta, os animais serão adotados por pessoas que possuam e apresentem capacidades técnicas e econômicas suficientes para tratar os animais. Essas “capacidades” indicam um determinado modo de tratamento e certa visão – todas elas estritamente ligadas a uma concepção burguesa que quer limitar o cuidado com os animais à concepção reduzida de se ter os animais como seres enclausurados em apartamentos e castrados em nome da docilidade e submissão. Adestramento e controle social preconizados por grupos higienistas e racistas, aos quais as carroceiras e os carroceiros jamais se submeterão!

Esse distanciamento das múltiplas práticas desenvolvidas pelos povos é uma concepção burguesa e absolutamente redutora e estúpida ante a história e cultura desenvolvida na relação entre seres humanos e animais. Serão entre 15 e 20 mil animais que não terão mais garantias de cuidado, porque trabalhadoras e trabalhadores ainda mais empobrecidos que agora não serão capazes de sustentar os animais. Obviamente não se trata de uma adoção, mas de um confisco dos cavalos, parceiros integrantes das famílias carroceiras, imprescindíveis para o trabalho diário para garantir o pão de cada dia! Na prática, roubo dos pobres pelos ricos! A “adoção solidária” em verdade significa o confisco dos animais cuidados pelos empobrecidos e entregues aos economicamente ricos. Belas palavras para encobrir um pérfido objetivo!

Carroceiras e carroceiros construíram a história do mundo e também de Belo Horizonte. Contribuem com a limpeza urbana e, por causa disso, devem ser reconhecidos como agentes de saúde pública e precisam ser respeitados como Comunidade Tradicional composta por homens e mulheres, letrados e analfabetos, carrega história e cultura e luta contra os maus-tratos para com animais. Más atitudes de maus trabalhadores existem em todas as profissões. Em nenhuma delas a extinção da profissão é apontada como solução. Há maus professores, médicos, juristas, garis, padres, pastores, veterinários, vereadores, deputados, carroceiros etc. Maus trabalhadores devem ser monitorados, indicados para a transformação de práticas nocivas e mesmo retirados e/ou proibidos de exercerem a profissão.

Deste modo, o Movimento das Carroceiras e Carroceiros não nega a existência de maus-tratos, que não são a regra, e tampouco compactua com práticas nocivas. A solução para isso está na auto-organização daqueles que trabalham e também na constituição de políticas públicas voltadas para boas práticas trabalhistas e em CUIDADO COM SERES HUMANOS E ANIMAIS. Estão tentando crucificar 10.000 famílias carroceiras, mas estas soerguerão assim como Jesus Cristo ressuscitou após ser crucificado pelos podres poderes da religião opressora, da política imperial e do poderio econômico dos saduceus, latifundiários da época.

Por fim, seremos enfáticos, A LUTA CARROCEIRA SE ERGUERÁ, TRANSFORMARÁ ASFALTO EM POEIRA E OCUPARÁ AS RUAS E AVENIDAS DE TODA A BELO HORIZONTE E REGIÃO METROPOLITANA!

A defesa do meio ambiente é justa e necessária! Tão justa e necessária quanto a análise real das condições e necessidades daqueles que vivem – animais humanos e não humanos – estes e todas as outras formas de vida.

O RACISMO, o NEGACIONISMO, O ÓDIO AOS POBRES E A COVARDIA devem ser denunciados todos os dias! Não se constrói um futuro promissor à custa de mentiras e preconceitos. O povo pobre e trabalhador que constrói a vida na carroça lutará sempre pelos seus direitos, que são sagrados e necessários!

A comunidade carroceira gritará em cada rincão dessa cidade: “A CIDADE É NOSSA ROÇA! NOSSA LUTA É NA CARROÇA!”

 

Assina esta Nota:

 

ACCBM – Associação dos Carroceiros e Carroceiras Unidos/as de BH e Região Metropolitana

 

Apoiam a luta da Comunidade Carroceira:

– Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais – CEPCT-MG

– Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CONEPIR/MG

– Associação dos Carroceiros de Contagem

– Comitiva de Muladeiros de Nova Lima

– Kaipora – Laboratório de Estudos Bioculturais – UEMG

– Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG

– CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva

– Movimento de Organização de Base (MOB)

– Associação Estadual Cultural de Direitos e Defesa dos Povos Ciganos

– Cáritas Brasileira – Regional Minas Gerais

– FONSANPOTMA – Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana

– RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares

– Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCMR)

– Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST/MG

– Comitê Chico Mendes

– Centro Franciscano de Defesa de Direitos

– MTD – Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos

– Fórum Político Interreligioso – Belo Horizonte – MG

– Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental – Arquidiocese de Belo Horizonte

– Articulação Embaúba – Parteiras, Raizeiras e Benzedeiras da RMBH

– AMAU – Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana

– Coletivo de Agroecologia do Aglomerado Cabana

– Brigadas Populares

– MLB – Movimento de Luta de nos Bairros, Vilas e Favelas

– Movimento de Libertação Popular (MLP)

– INSEA  (Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável)

– Coalização Pelo Clima – BH

– Projeto Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais – UFMG

– AUÊ – Grupo de Estudos em Agricultura Urbana – UFMG

– GESTA – Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – UFMG

– GEPTT – Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho e Tecnologias – CEFET – MG

– MUTIRÓ – Núcleo de Estudos em Agroecologia – CEFET-MG/UEMG

– LEAEH – Laboratório de Educação Ambiental e Ecologia Humana – UNIMONTES

– NIISA – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental – UNIMONTES

 

Há racismo estrutural, SIM!

Há racismo estrutural, SIM! Por Gilvander Moreira[1]

Na noite de 19 de novembro de 2020, véspera do Dia da Consciência Negra, nosso irmão negro JOÃO ALBERTO SILVEIRA FREITAS foi barbaramente linchado e assassinado, em Porto Alegre, RS, em um supermercado da Rede Carrefour. Primeiro, nosso abraço solidário à família do João Alberto, ao pai João Batista Freitas, aos filhos, à companheira Milena Borges Alves, aos amigos e amigas. João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, outro George Floyd brasileiro, barbaramente assassinado por um segurança e um policial militar que trabalhava como segurança (na prática, jagunços, que de humanos só têm a aparência). João Alberto Silveira Freitas, mais um irmão NEGRO assassinado e martirizado no Brasil racista.

Repudiamos com veemência mais esse assassinato e também repudiamos o vice-presidente General Mourão e o fascista lá do Palácio do Planalto que deveriam ter vergonha de afirmar que “no Brasil não há racismo”. É assim que um Governo racista, fascista e genocida mata: de mil formas. O general Mourão e o que adora torturadores não dizem apenas uma mentira deslavada, mas agem criminosamente incitando a reprodução de outras barbáries. Se 50% da terra brasileira está sequestrada nas mãos de apenas 2% de latifundiários, empresários e chefes do agronegócio, é porque há racismo estrutural no Brasil. Se no Tribunal de (In)Justiça de São Paulo só tem desembargadores brancos como nos demais tribunais do país, com raras exceções, é porque vivenciamos, sim, o racismo estrutural. Se entre os 140 ou 150 novos médicos que se formam semestralmente na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) só há um ou dois negros, é porque há racismo estrutural. Se é reservado ao povo negro os trabalhos manuais com apenas salário-mínimo e milhões de irmãos e irmãs de cor preta são obrigados a sobreviver na informalidade, é porque há racismo estrutural. Se no Bairro Mangabeiras, zona nobre de Belo Horizonte, em um quilômetro quadrado vivem folgadamente e luxuosamente apenas 1.000 pessoas, enquanto no Aglomerado da Serra, geograficamente ao lado, sobrevivem quase 50 mil pessoas em apenas 1 quilômetro quadrado, é porque há racismo estrutural. Se há poucos os negros e negras eleitas para ocupar posições nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é porque há racismo estrutural. Se apenas um em cada 10 alunos de escolas privadas da cidade de São Paulo é negro, é porque há racismo estrutural. Se nos bairros luxuosos moram só brancos, salvo exceções, e nas favelas está o povo preto, é porque há racismo estrutural. Se entre os 800 mil presos jogados nos presídios brasileiros, que na verdade são novos navios negreiros, mais de 95% dos internos são pretos, é porque há racismo estrutural. Se … Se continuarmos citando os exemplos de racismo estrutural, a lista será interminável.

Na barbárie de uma sociedade capitalista, uma máquina de moer vidas, muitas vezes temos que dizer o óbvio para desmascarar as mentiras (fake News) criminosas ditas e repetidas por integrantes da classe dominante para pavimentar a reprodução da superexploração que campeia no nosso querido país. Que fazer para superarmos o capitalismo, a desigualdade social e o racismo estrutural? A superação deste status quo que violenta e mata de mil formas passa pela classe camponesa realizar, “na lei ou na marra” uma revolução agrária, que é a partilha, a democratização, a socialização da terra. Enquanto continuar o Cativeiro da Terra (Leia o livro de José de Souza Martins), com a estrutura latifundiária se reproduzindo e ampliando, teremos as condições materiais objetivas que sustentam o racismo estrutural. Os Povos e Comunidades Tradicionais precisam retomar todos os territórios que lhes pertencem ancestralmente. Os Povos Originários, Povos Indígenas devem resgatar todos seus territórios que foram invadidos por brancos capitalistas. Uma das tarefas do povo da cidade é boicotar a Rede Carrefour em todo o Brasil. Não entre em nenhum Carrefour! Não compre e não consuma nada desta transnacional racista e criminosa. Paremos de comprar nas lojas e empresas que sustentam e reproduzem o racismo estrutural existente na sociedade capitalista do Brasil, país com umas maiores desigualdades sociais e raciais do mundo.

Faz bem inspirar-nos em alguns relatos bíblicos. Os evangelhos da Bíblia (Mt 21,12-13; Mc 11,15-19; Lc 19,45-46 e Jo 2,13-17) relatam que Jesus Cristo, jovem galileu rebelde, próximo à maior festa judaico-cristã, a Páscoa, impulsionado por uma ira santa, furioso, ocupou o Templo de Jerusalém – lugar considerado o mais sagrado -, fez um chicote de cordas, “chutou o pau da barraca” e expulsou todos os vendilhões do Templo, bem como as ovelhas e bois, destinados aos sacrifícios. Derramou pelo chão as moedas dos cambistas e virou suas mesas. Aos que vendiam pombas (eram os que diretamente negociavam com os mais pobres porque os pobres só conseguiam comprar pombos e não bois), ordenou: “Tirem estas coisas daqui e não façam da casa do meu Pai uma casa de negócio”. O Planeta Terra é “templo sagrado” que está sendo invadido e saqueado pela idolatria do mercado e do capital. Fazer boicote às grandes empresas racistas, que violentam a dignidade da pessoa humana e a dignidade de toda a biodiversidade se tornou uma necessidade para a sobrevivência da humanidade sobre nossa única casa comum.

Segundo a Bíblia, as mulheres parteiras do Egito, em Êxodo 1,8-22, diante de um “Decreto Lei/Medida Provisória” que, para controlar a natalidade, mandava matar as crianças do sexo masculino, se organizaram e fizeram greve e desobediência civil. “Não vamos respeitar uma lei autoritária do império dos faraós. O Deus da vida quer respeito à pessoa e não concorda com a matança de crianças e com nenhuma opressão e violência”, diziam, em seus corações, as Mulheres do “Movimento de saúde pública” do Egito. Diz a Bíblia: “Deus estava com as parteiras”. O povo se tornou numeroso e muito poderoso (Êxodo 1,20), isto é, crescia em quantidade e em qualidade.

Os pobres organizados que seguiram Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr., mártires dos violentados, fizeram desobediência civil: desafio às leis injustas sem agredir pessoas. Como gestos extremos, acordaram consciências anestesiadas, cúmplices de sistemas opressivos. A não-violência de Gandhi e Luther King não diz respeito às coisas, mas, sim, às pessoas humanas. O boicote do sal e do tecido inglês, na Índia, o dos ônibus segregacionistas, nos Estados Unidos, e tantos outros movimentos de desobediência civil em todo o mundo causaram grandes prejuízos materiais aos capitalistas, mas trouxeram para a humanidade exemplos de enfrentamento a um sistema de relações sociais preconceituosas e racistas assentadas em um passado escravocrata.

Oxalá o povo brasileiro se revolte como aconteceu nos Estados Unidos com o assassinato de George Floyd que animou e inspirou um massivo movimento antirracista que foi decisivo para derrubada do fascista Trump nas urnas. Basta de racismo! Malditos sejam todos os racistas! Que João Alberto Silveira Freitas, martirizado, continue animando e inspirando o movimento antirracista! Oxalá a morte deste nosso irmão não caia no esquecimento e que este movimento continue crescendo e nos ajude a derrubar do poder todos os fascistas, genocidas e racistas![2]

24/11/2020

Obs.: Os vídeos nos links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Morte de João Alberto provoca onda de protestos contra o racismo pelo Brasil

2 – No Recife, manifestantes pedem fechamento do Carrefour

3 – Luta contra Racismo/Violência contra as Mulheres/Opressão do Capital. “Uni-vos!” (Frei Gilvander)

4 – Três Comissões da OAB/MG em defesa do Quilombo dos Luízes, Belo Horizonte/MG. Racismo, não! 04/8/17

5 – Comunidade Quilombola dos Luízes, em Belo Horizonte, vítima de invasão/violência/racismo. 01/8/2017

6 – CPT-MG 40 anos – Madalena: “Nossa luta é contra o latifúndio, arma mortífera” – Vídeo 5 – 07/3/2018

7 – Ameaçado por lutar contra o latifúndio, DIM CABRAL, da Cooerco.SD, Uberlândia/MG. Justiça! 24/5/18

8 – Violência do latifúndio cresce no norte de MG/Audiência Pública/ALMG/Toninho do MST. 25/4/2018

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

A fogueira do Grande Inquisidor

A fogueira do Grande Inquisidor. Por Gilvander Moreira[1]

Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 03/12/2014- Ativistas da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, participam de ato no Dia Internacional de Luta contra os Agrotóxicos, em frente Câmara de Vereadores. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Ao escrever O Grande Inquisidor, um pequeno, mas denso, eloquente e contundente capítulo do último romance “Os Irmãos Karamazov”, Fiódor Dostoiévski, em 1879, parece que estava revelando a Inquisição em pleno vapor no Brasil, em 2020, sob o arbítrio de muitos Grandes Inquisidores, disfarçados. Lobos em pele de ovelhas, com sede de sangue, continuam atiçando a fogueira da fome, na qual o estômago de mais de 10 milhões de irmãs e irmãos nossos ronca e faz o corpo tremer como se estivesse sendo eletrocutado por fios elétricos de tortura. Mães e avós muitas vezes têm que reprimir as lágrimas para não chorar na presença de filhos/as e netos/as implorando por um pedaço de pão. Centenas de agrotóxicos, que não são defensivos agrícolas, mas produtos tóxicos, injetam arma química no prato do povo brasileiro que, ao comer, está contraindo câncer, obedecendo cegamente os ditames de um mercado idolatrado. Agronegociantes com exagero de agrotóxico mandam para a fogueira do câncer mais de 700 mil pessoas por ano. Por ano, mais de 250 mil pessoas estão sendo mortas na fogueira da inquisição do câncer, epidemia causada principalmente pelo exagero de agrotóxicos e produtos enlatados. “Leite na caixinha é veneno puro”, me disse um trabalhador que trabalhou 18 anos em um laticínio de uma transnacional. Além disso, o agronegócio e seus executivos como Grandes Inquisidores seguem desertificando os territórios e empurrando os camponeses para as periferias das grandes cidades e jogando-os no meio de uma guerra civil não declarada. Agronegócio, um Grande Inquisidor, exterminador do futuro da humanidade.

O Grande Inquisidor, em outras vestes e em faces metamorfoseadas no Brasil, também está instalado nas grandes mineradoras que como dragão do Apocalipse, de forma cruel e bárbara, seguem planejando e cometendo crimes/tragédias com requintes de crueldade, arrasando territórios, apunhalando as montanhas, exterminando as fontes de água e sacrificando rios e povos. Só em Minas Gerais, com mais de 300 anos de superexploração minerária, as empresas de mineração controlando o Estado deixaram um rastro de milhares de mortos, soterrados vivos ou morrendo um pouco a cada dia de silicose, depressão ou outras várias doenças contraídas em trabalhos extenuantes. Não podemos esquecer que dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28, a mineradora Vale, assassina contumaz e reincidente, “sepultou vivos 272 filhas e filhos nossos”, clamam os parentes que sobrevivem vertendo lágrimas. Foi um crime/tragédia da mineradora Vale em conluio com o Estado, em Brumadinho, MG. Esse crime continua e cresce todos os dias. “Todo dia é dia 25” se tornou lema dos milhares de vítimas do Grande Inquisidor também instalado nos grandes projetos de mineração que tritura a mãe terra, superexplora a dignidade da pessoa humana e apunhala mortalmente a dignidade de todos os seres vivos.

A Campanha Permanente de combate ao Trabalho Escravo, da CPT, desde 1997, demonstra que mais de 30 mil trabalhadores continuam anualmente submetidos à situação análoga à de escravidão. O pelourinho, o chicote e o tronco continuam violentando a dignidade humana em monoculturas da cana, do eucalipto, do café, de grandes projetos de mineração, na construção civil, na produção de roupas e calçados, em telemarketing etc.

Por integrar uma das dez Comissões do CNDH[2] sei que são ameaçados de morte no nosso país milhares de militantes que lutam por justiça social e direitos humanos fundamentais. Perseguir, ameaçar e tentar tirar a paz e o sono de quem luta por justiça social são tarefas macabras cumpridas por jagunços, milícias armadas com a cumplicidade de um Estado que aplica o direito penal máximo para os empobrecidos e o direito civil/empresarial benevolente para as grandes empresas. Desde 1985, a CPT publica anualmente um grande livro intitulado Conflitos no Campo Brasil, que demonstra que nos últimos 46 anos, mais de 3.000 lideranças camponesas foram assassinadas pelo Grande Inquisidor latifúndio-latifundiário-agronegócio de várias formas: por degola, enforcamento, metralhados, fuzilados, em emboscadas, pelas costas, da garupa de um motoqueiro cúmplice etc. E, pior, há impunidade em demasia para os jagunços e principalmente para os mandantes. E há punição em demasia para os pobres, negros e juventude de periferia.

Precisamos recordar uma característica fundamental dos Evangelhos da Bíblia, principalmente dos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas): na primeira parte dos evangelhos sinóticos – 1ª fase da missão de Jesus Cristo -, a característica básica é a SOLIDARIEDADE, com ternura, compaixão e misericórdia. Entretanto, no meio da missão acontece uma “crise galilaica”: Jesus faz análise de conjuntura e descobre que está sendo ingênuo, pois mesmo fazendo os milagres no varejo, via processo de solidariedade, está aumentando o número de famintos, de paralisados, de cegados, de excluídos. Jesus percebe que precisa dar uma guinada no rumo da missão e passar a denunciar os podres poderes da religião, da política e da economia e quem reproduz estes poderes. Por isso, na segunda parte dos evangelhos sinóticos – 2ª fase da missão pública de Jesus -, a característica básica passa a ser LUTA POR JUSTIÇA. Jesus Cristo foi condenado à morte não apenas porque era solidário, mas principalmente porque lutou por justiça e, por isso, incomodou os podres poderes da religião, da política e da economia.

A lógica de democracia formal e representativa é outro Grande Inquisidor do povo ao vender a ideia mentirosa de que basta votar em eleições com regras que beneficiam “os de cima” para se chegar à democracia real, econômica e social. Cruel ilusão, pois entra eleição e sai eleição e o tal de fulano ainda é pior …

O sistema capitalista, máquina de moer vidas, é O Grande Inquisidor Mor, pois sequestra a terra no campo e na cidade em propriedade privada capitalista como base para promover o capital superexplorando a dignidade da pessoa humana, da classe trabalhadora e da classe camponesa. A manutenção da latifundiarização no campo brasileiro e da especulação imobiliária nas cidades são bases materiais objetivas – Um Grande Inquisidor Mor – que reproduz a inquisição, a repressão, a violência e o enforcamento do povo cotidianamente, de muitas formas.

Na sociedade capitalista O Grande Inquisidor inquire, tortura, faz guerra e mata em nome de Deus. Eis um exemplo: um cozinheiro dos freis carmelitas, em Houston, descendente de latino-americanos, foi soldado dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Em julho de 1997, todo piedoso, com camiseta de Nossa Senhora de Guadalupe e escapulário no pescoço, toda vez que me via, pedia para eu o abençoar. Devoto piedoso, um dia me disse: “Na Guerra do Vietnã, eu era soldado paraquedista. A gente pulava do avião e já caía no meio de uma comunidade e eu, com a metralhadora na mão disparava à vontade. Só eu matei mais de 500 vietnamitas”. Quando o cozinheiro piedoso me disse isso, estarrecido, eu perguntei a ele: “Você não se arrepende de ter matado tanta gente?” Ele, altaneiro, me disse: “De jeito nenhum. Estávamos lá no Vietnã em nome de Deus, éramos os defensores de Deus. Guerreávamos contra os comunistas ateus e filhos do demônio.” O cozinheiro piedoso meteu a mão no bolso e me mostrou uma nota de dólar onde estava a inscrição “we trust in God” (Nós acreditamos em Deus). E acrescentou: “Se não fôssemos nós lá na guerra contra os vietnamitas, o demônio teria tomado conta do mundo, pois para eles “a religião é ópio do povo.” Naquele momento, percebi que os capitalistas se dizem pessoas religiosas, mas na prática são grandes inquisidores cotidianamente, abstratamente dizem que acreditam em Deus, na prática são idólatras, pois matam irmãos como Caim.

Entretanto, a história demonstra que o Grande Inquisidor não tem a última palavra. Os Grandes Inquisidores são jogados na lata de lixo da história e quem faz e entra para a história são os torturados e matados pelo Grande Inquisidor. Nessa linha, o germe da revolução que superará o capitalismo, essa máquina feroz de moer vidas, está inoculado em Assentamentos para milhares de famílias acampadas na luta pela reforma agrária, está nas Comunidades Indígenas, Quilombolas e muitos outros Povos Tradicionais que enfrentam O Grande Inquisidor cotidianamente. Só em Belo Horizonte, nos últimos 13 anos, 30 mil famílias se libertaram da cruz do aluguel ou da humilhação que é sobreviver de favor construindo 30 mil casas em 119 ocupações, enfrentando o Tribunal, jagunços, tropa de choque, resistindo a despejos e construindo “debaixo pra cima e de dentro pra fora” uma cidade que caiba todas e todos. Assim como Jesus ressuscitou ao terceiro dia, todos/as que são submetidos a processos inquisitoriais também ressurgem, combatendo o bom combate e construindo esperança e lutas inspiradoras pelo bem comum. Sigamos na luta como discípulos/as de todos/as que foram vítimas do Grande Inquisidor, seja no poder religioso, político ou econômico.

20/10/2020.

Obs.: Os vídeos nos links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Francisco de Assis nos inspira e nos interpela – Por frei Gilvander – 20/10/2020

2 – Soberania Alimentar com Vandana Shiva. Agronegócio e agrotóxicos matam! Dia da alimentação. 16/10/2020

3 – Dimensão social do Evangelho de Jesus e o lugar social do CEBI: LUTA POR JUSTIÇA. Por Frei Gilvander

4 – Grande Live em defesa do Rio São Francisco: contra barragem de Formoso e usina nuclear – 05/10/2020

5 – Contra todas as cercas: Homenagem a Pedro Casaldáliga. Por CPT, MST, MAM, CIMI, MAB etc. – 08/9/2020

6 – Lagoa da Prata/MG: Águas secadas, monocultura e agrotóxicos/XXI Romaria/Águas/Terra/MG/3a parte/9/18

7 – Não jogue agrotóxicos na terra/agricultura familiar/agroindústria. Assentamento Padre Jésus. Vídeo 6

8 – O que as mineradoras estão causando em Minas Gerais? Por Frei Gilvander, em Live, da ADUENF – 23/7/20

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Conselho Nacional dos Direitos Humanos.