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Campanha lança 30 candidaturas indígenas em 20 estados, em iniciativa unificada inédita

Por DW Brasil

Em uma articulação sem precedentes, 30 candidaturas de movimentos indígenas em 20 estados se lançam este ano na disputa aos Legislativos federal e estaduais, tendo como base uma agenda comum de enfrentamento à degradação do meio ambiente e às violações de direitos dos povos originários. Desse total, 12 concorrem à Câmara dos Deputados e 18 tentam uma vaga nas assembleias legislativas de 15 estados. A lista de candidaturas foi publicada nesta segunda-feira (29) no site da Campanha Indígena.

A mobilização é capitaneada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Outras sete organizações regionais também participam, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Conselho do Povo Terena; Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme); Grande Assembleia do povo Guarani (Aty Guasu); Comissão Guarani Yvyrupa (CGY); Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste) e Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul).

As candidaturas prometem “aldear a política”, combatendo os retrocessos impostos pelo atual governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Com relação aos nossos povos, considerados por esse governo como minorias inferiores, houve um desmonte sem precedentes das instituições e políticas específicas conquistadas por nós a partir da Constituição de 1988”, diz o manifesto conjunto das candidaturas.

Para a presidência da República, sem citar nomes, a campanha defende a escolha por uma candidatura “que tenha compromisso com as lutas e reivindicações históricas das maiorias oprimidas e excluídas”. Para o Legislativo, pregam o apoio a candidatos que “se identifiquem com a defesa da democracia, da justiça social, dos direitos humanos, do meio ambiente, da soberania nacional e dos nossos direitos fundamentais”.

As candidaturas prometem “aldear a política”, combatendo os retrocessos impostos pelo atual governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Com relação aos nossos povos, considerados por esse governo como minorias inferiores, houve um desmonte sem precedentes das instituições e políticas específicas conquistadas por nós a partir da Constituição de 1988”, diz o manifesto conjunto das candidaturas.

Para a presidência da República, sem citar nomes, a campanha defende a escolha por uma candidatura “que tenha compromisso com as lutas e reivindicações históricas das maiorias oprimidas e excluídas”. Para o Legislativo, pregam o apoio a candidatos que “se identifiquem com a defesa da democracia, da justiça social, dos direitos humanos, do meio ambiente, da soberania nacional e dos nossos direitos fundamentais”.

Fonte: Rede Brasil Atual

(29/08/2022)

A saga martirial dos povos originários: O caso dos Waimiri-Atroari

O processo colonizador, agravado pela expansão capitalista, em escala mundial, desencadeou uma sucessão de ataques a terras e gentes pelo mundo afora. Até na Oceania temos registros de hostilidades por parte dos invasores ocidentais, contra os aborígenes, haja vista, por exemplo, o relato (imaginário?) partilhado pela escritora Marlo Morgan, no livro intitulado “Uma Mensagem do Outro Lado do Mundo”, ed. Alma Livros (“Mutant message down under”, Haper Collins Publishers, 1994), sobre o qual já tivemos oportunidade de comentar, há uns quinze anos, na revista da FAFICA “Interfaces de saberes”.

Há farta documentação dando conta das atrocidades cometidas pelos colonizadores ocidentais contra nossos povos originários, nos diversos continentes, inclusive no continente americano. Nas periferias urbanas seus jovens e adultos indígenas perambulam sem destino, tornando-se presas fáceis de trabalhos análogos a escravidão, ou reféns da dependência alcoólica e de drogas.

Sorte semelhante continua reservada aos demais povos originários, inclusive nas Américas do Norte, Central e do Sul. No caso dos Estados Unidos, são diversos os registros históricos dos massacres cometidos pelos colonizadores comprovando também a devastação de suas terras e territórios. No Canadá, têm sido denunciados os maus tratos cometidos contra os indígenas até pelos cristãos. Em sua recente visita a este país, o Papa Francisco pediu perdão aos povos indígenas pelos malfeitos de que têm sido vítimas.  De volta a Roma, ainda em viagem, em entrevista concedida a jornalistas, o Papa Francisco não hesitou em denunciar o genocídio praticado pelos cristãos contra os povo originários do Canadá (Cf. https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2022-07/papa-francisco-coletiva-jornalistas-a-bordo-voo-retorno-canada.html) . No México e na América Central, é igualmente conhecida a tragédia de que foram alvo os Astecas e os Maias, assim como na América do Sul, sofreram as mesmas atrocidades os Incas, os Aymaras, os Mapuches e os povos originários do Brasil, desde as invasões europeias de 1492.

 

Nas linhas que seguem, voltamos nosso olhar especial para apenas um desses povos, os “Waimiri-Atroari”, situados no Amazonas.

Como os demais povos originários de outras regiões, os Waimiri-Atroari vivem há séculos na mesma região amazônica. Com suas organizações, com sua cultura, com suas crenças, com seus rituais, os Waimiri-Atroari viveram em paz até por volta de 1830, quando começaram a ser invadidos e perseguidos por caçadores, castanheiros, seringueiros, madeireiros, garimpeiros… Desde então, resistem bravamente. Tal a sua bravura nas ações de resistência e autodefesa que os brancos invasores os denominavam como “os índios mais ferozes do Brasil”. Quem vivia sossegado em seu território, e, tendo passado a ser agredido, tinha o dever de se defender, com seus meios próprios. Esta situação nos faz lembrar um dito satírico: “que bichinho malvado! a gente mexe com ele e ele morde”…

É dessa forma que os Waimiri-Atroari em numerosos episódios tiveram e têm que enfrentar uma luta renhida e desigual, não apenas contra invasores individuais ou em pequenos grupos, mas as próprias investidas do Exército, em especial no episódio da construção da BR 174 (eles a chamam “BR um, sete, quatro”), por construção em seu território, entre 1968 e 1988. Quem está de fora e de longe não percebe a gravidade do que estava acontecendo – uma verdadeira desgraça para os Waimiri-Atroari -, na medida em que esta BR introduziria uma série de consequência e ameaças:

  • Escancarava aos invasores todos os meios de agressão ao seu território;

  • Passaria a permitir livre acesso a garimpeiros e madeireiros e grileiros;

  • Sua vida cotidiana passava a ser gravemente alterada, em seu dia-a-dia, em sua organização, em seus costumes, em sua cultura;

  • A BR 174 se torna a porta de entrada de doenças letais para os nativos, que, vivendo isolados dos brancos, não dispunham de recursos, nem de acesso a serviço de saúde regulares…

 

Com efeito, por conta de sucessivas e continuadas investidas de toda sorte de invasões e de ataques, às aldeias perdem o sossego por causa das ameaças; cresce o número de vítimas de perseguições, de ataques, de abusos de mulheres e adolescentes, tendo os nativos que enfrentar todo tipo de contaminação (gripe, malária, sarampo e outros males, sem que possam recorrer a vacinas e tratamentos, dado o grau de isolamento da “civilização”. Tem que conviver com vários tipos de crueldades infligidas pelos não-Índios provocadas pela exploração desordenada de garimpos, a poluírem o subsolo, o solo, os rios, os peixes, as plantas e os próprios nativos. Têm que enfrentar a desenfreada extração de madeira, a derrubada da mata, com tudo o que representa tal devastação.

Impedidos de viverem em sua própria terra, sentem-se forçados a se afastarem: de início, os Waimiri-Atroari viviam a cerca de 50km de Manaus; depois tiveram que viver a cerca de 300 km de Manaus. Hoje vivem na fronteira entre Amazonas e Roraima.

Conforme estimativa feita no último quartel do século XIX, os Waimiri-Atroari chegavam a cerca de dois mil habitantes, apenas nos limites correspondentes a um rio. Em 1983, tal população era estimada em cerca de apenas 300 habitantes

Marcados por um profundo “ethos” comunitário – extensivo aos demais povos originários, os Waimiri-Atroari imprimiram em sua organização uma dinâmica de formação de um sólido consenso de modo que despendem largo tempo no exercício interno do diálogo com o propósito de maturar uma posição de consenso, diante dos impasses e em razão da tomada de decisões.

 

Aprendendo com os povos originários

Do modo de vida e da saga martirial dos povos originários temos muito a aprender. Aprendamos com eles que somos parte viva da Mãe Natureza, de sua espiritualidade cósmica, que nos faz sentir irmanados, não apenas entre nós, humanos, mas também com toda a comunidade dos viventes: minerais, plantas e animais. Como habitantes da Terra, compartilhamos responsabilidades recíprocas, quanto às nossas origens e destinos. Aprendemos com eles que não somos donos, mas filhos da Mãe Natureza, e irmãos e irmãs dos que habitam nesta Casa Comum. Mantenho viva, na memória,  a este respeito, um denso depoimento prestado pelo Cacique Xicão Xukuru, pouco antes de seu assasinato em 1998, que vale ser conferido (cf. https://www.youtube.com/watch?v=lMCzb0eLY7g ). Neste sentido, importa realçar 2 traços relevantes da vivência e da cultura dos povos originários: a força mística inspirada pelos ancestrais e o senso de co-responsabilidade manifesto no cultivo da persistência. O teólogo José Comblin faz menção, em seu convívio com membros dos indígenas equatorianos, em Rio Bamba, em que se declara impressionado pela persistência daquela gente, em distintas circunstâncias. Procedimento semelhante manifesto também pelos povos indígenas bolivianos, haja vista sua força comunitária e sua organização na sustentação do Governo Evo Morales, conforme ele próprio reconhece em recente entrevista (cf. https://www.brasil247.com/americalatina/evo-morales-explica-papel-do-reino-unido-no-golpe-da-bolivia-de-2019-91op7vcg ).

Na citada entrevista do Papa Francisco, chama a atenção o fato de se referir aos povos originários como portadores de excelência de dotes poéticos, por conta da harmonia que sustentam com a Mãe Natureza, razão pela qual se sente muito tocado pelo paradigma do “Buen Vivir”. Trata-se, por conseguinte, de lições a extrair de sua contribuição.

 

João Pessoa, 02 de agosto de 2022

Povos indígenas: nossos mestres e doutores

Com o assassinato recente do indigenista Bruno Pereira e o do jornalista  inglês Dom Phillips no vale do Jari amazônico e mais que tudo pelo abandono que sofreram por parte do atual governo, de viés genocida, por longo tempo, durante da pandemia do Covid-19 que, ao todo, deve ter custado a vida de cerca de mil indígenas, a questão dos povos originários ganhou as manchetes nacionais e internacionais.

Surpreendente, embora tardio, foi o pedido de desculpa do Papa Francisco em sua visita em julho ao Canadá, às famílias de crianças indígenas, arrancadas de seu meio e internadas em colégios católicos com muitas mortes. Eles não se contentaram com essa desculpa papal. Uma das lideranças corajosamente disse ao Papa:parem de nos fazer superar esta tragédia, queremos que nos entendam, que respeitem a nossa sabedoria ancestral, que favoreçam a nossa cura e nos deixem viver segundo as nossas tradições. Algo semelhante disseram indígenas bolivianos por ocasião da visita do Papa João Paulo II: a Bíblia que nos dão, entreguem-na aos europeus, pois eles precisam dela mais do que nós porque foram eles que de forma desumanizadora nos colonizaram e quase nos dizimaram.

Nunca pagamos a dívida centenária que temos para com os povos originários brasileiros, latino-americanos e caribenhos. Eles são os hóspedes originários destas terras que lhes estão sendo invadidas e roubadas em função da voracidade dos madeireiros, do ouro e da mineração.

O cuidado para com tudo o que existe e vive

Agora que estamos sob um alarme ecológico planetário, sem saber que soluções encontrar face ao crescente aquecimento do planeta, descobrimos, finalmente, como eles com sabedoria tratam a natureza, o cuidado para com as florestas e a Mãe Terra. Eles são nossos mestres e doutores no sentimento de pertença, de irmandade e de respeito por tudo o que existe e vive. Nutrem uma profunda concórdia entre eles e com a comunidade de vida, coisa que nós há séculos perdemos. Estamos sofrendo os danos irremissíveis de nossa devastação. Ainda não tiramos as lições que Gaia, a Pacha Mama e Mãe Terra nos está dando com a intrusão do Covid-19. Buscamos volver à ordem anterior, justamente aquela que propiciou a irrupção de inúmeros vírus, o último, a varíola do macaco. Elenquemos alguns valores de seu modo de estar neste mundo natural.

Integração sinfônica com a natureza.

O índio se sente parte da natureza e não um estranho dentro dela. Por isso, em seus mitos, seres humanos e outros seres vivos convivem,m e casam entre si. Intuíram o que sabemos pela ciência empírica que todos formamos uma cadeia única e sagrada de vida. Eles são exímios ecologistas. A Amazônia, por exemplo, não é terra intocável. Em milhares de anos, as dezenas de nações indígenas que ai vivem, interagiram sabiamente com ela. Quase 12% de toda floresta amazônica de terra firme foi manejada por eles, promovendo “ilhas de recursos”, desenvolvendo espécies vegetais úteis ou bosques com alta densidade de castanheiras e frutas de toda espécie. Elas foram plantadas e cuidadas para si e para aqueles que, por ventura, por ai passassem.

Os Yanomami sabem aproveitar 78% das espécies de árvores de seus territórios, tendo-se em conta a imensa biodiversidade da região, na ordem 1200 espécies por área do tamanho de um campo de futebol.

Para eles a Terra é Mãe do índio. Ela é viva e por isso produz todo tipo de seres vivos. Deve ser tratada com reverência e respeito que se deve às mães. Nunca se há de abater animais, peixes ou árvores por puro gosto, mas somente para atender necessidades humanas. Mesmo assim, quando se derrubam árvores ou se fazem caçadas e pescarias maiores, organizam-se ritos de desculpa para não violar a aliança de amizade entre todos os seres.

Essa relação sinfônica com a comunidade de vida é imprescindível para garantirmos o futuro comum da própria vida e o da espécie humana.

Sabedoria ancestral.

Conhecendo-se um pouco as diversas culturas indígenas, identificamos nelas profunda capacidade de observação da natureza com suas forças  e da vida com suas  vicissitude . A sabedoria deles se teceu  através da sintonia fina com o universo e  da escuta atenta da linguagem da Terra. Sabem melhor do que nós, casar céu com a terra, integrar vida e morte, compatibilizar trabalho e diversão, confraternizar ser humano com a  natureza. Nesse sentido eles são altamente civilizados embora sua tecnologia seja finíssima mas não contemporânea.

Intuitivamente, atinaram com a vocação fundamental de nossa efêmera passagem por esse mundo que é captar a majestade do universo, saborear a beleza da Terra e tirar do anonimato aquele Ser que faz ser todos os seres, chamando-o por mil nomes Palop, Tupã, Ñmandu e outros.  Tudo existe para brilhar. E o ser humano existe para dançar e festejar esse brilho.

Essa sabedoria precisa ser resgatada por nossa cultura secularista e desrespeitosa das várias formas de vida. Sem ela dificilmente pômos limites ao poder que poderá destruir o nosso ridente Planeta vivo

Atitude de veneração e de respeito.

Para os povos  indígenas, bem  como para alguns contemporâneos, como o recém falecido James Lovelock, o formulador da teoria da Terra como Gaia, tudo é vivo e tudo vem carregado de mensagens que importa decifrar. A árvore não é apenas uma árvore. Ela se comunica por seus odores. Possui braços que são seus ramos, tem mil línguas que são suas folhas, une o  Céu com a Terra por suas raízes e  pela copa. Eles conseguem, naturalmente, captar o fio que liga e re-liga todas as coisas entre si e com a Divindade. Quando  dançam e tomam as beberagens rituais fazem uma experiência de encontro como Divino e com o mundo dos anciãos e dos sábios que estão vivos no outro lado da vida. Para eles, o invisível é parte do visível. Essa lição importa aprender deles.

A liberdade, a essência da vida indígena.

Nos dias atuais a falta de liberdade nos atormenta. A complexidade da vida, a sofisticação das relações sociais geram sentimento de prisão e de angústia. Os povos indígenas nos dão o testemunho de uma incomensurável liberdade. Baste-nos o depoimento dos grandes indigenistas, os irmãos Orlando e Cláudio Villas Boas: “O índio é totalmente livre, sem precisar de dar satisfação de seus atos a quem quer que seja… Se uma pessoa der um grito no centro de São Paulo, uma rádio-patrulha poderá levá-lo preso. Se um índio der um tremendo berro no meio da aldeia, ninguém olhará para ele, nem irá perguntar por que ele gritou. O índio é um homem livre”. Essa liberdade é tão apresentada pela extraordinária liderança Krenak e por seus escritos, Ailton Krenak.

A autoridade, o poder como serviço e despojamento.

A liberdade vivida pelos indígenas confere uma  marca singular à  autoridade de seus caciques. Estes nunca têm poder de mando sobre os demais. Sua função é de animação e de articulação das coisas comuns, sempre respeitando o dom supremo da liberdade individual. Especialmente, entre os Guarani se vive esse alto sentido da autoridade, cujo atributo essencial é a generosidade. O cacique deve dar tudo o que lhe pedem e não deve guardar nada para si. Em algumas tabas se pode reconhecer o chefe na pessoa de quem traz ornamentos  mais pobres, pois, o resto foi tudo doado.  Nós ocidentais definimos o poder sob sua forma autoritária:“a capacidade de conseguir  com que o outro faça aquilo que eu quero”. Em razão desta concepção, as sociedades são dilaceradas permanentemente por conflitos de autoridade.

Imaginemos o seguinte cenário: caso o cristianismo, se tivesse encarnado na cultura social guarani e não naquela greco-romana, teríamos então padres pobres, bispos miseráveis e o papa um verdadeiro mendigo. Mas sua marca registrada seria a generosidade e o serviço humilde a todos. Então, sim, poderiam ser testemunhas d’Aquele que disse:”estou entre vós como quem serve”. Os indígenas teriam captado essa mensagem como co-natural à sua cultura  e, quem sabe, livremente aderido à fé cristã.

Como se depreende, em tantas coisas, reafirmo, os indígenas podem ser nossos mestres e nossos doutores, como se dizia dos pobres na Igreja dos primórdios.

(01/08/2022)

Educação Indígena Xukuru de Ororubá

Notas sobre a apresentação da dissertação de Anne Flávia de Souza Rodrigues, realizada no dia 30 de Junho de 2022

Educação Popular protagonizada pelo povo Xukuru de Ororubá – PE foi o tema da dissertação de mestrado, apresentada, no dia 30/06/2022, a banca examinadora do Programa de Pós Graduação em Educação da UFPB.

Nas linhas que seguem, buscamos compartilhar algumas observações acerca da apresentação desta dissertação, intitulada “LIMOLAYGO TOYPE: NOSSA EDUCAÇÃO É NOSSA RESISTÊNCIA. EDUCAÇÃO INDÍGENA E A PEDAGOGIA DECOLONIAL, POVO XUKURU DO ORORUBÁ, PE”.

A autora da dissertação é membro do povo Xukuru, fato ainda raro nos espaços da Academia, no Brasil. Anne é uma das poucas mestrandas provenientes de um povo indígena, a obterem o seu mestrado pela Universidade Federal da Paraíba. Sua dissertação versa sobre as práticas pedagógicas ao interno do povo Xukuru, no campo da Educação Popular, e, mais precisamente, no campo da Educação Escolar Indígena. Cuida de descrever e analisar, em cinco capítulos, distintas dimensões em que se dá as escolas indígenas do povo Xukuru de Ororubá, atendo-se a diversos aspectos de sua vida: a expressão de fé nos Encantado (não foi por acaso que iniciou sua fala, exercitando a mística da ancestralidade), o“Ethos” Comunitário, o cuidado de pôr em prática, nos moldes da Educação Popular de feição Freireana, os desafios de busca de autonomia e de emancipação, mesmo nos quadros de um sistema escolar super controlado, de certa maneira, pelo Estado. Empenha-se, a autora, em trazer notícias da presença territorial do povo indígena Xukuru, situado na serra do Ororubá, em Pesqueira-PE. Antes disto, trata de situar e caracterizar brevemente os povos indígenas de Pernambuco, em especial no tocante aos desafios da Educação indígena na região.

Nos últimos capítulos, trata de analisar as práticas pedagógicas das escolas indígenas Xukuru, seja quanto à gestão, seja quanto aos protagonistas, seja quanto à metodologia, seja quanto à busca de autonomia em relação às escolas oficiais.

Do ponto de vista metodológico, a autora escolhe enfrentar seu desafio investigativo, tomando por base a metodologia triangular, fundada na pesquisa bibliográfica, na pesquisa documental, e na observação participante. No que diz respeito à pesquisa qualitativa, a autora buscou localizar, em sites especializados, textos, arquivos, e eventuais livros acerca do povo Xukuru, em especial no que concerne à educação do povo Xukuru. Não exita em dizer que se surpreendeu com o pequeno número de textos encontrados, menos ainda, no tocante à educação do povo Xukuru. Também, do ponto de vista metodológico, tomou como base a pesquisa documental. Neste sentido encontrou um número razoável de documentos, em parte produzidos fora do território Xukuru, mas também, em parte, produzidos por educadores e educadoras das escolas indígenas Xukuru. Fez um bom uso destes documentos, que analisa no curso de seu trabalho. Também recorreu à observação participante, tendo a vantagem de ser ela própria um membro daquela comunidade.

Do ponto de vista teórico-conceitual, a autora  prioriza a categoria “Decolonialidade”, a qual também se refere por meio de conceitos correlatos, tais como “Anti-colonialidade” entre outros. Graças a este conceito, analisa a história do povo Xukuru, bem como, a dos povos indígenas, como alvo-mor do processo colonialista, apontando ilustrações de um processo escravizador e domesticador dos povos indígenas. Entende que, também hoje, os povos indígenas do Brasil, inclusive o povo Xukuru, continuam sofrendo pesadas consequências por conta da vigência deste processo de colonização. A certa altura de sua fala, na apresentação do seu trabalho, enfatiza, como exemplo ilustrativo, os recentes assassinatos ocorridos na Amazônia envolvendo as figuras de Maxciel Pereira, de Bruno Araújo Pereira e de Dom Phillips. Mencionou que, para o sepultamento de Bruno Araújo Pereira, em Paulista – PE, o povo Xukuru se deslocou, a fim de expressar sua comunhão com Bruno, e sua solidariedade aos seus familiares, bem como denunciar os crimes praticados pelo atual governo federal.

Em se tratando de uma sessão de apresentação de sua dissertação, sua fala foi seguida pela dos membros da banca examinadora, composta pelo Orientador da dissertação, pelo prof. dr. Pedro José Santos Carneiro Cruz, da UFPB, que coordenou os trabalhos; pelo Antropólogo e Educador, prof. dr. Reinaldo Matias Fleuri, da profª. pesquisadora dos povos indígenas, Giselia, ela própria sendo membro do povo Pankararu (em Pernambuco), pelo prof. Roberto dos Santos Lacerda, da UFSE, e da profª. Nilvania dos Santos Silva, da UFPB. Cada um, cada uma, dos membros da banca teceu comentários críticos sobre o texto, ao tempo em que reconheciam todos os méritos da dissertação, enaltecendo a contribuição que Anne de Souza Rodrigues estava a oferecer à Academia e ao povo brasileiro, no que diz respeito à educação indígena.

De nossa parte, entre tantos pontos a sublinhar, atemo-nos apenas a dois aspectos. Um primeiro diz respeito à contribuição da autora, no que concerne aos fundamentos epistemológicos da educação indígena. Ao analisar as dezenas de escolas espalhadas pelas vinte e quatro aldeias do povo Xukuru do Ororubá, a autora trata de descrever e analisar, as escolas indígenas como verdadeira expressão da educação popular, na perspectiva Freireana. Importa, ainda, destacar que a educação popular comporta várias dimensões de práticas pedagógicas, tais como:a educação indígena, a educação quilombola, a educação camponesa, as práticas educativas protagonizadas pelo movimento anarquista, nas primeiras décadas do século passado. Trata-se, em verdade, de fases distintas da mesma educação popular.

Outro aspecto que – agora como sugestão à autora, para novos empreendimentos investigativos -, ouso enfatizar a importância de uma das categorias por ela desenvolvidas em seu trabalho: a “interculturalidade”. Pois bem, espero que, nos próximos empreendimentos de pesquisa que ela venha a desenvolver, cuide de exercitar a interculturalidade, não apenas ao interno dos povos originários, mas também em relação às comunidades quilombolas, aos grupos camponeses, aos segmentos operários, como forças que compõem todo o segmento dos “de baixo”, como forma mais potencializada de enfrentamento dos grandes e atuais desafios dos embates contra o processo de colonização, de colonialismo, sobretudo protagonizado pelo capitalismo, em sua face-fase atual. Neste sentido, ouso ainda sugerir um mergulho nas contribuições de autores clássicos e contemporâneos que lidem com o marxismo.

 

João Pessoa, 06 de julho de 2022.

Indígenas denunciam avanço do garimpo em território Yanomami: “bebida, conflitos e mortes”

Por Murilo Pajolla

Lideranças de comunidade remota fotografaram a instalação de balsas de exploração de ouro e pedem expulsão de invasores

O povo indígena Xirixana denunciou, nesta segunda-feira (7), a abertura de uma nova frente de garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami, no município de Alto Alegre, em Roraima.

A denúncia foi levada ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), com evidências fotográficas da atuação dos garimpeiros no local, um dos mais prejudicados pela atividade predatória no país.

Segundo lideranças, três balsas de garimpo de ouro estão sendo instaladas na remota comunidade Herebe, localizada no Rio Uraricoera, em Alto Alegre.

No documento entregue ao departamento jurídico do CIR, os indígenas relatam como a atividade transformou — para pior — a rotina dos Xirixana.

“Nossa comunidade está sofrendo com a grande quantidade de prostituição, uso de bebidas (…). Com constantes vendas de bebidas para os parentes, que está nos trazendo problemas”, afirmam as lideranças.

“Ultimamente perdemos um parente decorrente do uso de bebida alcoólica e dois feridos por arma branca, que se encontram na CASAI [Casas de Apoio a Saúde Indígena, do Ministério da Saúde]”, diz a carta.

“Queremos que isso acabe”

A denúncia pede também a imediata “ajuda da FUNAI, Ministério Público Federal, com a companhia da Força Nacional e Exército”. Outro trecho do documento relata como os garimpeiros ilegais tentam cooptar membros da comunidade a aceitarem o avanço da atividade.

“Nós queremos que isso acabe, nossos parentes acabam se envolvendo porque os garimpeiros oferecem bebidas, armas e munições como forma de propina para que deem permissão para instalarem garimpo naquela região. Isso vem causando muitos conflitos e até mortes entre os parentes”, diz a denúncia.

CIR reage

Organização de base que nasceu na década de 1970, CIR afirmou, por meio da assessoria jurídica, que pretende acionar os órgãos competentes, entre eles o Ministério Público Federal (MPF), para pedir a expulsão dos invasores e garantir a proteção das comunidades.

Em nota, o CIR afirmou que o crescimento do garimpo implica na proliferação do “tráfico de drogas, armas, prostituição, ameaças de morte e alto consumo e disseminação de bebidas alcóolicas, além de desmatamento, poluição e contaminação das águas por mercúrio”.

A tragédia do garimpo nos Yanomami 

Direitos básicos garantidos pela Constituição Federal não têm chegado aos 35 mil habitantes da TI Yanomami, a mais extensa do Brasil, na fronteira com a Venezuela. Do mesmo tamanho de Portugal, o território possui taxas de mortalidade infantil e desnutrição mais altas do que a África Subsaariana.

Conforme o Ministério Público Federal (MPF), o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami não tem profissionais suficientes para atender todo o território, nem garantia de transporte aéreo para conectar comunidades isoladas. Ano a ano, as metas de atendimentos de saúde são descumpridas, alcançando apenas 30% do planejado.

Conforme o Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), o garimpo também é responsável pelo aumento de casos de malária e pela contaminação das águas e dos peixes, causando má formação em recém-nascidos e desnutrição em crianças.

Desnutrição infantil

Uma reportagem da Agência Pública revelou que 7% das mortes de crianças com desnutrição no país ocorreram no território Yanomami, que possui 0,013% da população do país, uma sobrerrepresentação de 557 vezes.

Segundo o governo federal, uma operação foi deflagrada em agosto do ano passado para tentar expulsar não indígenas do território. Até o final de dezembro, segundo o Ministério da Justiça, já haviam sido apreendidas 111 aeronaves, das quais 22 foram inutilizadas.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

Fonte: Brasil de Fato

(09/02/2022)

 

Reconstruir a vida e a sociedade com saúde para todas as pessoas

Por Simão Pedro Chiovetti*

O título deste artigo o lema do #CursodeVerão deste ano de 2022. Educação e Trabalho serão os temas dos próximos anos. Organizado pelo #Ceseep e neste ano, por conta da #pandemia, será realizado de forma on-line e com todas-de-conversa e algumas atividades de mística e culturais nas comunidades por todo o Brasil.
Saúde, Educação e Trabalho se constituem nos grandes desafios para os milhares de jovens e leigos que estão participando desde a última sexta-feira. O curso vai até o próximo dia 16. Neste domingo (09), participo do curso através de uma roda-de-conversa lá na #Agrovila do #AssentamentoReunidas, em #Promissão, organizada pela Lurdinha e pelo Pe. Severino, da CPT da região, além de outros voluntários.
O tema deste ano se justifica. Estamos mergulhados na mais grave crise de nossa história, com vidas sendo ceifadas como nunca. Mais de um ano após o início da pandemia da #Covid-19, o Brasil já passou de 630 mil mortos. Este número assustador pode continuar subindo aceleradamente, por conta das dezenas de milhares de pessoas que são contaminadas a cada dia.
O número de mortos já ultrapassa o de nascimentos. Será a morte vencendo a vida?
O Curso de Verão quer enfrentar este desafio, descobrindo e compartilhando as saídas construídas por comunidades, movimentos sociais, ambientais, culturais e políticos, entidades científicas e pessoas conscientes e comprometidas, aqui e ao redor do mundo. A situação é complexa, difícil, por vezes desesperadora, como vivenciam dolorosamente nossas famílias e instituições e como apontam os estudos e vozes abalizadas:
“O Brasil experimenta o aprofundamento de uma grave crise sanitária, econômica, ética, social e política, intensificada pela pandemia, que nos desafia, expondo a desigualdade estrutural enraizada na sociedade brasileira. Embora todos sofram com a pandemia, suas consequências são mais devastadoras na vida dos pobres e fragilizados”. (CNBB, Mensagem da 58ª. Assembleia Geral da CNBB ao povo brasileiro. Brasília, 16 de abril 2021, p. 1).
Sobressaem nesta crise global, três aspectos, que serão tratados pelo Curso de Verão, em sequência, nos próximos anos:
frente à pandemia e à morte, SAÚDE (2022);
frente ao obscurantismo e ao negacionismo, EDUCAÇÃO (2023);
frente à fome e ao desemprego, TRABALHO (2024).

O propósito é de se construir NOVA SOCIEDADE, com saúde, educação e trabalho para TODAS AS PESSOAS, dentro de um PROJETO ambientalmente SUSTENTÁVEL, economicamente JUSTO e socialmente IGUALITÁRIO, acolhedor da rica diversidade étnica, cultural, linguística e religiosa de nosso país, no respeito às diferenças todas e no socorro imediato aos mais vulneráveis. Queremos aprender de nossos povos originários. Eles trazem

do seu passado e de sua resistência milenar um modo diferente de se organizar e de conviver harmonicamente entre si e com a natureza. Temos muito o que aprender com eles e com a sabedoria popular.
Num primeiro momento, o curso oferecerá elementos de análise da realidade e os fundamentos que justificam escolhas entre distintos projetos de sociedade. Num segundo momento, teremos a bíblia e os conhecimentos das tradições de religiões não cristãs, como luzes para uma leitura da realidade e para discernir compromissos frente às mudanças necessárias, para que todas as pessoas vivam dignamente. Outro importante momento do curso é a troca de experiências concretas de pessoas, grupos, comunidades e igrejas, sobre as formas de sobrevivência em relação à saúde neste tempo de pandemia.
A metodologia do curso seguirá os princípios da Educação Popular, com destaque para a troca de saberes e de experiências como ponto de partida; para o aprofundamento de conteúdos e compromisso ao retornar às práticas locais. Além da Educação Popular, o curso tem como pilares estruturantes o ecumenismo e o diálogo inter-religioso, a arte, o cuidado com as pessoas e com nossa Casa comum e o mutirão.
Mesmo no formato online, em que os conteúdos relacionados ao tema serão apresentados em videoconferências para todas as pessoas participantes (cursistas e voluntárixs), o curso oferecerá momentos de vivência de mística e de arte, bem como a possibilidade de reflexão dos conteúdos em pequenos grupos, nas Rodas de Conversa. Haverá também momento de partilha de projetos e experiências acerca de diferentes maneiras de se cuidar da saúde, com pessoas convidadas para as Mesas Temáticas, num dos dias, no horário das Rodas de Conversa.
O curso é oferecido a lideranças de comunidades e movimentos sociais, com prioridade para jovens e leigos, e propõe que as pessoas se organizem em seus locais de origem, para acompanhar o curso em grupos, de modo que os temas e experiências sejam acessíveis ao maior número possível de pessoas das comunidades, grupos religiosos e movimentos sociais.
*Sociólogo, ex-deputado estadual por três mandatos e ex-Secretário de Serviços de São Paulo na gestão Haddad. Hoje, Secretário de Movimentos Sociais e Setoriais do PT/SP
Fonte: CESEEP – Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular
(10-01-2022)

10 mensagens dos povos indígenas do Brasil para o mundo

Em Brasília, indígenas iluminam nesta terça (25) a Praça dos Três Poderes em apoio ao STF e contra o marco temporal. Imagem: APIB

Do Instituto Humanitas Unisinos

No dia em que o STF retomou o julgamento que pode definir o futuro dos povos indígenas, ecoa uma mensagem para o mundo. A mensagem foi publicada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil  (Abip), na quarta-feira (25).

Nesta quinta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento do caso Xokleng, que debate a tese do marco temporal. O que está nas mãos dos 11 ministros e ministras do STF é o futuro da demarcação das terras indígenas no Brasil.

Para reforçar a importância deste julgamento e mostrar como os povos indígenas se relacionam com suas terras, a Apib preparou esta lista com 10 mensagens dos povos indígenas do Brasil para o mundo todo:

1) A história dos povos indígenas do Brasil não começa em 1500, nem em 1988

Os povos originários chegaram a esta terra antes mesmo de essa noção de tempo ser inventada. Nós somos herdeiros dos primeiros pés que pisaram nessa terra, e nosso tempo não pode ser medido ou determinado por relógios e calendários que tentam ignorar nossa trajetória ancestral.

2) Nossas terras são nossas vidas, não fonte de lucro

Diferente da forma como os latifundiários, grileiros e exploradores lidam com a terra que eles usurparam e destruíram, nós, povos indígenas, temos uma relação profunda, espiritual e ancestral com nossa terra. Sem terra não há vida, para nós. Nós não exploramos nosso território para lucrar, mas para nos alimentar, manter nossa cultura e preservar nossas tradições e espiritualidade.

3) Nós guardamos as florestas e isso faz bem para todo mundo

Os povos indígenas foram reconhecidos em mais de uma ocasião como os melhores guardiões das florestas. Nossos territórios são preservados. Onde há terra indígena, a floresta permanece em pé, a água pura, a fauna viva. E isso beneficia todo o mundo, principalmente quando as crises climática e ambiental ameaçam a própria sobrevivência da humanidade.

4) Nossa diversidade e nossa ancestralidade nos unem

Os inimigos dos povos indígenas tentam a todo custo construir rupturas e oposições artificiais entre nós. Eles não sabem, no entanto, que nossa ancestralidade é mais forte e mais potente do que qualquer divisão que eles possam tentar nos impor.

5) A maior parte das terras está nas mãos dos latifundiários – e eles as estão destruindo!

O argumento de que existe “muita terra para pouco índio” já se mostrou falacioso mais de uma vez. Na verdade, a maior parte das terras no Brasil já é dedicada à agricultura. Uma parcela reduzida é de terras indígenas, mas as que foram homologadas estão bem preservadas!

6) Nossa luta também é pelo futuro da humanidade

Nós povos indígenas temos uma cultura de alteridade e acolhimento. Nossa luta por nossas terras é também pela preservação ambiental. Temos plena consciência de nosso papel de protetores das florestas e da biodiversidade e estamos dispostos a compartilhar nossos conhecimentos para o bem de todos.

7) Nós indígenas lutamos por nossas vidas há 521, e isso é sinal de que algo está muito errado

Desde que nossas terras foram invadidas, temos de lutar diariamente por sobreviver: às doenças trazidas de fora – como o Covid-19, que matou mais de 1,1 mil parentes, contra o genocídio, contra os ataques. Ainda hoje temos de lutar por nossas vidas, e isso quer dizer que para muita gente, nossas vidas não importam. Isso precisa acabar imediatamente!

8) Nós temos um projeto de mundo e queremos ser ouvidos!

Nós acumulamos tecnologias de produção milenares e isso nos dá condições de pensar um projeto de sociedade sem desigualdades, baseada no bem-viver, no cuidado com a terra e na livre convivência entre os povos. Nosso projeto garante alimento sem veneno, produz sem devastar. E o mundo precisa de um projeto como esse para nos salvar da destruição!

9) Nós estamos aqui e aqui permaneceremos

Sobrevivemos ao ataque colonial, sobrevivemos ao genocídio, sobrevivemos às doenças. Nosso povo é resiliente, e mesmo nas piores condições, soubemos nos proteger e seguir vivos. Permaneceremos vivos e lutando por nossos direitos, e esperamos que cada vez mais o mundo compreenda que nossas vidas importam, e que os povos indígenas querem e precisam e demandam uma vida plena e em paz!

10) O Brasil é terra indígena! A Mãe do Brasil é indígena!

Há 521 anos tentam apagar a ancestralidade indígena desta terra que chamaram de Brasil. Nós pisamos nesse chão antes de todos. Nós cuidamos desse chão, nós moldamos essas florestas, nós cultuamos a ancestralidade milenar desse território. E por mais que tentem esconder, nunca conseguirão, pois somos muitos, e somos fortes e temos orgulho de nossa história!

Brasil na UTI: e agora?

Brasil na UTI: e agora? Por Gilvander Moreira[1]

É tempo de Páscoa, mas o Brasil continua afundado em uma das maiores sexta-feira da paixão da nossa história. Sob as boas energias da Páscoa, que é passagem da escravidão para a libertação de todas as correntes, com a alegria da presença de Jesus Cristo ressuscitado no nosso meio, em nós, nos empobrecidos e em todos/as os/as crucificados/as da história, em todas as forças de vida, temos que seguir a luta pela salvação do povo brasileiro. A quaresma de 2021 passou, mas a quarentena que a pandemia requer precisa continuar e com maior rigor. A Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 terminou, mas tornou-se necessário encararmos de forma permanente a luta para que o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” se torne uma realidade perene no nosso conviver social.

Escrito cerca de 40 anos após os acontecimentos, no Evangelho de Marcos, na Bíblia, em Mc 15,33-41 podemos encontrar uma cena altamente eloquente: Jesus de Nazaré crucificado. “Escuridão sobre toda a terra”. Jesus exclama: “Eloi, Eloi, lamá sabactâni?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” […] “Jesus lançou um forte grito, e expirou. A cortina do santuário se rasgou de alto a baixo, em duas partes. Um oficial do exército, que estava bem na frente da cruz, viu como Jesus havia expirado, e disse: “De fato, esse homem era mesmo Filho de Deus!””. De fato, condenaram um justo e inocente, que de tão humano se tornou Filho de Deus, à pena de morte, sob crucifixão – a pena mais execrável imposta pelo Império Romano -, após processo falso, sob a presidência de juízes suspeitos e parciais, em duas instâncias: 1) uma religiosa, sob Caifás, sumo-sacerdote, que presidia o sinédrio – um tipo de senado religioso, administrativo e jurídico – dominado por saduceus, os grandes invasores de terra da época que expropriavam os camponeses empurrando-os para a miséria; 2) e uma instância política, sob Pilatos, governador imposto pelo Imperialismo Romano, que “lavou as mãos”, mas pela neutralidade impossível ficou com as mãos suja de sangue, pois “entregou Jesus para ser crucificado”.

Com essa trama brutal dos podres poderes da época, só podia mesmo resultar em “noite escura sobre toda a terra”. Por ter se tornado sumamente humano, Jesus Cristo sente o horror da crueldade que lhe era imposta e clama: ‘Por que está acontecendo isso comigo? Meu Deus me abandonou?’ Eis uma experiência profundamente humana. Quando uma tragédia se abate sobre nós, as primeiras perguntas são: Por que isso? Tem a mão de Deus nisso? Entretanto, precisamos afastar e banir a interpretação bíblico-teológica que chega ao absurdo de afirmar que Jesus Cristo teria sido crucificado, porque Deus quis para nos salvar da condenação após a morte. Esta afirmação é absurda e execrável, por vários motivos: 1) Um Deus que quisesse a morte do seu filho seria um deus sádico e masoquista, não seria Deus, Pai e Mãe de infinito amor; 2) Não podemos espiritualizar e negar a trama histórica acontecida, que diz que Jesus foi condenado à morte, torturado e crucificado, porque pelo seu ensinamento libertador e por sua práxis transformadora, ele consolava quem estava sendo injustiçado/a e, assim, incomodava muito os opressores que eram titulares dos poderes religioso, político e econômico; 3) Jesus Cristo se tornou servo sofredor e doou sua vida por amor ao próximo, testemunhando que o caminho para construirmos uma verdadeira Páscoa inclui necessariamente doar a vida pelo próximo colocando em prática a lógica do amor e os princípios da misericórdia e da indignação contra toda e qualquer injustiça. Isso desmascara os opressores e exploradores.

A ressurreição de Jesus Cristo atesta que faz história e aponta o caminho justo a seguir quem se doa ao próximo construindo uma sociedade justa, solidária, (macro)ecumênica, sustentável ecologicamente e respeitosa quanto à imensa diversidade cultural. Por outro lado, foi, é e sempre será jogado na lata de lixo da história os opressores e exploradores, os que adoram na prática o ídolo capital. Nas entrelinhas, Jesus crucificado pergunta: “Meu Deus, meu Deus, para que me abandonaste?” Diante desta pergunta, nas entranhas da história, o Deus de infinito amor responde: ‘Não te abandonei. Os opressores te condenaram à morte cruel, mas eu estou contigo, porque te amo imensamente assim como amo todos/as os/as outros/as bilhões de filhos/as. Desta brutalidade surge um sinal: que todos/as sigam o seu exemplo, vivendo e lutando como você, meu amado filho viveu e lutou’.

“A cortina do templo se rasgou”. Ou seja, o projeto de Jesus rompeu radicalmente com o projeto dos podres poderes acumpliciado com o Império Romano. E também não há mais separação entre história profana e história da salvação. Há uma única história e é nas entranhas da história que o divino age e está ressuscitado no nosso meio. Por fim, é olho-no-olho, cara-a- cara, que até um ser humano usado para reproduzir a escravidão e a superexploração do Império Romano, um soldado, concluí: “Realmente, este crucificado é Filho de Deus!”

O povo brasileiro continua afundado em uma das maiores sexta-feira da paixão da nossa história. Mais de 340 mil irmãos e irmãs nossos já foram crucificados pela covid-19 e pela política de morte genocida em curso no Brasil. “Eu não consigo mais respirar”, clamam pedindo socorro milhares de irmãos e irmãs nossos entubados ou na fila de espera por uma UTI. A espada de dor da fome voltou a golpear milhões de corações de mães que ouvem seus filhos pedindo pão e não têm para lhes oferecer. O coronavírus está sendo letal para milhões em todo o mundo. Quem tem fome tem pressa, pois a fome mata como uma bomba que implode a pessoa por dentro e impõe morte lenta. Em 2,3 anos, com a política de morte do inominável antipresidente, o povo brasileiro empobreceu a níveis de “50 anos” atrás. Ai de quem negar os sinais dramáticos da brutalidade da pandemia da covid-19 e do desgoverno dos fascistas e genocidas que se apossaram do poder no Executivo Federal e está também em cerca de 70% do Congresso Nacional e com tentáculos no Supremo Tribunal Federal (STF), em empresários que adoram o ídolo capital e em pessoas cegadas por fake news disseminadas por fundamentalistas que dizem defender abstratamente a família, mas não praticam o que dizem, estão matando milhões de famílias aos poucos, de muitas formas!

Os sinais são alarmantes. O número de mortos pela covid-19 e de difusão do contágio segue aumentando dia a dia. Só em março último, foram 66 mil mortos no Brasil, número maior do que o número de vítimas no mesmo período em 109 países. Já ultrapassamos a média de 3 mil mortos por dia. E os dados oficiais de hospitais brasileiros apontam que o número de mortes por covid-19 já pode ter passado de 443 mil, quase 120 mil a mais que as estatísticas divulgadas pelo desgoverno federal. A mesma estimativa aponta que morrem cerca de 4 mil pessoas por dia no país. Pelos registros oficiais, com apenas 3% da população mundial, o Brasil tem 33% das mortes por dia no mundo.  Pesquisa da Universidade de Washington e de vários pesquisadores brasileiros, entre os quais o neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke (EUA) Miguel Nicolelis, prevê para abril 100 mil mortos pela covid-19 podendo chegar em julho de 2021 com quase 600 mil mortos. Estão em falta vários tipos de remédios necessários para cuidar dos milhares que estão internados em UTIs. Assim, de abril a junho poderemos ter cerca de 300 mil mortos, o que levará o Brasil ao colapso funerário e a um ponto de não retorno da pandemia. Segundo o professor Miguel Nicolelis, esse colapso funerário resultará em contaminação do solo, do subsolo, dos lençóis freáticos, podendo eclodir muitas outras doenças epidêmicas gravíssimas. Todos os alertas dos cientistas têm se cumprido.

Repudiamos com veemência a decisão do ministro Nunes Marques, do STF, de 03 de abril, que determinou a abertura de igrejas para cultos/celebrações, fazendo, assim, uso político do Judiciário para favorecer interesses econômicos de grupos, inclusive religiosos, amparado em falsas e grosseiras motivações constitucionais. A liberdade de culto não pode comprometer outros direitos como a saúde e a vida das pessoas. Malditos os falsos religiosos que abusam da fé dos pobres para se enriquecerem, estão mais interessados no dízimo do que em cuidar espiritualmente das pessoas. Caso o plenário do STF não casse a decisão injusta do ministro Nunes teremos um aumento do contágio e daqui a 15 dias veremos o aumento do número de pessoas com covid-19 e de mortos. Prescrever que haja cultos com apenas 25% da capacidade das igrejas é medida insana, porque no 1º dia após a decisão vimos pelo Brasil afora centenas de igrejas lotadas. As prefeituras e a Polícia Militar não têm efetivo suficiente para fiscalizar todas as igrejas. O descontrole da pandemia exige com urgência o que já foi feito em vários países bem governados: lockdown nacional rígido de pelo menos 30 dias, sem aglomerações, com circulação apenas de atividades essenciais, com fechamento de portos, aeroportos, rodovias e rodoviárias. Tornou-se questão de vida ou morte: evitar aglomerações, levar a sério as medidas sanitárias de distanciamento social e corporal, uso correto de máscaras, higienização das mãos com frequência, vacinação de pelo menos 2 milhões de pessoas por dia, auxílio emergencial justo e digno, de, pelo menos, 600 reais para mais de 60 milhões de pessoas até o fim da pandemia, políticas públicas que garantam a vida das micro, pequenas e médias empresas. Quem no desgoverno federal e no Congresso Nacional determinou o fim do Auxílio Emergencial de 600 reais em dezembro de 2020 e a recriação somente de uma migalha de 250 reais apenas após três meses sem nenhum auxílio está sendo cúmplice do genocídio do povo e está com as mãos encharcadas de sangue. Não dá mais para tolerarmos a cumplicidade de 70% dos deputados/as e dos/as senadores/as e de parte do STF com o genocídio protagonizado pelo desgoverno federal. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, ao não colocarem em votação os mais de 60 pedidos de impeachment do antipresidente, estão sendo cúmplices do genocídio em curso. O STF também está tolerando o intolerável: política de morte que viola com requintes de crueldade a Constituição Federal. Na prática, o Congresso Nacional e o STF estão tentando servir a dois senhores: o mercado idolatrado (interesses do grande capital) e a vida do povo, oferecendo apenas migalhas para a parte mais empobrecida da população e bilhões para os banqueiros, por exemplo. Com medidas paliativas, a pandemia seguirá se agravando e matando massivamente. O Evangelho de Mateus registra que para Jesus Cristo “ninguém pode servir a dois senhores. Vocês não podem servir a Deus e ao capital” (Mt 6,24).

Enfim, quanto mais continuar só com vacinação a conta gotas, sem auxílio emergencial justo e digno e sem lockdown sério, só aumentarão os milhares de mortos; podendo chegar a mais de 1 milhão. E a quem está resistindo, sugiro já ir treinando e se acostumando a viver com pouco, de forma simples e austera, pois nunca mais será possível voltar ao “normal capitalista de antes”. Precisamos voltar ao estilo de vida dos povos originários, dos indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais: conviver de forma respeitosa com a natureza e cultivar um estilo de vida simples.[2] Eis a condição para a humanidade não ser extinta da nossa única Casa Comum, o planeta Terra.

07/04/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – “Brasil à beira de colapso funerário, do ponto de não retorno da pandemia”, alerta Miguel Nicolelis

2 – Live – FRATERNIDADE E DIÁLOGO: LUTA PELA VIDA. Feliz Páscoa com vacina, já! E Fora, Bolsonaro!

3 – Saúde e Educação em Tempos de Pandemia. Vacina, Já! Auxílio Emergencial, já! Fora, Bolsonaro, já!

4 – Margareth Dalcomo, da Fiocruz: “Teremos o março mais triste de nossas vidas.” 14/3/2021

5 – “Não tenho ar”: o desespero de brasileiros na semana mais letal da pandemia – Fantástico – 07/3/2021

6 – Bolsonaro é “imoral” e “genocida”, afirma o Padre Adauto Tavares, da Paraíba, em missa – 04/03/2021

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

Linguagem revolucionária, instrumento de luta.

Linguagem revolucionária, instrumento de luta. Por Gilvander Moreira[1]

Assim como ninguém é neutro e nem apolítico, a linguagem também não é neutra. Assim, precisamos estar atentos/as na escolha das palavras que usamos, pois, muitas vezes, sem perceber, podemos usar uma linguagem que atende aos interesses dos opressores. Se estivéssemos em uma sociedade com relações sociais justas e igualitárias, todas as pessoas poderiam amar todos/as da mesma forma, ser educado/a e solidário/a do mesmo jeito, indistintamente. Entretanto, estamos em uma sociedade com relações sociais injustas, que reproduzem e ampliam cotidianamente a desigualdade social. Em uma sociedade marcada pelo antagonismo entre classes divididas, onde uma domina e a outra trabalha, entre uma que superexplora e se enriquece e outra, que é expropriada de tudo, fica cada vez mais empobrecida e, muitas vezes, quem desrespeita, oprime, explora e violenta é o mesmo que formula e implementa socialmente pela ideologia dominante os pretensos valores que todos/as são induzidos a seguir. É comum observarmos quando os explorados se unem, se irmanam e, de forma organizada, lutam pelos seus direitos serem chamados de “violentos”, de “arruaceiros”, de “foras da lei”.

Para atender aos seus interesses de acumulação de capital e se manter no poder político, a classe dominante sempre coloca os direitos individuais acima dos direitos sociais. Por outro lado, a classe trabalhadora e a classe camponesa precisam sempre (re)afirmar que os direitos sociais estão acima dos direitos individuais. Por exemplo, diante do trânsito bloqueado pelo povo das Ocupações Urbanas que lutam por moradia própria e adequada, os da classe dominante e os aliados/alienados que existem no meio da classe trabalhadora sempre gritam: “Estão atrapalhando o meu direito de ir e vir”. Em resposta, o povo cansado de sobreviver de favor ou debaixo da cruz do aluguel, de cabeça erguida, na luta por moradia adequada, grita em alto e bom som: “O direito à moradia, um direito humano básico e social, está acima do direito de uma minoria ir e vir. Os direitos individuais devem ser respeitados após o cumprimento dos direitos sociais e não antes”.

Em contexto de contradição social que esgarça os conflitos e desencadeia violência dos que controlam os poderes econômico, político, jurídico e midiático, pedir para sermos simpáticos diante de quem está desrespeitando e violentando outros é compactuar com a falta de respeito e violência contra o outro. Pessoas moderadas e conciliadoras sempre dizem que “não é oportuno tratar de assuntos polêmicos e complexos”. Em sociedades com imensa injustiça social que promovem e alimentam o que gera desigualdade social crescente, as pessoas moderadas sempre propõem que se “espere o momento oportuno” para tratar de assuntos polêmicos e complexos. Porém, para as classes violentadas, sem enfrentar os momentos “inoportunos”, nunca haverá “momento oportuno”. Governo fascista e genocida não é apenas incompetente para gerenciar políticas públicas, é também eficiente para matar de muitas formas sorrateiras. Em uma sociedade com tremenda injustiça social, o Estado não é apenas omisso, mas cúmplice da classe dominante, que goza luxo, mas encontra-se manchada com o sangue dos inocentes.

Diante do Acordão da mineradora Vale S/A com Governo de Minas Gerais e Instituições de (In)justiça, que usa e abusa da dor dos/as atingidos/as e pisoteia sobre seus direitos, é preciso dizer que este acordo feito às escondidas é imoral e será necessariamente lesivo para os interesses das vítimas que deveriam ser respeitadas como protagonistas. Mas o que ocorre é que a Vale S/A, criminosa e reincidente, continua sendo a protagonista no processo de negociação, dando todas as cartas, dominando e transitando livremente nos territórios, negando demandas legítimas de milhares de atingidos e de atingidas em toda a bacia do rio Paraopeba, em Minas Gerais. O caminho para a emancipação humana e social passa necessariamente pela centralidade e incidência dos oprimidos e vítimas deste grande crime/tragédia socioambiental, que vêm tentando se organizar, apesar das inúmeras dificuldades impostas ainda pela pandemia da COVID-19, por meio de comissões, conselhos e espaços participativos. Em uma sociedade desigual com estrondosa injustiça social, a verdade está sempre do lado dos explorados e violentados. O explorador é sempre mentiroso, mesmo que esteja travestido de verdade aparente. Em uma sociedade desigual e cruel, o normal e legal é sempre canal para envenenar as relações sociais. Não há paz como fruto da justiça onde há latifúndio e agronegócio, pois estes são violentadores da classe camponesa, da mãe terra, da irmã água e de toda a biodiversidade.

Quem violenta os terreiros, espaços sagrados dos/as irmãos/ãs do Candomblé e da Umbanda, são traficantes da fé cristã e traidores do Evangelho de Jesus Cristo, pois está escrito na Bíblia que “todos/as são imagem e semelhança de Deus” (Gênesis 1,27), “templos do Espírito Santo” (1Coríntios 6,19) e o Deus da vida, mistério de infinito amor, “não faz distinção de pessoas” (Romanos 2,11).

Se as mineradoras dizem ‘mina’, devemos dizer cratera, pois de fato este nome retrata com mais fidelidade a realidade. Não dizem que é cratera, porque tendem sempre a esconder os imensos estragos que causam. Diante das injustiças sociais, os governos não são apenas omissos, são cúmplices, pois decidem de acordo com os interesses do capital. Assim, aqueles/as que assumem o Governo não apenas praticam descaso, mas, na prática, planejam como explorar e matar; não é falta de recursos, é opção por investir nos banqueiros e grandes empresas. O que o Estado aplica nas áreas sociais não é “gasto”, mas investimento. Não basta dizer “a empresa” está desrespeitando nossos direitos. É preciso dizer o nome da empresa e denunciar empresas exploradoras apontando seus nomes. “Dar nome aos bois” é preciso. Não bastar denunciar os grandes projetos, é preciso dizer que eles são projetos de morte, inerentes ao sistema que tem nome: capitalismo, que é máquina de moer vidas, não apenas humanas, mas também vidas vegetais e animais de todos os ecossistemas. Logo, não basta resistir, é preciso superarmos o sistema capitalista, o grande causador dos projetos de destruição. É preciso apontar nossa utopia: construção de uma sociedade socialista e respeitosa com as lógicas e místicas ancestrais dos Povos e Comunidades Tradicionais.

O imprescindível não é falar “devemos ter esperança”, mas gerar lutas que fazem parir a esperança, pois a esperança é filha das lutas populares por direitos. Sem lutas por direitos a esperança se definha e morre aos poucos. A luta por direitos constrói a esperança. Se militamos pela construção de uma sociedade do Bem Viver e Conviver, sob o signo da Ecologia Integral, nossa linguagem não pode ser poluída por palavras antiecológicas. Quando quiser reconhecer que alguém brilha e é uma pessoa lutadora não diga que ela “arrasou”, pois quem arrasa são as mineradoras e o agronegócio perpetrado pela classe dominante e opressora com o fomento do Estado. Não diga “menos favorecidos”, pois a questão não é de mais ou menos favorecidos. A questão é de superexploração de classe. Logo, mais do que “menos favorecidos”, os pobres são empobrecidos, violentados. Não lutamos apenas “por mais justiça”, mas pela construção de uma sociedade justa, pois a que temos não é justa. Não diga apenas que “são inverdades”, tenha a coragem de dizer “são mentiras”, pois não existem meias verdades e meias mentiras e “a verdade liberta” (João 8,32).

Sabemos que a linguagem não é tudo, mas sem linguagem revolucionária não se marcha rumo à revolução. Linguagem revolucionária exige opção de classe, não ser racista, não ser homofóbica, não ser machista e nem patriarcal, não ser eurocêntrica, nem antropocêntrica, nem antiecológica, mas, por outro lado, precisa expressar um jeito emancipatório diante de todas as opressões. Sempre devemos nos perguntar: o jeito que analiso e me posiciono diante dos problemas e injustiças beneficia a quem? Por isso, muitos que se dizem de ‘esquerda’, mas que levantam bandeiras específicas e discursos monotemáticos, devem lembrar que se faz mister buscar dialogar de forma transversal e solidária com as demais lutas e demandas do povo, também legítimas. Por exemplo, é contraditório alguém do grupo LGBTQI+ lutar pelos seus direitos e discriminar o Povo e Comunidade Carroceira, que é um Povo e Comunidade Tradicional com direitos garantidos pela Constituição de 1988 e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da ONU.

Há várias maneiras de ser cúmplice, para além do silêncio, da omissão e da inércia. Temos muito o que aprender com os povos originários e tradicionais que nos ensinam todos os dias, há milênios, que sem respeitar a Mãe-Terra, a ancestralidade e a história dos povos, não teremos condições de sustentar lutas objetivas e desvinculadas de um olhar diacrônico. Se nossa linguagem, que normalmente é fruto do que pensamos e fazemos, beneficiar à reprodução do status quo opressor, estaremos sendo cúmplice de opressão.[2]

02/03/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Curso Teologias da Libertação para os nossos dias – Aula 02. Por Marcelo Barros – 29/7/2020

2 – Curso Teologias da Libertação para os nossos dias – Aula 01 – Por Marcelo Barros – 22/072020

3 – Ocupação Vicentão/BH: das trevas em um prédio, à luz da libertação pela moradia/ 3a Parte.14/1/18

4 – Celebração da Teologia da Libertação na Ocupação Paulo Freire, em Belo Horizonte, MG. 31/05/15

5 – Palavra Ética, na TVC/BH: Delze e Gilvander. Filosofia da Libertação no II Congresso.. 23/09/14

6 – Nancy Cardoso no II Congresso de Filosofia da Libertação na UFRGS, dia 16 09 2014 em POA

7 – Filosofia da Libertação a partir dos povos Kaingang, com Pedro, parente Kaingang, 16/09/2014

 

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.