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Projeto de transposição das águas do rio São Francisco: a privatização dos recursos vitais e dos espaços públicos

A cada semana ou a cada mês, lemos algum tipo de notícia embaraçosa sobre o desenrolar do desastrado Projeto de Transposição – um entre tantos outros projetos de impacto social e ecologicamente destrutivo (não nos referimos apenas ao de Belo Monte!). Interrupções aqui e ali; paralisações, demissões, contratos em disputa, exigências de reajuste de orçamento, redefinição de custos – e sempre para muito mais do que os previstos… Enquanto isso, o São Francisco e outros rios, seus territórios e suas Gentes vão pagando o elevado preço dessas decisões tomadas de cima para baixo e de fora para dentro…

Como se vem observando, com espantosa frequência, não se trata de um caso isolado. Lembremos a série de projetos desastrados, sob vários aspectos, tais como os de construções de dezenas de usinas hidrelétricas e até mais usinas nucleares… A quem interessam tais projetos? Os beneficiários declarados = população ribeirinha, povos indígenas, comunidades quilombolas, comunidades de pescadores, etc. – o quê têm a dizer? São escutados? São ouvidos alguns dos segmentos governamentais? São ouvidos movimentos sociais e outras forças representativas da base da sociedade civil, que não sejam grandes empreiteiras ou seus prepostos do mundo político e governamental?

As forças da sociedade civil organizada não cessam de levantar questionamentos graves, aos quais os poderosos grupos empresariais (empreiteiras, grupos transnacionais que lidam com produção e exportação de frutas, agentes estatais, além da mídia por eles financiada, segmentos do Estado não cessam de fazer ouvidos moucos.

Quando ousamos juntar as peças dessa engrenagem desastrada, vamos apercebendo-nos do núcleo de interesses que move tais projetos e tantos outros que vêm caracterizando – e não de hoje! – as políticas “públicas” no Brasil e em outros países. Damo-nos conta, por exemplo, de que:

– o Estado e seus aparelhos (o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, seus aparelhos repressivos…), embora se declare favorável à implementação do “bem comum”, em verdade, no que diz respeito aos recursos vitais e aos espaços públicos, atende FUNDAMENTALMENTE aos interesses dos representantes do Mercado (grandes grupos empresariais, agronegócio e seus prepostos nos espaços estatais;

– para atender PRIORITARIAMENTE aos interesses dessas forças privilegiadas, e em vista de “justificar” sua aparência de órgão promotor do “bem comum”, trata de destinar às primeiras a parte privilegiada do orçamento, enquanto vai “distraindo” as camadas populares com as migalhas do banquete.

O que se dá efetivamente é a ampla prevalência da lógica de mercado, que se sobrepõe a quaisquer outros interesses. Impera a razão do lucro, a qualquer preço. Nâo importam os recursos vitais que se destinam à comunidade dos viventes – flora, fauna, rios, florestas, subsolo, mares, etc. Reina a lógica da privatização dos espaços e recursos públicos. Reina a democracia das elites. Mas, isto não tem que ser necessariamente assim. Depende das forças organizadas da mesma sociedade, de sua/nossa capacidade de nos organizarmos, de nos moblizarmos, de nos formarmos, em busca de fazer valer nossos interesses, mas por meio de outro tipo de organização social, de outro modo de produção, de consumo e de gestão da sociedade.

Segurança e eficiência energética

A segurança energética é um fator prioritário para o país e somente aumentará com a diversificação da matriz energética com o uso de fontes energéticas renováveis. Do ponto de vista da produção de energia, segundo a Empresa de Planejamento Energético-EPE, o país tem folga no abastecimento, e pode suprir as necessidades de energia elétrica, com as atuais taxas previstas de crescimento, para os próximos anos. Portanto não existe relação direta entre os atuais apagões, que tem ocorrido freqüentemente no país todo, com a necessidade da instalação de mega-hidroelétricas e de usinas nucleares para evitá-los. Como que se os atuais apagões fossem decorrentes do desabastecimento, e novamente repetiríamos 2001/2002.

O fundamento principal para a construção de novas usinas de geração é de que existe uma previsão de crescimento da economia (sem que se questione a natureza do crescimento) e de que, em função disso, há necessidade de se ofertar mais energia para atender a esta demanda, construindo assim novas usinas.

Projeções do consumo futuro de energia dependem do tipo de desenvolvimento e crescimento econômico que o país terá. Existem vários questionamentos sobre os cálculos oficiais que apontam para taxas extremamente elevadas de expansão do parque elétrico brasileiro para atender a uma dada demanda. O que essa previsão esconde é o fato de praticamente 30% da energia elétrica ofertada pelo país ser consumida por seis setores industriais apenas: cimento, siderurgia, produção de alumínio, química, o ramo da metalurgia que trabalha com ferro e papel/celulose. São exatamente estes setores que elevam o consumo da energia elétrica para cima, os chamados setores eletro-intensivos. Precisamos urgentemente discutir no planejamento energético dois pontos: energia para quê? E para quem?

Temos de fugir dessa idéia míope de discutir qual a melhor fonte. A melhor fonte de energia é aquela que não é consumida. Não consumir energia significa ter uma política de aumento da eficiência energética, situação da qual estamos muito longe ainda. Os resultados oficiais apresentados nesta área são pífios.

No Brasil, o consumo de energia per capita ainda é pequeno e é indispensável que cresça para promover o desenvolvimento sustentável. No entanto, nada impede que o uso de tecnologias modernas e eficientes sejam introduzidas logo no início do processo de desenvolvimento, acelerando com isso o uso de tecnologias eficientes (aquecimento solar da água, eletricidade solar, geradores eólicos, geração distribuída,… ). Contrapondo assim ao pensamento de que, para haver desenvolvimento, é preciso que ocorram impactos ambientais, devido à geração, transporte e uso da energia.

A conservação com o uso eficiente de eletricidade reduz o consumo e posterga a necessidade de investimentos em expansão da capacidade instalada, sem comprometer a qualidade dos serviços prestados aos usuários finais. Exemplos ocorridos em outros países nos anos 80, particularmente nos EUA demonstraram este.

A eficiência energética é, sem dúvida, a maneira mais efetiva de, ao mesmo tempo reduzir os custos e os impactos ambientais locais e globais, suportando assim, conjuntamente com as fontes energéticas renováveis solar, eólica e biomassa; a segurança energética do país.

O autor é professor na Universidade Federal de Pernambuco. (hscosta@ufpe.br)

Aumento no preço do petróleo e crise mundial

O clima de instabilidade política no Oriente Médio e norte da África apresenta-se como justificativa para os recentes aumentos nos preços do petróleo, existindo uma preocupação dos países consumidores com a repetição dos valores observados em 2008. Foi com esta apreensão que reuniram-se no último dia 22 de fevereiro ministros da energia de 90 países em encontro promovido pelo International Energy Forum (IEF) na capital saudita.

A tônica dominante durante o encontro foi a necessidade da criação de mecanismos de controle contra a especulação verificada no comércio internacional do petróleo, ou seja, os ministros defendem regulamentação dos papeis de venda futura do petróleo e não seria surpresa o surgimento, dentre os consumidores, dos interessados em uma espécie de tabelamento dos valores. Neste sentido o príncipe saudita, anfitrião e representante da OPEP durante o encontro, declarou-se satisfeito com preços próximos de U$70,00 para o barril.

Na realidade esta proposta intervencionista nos preços do petróleo depende mesmo dos sauditas que mostram-se interessados em aumentar a produção para garantir o abastecimento diante da possibilidade de queda no abastecimento em função dos conflitos na Líbia medida também apoiada através de declarações do representante do Iraque no mesmo encontro.

O problema desta euforia dos árabes esbarra nas dificuldades internas do reino caracterizadas por complicações semelhantes aos verificadas na Tunísia, Egito e Líbia. Embora nadando em petróleo o reino saudita enfrenta um elevado índice de desemprego com pelo menos 22% da população ativa sem trabalho (os dados do governo reconhecem apenas metade deste número) aspecto que contribui para um número de 40% da população vivendo abaixo da linha de pobreza. Acrescenta-se ainda a existência de uma monarquia absolutista chefiada por monarcas cuja média de idade encontra-se na casa dos 83 anos todos com sérios problemas de saúde.

O atual rei Abdullah Bin Absul Aziz até procurou assumir o papel de déspota esclarecido, mas suas reformas não conseguem melhorar o nível de vida da população e mantêm os privilégios dos aproximadamente 10 mil membros da família real, dividida em função da luta pelo poder, responsáveis por administrar o Estado e diferentes setores da vida econômica privada. A proposta de suprir o petróleo não comercializado em função dos problemas políticos na Líbia por parte dos sauditas corre desta forma o risco de não concretização em função da instabilidade social. Quanto ao controle da produção interna o governo saudita enfrentaria ainda outro sério obstáculo resultante da entrega, através dos contratos de partilha da produção, dos campos aos oligopólios petrolíferos maiores interessados na elevação dos preços presentes e futuros do petróleo. Neste ponto o leitor já percebeu que a choradeira dos ministros não vai passar da elaboração de uma proposta ou apelos contra os especuladores sem citar naturalmente os nomes das empresas e causas da especulação.

A conta como sempre, vai ficar para a população mundial que enfrentará a inflação reduzindo o consumo de alimentos, o racionamento de energia, corte nos orçamentos públicos tudo isso para garantir a boa vida dos príncipes e demais magnatas do petróleo.

Estas medidas não encontram-se no futuro e podem ser observadas através de ações recentes do governo chinês, dependente em grande parte do petróleo do Oriente Médio, que aumentou em 4,6% o valor da gasolina e trabalha com a possibilidade de elevação, neste ano de 2011, em 20% do precioso combustível.

O clima político entre os sauditas não é de tranqüilidade e verificam-se manifestações na segunda maior cidade do reino, Jeddah, de populares desabrigados em função de alagamentos. Este caso especifico assume um complicador ainda maior considerando-se que 80% da população saudita não possui residência própria.

O dinheiro do petróleo saudita que deveria ser destinado às melhorias de vida da população é destinado ao Fundo Soberano e aplicado, para uso futuro sei lá de quem, nas bolsas de Nova Iorque e Londres no auxílio, no tempo presente, ao setor financeiro e, naturalmente, negociando papeis de compra e venda de petróleo. Isso não seria especulação?

Para a América Latina a crise do oriente médio pode ainda apresentar um novo complicador diante da prática de exportação de matéria prima e crescente dependência da China uma economia cuja segurança energética necessita do petróleo importado. Neste caso ficaria o alerta diante da possibilidade da queda de produção daquele país asiático resultante de conseqüentes revoltas internas por falta ou dificuldade de alimentação da população. Vamos acompanhando os acontecimentos com atenção.

Presidente Dilma Rousseff recebe membros da Comissão de Energia e Recursos Naturais dos EUA

Em visita a América Latina desembarcaram no Brasil no último dia 10 de janeiro os senadores John McCain e John Barrassa, membros da Comissão de Energia e Recursos Naturais do Senado estadunidense.

O senador McCain é conhecido e reconhecido por suas ligações estreitas com empresas petrolíferas, destacando-se a companhia Hess – principal colaboradora de suas campanhas eleitorais – possuindo esta empresa, coincidentemente, atuação no Brasil controlando blocos – também por coincidência – na área do pré-sal excluída da nova legislação “nacionalista” e “estatizante”.

Oferecendo provas inequívocas de ética e etiqueta os dois parlamentares oposicionistas não mencionaram – segundo a imprensa – o tema petróleo durante a audiência presidencial, preferindo discursar a respeito da tradição do governo dos EUA em transferir tecnologia militar aos países da América Latina, a beleza arquitetônica de Brasília, a aceleração dos leilões do pré-sal. Não, este tema não foi abordado. O negócio ali era venda de aviões militares.

O único momento de constrangimento durante o educado e civilizado encontro ocorreu quando ao ser indagado de seu próximo destino respondeu o Senador McCain: “Vou a Colômbia acertar detalhes do Tratado de Livre Comércio”. Ruborizada, nossa mandatária balbuciou a palavra MERCOSUL, os visitantes não entenderam o estranho vocábulo, apesar dos esforços dos tradutores oficiais.

Dois parlamentares oposicionistas – incluindo um candidato derrotado à presidência da República – aparecem vendendo aviões de guerra e prometendo um contrato favorável ao Brasil. Francamente, haja crença na democracia dos EUA para acreditar nesta conversa. Esta visita aos governantes conservadores da América Latina – o roteiro inclui Colômbia, Chile, México e Panamá – neste momento de ampliação da extrema direita estadunidense, e justamente por destacados membros deste seguimento, deveria merecer no mínimo uma reflexão mais apurada.

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Outros textos do autor em http://politicaeconomicadopetroleo.blogspot.com/

O Iraque agora é moderno

Na economia do petróleo, os EUA adotaram no Iraque a seguinte fórmula: desapropriar contratos antigos, indenizando as empresas. Imagine o ilustre leitor esta solução aplicada na América Latina. Naturalmente seria considerada obra de um ditador louco.

O governo iraquiano comemorou a produção de 2,6 milhões de barris de petróleo ao dia superando vinte anos de diminuição nos volumes extraídos em função do embargo comercial e diferentes conflitos armados. A causa deste aumento foi imediatamente atribuída à liberalização do mercado petrolífero iraquiano, fato verificado a partir da invasão liderada pelo exército dos Estados Unidos cuja missão seria salvar do mundo das armas de destruição em massa controladas por Saddam Hussein.

Curiosamente o ditador com super poderes foi condenado à forca após ser encontrado abandonado, sujo e faminto, escondido no interior do país dentro de um buraco. Nenhum sinal das terríveis armas apareceu até hoje.

Liquidado o “demônio” Saddam Hussein, não seria o momento de voltar para a casa? De modo algum. Os invasores precisavam garantir a ampliação da “livre concorrência” no mercado petrolífero e trataram de extinguir o monopólio da empresa estatal iraquiana criada em 1972, apresentando elevada competência, chegando a extrair 3 milhões de barris de petróleo ao dia nos anos 80. Tudo isso transformou-se em passado, necessitando de adaptação aos tempos neoliberais. Era preciso modernizar.

A fórmula aplicada para “modernizar” o setor petrolífero do Iraque seguiu o princípio verificado em muitos países no qual fica reconhecida a propriedade estatal do bem natural, entregando à iniciativa privada a propriedade do bem econômico, cabendo ao Estado ora os recursos provenientes dos impostos – semelhante ao modelo brasileiro instituído no governo FHC – ora determinada quantidade de óleo extraído considerando-se o valor do momento da assinatura do contrato a partir de leilão entre os oligopólios – situação semelhante ao modelo “estatizante e nacionalista” do governo Lula.

Esta existência de dois modelos a beneficiar os grandes consórcios petrolíferos provocou uma disputa entre os governos de Bagdá e a província autônoma do Curdistão, a partir da opção deste último em exportar o petróleo de seu território – aproximadamente 13% das reservas de petróleo provadas do Iraque – aplicando o modelo FHC, assinando em 2009, contratos no valor de U$ 10 bilhões.

Os Estados Unidos consideraram conveniente fortalecer o governo de Bagdá, apoiando o modelo de abertura ao capital externo, preservando a empresa estatal – desta vez transformada em agente de comercialização do petróleo recebido em pagamento. Todavia, permanecia o problema dos U$ 10 bilhões investidos no Curdistão.

A fórmula encontrada foi desapropriar os antigos contratos, indenizando as empresas. Algo simples, fácil. Agora imagine o ilustre leitor esta solução aplicada na América Latina. Naturalmente seria considerada obra de um ditador louco, mas para agradar aos Estados Unidos pode.

Para aprovar este novo modelo, além dos problemas da autonomia curda, o governo iraquiano enfrentou a oposição dos petroleiros e parcela dos dirigentes da estatal South Oil Company, tendo o seu ex-diretor Fayad Hassav condenado – em pronunciamento no parlamento – o leilão em áreas produtoras. Apesar do apoio de parte dos parlamentares, Fayad acabou demitido do cargo.

Muito foi escrito a respeito dos verdadeiros interesses dos EUA no Iraque e curiosamente não havia empresas estadunidenses entre as vencedoras do último leilão. Este fato correu o mundo e chegou a ser utilizado para salvar a imagem do país de Obama. Entretanto, basta verificar os vencedores do primeiro leilão, representando 30 bilhões de reservas provadas, para verificar o apetite por óleo das empresas pertencentes aos nossos irmãos do Norte, isso sem contar as vantagens da Halliburton, companhia encarregada das perfurações em novos e antigos campos.

Os EUA, todavia, não atuam isoladamente no Iraque ficando os ingleses, chineses e russos com parte considerável dos recursos. Anunciam valiosa contribuição para o aumento da produção, que tende a crescer em função do bloqueio ao Irã – nova área de preservação para futuros ataques dos grandes consórcios petrolíferos.

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(*) Wladmir Coelho é Mestre em Direito, Historiador e membro do Conselho Curador da Fundação Brasileira de Direito Econômico. Outros textos em www.politicaeconomicadopetroleo.blogspot.com

Como uma ideologia foi absolvida de seus crimes

O ex-ditador e torturador argentino Rafael Videla foi condenado ontem, aos 85 anos, à prisão perpétua pela execução de 31 presos políticos, em 1976, na cidade de Córdoba. É importante, claro, comemorar – como fazem, neste momento, milhares de argentinos. Sobretudo, porém, é preciso fazer uma ressalva e atentar para o fato de que não se deve esquecer – como a história oficial esqueceu – de que é impossível dissociar os crimes das ditaduras da América Latina de uma estratégia ideológica de implementação de políticas econômicas neoliberais.

Na década de 50, o intervencionismo estatal e o desenvolvimentismo ganharam força nos países do assim chamado Terceiro Mundo. Para tornar os produtos mais acessíveis, os políticos impunham controle de preços; para diminuir a exploração dos trabalhadores, fixavam salários mínimos e legislações trabalhistas; para garantir que todos tivessem acesso à educação, deixavam-na nas mãos do Estado. O caso da América Latina era ainda “pior”: suas políticas econômicas definitivamente começavam a dar uma guinada para a esquerda, o que ficou comprovado, por exemplo, com a chegada ao poder, anos depois, de João Goulart no Brasil e de Salvador Allende no Chile.

Em 1957, o governo dos EUA, junto com o departamento de Economia da Universidade de Chicago – centro do pensamento neoliberal estadounidense –, lançam o que ficou conhecido como “Projeto Chile”. O objetivo era produzir guerrilheiros ideológicos capazes de vencer a batalha de ideias contra os “economistas vermelhos” da América Latina. O programa, depois, foi expandido para outros países latinoamericanos, entre eles Brasil, Argentina e Uruguai. Por meio de convênios acadêmicos, a Escola de Chicago passou a financiar estudos de professores, alunos e pesquisadores nos Estados Unidos com os melhores discípulos de Milton Friedman, o guru do capitalismo neoliberal.

Mais tarde conhecidos como “garotos de Chicago”, foram eles que compuseram a maior parte das equipes econômicas dos governos ditatoriais militares do Cone Sul. As transformações econômicas, em geral, eram baseadas em um mesmo tripé: privatização, desregulamentação governamental e cortes profundos nos gastos sociais. Os efeitos, por sua vez, logo foram sentidos pelas populações. No Chile, as crianças não tinham mais leite para tomar nas escolas públicas, já que uma das primeiras medidas de Pinochet foi cortar o programa do leite. Na Argentina, a junta militar subiu o preço das passagens e achatou os salários e os trabalhadores tiveram que acordar mais cedo, para caminhar longas horas até as fábricas, e aumentou o consumo do chá de erva mate, conhecido por reduzir o apetite.

Mas o povo sofria calado, e morria aos suspiros, com medo da repressão que assolava as ruas. Previsões modestas falam em 150 mil torturados e dezenas de milhares de assassinados só no Cone Sul, em um episódio marcante de genocídio político e cultural.

As vozes oficiais justificavam a violência como uma suposta “guerra ao terror” o que hoje já se provou uma grande mentira. Investigações do Senado dos EUA comprovaram que Allende não representava nenhum tipo de ameaça à democracia. Além disso, com relação às forças guerrilheiras, quando os militares assumiram no Uruguai, a oposição dos Tupamaros já havia sido completamente desmantelada; na Argentina, nos seis primeiros meses de ditadura, o grupo de resistência dos Montoneros já havia sido liquidado. A tortura, na realidade, significou uma abertura forçada em meio à população para os choques econômicos – e isso a troco de muitas vidas.

Infelizmente, porém, a ideologia neoliberal acabou sendo absolvida de seus crimes. Em 1976, Friedman ganha o prêmio Nobel de Economia, defendendo, em seu discurso,  a disciplina econômica como objetiva, exata e imparcial. No ano seguinte, é a vez da Anistia Internacional levar o Nobel da Paz, principalmente pelas denúncias de abusos dos direitos humanos no Chile e na Argentina. Os dois prêmios, conjugados, eram um veredicto que absolvia o capitalismo neoliberal dos crimes contra a humanidade.

Por um lado, isso se deve à preocupação exagerada da Anistia em permanecer completamente independente no contexto da Guerra Fria. Em seu relatório, não aparece em nenhum momento o envolvimento dos EUA e de corporações que comprovadamente atuaram no sentido de fomentar a repressão – na Argentina, uma fábrica da Ford chegou a abrigar um centro clandestino de tortura. Muito mais que perguntar por que, o documento simplesmente afirmava que. Mas é claro que existem ainda outros motivos para esse descompromisso. Em primeiro lugar porque amigos e parentes de vítimas, que eram quem denunciavam os abusos, tinham medo de falar demais e serem as próximas vítimas, mas, também, porque a principal financiadora do projeto da Anistia era a própria Fundação Ford.

Uma coisa, porém, é certa: no começo da década de 80, no mundo inteiro, não havia um único caso de democracia multipartidária que pendesse inteiramente para o livre mercado.