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Leia a análise, veja o filme: “Jonas, que terá 25 anos no ano 2000” profetizou um novo 1968.

A fênix revolucionária renascerá das cinzas?

“O anseio meu nunca mais vai ser só
Procura ser da forma mais precisa
O que preciso for
Pra convencer a toda gente
Que no amor e só no amor
Há de nascer o homem de amanhã”
(
Geraldo Vandré, Bonita
)

O ideário político dos contestadores de 1968 é pouco lembrado e menos ainda reverenciado, já que não convém aos que hoje confrontam, a partir de posições ortodoxas, o capitalismo e suas inúmeras mazelas (desigualdade social, ganância e competição exacerbadas, parasitismo, mau aproveitamento do potencial produtivo que hoje seria suficiente para proporcionar-se uma existência digna a cada habitante do planeta, danos ecológicos, etc.).

Nas barricadas parisienses, gritando slogans como a imaginação no poder e é proibido proibir, muitos estudantes erguiam as bandeiras negras do anarquismo, que marcara forte presença nos movimentos revolucionários do século 19, mas havia perdido terreno desde a vitória do bolchevismo em 1917.

A tentativa de construção do socialismo em países isolados e economicamente atrasados já se evidenciava desastrosa, por degenerar em totalitarismo. A URSS e seus satélites, bem como a China e Cuba, sacrificavam uma das principais bandeiras históricas das esquerdas, a liberdade, para priorizarem a outra, a igualdade.

 Revolução traída: o poder usurpado pela nomenklatura.

E nem a esta última conseguiam ser totalmente fiéis. Propiciavam, sim, melhoras materiais significativas para os trabalhadores, mas nem de longe extinguiram os privilégios, tornando-os até mais afrontosos ao substituírem as antigas classes dominantes por odiosas nomenklaturas (as camadas dirigentes do partido único e as burocracias governamentais, que se interpenetravam e coincidiam na justificativa/imposição de seu status de mais iguais).

O desencanto dos jovens europeus com o socialismo real  se somou à constatação de que o proletariado industrial das nações prósperas se tornara baluarte, e não inimigo, do capitalismo. Seduzido pelos avanços econômicos que vinha obtendo, preferia tentar ampliá-los do que apostar suas fichas numa transformação radical da sociedade. Ou seja, face à célebre alternativa de Rosa Luxemburgo –reforma ou revolução?– os aristocratizados operários do 1º mundo optaram pela primeira, como Edouard Bernstein previra.

Em termos teóricos, o filósofo Herbert Marcuse já dissecara tanto o desvirtuamento do marxismo soviético quanto a transformação do capitalismo avançado num sistema impermeável à mudança, a partir da sedução do consumo, da eficiência tecnológica e da influência atordoante da indústria cultural, que estava engendrando um homem unidimensional (incapaz de exercer o pensamento crítico).

68 francês: ensaio de uma revolução de novo tipo.

Foi ele a grande inspiração dos jovens contestadores de 1968, mesmo porque praticamente augurara sua entrada em cena, assumindo o papel de vanguarda que o proletariado deixara vago.

Para Marcuse, somente os descontentes com a sociedade (pós) industrial –intelectuais, estudantes, boêmios, poetas, beatniks e demais outsiders– perceberiam seu totalitarismo intrínseco e seriam capazes de revoltar-se contra ela. Os demais, partícipes do sistema como produtores e consumidores, seguiriam mesmerizados por sua racionalidade perversa.

O diagnóstico de Marcuse acabaria sendo melancolicamente confirmado quando esses descontentes colocaram a revolução nas ruas de Paris e o proletariado lhes voltou as costas, preferindo arrancar pequenas concessões de De Gaulle do que apeá-lo do poder. O Partido Comunista Francês, comprando uma passagem de ida sem volta para a irrelevância, desempenhou papel decisivo na manutenção do status quo e consequente salvação do capitalismo na França.

Mas, o esmagamento das primaveras de Paris e de Praga não conteve o impulso dessa nova maré revolucionária, que continuou pipocando nos vários continentes, com especial destaque para a contracultura e o repúdio à Guerra do Vietnã por parte da juventude estadunidense.

Guerra do Vietnã: as flores venceram o canhão.

Foi, principalmente, nos EUA que os novos anarquistas se lançaram à criação de comunidades urbanas e rurais para praticarem um novo estilo de vida, solidário e livre. Substituíam os antigos laços familiares pela comunhão grupal – ou, como diziam, tribal – e dividiam fraternalmente as tarefas relativas à sua sobrevivência, tal como sucedia nas colônias cecílias de outrora.

A ideia era a de irem expandindo a rede de territórios livres até que engolfassem toda a sociedade. Então, em vez de colocarem a tomada do poder como ponto-de-partida para as transformações sociais, deflagradas de cima para baixo, eles pretendiam expandir horizontalmente seu modelo, pelo exemplo e adesão voluntária (nunca pela coerção!), até que se tornasse dominante.

Acreditavam que, descaracterizando seus ideais para conquistarem os podres poderes, os revolucionários acabavam sendo mudados pelo mundo antes de conseguirem mudar o mundo. Então, era preciso que ambos os processos ocorressem simultaneamente: deveriam construir-se como homens novos à medida que fossem construindo a sociedade nova.

Veremos concretizada a profecia do filme Jonas?

Esse anarquismo renascido das cinzas e atualizado foi o último grande referencial revolucionário do nosso tempo, daí despertar até hoje a simpatia dos jovens que buscam a saída do inferno pamonha do capitalismo (uma definição antológica do Paulo Francis!) e a ojeriza daquela esquerda que ainda se restringe aos projetos de conquista do poder político.

A questão é se, como em outras circunstâncias históricas, a maré revolucionária será novamente retomada a partir do último ápice atingido (mesmo que com intervalo de décadas entre os dois ascensos).

Os artistas, antenas da raça, creem que sim. Desde o genial cineasta suíço Alain Tanner (Jonas, Que Terá 25 Anos no Ano 2000), para quem as vertentes e tendências de 1968 voltarão a confluir, reatando-se os fios da História; até nosso saudoso Raul Seixas, que nos aconselhava a tentarmos outra vez e tantas vezes quantas fossem necessárias, não dando ouvidos às pregações tendenciosas da mídia contra a geração das flores e das barricadas..

NOS DEPRESSIVOS ANOS 70, ESTE FILME MANTEVE A ESPERANÇA DE QUE O SONHO NÃO HAVIA ACABADO.

(clique aqui para assistir ao filme, na íntegra e com legendas em português)

Um dos filmes com intenções políticas mais poéticos da história do cinema, Jonas que terá 25 anos no ano 2000 (lançado em 1976) mostra uma Suíça que, em meados da década de 1970, está em plena normalidade capitalista, nada restando dos ventos de mudança que sopraram em 1968 afora indivíduos isolados que representam facetas das utopias cultuadas pela geração anterior. 

Já não existe um projeto coletivo a imantar tais vertentes, mas os pequenos profetas (como o ótimo diretor Alain Tanner  os qualificou em entrevistas) continuam tentando levar adiante, isoladamente, aquilo no que creem. São oito, todos com os nomes iniciados por M (de maio, o mês das barricadas francesas).

Uma teia de circunstâncias inesperadas os vai colocando em contato, até que os oito se reúnem numa única ocasião, congraçando-se na fazenda do personagem que se dedica ao cultivo de vegetais sem contaminação química. É quando almoçam exultantes, numa sequência, belíssima, que simboliza a Santa Ceia. 

O personagem Mathieu, seguindo as pegadas de Rousseau.

Bem naquela fase e sob tais auspícios, o casal de fazendeiros gera um filho, que será Jonas, evocando o profeta que foi engolido pela baleia mas sobreviveu, assim como o filme acena com a esperança de que a criança sobreviverá à gordura capitalista para, no ano 2000, corporificar uma nova e definitiva síntese dos ideais dos pequenos profetas.

Embora o filme não esclareça como isto se dará, parece destacar sobretudo a via representada pelo personagem Mathieu (São Mateus?), que Rufus interpreta. Ele quer educar as crianças de forma que não percam sua bondade natural, escapando ilesas aos condicionamentos ideológicos que uma sociedade corrupta lhes tenta impor, mais ou menos como Jean-Jacques Rousseau preconizou em Emílio, ou Da Educação

Quando nos aproximamos da comemoração do cinquentenário das jornadas de 1968, Jonas… é um filme simplesmente obrigatório. Até por colocar em discussão o que realmente vale a pena discutirmos: se 1968 foi uma primavera que passou em nossas vidas ou o ensaio geral de uma revolução que ainda chegará?

*  *  *

Esta digressão, que começou citando uma pungente canção de Vandré, merece ser encerrada com um desabafo, que talvez venha a se revelar profético, do bravo guerreiro Raulzito: “Todo jornal que eu leio/ Me diz que a gente já era/ Que já não é mais primavera/ Oh baby, oh baby,/ A gente ainda nem começou”..

Lula da Silva: o sentido histórico de uma condenação

Lula ao lado de FHC durante os anos 1980. Crédito da foto desconhecido.

O timing da condenação de Lula da Silva foi de relógio suíço. Deu-se após duas semanas do fracasso da greve geral e enquanto o Senado aprovava, por larga maioria e sob o silêncio das ruas, assalto histórico aos direitos trabalhistas. Se milhões de trabalhadores tivessem descido às ruas, Sérgio Moro esperaria tempos melhores para acionar sua guilhotina e o Senado comportaria-se em forma diversa.

No frigir dos ovos, a condenação é parte de uma história muito mais ampla. É apenas a cereja do bolo que há anos é assado, tendo o imperialismo como doceiro e como auxiliares obedientes segmentos nacionais proprietários. Para compreensão mais ampla dos sucessos atuais, temos que nos debruçar sobre o passado.

A submissão plena do Brasil ao status de país semi-colonial, sob o tacão do capital mundial, impulsionada no último meio século, alcança hoje nível exacerbado. Nos anos 1930, o Brasil e outras nações das Américas viveram condições históricas propícias à  gênese de capitalismo autônomo, sob a hegemonia de classes burguesas nacionais, voltado ao mercado interno e apoiado nos trabalhadores fabris. No Brasil, esse movimento conheceu a oposição das classes agrário-exportadoras pré-capitalistas, vergadas naqueles anos.

Nos anos 1950, o processo de industrialização por substituição de importações motivara regressão do status semi-colonial conhecido durante a Colônia [1532-1822], Império [1822-1889] e República Velha [1889-1930]. Ou seja, situação de autonomia política formal e submissão das decisões econômicas centrais ao capital externo. Após a II Guerra Mundial, acaudilhados pelo imperialismo, a agro-exportação, o frágil capital bancário nacional, as classes médias etc. mobilizavam-se contra aquele movimento, sem resultados imediatos.

Entretanto, naqueles anos, o processo de industrialização sustentado pelo capital  público e privado nacional, apoiado no mercado interno, entrou em crise, sobretudo devido à inconclusão da “revolução democrático-burguesa”, realizada em forma “passiva”, “fatiada” e “limitada”, com momentos altos na Revolução Abolicionista [1888], que unificou o mercado de trabalho, e na “Revolução de 1930”, que impulsionou a industrialização e a construção do Estado-nação brasileiro.

Para seguir no processo industrialista nacional, impunha-se reforma agrária radical; fortalecimento dos bancos públicos; construção de tecnologia nacional; universalização das leis trabalhistas; transição da exploração industrial extensiva à intensiva e aumento substancial dos salários, etc. Algumas medidas propostas, timidamente, pelas “Reformas de base” janguistas.

Tacão imperialista

Nos anos 1960, a burguesia industrial nacional submeteu-se ao imperialismo, temendo o fortalecimento do mundo do trabalho com a aplicação das políticas necessárias à retomada do nacional-desenvolvimentismo, que as fortalecera. Mostrou plenamente sua incapacidade de acaudilhar a revolução democrática brasileira. Em 1º de abril de 1964, ela encontrava-se, toda, no bloco social que entregou o governo aos militares, inicialmente sob a hegemonia estadunidense, representada pelo governo ditatorial de Castelo Branco [1964-67].

O golpe, no Golpe, realizado pela entronização de Costa e Silva, em março de 1967, e dos ditadores seguintes, até 1985, expressou-se, no defenestramento dos liberais castelistas Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos, da direção da economia, substituídos por Delfim Neto, jovem economista, desenvolvimentista, representante da industria paulista.

A proposta inicial imperialista e udenista de privatização das empresas públicas e liberalização das importações cedeu lugar a uma forte expansão das estatais, do sistema bancário público, da tecnologia nacional e à reserva ao capital tupiniquim de novos ramos industriais – telefonia, informática, etc. A ordem militar retomou também o projeto getulista de parque militar e do armamento atômico, que resultou no rompimento do acordo militar, em 1977, com o governo USA.

A grande ruptura com o projeto getulista foi o abandono da poupança e do mercado internos como sustentações do nacional-desenvolvimentismo. Apoiando-se nas exportações e nos empréstimos internacionais na época baratos, a ditadura viabilizava a super-exploração dos trabalhadores, devido ao deslocamento do mercado interno como espaço primordial de realização [consumo] da produção interna.

No nacional-desenvolvimentismo populista, a hegemonia [dominação] burguesa sobre os trabalhadores impunha o consenso [concordância-submissão] através de concessões e da repressão. Na ordem militar, a repressão tornava-se o pólo fortemente dominante.

Fim do milagre

Em 1973-4, a crise mundial [“choque do petróleo”] inviabilizou o padrão desenvolvimentista autoritário. Os juros da dívida subiram às estrelas e o mercado consumidor mundial caiu em picada. Com a insolvência do Brasil, os militares cortaram os investimentos e impulsionaram a inflação e o “arrocho salarial”, para pagar a dívida externa. A nova situação alienou o apoio ao regime de importantes segmentos das classes médias e relançou a luta sindical, silenciada desde 1968.

No bloco social mobilizado pela “redemocratização” do país encontravam-se igualmente os segmentos do capital nacional e internacional “anti-estatistas” e sobretudo “privatistas” que se organizaram para abiscoitar, em condições excepcionais, as propriedades estatais construídas sobretudo nos anos getulistas e fortemente potenciadas durante o vintênio ditatorial.

Essas forças organizaram-se pela derrota das eleições diretas e, a seguir, por governos que impulsionassem suas exigências. Então, o imperialismo se apoiava no já poderoso sistema bancário nacional e em importantes núcleos da indústria, além do latifúndio, de decrescente importância.

A entronização presidencial de Collor de Melo, em março de 1990, foi um falhaço, mesmo tendo alienado importantes bens estatais e avançado iniciativas antipopulares exigidas pelo grande capital. Ao contrário, os oito anos da era fernandina [01/1995-01/2003] foram um enorme sucesso. Após a privatização desenfreada, pouco sobrou das jóias da coroa, à exceção do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, do BNDES, da Petrobrás.

Implementaram-se também importantes ataques aos direitos do mundo do trabalho e o redimensionamento da autonomia nacional. Sob a política de juros astronômicos, a dívida pública explodiu. Desmontou-se o ensaio de superação do status semi-colonial do Brasil, avançado pelo projeto popular desenvolvimentista, voltado ao mercado interno, de 1930-1950, com a subordinação do operariado industrial; e pelo desenvolvimentismo autoritário, dos anos 1967-85, voltado ao mercado mundial e apoiado na super-exploração dos trabalhadores.

Por primeira vez na história do Brasil contemporâneo, durante os governos de FHC, materializou-se a perda efetiva do controle das decisões econômicas centrais do país pelas classes dominantes nacionais em favor do grande capital mundial. Pedro Malan, como ministro da Fazenda, e Armínio Fraga, ex-funcionário do capital especulativo mundial, na presidência do Banco Central, circunscreveram essa realidade.

No período Sarney-FHC, desmontou-se a reserva de mercado e as indústrias bélica e aeronáutica, assim como o projeto atômico da ditadura militar.

O mundo do trabalho em busca de seu destino

Não é aqui o momento de discutir as raízes históricas, políticas, ideológicas, etc. da debilidade do movimento  operário, antes e após o Brasil se constituir como Estado-Nação. O fato é que os trabalhadores do Brasil jamais conseguiram transitar plenamente, como um todo ou em grande parte, da situação de “consciência em si” [surgida da existência material] para a de “consciência para si” [produto da organização e construção de programa próprio].

Os anos de meados da década de 1970 foram exceção. No contexto da impulsão industrialista quando do “Milagre Brasileiro”, que fortaleceu sobretudo os trabalhadores metal-mecânicos, químicos, da construção civil e do sistema bancário, o mundo do trabalho, mobilizado na luta pela recomposição salarial,  ensaiou movimento autonômico político e sindical, que resultou na fundação do PT, tendencialmente anti-capitalista, em 1980, e da CUT, claramente classista, em 1983.

Pelos azares da sorte, os dois movimentos tiveram como símbolo nacional o nordestino Luis Inácio da Silva, o Lula, dirigente do Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, principal pólo do confronto sindical com a ditadura, no final dos anos 1970.

Quando despontou como liderança sindical, Lula da Silva tinha escassa formação política e jamais participara da luta contra a ditadura, apesar de já ter, em 1975, 30 anos. Nesse então, declarou-se anti-comunista. Décadas mais tarde, confessaria que jamais fora de esquerda e definiria-se liberal.

O momento de construção autonômica do mundo do trabalho, impulsionado pelas grandes lutas sindicais daqueles anos, dissolveu-se sob o impacto da crise econômica dos anos 1980 – “Década Perdida”; da explosão do desemprego e da inflação; da restruturação da economia e da produção, etc. Foi enorme o efeito do tsunami neo-liberal que materializou a derrota histórica mundial dos trabalhadores, precisamente enquanto o PT e a CUT se organizavam e se institucionalizavam.

Com a dissolução da URSS, em 1990, e dos países de economia nacionalizada e planejada, o ponteiro da história recuou dolorosamente e os trabalhadores, sob o açoite da derrota, passaram a literalmente desacreditar de seu programa para a resolução da crise social [“crise de subjetividade”].

Não era o proposto “fim da história”, mas a instalação plena de movimento de “contra-revolução permanente” que se mantém até hoje. Ele se assanharia sem piedade contra os direitos nacionais e sociais de bilhões de cidadãos e trabalhadores através do mundo.

A proposta “fase heroica”, pura e dura, do Partido dos Trabalhadores, iniciou a dissolver-se, antes de consolidar-se. Sob a hegemonia de Lula da Silva e seu núcleo duro – José Dirceu, Antônio Palocci, Gilberto Carvalho, Luiz Gushiken, Marco Aurélio Garcia, etc. – impôs-se a hegemonia partidária dos parlamentares, profissionais, etc., reprimindo-se a organização pela base.

A metamorfose apoiou-se em vastos setores da militância, do movimento sindical, da sociedade brasileira, desmoralizados pelo refluxo social ou que tinham – ou queriam ter – o que ganhar com a colaboração com o capital. A adesão à proposta de gestão compassiva do capitalismo dominou a direção petista, seus parlamentares, administradores, etc.

Por longos anos, no contexto da orientação social-democrática e, logo, social-liberal, o PT manteve-se como referência de trabalhadores e assalariados, sob a pressão dos quais parlamentares petistas interromperam ou mitigaram ofensivas contra os direitos sociais.

Porem, o PT administrou municípios e estados em sintonia com o capital e sem avançar qualquer iniciativa social estrutural. O PT anticapitalista foi pinto que morreu na casca do ovo. Igual colaboracionismo consolidou-se na CUT e foi facilitado pela defecção de sindicalistas classistas para fundarem “centrais” vermelhas ou partidárias.

Oferecendo a mão

Com a desmoralização geral do segundo governo FHC, o grande capital aceitou a oferta do lulismo para assumir a presidência, avançar as políticas neoliberais e impor, devido ao prestígio-controle do movimento social, ataques aos direitos dos trabalhadores que Collor de Melo e FHC não tiveram a força de empreender.

As promessas ao capital foram cumpridas caninamente, nas três e meia administrações do PT. Privatizações, desregulamentação, ataque à economia popular, arrocho salarial, alta remuneração e financiamento do capital, etc. As decisões econômicas centrais seguiram entregues ao grande capital mundial. Acordos draconianos foram firmados com o FMI.

A submissão ao capital constituía caminhada sobre fio da navalha, já que ela ensejava perda crescente do apoio social que o petismo militava para controlar e desmobilizar.

Devido à perda tendencial do apoio dos trabalhadores, o petismo procurou reconstituir nova base eleitoral. Contribuiu para a diluição da consciência social classista, promovendo estatisticamente os trabalhadores  à “classe média”; incentivou recorte supra-social entre brancos/não-brancos, etc. Sobretudo, perseguiu o apoio eleitoral através de “políticas compensatórias” dirigidas aos setores mais atrasados da população, propostas pelo Banco Mundial.

A corrupção desbragada em que mergulharam milhares de petistas fez parte do deslizar social-liberal do partido. A evaporação da base militante e o novo padrão político-eleitoral exigiam campanhas cada vez mais caras, necessariamente financiadas pelo capital.

Os serviços prestados ao capital permitiam igualmente fácil enriquecimento pessoal e a ilusão de que as classes dominantes teriam a mesma complacência com os serviçais petistas que sempre mostraram com a direita tradicional.

O grande capital e o imperialismo já retiraram o apoio à primeira administração de Dilma Rousseff [2011-14], na procura da imposição ao país presidente conservador puro-sangue e não mais terceirizado. As mobilizações de junho de 2013 liquidaram o mito do controle petista do movimento social. Portanto, o PT não prestava mais os serviços para que era pago. Entretanto, a rejeição do colaboracionismo petista tinha raízes mais profundas e era fenômeno internacional.

O fim da bonança dos altos preços das commodities; o retorno da crise econômica mundial; a retomada da ofensiva imperialista geral contra o Irã, Líbia, Síria e, sobretudo, Rússia e China exigiam uma submissão mais profunda ao imperialismo; a destruição das veleidades de núcleos capitalistas nacionais; maior super-exploração do trabalho; pagamento incondicional da dívida. O capital hegemônico mundial exigia salto de qualidade na reorganização semi-colonial do país em desenvolvimento.

A estratégia escolhida foi a “revolução de veludo”, contra a “corrupção”. Ou seja, golpe não militar apoiado na mobilização das classes médias, inaugurado na Checoslováquia, em 1989, e, a seguir, em outras nações. Uma iniciativa viabilizada pela crescente corrosão das condições de vida da população brasileira, que levava à exasperação classes médias agoniadas pela radicalização do “capitalismo social de mercado”, onde o Estado nada fornece, tudo se paga caro e o supérfluo se torna imprescindível: aluguel, previdência, condomínio, segurança, transporte, saúde, educação, telefonia, entretenimento, etc.

A hora e a vez de Dilma

Com a desmoralização da política, a Justiça transformou-se no grande instrumento da “revolução de veludo” anti-petista. Em agosto de 2012, o STF iniciou o julgamento de quase 38 réus inculpados de corrupção devido ao financiamento ilegal de parlamentares da base de sustentação do governo Lula da Silva – o “Mensalão”. O  sangramento quotidiano do PT pela mídia, agora com destaque para a Operação Lava Jato, estendeu-se até as eleições de outubro de 2014, com a esperada vitória do candidato do PSDB.

A condenação de José Dirceu sem provas, a partir de excrescência jurídica “ad hoc”, o “domínio do fato”, registrou o radicalismo da ofensiva conservadora associando o imperialismo, a Justiça, a mídia, o conservadorismo.

Nessa abnormidade jurídica, o réu é condenado a partir da simples convicção subjetiva do juiz. Propõe-se que o réu, por sua posição funcional, tem necessariamente conhecimento e, portanto, responsabilidade em ato criminoso, mesmo que falta prova sobre essa relação. O paladino da operação, o juiz Joaquim Barbosa, santificado pela mídia, fora escolhido por Lula da Silva por ser negro.

A condenação do segundo homem do PT deu-se sem resistência do partido e do governo, ainda mais que ele competia com Lula da Silva no controle do aparato petista. Por sua vez, Dilma Rousseff tudo fez para separar a si e a sua administração da corrupção dos governos lulistas, esperando assim escapar da abate. Deixou que a Justiça e a polícia federal se assanhassem, primeiro, contra o PT e as administrações lulistas e, logo, contra sua administração e presidência.

Durante a campanha de 2014, exacerbadas pela mídia, com destaque para o RJ-SP, sobretudo as classes médias realizaram manifestações multitudinárias contra o petismo, identificado como responsável de toda a corrução.

Organizações como “Vem Para Rua”, “Movimento Brasil Livre”, “Não vou pagar o pato” foram treinadas e financiadas pelo grande capital, a partir de experiências golpistas sistematizadas em outra regiões do mundo.

Dilma promete e não cumpre

A administração Dilma Rousseff promoveu literal farra de recursos públicos, para manter artificialmente o emprego e a atividade econômica e vencer as eleições – mega-renunciais fiscais; crédito subvencionado; diminuição do preço da eletricidade;  distribuição a rodo de  bolsas de estudos, etc.

No segundo turno, a apresentação de Dilma como anteparo às privatizações e defensora dos direitos trabalhistas – “Não mexo em direitos trabalhistas nem que a vaca tussa” – garantiu a reeleição por pouco mais de três milhões e 400 mil votos. O PT venceu o quarto pleito devido à alta votação no Nordeste pobre e pouco industrializado [doze milhões de votos de diferença], registrando a perda de operários, assalariados, profissionais, etc.

Já no discurso de posse, a presidenta renegou as promessas eleitorais e abraçou as políticas neoliberais do opositor, procurando reconquistar o apoio do grande capital. Nomeou ministério de direita; dificultou a obtenção do seguro-desemprego, do auxílio-doença, do abono salarial, da pensão por morte; cortou o orçamento e investimentos e aumentou a gasolina, a eletricidade, a carga tributária, afundando o país na recessão, à procura da redução dos salários e do pagamento a qualquer custo da dívida externa e interna.

As políticas conservadoras de Dilma Rousseff serviram apenas para alienar o que lhe restava de apoio popular. Sua deposição, através de golpe institucional, foi votada, sem grande oposição popular, por deputados que fizeram parte até pouco tempo da “base de sustentação” do governo. A escusa foi a prática de “pedaladas fiscais”, isto é, artifício contábil para fechar as contas públicas, habitual em todos os governos anteriores.

O sentido do golpe

O golpismo não se mobilizava contra Dilma Rousseff, disposta a tudo para salvar seu governo. Apoiado no parlamento, na polícia federal, na Justiça, na mídia, nos partidos conservadores, etc., ele buscava acelerar o arrasamento do país, segundo as exigências do grande capital e do imperialismo, quanto a gastos públicos, privatizações, leis trabalhistas, autonomia e política internacional, etc. Buscava salto de qualidade no processo de liquidação da autonomia nacional já em curso.

A ponta de lança da operação golpista era a criminalização do PT, então no governo – e visto ainda pela população como o partido de esquerda no Brasil. Em 17 de março de 2014, durante primeira gestão Rousseff, inaugurava-se, no Paraná, a Operação Lava Jato, inspirada na “Mãos Limpas” italiana, sob a liderança de jovens juízes conservadores.

A estrela da operação, Sérgio Moro, estudara na Harvard Law School, em 1998, e fora treinado pelo Departamento de Estado dos USA. Inicialmente, a operação e o “Caçador de Corruptos” conquistaram amplíssima simpatia, sobretudo entre as classes médias, por além de posições políticas, ao encarcerar ricos empresários, algo jamais visto no país.

Muito logo, a ação de Sérgio Moro e auxiliares revelou o caráter arbitrário, ilegal e politicamente orientado das investigações. Para alcançar seu objetivo precípuo, incriminar altos dirigentes petistas e, sobretudo, Lula da Silva, a Lava Jato vazou informações reservadas; grampeou a Presidência da República e advogados de defesa; manteve suspeitos excelentes sob literal sequestro até obter as “delações” que lhe interessavam, “premiadas” a seguir com anistias de pena e devolução de bens.

A acusação de Lula da Silva mostrou-se operação difícil, já que, mais esperto que políticos petistas e da oposição, limitou-se a embolsar o régio pagamento de palestras encomendadas por grandes empresas, não raro por seu serviço de “garoto propaganda” das mesmas no exterior. Algo inaceitável para um líder operário, mas legal e praticado habitualmente por políticos prestigiados, no Brasil e no exterior. E, não raro, pelos senhores juízes.

A insistência em defender, sem qualquer prova material, que um amplo apartamento de qualidade discutível [triplex de Guarujá] e um sítio em Atibaia, também pouco luxuoso, como propriedades ocultas de Lula da Silva, levou Sérgio Moro a forte descrédito, ainda mais quando vazou a corrupção explícita faraônica de políticos ligados ao golpe.

O rigor para além da legalidade da Justiça com os petistas chocou-se também com a leniência quase total com criminosos explícitos conservadores.

A serviço do grande capital

A Lava Jato centrou-se nas práticas ilegais de administradores de grandes empresas nacionais públicas e privadas, ensejando a imediata liliputização e promessa de privatização da Petrobrás, Caixa, BNDES etc. e desarticulação das grandes empreiteiras [Oldebrecht, Camargo Correio, Engevix, etc.], desacreditadas e obrigadas a pagar multas milionárias no Brasil e exterior.

O monopólio do mercado nacional e o dinamismo no exterior das mega-empreiteiras prejudicavam suas congêneres estadunidenses. A operação Lava Jato radicalizou a desnacionalização da produção brasileira impulsionada há décadas.

Desde o fim da ditadura, a população e os trabalhadores brasileiros vergam-se sob a pesada canga dos débitos públicos federais e estaduais e dos juros astronômicos que reduzem a nação a uma fazenda escravista produtora de superávites.

Nas últimas décadas, a voraz desnacionalização da indústria brasileira acresceu também o encargo com as remessas de lucros, avultadas pelo pagamento de royaties devido à  dependência quase total do país ao exterior quanto à tecnologia.

A oposição ao golpe

O golpe objetivava construir nova base institucional, legal, etc. para salto de qualidade no status semi-colonial [neocolonial]. Mesmo quando o apoio ao presidente golpista se dissolveu de todo, com a instalação da recessão geral e o conhecimento da literal organização criminosa entronizada no governo, a nova ordem encontrou escassa resistência, com destaque para a classe trabalhadora, que jamais se mobilizou realmente contra o ataque geral aos seus direitos e à nação.

Sob o constante ataque da Justiça e da mídia, as direções petistas optaram pela moderação e pela tentativa de negociação, tentando salvar a pele e o aparato partidário. Para tal, sabotaram os esforços e ensaios gerais de mobilização popular. No geral, objetivos ao menos parcialmente alcançados, até agora, como veremos.

Angustiada por sua impotência, a frágil oposição de esquerda, classista e marxista, denuncia o PT e a CUT pela atual falta de mobilização, em registro geral das ilusões não perdidas e da ignorância da “natureza do escorpião”.

Parte da esquerda auto-proclamada revolucionária apoiou objetivamente o golpe, ao negá-lo, em alguns casos, por além do imaginável. Quando da condenação de 12 de julho, o MES, de Luciana Genro, defendeu retoricamente o direito do ex-presidente de participar nas eleições de 2018, elogiou a Lava Jato e lembrou que, se possivelmente o ex-presidente não merecia condenação pelo triplex de Guarujá, por faltas de provas, a mereceria pelo sítio de Atibaia! De tietas do Moro, terminaram em auxiliares da acusação!

Quanto ao PSTU, propôs que tudo é simples “disputa entre dois campos burgueses, […], em crise”. A culpa da condenação seria do próprio ex-presidente, por aliar-se à burguesia. Como desdobramento da negativa do golpe, nega igualmente o atual “estado de exceção”, e elogia indiretamente a Lava Jato, por encarcerar “meia dúzia de políticos e empresários”, quando antes apenas populares terminavam na prisão. Propôs o direito de Lula da Silva de – acredite quem quiser – “recorrer na justiça e se defender” e que os trabalhadores, de “modo algum”, participem da sua defesa.

Em forma oportunista, o MES, o PSTU e outros grupos congêneres esperam recolher os cacos do prestígio sindical e eleitoral deixados pela destruição do PT. O restante, pouco importa. Porém, nos últimos meses, cresce a intenção de voto em Lula da Silva e a sustentação política e sindical do PT, ainda que em patamares acanhados em relação aos melhores anos do passado.

Um apoio ao partido que pode crescer, se Lula da Silva for condenado em segunda instância, meses antes das eleições. Os desdobramentos de sua prisão são difíceis de prever.

O fortalecimento eleitoral relativo do PT moribundo é compreensível. No contexto da crise profunda, de semi-imobilidade dos trabalhadores e de refluxo do movimento social, importantes segmentos da população voltam-se, ainda que passivamente, para as organizações mesmo desacreditadas que já gozaram de sua confiança, quando de tempos melhores.

Ainda mais quando da inexistência total de alternativas minimamente factíveis. É de se esperar, também, a adesão de boa parte do eleitorado – mesmo ex-petista –  em projetos eleitorais conservadores extra-partidários.

Ofensiva em marcha

Até 2018, espera-se que o núcleo central das contra-reformas federais estará aprovado, com destaque para a da previdência privada. As instituições e a legislação repressivas de que dispõem as classes dominantes são amplas. Porém, impõe-se institucionalização que garanta a sustentação, atualização e extensão permanentes da ditadura do capital em todos os níveis da sociedade.

É imprescindível uma profunda “reforma política”, talvez parcelada, garantindo ad eternum o conservadorismo do legislativo. A nova legislação eleitoral contará com “cláusula de barreira” mais rígida que afaste os “pequenos partidos” do jogo eleitoral, na procura tendencial do bi-partidarismo. Porém, a restrição da participação eleitoral e sindical aliena os importantes segmentos de “esquerda” conquistados pelas delícias do colaboracionismo com o Estado, fortalecendo necessariamente o pólo repressivo na imposição do consenso.

Há grande preocupação com o próximo presidente da República. O controle do governo federal é fundamental para a superação da atual fase de recessão-depressão da economia e para a expansão-consolidação da nova ordem em construção, com a transferência substancial do nível de decisão efetiva à esfera privada e internacional.

Almeja-se governo formal, com instituições “autossustentáveis” e “auto-deliberantes”, apoiadas na repressão da Justiça e da polícia, com as forças armadas transformadas em milícia interna. Um processo em curso, em forma civilizada, em Portugal, Grécia, Itália, etc.

O nível de sucesso do projeto de barbarização social e instauração semi-colonial  radical no Brasil dependerá da capacidade de organização e resistência do mundo do trabalho e da população em geral. Movimentos que exigem, para realizar-se na medida necessária, a construção de direções e partidos classistas de massa conscientes, impossíveis de nascerem fora do impulso-reorganização do próprio movimento social e operário, extremamente fraco, como proposto.

A confusão e perda de densidade da esquerda brasileira é abismal. Na reação necessária para vergar a ofensiva geral do grande capital, caso ela se realize, terão papel determinante eventuais vitórias, mesmo parciais, mas substanciais, da luta de classes no Brasil e no exterior.

1917-2017: da luz para as sombras

Crédito da foto: desconhecido

Petrogrado, 8 de outubro, 1917. A notícia percorreu o mundo, enchendo milhões de seres humanos de esperança. Os trabalhadores haviam tomado o poder na capital política da Rússia. A chama bruxulante que tremulara por semanas em Paris, em 1871, incendiava as cidades e os campos sem fim do antigo império dos czares. A nova ordem oferecia a paz, na guerra interimperialista, e a divisão dos latifúndios, para os camponeses. Aos operários, entregava o controle das grandes fábricas e, sobretudo, o domínio do novo Estado, a ser governado por conselhos operários locais, regionais, nacionais.

O domínio do grande capital dava lugar ao governo e à ordem dos trabalhadores das cidades e dos campos. A promessa teórico-científica de Marx e Engels do mundo racional reorganizando a irracionalidade do capital punha o pé na terra e virava o mundo de pernas para o ar. Sobretudo, a revolução russa dizia-se a vanguarda da revolução européia, imprescindível à sua própria consolidação, axioma do marxismo revolucionário. A ordem racional do mundo se consolidaria apenas com o fim total da desordem capitalista. Seria guerra à morte, sem quartel!

No mundo, o coração fraterno dos trabalhadores encheu-se de júbilo e esperança e a alma dura dos capitalistas foi tomada do espírito tradicional de vingança sem fim contra todos que se levantavam contra os privilegiados, desde o grito de Prometeu contra o Olimpo. Os revolucionários russos organizaram-se para consolidar o poder soviético nos territórios do ex-império e expandi-lo no mundo. Entremente, era necessário sair da guerra, reorganizar a produção, consolidar os conselhos dos trabalhadores, a alma da ordem socialista.

Trabalhadores e trabalhadoras dos campos e das cidades rompiam as amarras do atraso, do preconceito, do obscurantismo, na construção do presente e futuro. Desbloqueavam-se as forças materiais e espirituais, superando a iluminação do espírito humano realizada pela Revolução de 1789. Em terríveis condições materiais, o cinema, a literatura, a música, a poesia, a arquitetura, a linguística, as relações humanas assumiam vitalidade única.

Antes de soçobrar, a Alemanha imperialista impôs duras condições para conceder a paz ao governo soviético, já quase sem exército – os soldados-camponeses voltavam ao campo, enojados com a hecatombe imperialista e interessados na participação das terras. Terminada a Primeira Guerra, foi imposto bloqueio total à Russia e tropas francesas, britânicas, japonesas, estadunidenses, canadenses, italianas, alemãs, turcas, gregas etc. uniram-se ao Exército Branco para destruir o poder operário em semente.

Crédito da foto: reprodução do artigo

Sob a direção de León Trotsky, o Exército Vermelho se construiu alimentando-se com a carne viva da revolução. A mísera produção industrial foi monopolizada pelo esforço de guerra. O confisco das magras searas camponesas alimentou as tropas soviéticas. Sob a agitação revolucionária em suas filas e países e os golpes do Exército Vermelho, a intervenção internacional recuou e, em outubro de 1922, os exércitos brancos foram vencidos. O preço pago foi terrível.

Multidões de calejados proletários e proletárias, de fuzil no ombro e a estrela vermelha no coração, caíram defendendo a ordem soviética. A produção industrial agonizava. A fome e o desemprego desclassavam os trabalhadores que retornavam ao mundo rural.

Em 1923, León Trotsky publicou ensaio profético, O Curso Novo, denunciando a burocratização de um Partido Comunista que dirigia a nova ordem em nome de proletariado já inexistente. Era árvore se petrificando sem seiva que a alimentasse. Paradoxo que, décadas mais tarde, engoliria a revolução. Trotsky propôs industrialização acelerada para restabelecer o proletariado e, assim, o poder soviético, política rejeitada por burocracia que se locupletava com o ensaio de restauração capitalista em curso.

Em 1923, a insurreição alemã fracassou e a revolução recuou no mundo. Em 21 de janeiro de 1924, morria Lenin, o criador do Partido Bolchevique. Em consolidação, a ordem burocrática expulsou Trotsky da URSS, em 22 de janeiro de 1927 e, nos anos seguintes, procedeu terrível apagamento da memória da revolução, eliminando fisicamente dezenas de milhares de velhos revolucionários.

Em 1929, temendo a dissolução do seu poder, a burocracia avançou o programa proposto de industrialização acelerada, de forma autoritária e administrativa, com coletivização forçada e artificial dos campos que, por décadas, feriu o mundo rural. A democracia e a gestão operária já eram ladainhas rituais.

Guiada por seus interesses imediatos, a burocracia rejeitou a revolução mundial como necessidade, propondo a consolidação do socialismo na URSS isolada. O exemplo da superioridade da sociedade soviética poria abaixo a ordem imperialista, diziam. Após a II Guerra, apoiou a extensão da revolução burocratizada em países vizinhos para defender suas fronteiras.

A força e o impulso da revolução, do planejamento e da nacionalização da propriedade impulsionaram a economia em forma decrescente, limitada esta última pelas fronteiras nacionais, pelo parasitismo burocrático, pelo ataque incessante do imperialismo e de seus servis aliados, os partidos socialistas e social-democratas.

Em 1989, a URSS dissolveu-se sob a pressão do grande capital e a contra-revolução e restauração capitalista se espraiaram através do mundo, dissolvendo os estados socialistas, corroídos pela colaboração com o capital e pela burocracia – Polônia, RDA, Vietnã, China, etc. Processo hoje em seus derradeiros momentos em Cuba e na Coréia do Norte. A restauração capitalista não foi o fim da história proposto pelos apologistas da irracionalidade. Mas fez o seu relógio engolir dramaticamente sete décadas, avançando para um tempo desconhecido de profundas sombras.

No início do século 20, Rosa Luxemburgo lembrou que a luta era entre o socialismo e a barbárie, e não entre o socialismo e o capitalismo. Marx propusera que, a não superação de ordem historicamente esgotada, levava à sua consolidação senil e agônica. Ao ler, quando estudante, na inocente Porto Alegre de 1967, essa previsão, materializei-a com dificuldade. Minha imagem dominante de bárbaro era o guerreiro loiro de trancinhas que invadira Roma.

Hoje, compreendemos em forma imediata o conceito “barbárie moderna”. Uma sociedade onde, muito logo, os 9% mais ricos controlarão 91% da riqueza mundial. Um mundo feitorizado por órgãos supra-nacionais, que tem no desemprego a solução dos males econômicos. Que permite todo tipo de enfermidades – AIDS, febre amarela, dengue, zica, etc. – para engordar o negócio farmacêutico e médico. Que fomenta a ignorância, o obscurantismo, o fanatismo para poupar com a educação e manipular as populações. Que impõe a ordem senil através da fúria bélica. Que avança indiferente à degradação que galopa a frágil crosta em que habitamos, porque o capital deve frutificar agora, mesmo que no amanhã domine a morte. Uma realidade em que fraternidade é palavrão.

Em 1917, o mundo iluminou-se de esperanças, em madrugada que se anunciava ensolarada. Hoje, cem anos mais tarde, sombras espessas ameaçam uma noite sem fim.

Mário Maestri. Historiador. Professor do PPGH em História da UPF. Artigo escrito para o dossiê do Caderno de Sábado, do Correio do Povo, sobre o Centenário da Revolução Russa, organizado pelo historiador e jornalista Juremir Machado. 18 de fevereiro de 2017

Um marco alcançado e a profissão de fé de um blogue de resistência

Por Celso Lungaretti

As visualizações de página do blogue Náufrago da Utopia acabam de chegar à casa de 2 milhões. Não sei dimensionar a importância deste total em termos de blogosfera, mas eis alguns dados para os leitores poderem aquilatar por si mesmos:

— o blogue existe desde 8 de agosto de 2008;

— tem 3.900 posts publicados;

— conta com 620 seguidores;

— vem mantendo nos últimos meses uma média de 1.600 acessos diários;

— tais acessos provêm principalmente do Brasil (91,4%), EUA (3,7%), Portugal (1,4%) e França (0,5%).

Sejam ou não significativos tais números, a sensação que eles trazem a esta diminuta equipe (eu e os colaboradores permanentes Apollo Natali e Dalton Rosado) é de dever cumprido.

No meu caso e no do Apollo, o de continuarmos sendo jornalistas, fiéis à nossa missão de disponibilizarmos a verdade aos cidadãos comuns para que os poderosos não imponham tão facilmente as versões e análises que lhes convêm; e sendo jornalistas independentemente de tais poderosos decretarem nossa morte profissional, a pretexto da idade mas, muito mais, por não gostarem das convicções expressas em nossos textos.

No do Dalton, o de difundir uma interpretação do marxismo ainda pouco conhecida, mas que pode desempenhar um papel importante na renovação teórica da esquerda, ainda mais agora que as estratégias e táticas adotadas desde 2003 foram colocadas dramaticamente em xeque pelo impeachment de Dilma Rousseff e pelas circunstâncias nas quais ocorreu.

Também vejo este blogue como uma continuação da luta que outrora iniciei para livrar a comunicação de massa da tutela absoluta dos barões da mídia. Vale a pena explicar melhor.

Após minha participação na luta armada ter-me deixado em frangalhos, fui juntar os cacos numa comunidade alternativa, que era também uma forma de manter vivo meu sonho, ainda que a abrangência fosse bem menor.

Já não se tratava de desbravar um caminho para o povo, pois aprendera da forma mais sofrida a levar sempre em conta a correlação de forças, que naquele momento era totalmente desfavorável a quaisquer projetos ousados de nossa parte.

Mas ao menos podíamos, nós mesmos, praticar em recinto fechado um estilo solidário de vida, ajudando-nos uns aos outros e dividindo o trabalho e seus frutos igualitariamente. Foi o que pensamos e, por alguns meses, conseguimos levar à prática

Era, contudo, difícil mantermos algo assim  em meio ao terrorismo de estado que grassava lá fora, com suas atrocidades, injustiças e intolerância. E, como no conto antológico do Poe, a peste invadiu o castelo no qual acreditávamos estar a salvo dela.

Quando a nossa comuna se desintegrou, só me restou voltar à vida insípida de quem batalha apenas para garantir a sobrevivência pessoal. Como o jornalismo era uma vocação que se manifestara desde que  comecei a fazer jornais no curso médio para fins de conscientização política, foi o nicho que encontrei na divindade suprema do capitalismo, o deus mercado.

Mas, inconformado em ser apenas uma correia de transmissão de valores nocivos, usava minhas horas de folga para prover o antidoto, em publicações precárias que produzia com companheiros igualmente dados à escrita.

Eram bancadas por nós mesmos, na esperança de que vendendo para amigos, conhecidos e para o público de nossas palestras e festas, arrecadássemos o suficiente para recuperar o que gastáramos. Nunca aconteceu.

Sabíamos que éramos pulgas tentando contrabalançar o estrago produzido pelos mamutes da indústria cultural, essa portentosa máquina de moldar a consciência dos cidadãos, tangendo-os para o conformismo e o consumismo.

Mas, tentávamos. Por mais que os resultados ficassem aquém de nossas expectativas, nunca desanimávamos. Era o que podíamos fazer e o fazíamos com enorme carinho. Cruzar os braços, jamais!

E é o que o Náufrago hoje faz. Lembrando os versos daquela comovente canção que Sérgio Ricardo compôs nos anos de chumbo, “cada verso é uma semente/ no deserto do meu tempo”.

Aqui plantamos as sementes de uma esquerda que reassuma, como prioridade máxima e como sua razão de ser, a organização do povo para o combate sem trégua à exploração do homem pelo homem, até a vitória final.

Trata-se do que mais precisa ser feito neste momento e também do mais difícil de se fazer, pois já estão arraigados em nossas fileiras os vícios, a desmobilização e a acomodação resultantes da opção pelas urnas em detrimento das ruas.

É mais fácil domesticar-se os bravos do que incutir bravura nos domesticados. Ainda mais depois de tantas e tantas décadas desperdiçadas em vãs tentativas de humanizar o capitalismo por dentro, rezando pela cartilha da democracia burguesa (que não passa do arcabouço institucional da dominação capitalista)!

É também aqui que tentamos ressuscitar valores como o da generosa solidariedade revolucionária, cada vez mais trocada pela postura egoísta de apoiar-se apenas o próprio partido ou a própria facção, lixando-se para as desgraças de outras forças do campo da esquerda e inclusive para os infortúnios de antagonistas pertencentes à mesma facção.

Há, ainda, que restaurarmos a própria moral revolucionária, a nossa, que infelizmente está ficando cada vez mais indistinguível da deles, nestes tristes tempos em que tantos trocam a dialética pelo mais rasteiro utilitarismo.

Aqui plantamos, ademais, a semente do respeito incondicional aos direitos humanos e à preservação do meio ambiente, pois nada, absolutamente nada, justifica os atentados à dignidade dos indivíduos e à sua existência (gravemente ameaçada pela devastação do nosso habitat).

São tudo menos herdeiros de Marx e Proudhon os que se norteiam pela realpolitik, justificando atrocidades e massacres quando perpetrados pelos bons bárbaros contra os maus bárbaros; quem existe para conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização jamais pode transigir com a barbárie, assim como a um religioso é vedado pactuar com o demônio.

E aqui tentamos exercitar o pensamento crítico, não deixando jamais de refletir sobre as práticas da esquerda, no sentido de aprimorá-las e de prevenir erros que poderão evidenciar-se desastrosos adiante. Quando a intolerância no relacionamento com as tendências minoritárias se dissemina cada vez mais entre nós, é fundamental restabelecermos o respeito entre companheiros e uma atitude positiva face aos questionamentos válidos.

Até porque erros terríveis foram cometidos nos últimos tempos pelos detentores da hegemonia, os quais quase sempre fecharam os ouvidos às advertências daqueles que se encontravam em minoria… mas estavam com a razão!

De resto, somos os primeiros a reconhecer que as sementes por nós espalhadas frutificarão ou não graças a fatores que vão muito além de nosso idealismo, do nosso tirocínio e dos nossos esforços.

Neste momento da vida só podemos apontar caminhos e dar exemplos, na esperança de que novos combatentes, com o vigor de que já não dispomos, inspirem-se nestas leituras ao decidirem suas linhas de ação.

Aos leitores que respeitam nossos esforços, peço: ajudem-nos a divulgar este blogue de resistência, que ninguém patrocina e tão poucos organizados apoiam, mas que prova ser possível sobreviver com as próprias forças (e desnecessário, portanto, vender a alma); e difundam estes textos impregnados de toda nossa experiência de vida e de todas as esperanças que ainda mantemos no futuro da humanidade, para que eles possam atingir seus objetivos…e nós também!

A luta continua..

SOBRE O MESMO ASSUNTO, LEIAM TAMBÉM:

A IMPORTÂNCIA DE UMA COMUNICAÇÃO LIVRE DO JUGO DO CAPITAL

Por Dalton Rosado

Disse Marx, nos Grundrisse, que a máquina, ao reduzir o trabalho humano a um mínimo, beneficiária o trabalho emancipado e seria a condição de sua emancipação.

Assim Marx inseriu, de maneira genérica, os ganhos da tecnologia para a emancipação humana; e nela está inserida a comunicação via satélite, que agora, por meio da internet, liberta (até certo ponto) a informação do jugo do capital.

É difícil para o capital bloquear a circulação da informação eletrônica, uma vez que a vida moderna se rege por tal modo de comunicação sob os mais variados aspectos; e, em termos técnicos, uma coisa dificilmente pode ser separada da outra.

Já estão distantes no tempo as tradicionais (e autoritárias) ações de empastelamento dos jornais que contrariavam os interesses dos governantes a serviço do capital. Mas, jornalistas até hoje continuam sendo assassinados e perseguidos por suas práticas profissionais… (clique para ver mais)

A ESQUERDA DA MINHA VIDA.

Por Apollo Natali

Afinal, que caminho é esse, a esquerda, pauta fiel do Náufrago?  A resposta culta eu ouço da boca dos estudiosos, dos intelectuais, da Academia. Mas como trocá-la em miúdos, em linguagem simples e direta, para boa parte dos 200 milhões de brasileiros não tão acadêmicos? Para o gasto do dia a dia do mortal que anda de ônibus, qual o significado dessa palavra  incompreendida até para mim?

Definição acadêmica: os grandes ideólogos do marxismo e do anarquismo, Marx e Proudhon, pregavam a tomada de poder pelos trabalhadores que reformulariam a sociedade no sentido da priorização do bem comum, com as pessoas trabalhando solidariamente para que as atividades produtivas visassem ao pleno atendimento das necessidades humanas em regime de cooperação voluntária e igualdade.

Lindo. Utópico. Impraticável. Como se tem visto. Que Lungaretti e seus pares de idéias possam perdoar minha visão turvada. Longínquo, incerto é o dia em que a humanidade vai atingir o topo moral necessário a uma vida feliz como essa. Não estaremos aqui para ver, nem nossos descendentes… (clique para ver mais)

Marcas do trabalho

Na consulta médica:
– Seu José. Em que posso ser útil?
– Dr, eu vim me consultar pelas dores que eu tenho. Há muitos anos que eu padeço de dores de coluna, nos ombros e nos joelhos. Não aguento mais. Nao consigo dormir, vivo irritado e, minha esposa está prestes a se separar de mim.. Vim me consultar para  conseguir um remédio para acabar com essas dores. Já não quero mais sentir o que sinto.
– Seu José.  Quantos anos o senhor tem? O que faz?
A minha frente, um negro de 65 anos com um semblante de trabalhador braçal e, de fato isso se confirmou. A vida dedicada ao serviço da carvoaria de sua região. O melhor artífice que a empresa poderia ter. Ninguém sabia  melhor de forno, produção de carvão como seu José. Dúvidas na produção, chama seu José para resolver o problema. Na sua aposentadoria deste ano, lágrima nos olhos de seus companheiro que foram agregando-se ao seu vínculo de amizade ao longo dos últimos 50 anos de trabalho. Alegria para os netos que poderiam aproveitar o avô humorista dos domingos de almoço e tristeza para Joaquim, terceira geração dos donos da empresa que sempre tiveram seu José como ”fiel escudeiro” mas, já não dava para manter o experiente profissional ativo. A dores crônicas já eram sua companheira.
— Muito bem seu José existem alguns pontos a serem tratados. O José que está a minha frente, não é o mesmo de quando tinha 10 anos de idade correto?
— Certo que não Dr. Eu tinha muita energia. Até hoje. Não existia sábado, domingo ou feriado. . Fizesse chuva ou sol, o trabalho era meu alimento. Criei meus oito filhos com o carvão. A medida que o tempo foi passando, eu fui diminuindo minhas forças e o cansaço bateu mas, o ponto positivo é que agora, posso aproveitar meus netos, coisa que não pude fazer com meus filhos. Não me arrependo de nada. A única coisa que me destrói são estas dores.
— Seu José, essas, dores são escritos, marcas no seu corpo, componente desta belíssima história que o senhor me apresentou. Elas refletem grandes fases de sua vida que foram escritas a esforço e suor. Não podemos mudar sua história. Não podemos mudar sua idade e o que foi composto ao longo de sua vida. As “peças” e as  “engrenagens” do seu corpo foram enferrujando as custas do tempo que não  perdoa. O que o senhor é hoje e tem,não pode ser mudado mas sim, transformado. Vamos propor uma estratégia de fortalecimento de seus músculos e ossos, com atividades aeróbicas, dieta focada nestes problemas e atividades para  a higiene mental. Tenho certeza que o senhor se sentir melhor. Não vamos eliminar os problemas mas amenizar o sofrimento que eles trazem. (uma lágrima escorre pelo rosto de seu José).
— Dr eu me sinto um inválido sem poder sair com meus netos que tanto amo.
— Fique tranquilo. O senhor voltará a sentir-se útil.
2 meses depois em uma nova consulta:
— E aí seu José. Como está?
— Dr eu me sinto ótimo. Estive fazendo algumas sessões de fisioterapia como o senhor me orientou. Entrei na hidroginástica perto de casa, estou indo as tardes ao lar da terceira idade onde lá converso, interajo com meus amigos e posso inclusive jogar o dominó que sempre gostei. Depois da morte de minha esposa, fiquei muito triste mas lá, conheci uma companheira onde estamos trocando mensagens por telefone e estou vendo a possibilidade de pedi-la em namoro.  O melhor de tudo. Meu ex patrão me convidou para coordenar  a empresa  nas manhãs. Isso é ótimo pois, além de voltar às minhas atividades, posso arrumar uma renda extra. Obrigado Dr.

Conclusão. Não podemos mudar o que não pode ser mudado mas, podemos transformar tirando o melhor  proveito daquilo que a vida nos propõe. Depende da criatividade e da incansável vontade servir.

A você. Que todos os dias escreve sua história a custa de suor e luta. Feliz dia do trabalhador.

 

6º Congresso do PT: em busca da ousadia perdida.

Cartaz do PT em 1980. Onde foi parar esta ousadia? 

Eis o que dizia o Partido dos Trabalhadores no seu manifesto de fundação, datado de 10 de fevereiro de 1980:

Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o país só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores. O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo

O texto atual é bem mais cauteloso

Eis o 13º e último dos pontos para mudar o PT alinhavados pelo vice-presidente do partido, deputado estadual Paulo Teixeira (SP), como propostas para serem discutidas no próximo congresso nacional petista, marcado para o início de junho:

Retomar o caminho republicano inspirado nos valores do socialismo democrático, fundados na igualdade, no controle público democrático do Estado e no pluralismo! A renovação programática do PT não pode temer a palavra socialismo, que deve andar junto com a palavra democracia. A atualização do programa do PT que ocorrerá no 6º Congresso precisa compreender que é tempo de enfrentar o fascismo com força, mas sem repetir os erros de conciliação que nos trouxeram até aqui. (…) O capitalismo deu errado: oito homens possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre da população. Os índices de desigualdade social no mundo são parecidos com os do início do século XX, que gerou duas Guerras Mundiais e milhões de mortos. O PT precisa combater esse sistema desigual e através do socialismo e da democracia encontrar novos marcos programáticos para o futuro do país e do mundo.

Resumo da opereta:

  • o PT praticou vergonhosamente a política de conciliação de classes durante os 13 anos e 4 meses durante os quais a burguesia lhe concedeu permissão para gerenciar o capitalismo brasileiro; 
  • agora que os poderosos dispensaram sua colaboração com um pontapé nos fundilhos, deverá discutir uma retomada das bandeiras anticapitalistas, o que seria seu primeiro passo na direção certa em muitos e muitos anos.

Alguém ainda ousa dizê-lo em reunião do PT?

Espero, contudo, que o faça com verdadeira disposição de luta, expressa num discurso muito mais afirmativo do que esse que vocês leem acima. 


O redator estava visivelmente pisando em ovos, como que pedindo desculpas pela mudança de rumo proposta e fazendo questão de escrever democracia cada vez que escrevia socialismo, qual uma atenuante obrigatória. [Antigamente tínhamos total clareza quanto ao fato de que a democracia de uma sociedade de classes jamais será uma verdadeira democracia e não hesitávamos em proclamar esta verdade em alto e bom som, utilizando sempre a expressão democracia burguesa…]

Isto para não falar na patética menção ao caminho republicano, que faria o PT continuar patinando sem sair do lugar até o final dos tempos. Salta aos olhos e clama aos céus que o caminho a ser retomado é o revolucionário


Ou seja, o parágrafo de 2017 é muito pior que o de 37 anos atrás, embora melhor do que a prática recente do PT. Mas, se quiser recuperar a credibilidade, o partido terá de curar-se dessa paúra crônica de dizer algo que possa assustar os pequenos e grandes burgueses.

Ficou meio hilária, p. ex., a recomendação aos companheiros, de que deixem de temer a palavra socialismo, como se fosse a única palavra deletada do dicionário petista. E revolução? E marxismo? E anarquismo? E comunismo? E a expressão marxista exploração do homem pelo homem? E a frase lapidar de Prodhon, a propriedade é o roubo?

Torço para que os companheiros petistas  se deem conta de que o tempo das tergiversações, das papas na língua e dos panos quentes acabou. Ou reencontram a ousadia perdida ou serão varridos do mapa pelos novos ousados. É simples assim.

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Como determos o fascista Bolsonaro? Combatendo-o sem trégua!

Por Lungaretti

Às vezes me sinto como a Cassandra troiana, amaldiçoada com a indiferença do seu povo aos alertas que lançava, tão corretos quanto inúteis em termos práticos.

No segundo semestre de 2014, p. ex., eu já tinha percepção clara de que o novo mandato presidencial transcorreria sob aguda recessão. Tudo fiz para abrir os olhos da companheirada, no sentido de que Dilma Rousseff não tinha competência para administrar uma crise dessas e seu fracasso anunciado seria catastrófico para a esquerda brasileira.

Vi como preferível, primeiramente, a candidatura de Marina Silva, pois, com ela no poder, a responsabilidade pelo desastre econômico ficaria ao menos diluída. 

Depois que Marina foi destruída pela mais torpe campanha de calúnias e falácias já vista na política brasileira, incentivei o Volta Lula!, pois ele, com todos os defeitos, ainda seria capaz de amenizar um pouco a devastação que se prenunciava. Mas, os petistas vacilaram miseravelmente, encaminhando-nos para a perda total.

Mal assumiu, Dilma jogou as promessas de campanha no lixo e empossou o neoliberal Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Imediatamente lembrei que estava repetindo o erro de João Goulart, cujas tentativas de adotar a política econômica do inimigo sempre foram inviabilizadas pelo fogo amigo do Brizola e do PCB, lançando o país na confusão e preparando o terreno para a intervenção militar. Dito e feito, Dilma também acabaria sendo derrubada, desta vez não pelos tanques, mas por um peteleco parlamentar.

Tão logo a Câmara Federal aprovou a abertura do processo de impeachment, escrevi que a batalha no Congresso já estava perdida e o único contra-ataque com alguma possibilidade de êxito seria sua imediata renúncia, seguida pelo lançamento de uma nova campanha por diretas-já, unindo toda a esquerda. Mas, Dilma, sempre berrando que não iria cair, marchou de derrota em derrota até o mais amargo fim.

Fiz esta introdução porque novamente há um cenário horroroso se desenhando no horizonte e a esquerda está fazendo tudo errado mais uma vez.

Ao invés de depurar-se e reciclar-se como é inescapável após fiascos tão acachapantes como o de 2016, continua apostando no populismo, ao lançar uma campanha sebastianista pela candidatura de Lula que é simplesmente asnática: a direita, por via judicial, o fulminará quando bem entender.

E não percebe que, se o confronto for entre o populismo decadente do Lula e o populismo ascendente de Jair Bolsonaro, afinado com o espírito da era Trump, é o segundo que prevalecerá.

As lambanças do PT já levaram a direita ao poder. Se persistirem, acabarão conduzindo um fascista explícito ao Palácio do Planalto, enquanto quatro centenas de signatários de um manifesto altamente inoportuno ficarão tentando justificar sua estreiteza de visão política.

Eis os trechos principais de um artigo do Vladimir Safatle que dá uma boa noção do inimigo que temos pela frente:

UM FASCISTA MORA AO LADO

 

Por Vladimir Safatle

…poderíamos dizer que todo fascismo tem ao menos três características fundamentais.

Primeiro, ele é um culto explícito da ordem baseada na violência de Estado e em práticas autoritárias de governo. 

Segundo, ele permite a circulação desimpedida do desprezo social por grupos vulneráveis e fragilizados. O ocupante desses grupos pode variar de acordo com situações históricas específicas. Já foram os judeus, mas podem também ser os homossexuais, os árabes, os índios, entre tantos outros. 

Por fim, ele procura constituir coesão social através de um uso paranoico do nacionalismo, da defesa da fronteira, do território e da identidade a eixo fundamental do embate político.

Neste sentido, não seria difícil demonstrar todo o fascismo ordinário do sr. Bolsonaro. Sua adesão à ditadura militar é notória, a ponto de saudar e prestar homenagens a torturadores. Não deixa de ser sintomático que pessoas capazes de se dizerem profundamente indignadas contra a corrupção reinante afirmem votar em alguém que louva um regime criminoso e corrupto como a ditadura militar brasileira (vide casos Capemi, Coroa-Brastel, Paulipetro, Jari, entre tantos outros).

Bem, quem começa tirando selfie com a Polícia Militar em manifestações só poderia terminar abraçando toda forma de violência de Estado.

Por outro lado, sua luta incansável contra a constituição de políticas de direito, reparação e conscientização da violência contra grupos vulneráveis expressa o desprezo que parte da população brasileira sempre cultivou, mas que agora se sente autorizada a expressar.

Por fim, o primarismo de um nacionalismo que expressa o simples culto do direito secular de mando, algo bem expresso no slogan devolva o meu país, fecha o círculo.

Ora, o fato significativo é que a maioria da classe média brasileira, com sua semi-formação característica, assumiu de forma explícita uma perspectiva simplesmente fascista.

Ela operou um desrecalque, já que até então se permitia representar por candidatos conservadores mais tradicionais. Essa escolha é resultado de uma reação à desordem e à abertura produzida pela revolta de 2013.

Todo evento real produz um sujeito reativo, sujeito que, diante das possibilidades abertas por processos impredicados, procura o retorno de alguma forma de ordem segura capaz de colocar todos nos seus devidos lugares. Nesse contexto, a última coisa a fazer é acreditar que devamos dialogar com tal setor da população.

Faz parte de um iluminismo pueril a crença de que o outro não pensa como eu porque ele não compreendeu bem a cadeia de argumentos. Logo, se eu explicar de forma pausada e lenta, você acabará concordando comigo.

Bem, nada mais equivocado. O que nos diferencia é a adesão a forma de vida radicalmente diferentes. Quem quer um fascista não fez essa escolha porque compreendeu mal a cadeia de argumentos. Ele o escolheu porque adere a formas de vida e afetos típicos desse horizonte político. Não é argumentando que se modifica algo, mas desativando os afetos que sustentam tais escolhas.

De toda forma, há de se nomear claramente o caminho que parte significativa dos eleitores tomou. Essa radicalização não desaparecerá, mas é embalada pelo espírito do tempo e suas regressões. Na verdade, ela se aprofundará. Contra ela, só existe o combate sem trégua

O POLITICAMENTE CORRETO É UM AUTÊNTICO PÉ NO SACO!

Se o fim do capitalismo tardar, não haverá mais humanos.

Numa coluna surpreendente, intitulada Fim do capitalismo não tornaria o homem mais ‘humano’ (vide aqui), Delfim Netto reduz o homem a “um animal territorial, dotado pela evolução biológica de um terrível e perigoso instrumento — a sua inteligência”; afirma que não se descobriu ainda como evitar que continue exterminando seus iguais (uma tendência que o diferencia de todos os outros animais); e diz ser duvidosa a hipótese de que se humanizará antes que “produza sua própria destruição”.

Parece estar abalado com o advento da era Trump, quando o capitalismo volta a se mostrar tão desumano quanto o era na fase mais selvagem, além de ter elevado sua iniquidade intrínseca à enésima potência.

Enfim, aos 88 anos, Delfim chega finalmente à idade da razão. E deve estar contemplando a obra de sua vida com a mesma perplexidade do dr. Frankenstein face à criatura: terá sido para isso que serviu caninamente aos piores ditadores e acumpliciou-se com o festival de horrores resultante das 15 assinaturas de ministros (uma delas a sua) aprovando a instituição do AI-5?!

 Numa provável tentativa de exorcizar os fantasmas que lhe tiram o sono, escreveu um texto na linha de que, se o capitalismo conduziu a humanidade a “uma desigualdade insuportável”, o fim do capitalismo também não conseguiria civilizar os homens.

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.“A desigualdade aumentou tal maneira

que uma ínfima minoria acumulou poder

suficiente para impor sua vontade

à imensa maioria dos seres  humanos” .____________________________ 

Quer acreditar que, numa encruzilhada do destino, a opção existente era entre dois caminhos igualmente ruinosos. Isto o aliviaria um pouco de sua culpa por ter escolhido a via que levou a resultados catastróficos, a ponto de o Brasil estar em frangalhos e a própria sobrevivência da humanidade encontrar-se gravemente ameaçada.

Deixa, contudo, de considerar um dado fundamental da equação que tenta montar: o de que os animais brigam com outros animais e defendem com unhas e dentes seu território por uma questão de sobrevivência. Precisam garantir alimentação e abrigo para si e para o grupo a que pertencem, caso contrário sucumbirão à fome, ao frio, às intempéries, etc.

Foi também devido à escassez que os homens passaram milênios competindo encarniçadamente uns com os outros. Inexistindo o suficiente para todos terem tudo de que necessitavam para uma existência digna, o quero mais a que alude Delfim forneceu o impulso decisivo para irem, pouco a pouco, desenvolvendo as forças produtivas. A motivação egoísta acabava sendo uma espécie de motor do progresso, ainda que obtido graças ao enorme sofrimento e mazelas terríveis que desabavam sobre os mais fracos.

O fantasma da escassez deixou de nos assombrar.


Era. Não é mais, pois a barreira da necessidade foi afinal transposta e hoje já dispomos de conhecimento científico e meios tecnológicos para a produção do que é realmente preciso para todos vivermos sem privações e sem o estresse que a competição exacerbada causa.

O que ainda nos impede de alcançarmos uma existência feliz e plena, em lugar do atual pesadelo globalizado?


O capitalismo, claro! Ou, mais precisamente, o fato de que ele fez a desigualdade aumentar de tal maneira que uma ínfima minoria acumulou poder suficiente para impor sua vontade à imensa maioria dos seres humanos.

E, em nome da perpetuação de um status quo que só a ela beneficia, arrasta a humanidade a uma crise econômica que se prenuncia avassaladora e à destruição do equilíbrio ecológico sem o qual nossa espécie se extinguirá.

Só sobreviveremos se nos unirmos para deter a atual marcha da insensatez, fazendo com que o bem comum prevaleça sobre os interesses mesquinhos que nos estão levando à beira do abismo.

E, se formos capazes disto, certamente também o seremos para, em seguida, construirmos uma sociedade verdadeiramente humana.


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É hora de termos novamente o céu como bandeira e de voltarmos a tomar a História na mão!

No início do ano letivo de 1968, sem que ninguém esperasse, a repressão da ditadura atacou com bestialidade extrema um restaurante para estudantes carentes no Rio de Janeiro, acabando por matar a tiros um secundarista de apenas 16 anos, Edson Souto.

O movimento estudantil brasileiro, que tinha sido praticamente extinto pela repressão em 1964, já tentara renascer nas chamadas  setembradas  de 1967, mas a violência dos usurpadores do poder novamente havia prevalecido. Em março de 1968, no entanto, os estudantes voltaram às ruas… para ficarem! Com  a certeza na frente, tentando tomar  a História na mão, marcaram fortemente sua presença ao longo do ano.

Aprofundando um pouco a análise, podemos dizer que o final da década de 1960 marca a transição da sociedade rígida e patriarcal, característica da fase da industrialização, para o amoralismo da sociedade de consumo, em que tudo e todos devem estar disponíveis para o mercado.


Então, de certa forma, a contestação à autoridade de autoridades, reitores, sacerdotes, doutores disso e daquilo, dos luminares da sociedade em geral, convinha ao próprio capitalismo, que estava passando da etapa das grandes individualidades para a da liderança participativa. O foco passaria a ser o consumidor, o cidadão comum, em lugar do grande homem, a personificação da elite.

Respirava-se antiautoritarismo. As artes passavam por um momento de ousadias e experimentalismo no mundo inteiro, a imprensa se modernizava a olhos vistos, a liberalização de costumes e a liberação sexual entravam com força total. O movimento estudantil, estimulado pelos ventos de mudança, foi fundo na tarefa de  derrubar as prateleiras, as estátuas, as estantes, as vidraças, louças, livros, sim! 

E, no hiato entre a etapa capitalista que terminava e a que ia começar, muitos jovens sonharam com algo maior: uma sociedade sem classes, em que não existisse a exploração do homem pelo homem e na qual a economia se voltasse para a satisfação das necessidades humanas em vez de ser regida pela ganância. Um ideal simbolizado por Che Guevara, o último revolucionário internacionalista de dimensões míticas, com seu corpo cheio de estrelas e tendo  el cielo como bandera.

Mas, a repressão brutal desencadeada pela ditadura, principalmente após a assinatura do AI-5, inviabilizou a mudança maior que muitos pretendiam. Então, sobre a terra arrasada, o que floresceu foi mesmo a sociedade de consumo.


A classe média, eufórica com o milagre brasileiro, tratou é de enriquecer. E a esquerda estava tão debilitada pela perda de seus melhores quadros que pouco pôde fazer contra a conjugação de  boom  econômico e terrorismo de estado.

O movimento estudantil de 1968 foi, portanto, resultado de circunstâncias especiais e únicas. Daí não poder ser comparado com o de hoje (como muitos fazem, para depreciá-lo), quando os jovens, ademais, têm de esforçar-se no limite de suas forças para começarem bem uma carreira, o que acaba fazendo-os desinteressarem-se por quase todo o resto..

COMPETIÇÃO OBSESSIVA

A própria dificuldade insana que encontram para afirmar-se profissionalmente deveria levá-los a refletir sobre as distorções da sociedade atual. A competição obsessiva que aborta talentos e condena tanta gente a não desenvolver seu potencial é um dos horrores do capitalismo globalizado.

Então, é tempo de os estudantes começam a se indagar sobre a validade de continuarem nesse funil perverso, passando por cima dos despojos dos que tombarem no caminho, com enorme possibilidade de, adiante, baterem com o nariz na porta, à medida em que a crise do capitalismo for aprofundando-se e o descompasso entre a oferta de empregos para profissionais com formação superior e o contingente de candidatos dela dotados a buscarem empregos se tornar  cada vez maior, condenando a grande maioria à frustração e ao exercício de funções sem nada a ver com aquelas para as quais se capacitaram.

Desde a onda de ocupações iniciada em 2007 pela tomada da reitoria da USP em 2017, o movimento estudantil brasileiro vem tentando renascer. Mas, uma década depois, ainda está longe de atingir a amplitude e a consistência do de 1968, talvez por não haver tido como fermento a truculência e o obscurantismo de uma ditadura, contra a qual, necessariamente, os melhores seres humanos tomavam partido.


Mas, Zuenir Ventura está certo: 1968 foi um ano que não terminou. A revolução ainda voltará a identificar-se com as flores e as primaveras, depois deste inverno da desesperança que nos foi imposto.

Ainda veremos outras primaveras como as de Paris e de Praga, pois há uma lição que a História várias vezes nos ensinou: a humanidade não aguenta viver indefinidamente sem solidariedade e compaixão.

O mundo se tornou um lugar muito ruim para se habitar sob o neoliberalismo, ainda mais na versão selvagem que Donald Trump agora nos tenta enfiar goela abaixo. Algo tem de mudar – e esta mudança precisa começar o quanto antes, para deter a marcha da insensatez enquanto ainda existe algo para salvarmos.


E, depois dos terríveis fracassos a que a esquerda domesticada, populista e reformista nos tem conduzido ao longo deste século, a esperança de volta por cima é encarnada pelas novas gerações, pela juventude que ainda é capaz de sonhar com uma sociedade igualitária e justa, e de lutar com todas as suas forças para concretizar este sonho. 


Temos de aprender a lição que a História, ultimamente, não cansa de nos ensinar: os que se contentam com um mínimo, acabam ficando sem nada. É hora de voltarmos a mirar o prêmio máximo, aquele pelo qual vale realmente a pena lutar: o fim do capitalismo. E é a juventude que pode e deve encabeçar esta luta.

Lembrando a grande música do Sérgio Ricardo: se você não vem, eu mesmo vou brigar.

Lembrando o Edu Lobo dos melhores momentos:   vou ver o tempo mudado e um novo lugar pra cantar.

Lembrando o Raulzito, profeta da sociedade alternativa que nos serve de inspiração para transformarmos a sociedade como um todo a gente ainda nem começou.