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Como se formou o Pentateuco e tipos de leitura da Bíblia

Como se formou o Pentateuco e tipos de leitura da Bíblia. Por frei Gilvander Moreira[1]

Para compreendermos as formas e os gêneros literários no Primeiro Testamento da Bíblia, é importante conhecermos a Hipótese Documentária que possivelmente deu origem aos cinco primeiros livros da Bíblia para percebermos que um estudo sério da Bíblia exige conhecimento, pesquisa e dedicação para adentrarmos não apenas no texto em si, mas no contexto e pretexto das comunidades que estão por detrás dele. Como teriam se formado os cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco?

Já em 1753, Jean Astruc[2], assíduo e atento leitor da Bíblia, escreveu um livro sem colocá-lo sob a sua autoria, questionava que os cinco primeiros livros da Bíblia, fossem de Moisés, mas que ele teria se servido de fontes já existentes, para escrevê-los. O que colocava em risco a inspiração bíblica, pois se afirmava que Deus havia ditado aos ouvidos de Moisés estes cinco livros. Ele se deu conta de que Deus era chamado ora de Yaweh, ora de Elohim; percebera rupturas bruscas em alguns textos, repetições em outros, estilos diferentes etc. Tudo isso só poderia comprovar a diversidade de autores de textos de diferentes épocas e autores reunidos sob o título de um único livro. Já nesse tempo ele atribuía os textos a um autor que poderia ser chamado de Javista e outro de Eloísta. Era o estudo da Bíblia a partir de fontes.

O biblista alemão Julius Wellhausen (1844-1918) deu continuidade a estes estudos de Jean Astruc, na segunda metade do século XIX, foi um grande estudioso que identificou também outras fontes documentais que contribuíram para a formação do Pentateuco. Wellhausen afirma que a idade de ouro da religião de Israel foi o início da monarquia unida, com os reis Saul e Davi, quando teria nascido a primeira fonte da Hipótese Documentária do Pentateuco, a Javista. Eis as quatro fontes prováveis do Deuteronômio: a) Fonte Javista (J), escrita no Reino de Judá, ao Sul, por volta do séc. IX Antes da Era Cristã (a.E.C.), na perspectiva de Deus como Javé, solidário e libertador; b) Fonte Eloísta (E), escrita um século depois, no Reino de Israel, ao Norte, e foi influenciada pelos primeiros profetas (séc. VIII), na perspectiva de Deus como Criador e Justo; c) Fonte Deuteronomista (Dtr) que, em seu núcleo mais antigo, situa-se por volta do início do séc. VII na época da Reforma do rei Josias (640-609 a.E.C.). Ela tem um enfoque profético, que denuncia a monarquia como regime opressor; d) Fonte Sacerdotal[3] (P), uma obra do exílio ou do pós-exílio[4], com interesse pelo culto e da celebração da vida/fé em Deus, durante a caminhada de libertação. Muitas regras litúrgicas são apresentadas, como instrumentos, para o cultivo da fé em Deus libertador e não por ritualismo.

Enfim, o Pentateuco atual (Gn, Ex, Lv, Nm e Dt), provavelmente, foi escrito na época do segundo Templo – após a volta do exílio babilônico a partir de 539 a.E.C.  muitos atribuem a redação à Reforma de Esdra (cf. Ne 8).

Há vários tipos de leituras da bíblia. Muitas pessoas têm a Bíblia em casa, poucas a leem e a conhecem por meio de uma leitura assídua ou mesmo do estudo da mesma. Há uma curiosidade e um interesse em conhecê-la por parte de muitas pessoas, outras têm sede e fome da Palavra de Deus na Bíblia, buscam-na de diversas formas: no aprofundamento pessoal, na participação de grupos de reflexão bíblica, em cursos bíblicos sistemáticos. Mesmo assim, percebe-se que muitas pessoas, por falta de conhecimento ou de uma orientação adequada, fazem leituras aleatórias, ingênuas, fundamentalistas ou literalistas; e são raras as pessoas que fazem a leitura libertadora dos textos bíblicos.

A leitura Aleatória é feita sem nenhuma iniciação ou orientação sobre a leitura da Bíblia. Abre-se o livro aleatoriamente e leem-se alguns versículos, pinçando-os, quando estes trazem uma mensagem compreensível, mas quando aparece um texto escabroso, ocorre o susto e o escândalo, porque a Bíblia fala em guerra, estupro, corrupção, homicídio e outros. Daí vêm, muitas vezes, o desinteresse e a desistência porque se entende a Bíblia como um livro chato, cansativo, que fala de coisas difíceis, incompreensíveis, estranhas, misteriosas, que parecem retratar a realidade atual, por isso, abandona a sua leitura. Outros sacralizam e absolutizam de tal forma o livro da Bíblia: ‘como se ele tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Espírito Santo e não se chega a reconhecer que ela foi formulada em uma linguagem e uma fraseologia condicionada por sua época. Não dão atenção às formas literárias e às maneiras humanas de pensar, presentes nos textos bíblicos’[5]. Essas pessoas transformam a Bíblia em um amuleto, fetiche, um objeto de decoração, menos Palavra de Deus para suas vidas, não por má vontade, mas porque não sentem atração e nem interesse por ela. Já na leitura ingênua o uso da Bíblia é frequente, mas não avançam do primeiro nível de leitura, ficando sempre na superfície do texto.

Na Leitura Ingênua, as pessoas têm medo de estudar a Bíblia, porque perderiam a própria fé. Preferem continuar em uma leitura superficial, não passando de uma compreensão literal, nada aprofundando, quando são interpeladas por alguém, pelos filhos, netos ou por alguma criança, sobre a Bíblia, não sabem responder e dar razões para aquilo que elas mesmas acreditam, mas não encontram justificativas plausíveis. Certamente essas pessoas confundem a fé com a Bíblia, quando a fé é dom de Deus que precisa ser cultivada. Deus não retira o dom que ele deu à pessoa, contudo, ele precisa ser cultivado e desenvolvido por ela. Como uma postura existencial de abertura ao divino existente em nós, a fé é um dos talentos mais preciosos que recebemos do Deus da vida. Entre os meios para cultivar esse dom, está a leitura da Bíblia, ela se tornará sagrada, Palavra de Deus, quando a pessoa se dispor a ouvi-la e praticá-la, então sim, ela começará a falar ao coração. Da mesma forma é falha a leitura fundamentalista.

P.S. Sobre as Leituras Fundamentalista e Libertadora veremos no próximo texto.

16/04/2024

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Um Tom de resistência – Combatendo o fundamentalismo cristão na política

2 – Bíblia: privatizada ou lida de forma crítica libertadora? Por frei Gilvander, no Palavra Ética

3 – Deram-nos a Bíblia. “Fechem os olhos!” Roubaram nossa terra. Xukuru-Kariri, Brumadinho/MG. Vídeo 5

4 – Agir ético na Carta aos Efésios: Mês da Bíblia de 2023. Por frei Gilvander (Cinco vídeos reunidos)

5 – Andar no amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG – Set/2022

6 – Toda a Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e CEBI-MG, set 2022

7 – Chaves de leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e CEBI/MG –Set./22

8 – Estudo: Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino

9 – Carta aos Efésios: Agir ético faz a diferença! – Por frei Gilvander – Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023

10 – Bíblia, Ética e Cidadania, com Frei Gilvander para CEBI Sudeste

11 – Contexto para o estudo do Livro de Josué – Mês da Bíblia 2022 – Por frei Gilvander – 30/8/2022

12 – CEBI: 43 anos de história! Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos lendo Bíblia com Opção pelos Pobres

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E “cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Cf. http://www.cs.umd.edu/-mvz/bible/dev-doc-hyp.pdf

[3] A fonte ou tradição Sacerdotal é identificada com a letra P, inicial da palavra “Priester” que significa sacerdote ou padre em alemão. Os textos bíblicos atribuídos a esta fonte são de cunho litúrgico e legislativo.

[4] A datação destas fontes é relativa, pois há uma grande discussão entre os biblistas. Uns defendem datas mais antigas para as fontes, para a fonte Javista, por exemplo. Outros defendem datas mais recentes.

[5] PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. Interpretação da Bíblia na Igreja: São Paulo: Paulinas, 1994 p. 84.

Cidade velha

Cidade velha.
Um passeio pelo centro de João Pessoa
Me trouxe sentimentos antigos e atuais
Pessoas queridas, familiares que aqui estiveram.
Toda essa soma de passos que sou.
E aquilo que hoje me tranquiliza e consola.
Como a vida se reúne nestes prédios antigos!
Como o tempo se renova a cada instante!
Um tempo para recolher tempos.
Contenção, sustentação, guarda.
Ninguém está só, se ama, se se ama.
Se tem um propósito que anima seus dias.

 

 

Trilogia para uma pedra na Serra do Teixeira

Pra quem olha da Pedra do Tendó
A imponente paisagem se derrama
Singular feito as obras do deus Brama
Mais bonita que as telas de Miró
Tão suave qual véu feito em filó
Que o chão da caatinga azuleja
Não há mesmo ninguém que um dia a veja
E não fique absorto, extasiado
Jamais ouse morrer sem ter mirado
Esta quase miragem sertaneja.

Esta rocha aflorou planície acima
Numa encosta da Serra do Teixeira
Pra quem olha do topo, da cimeira
O fulgor da mais nobre obra prima
Um espectro de luz vibrante e fina
Qual safira em um quadro rococó
Tão macia qual trilha de trenó
Calmaria em pleno alto-mar
Nunca morra sem antes contemplar
A paisagem da Pedra do Tendó

Do Tendó, o jardim do paraíso
Aos meus olhos, à frente da escarpa
Na minha alma o soar de uma harpa
Harpejando seu toque mais preciso
O azul da Espinharas sintetizo
Na mais linda visão que já tivera
Esse azul que de cima reverbera
Sensações de extrema alegria
Se morresse sem vê-la voltaria
Pra que a vida não fosse uma quimera

Martim Assueros

 

Imagem: Destino Paraíba/Imprensa/Calendário de Eventos, 26-9-2019
https://www.destinoparaiba.pb.gov.br/agenda/pedra-do-tendo-em-teixeira-recebe-a-quarta-etapa-da-rota-cultural-som-nas-pedras-neste-sabado-28/

Clamores dos Povos, da Amazônia e das águas

Clamores dos Povos, da Amazônia e das águas.  Por frei Gilvander Moreira [1]

Castanheiras sacrificadas em plena Semana Santa de 2024, em Itaituba, no Pará. “Malditas sejam todas as cercas” (Dom Pedro Casaldáliga). Fotos: Frei Gilvander

De 22 de março a 1º de abril de 2024, participamos de Missões na Amazônia, na Prelazia de Itaituba, no Pará. Chama nossa atenção, primeiro, a imensidade da Amazônia, com cidades muito longe umas das outras; depois da exuberância da Floresta Amazônica que ainda resiste de pé com toda sua riquíssima biodiversidade, com igarapés e rios na superfície do solo e os rios aéreos que são quase invisíveis a olho nu, mas transportam uma quantidade de água maior do que os rios de superfície . São estes rios aéreos da Amazônia que garantem chuvas no centro-oeste, sudeste e sul do Brasil, no Uruguai, Paraguai e Argentina. Se eles secarem, a Amazônia se desertificará.

Com calor escaldante, nas cidades, pessoas oriundas de muitas outras terras indicam que a migração forçada tem sido um traço da cultura e da história dos Povos no Brasil. Fomos muito bem acolhidos pelo bispo dom Wilmar Santin, pelas irmãs Carmelitas e pelas lideranças leigas da Prelazia de Itaituba. Os mais de trinta missionários/as foram subdivididos/as em equipes em diversas paróquias de Itaituba. Visitamos e celebramos em várias comunidades rurais, de posseiros e de ribeirinhos. Nestas comunidades existem e resistem a um grande grau de preservação da floresta amazônica e de sua biodiversidade, mas para chegar a essas comunidades, formadas por muitas fazendas grandes com grandes currais e muita monocultura de capim, queda que após a derrubada da floresta, a criação de gado segue atrás. Na Amazônia, a injustiça agrária campeia, pois imensas quantidades de terra continuam aprisionadas em cativeiro, invadidas por grileiros fazendeiros e/ou empresários e/ou madeireiros, que expulsam posseiros, ribeirinhos, indígenas e assentados da reforma agrária.

Comentários impactados ao ouvir que a região de Itaituba foi, nas décadas de 1980 e 1990, um dos grandes polos de extração de ouro do Brasil. “ O aeroporto aqui era um dos mais movimentados. Descia e subia avião teco-teco um atrás do outro ”, nos disseram várias pessoas idosas. Os ribeirinhos dizem que sentem saudade de quando o Rio Tapajós, um dos maiores afluentes do Rio Amazonas, tinha águas límpidas e cristalinas, “ tempo em que a gente podia beber água com a própria mão ”, mas com a expansão do garimpo as águas do o rio Tapajós ficou barrento e contaminado com mercúrio. Volta e meia encontramos peixes doentes e muitas pessoas já morreram com mercúrio no corpo causado pelo garimpo que joga mercúrio nas águas e vai para os peixes e para os corpos das pessoas.

Diante da cidade de Itaituba, do outro lado do rio Tapajós, no distrito de Miritituba, já existem seis portos graneleiros, um da Cargil, outro da Bunge e de outras empresas do agronegócio, com grandes silos que recebem em média 1.800 carretas bitrem lotadas de soja do agronegócio do centro-oeste do Brasil e são embarcadas em balsas gigantes (umas vinte balsas amarradas umas às outras) sendo empurradas por rebocadores com vários motores da Scania. De Itaituba até Santarém a soja é transportada nas gigantescas barcaças 24 horas por dia. No embarque da soja, uma quantidade significativa de soja acaba caindo nas águas do Rio Tapajós, o que atrai grandes cardumes de peixes em busca de alimentação, que ao comer a soja acaba assimilando também a carga brutal de agrotóxicos na produção da soja em monocultura do agronegócio. Os ribeirinhos pescadores pescam os peixes que são a principal carne na sua alimentação. Resultado: adoecimento, depressão, autoextermínio em grau nunca visto na história das comunidades.

No segundo semestre de 2023, as Comunidades Ribeirinhas, de Posseiros e também os Povos das cidades na Amazônia sofreram em demasia com uma das maiores secas na Amazônia, uma onda de calor infernal e com nuvens gigantes de fumaça oriunda das queimadas na Floresta Amazônica. Dona Maria José, da Comunidade Ribeirinha de Barreiras, no município de Itaituba, PA, relata comovida: “ Foi de cortar o coração de dor ao vermos a mortalidade de nossos peixes deficientes de água e principalmente porque a água dos rios, igarapés e lagoas estavam quase fervendo. Nós fomos sacrificados aqui, porque era quase impossível tomar banho, porque a água do rio ou das torneiras saia quente demais. Para piorar a situação. durante vários meses tivemos que sobreviver dentro de uma nuvem gigante de fumaça, vinda das queimadas na Floresta. Era tanta fumaça que as pessoas não conseguiam enxergar o Rio Tapajós aqui ao nosso lado. Aconteceram acidentes com voadeiras e rabetas (canoas com motor), porque com tanta fumaça não se via nem a cinco metros de distância. Com o barulho do motor da voadeira ou rabeta, não se podia entender que vinha outra em direção direta. Os Postos de Saúde e os hospitais da região ficaram superlotados de pessoas com pneumonia, doenças nos olhos, alergias e outras doenças respiratórias. A gente sentiu que estava em uma sexta-feira da paixão, como a sofrida por Jesus Cristo. Estamos preocupados com o próximo verão. E como péssimo sinal, o Rio Tapajós, agora no final de março de 2024, está muito mais baixo do que estava em março do ano passado, pois está chovendo bem menos. O progresso é cada vez mais brutal e invadindo nossos territórios e nossos modos de vida. Esta narrativa pude conferir com muitas outras pessoas da comunidade. Todos diziam: “ Foi isso mesmo que aconteceu. É pura verdade ”.

Sabemos que uma multinacional do Canadá, em parceria com uma empresa brasileira, está instalando mais um megaprojeto de mineração de ouro na região de Itaituba. “ Instalamos um linhão de energia exclusivo para este projeto de mineração ”, nos disse um engenheiro elétrico. Em 1998, a CELPA (Centrais Elétricas do Pará) foi privatizada e passou a se chamar Rede Energia. Em 2012, a Equatorial Energia S/A adquiriu o controle da quase falida Rede Energia por apenas 1 real. O povo paraense está reclamando muito da privatização da energia, porque o preço mensal da energia está sendo muito caro e falta energia com muita frequência. Nas vilas rurais todo o dia falta energia muitas vezes. Sem energia, o povo fica sem água, porque se precisa de energia para bombear a água de poços artesianos, queimam-se com frequência os eletrodomésticos, não há como ligar ventiladores para amenizar o calor e as pessoas com diabete ou diálise ficam sem poder ser medicadas. Quem pode se vira comprando gerador próprio com motor movido à gasolina, o que consome os poucos recursos econômicos que as famílias têm. Eis outra injustiça que se abate sobre o povo paraense. Energia é bem comum e é injusto reduzi-la a mercadora para se lucrar na bolsa de valores.

Ficamos felizes ao chegar à Casa de Formação da Prelazia de Itaituba, ao lado da cidade, e passar por entre várias castanheiras centenárias imponentes. Degustamos castanha do Pará e várias outras delícias da culinária paraense, mas ao retornarmos da Missão, dia 31 de março, fomos tomados de um espanto profundo ao vermos que tinham sido derrubados cinco daquelas castanheiras que admiramos, cada uma com mais de 60 metros de altura , com troncos com mais de um metro de diâmetro. Quem cortou? Quem mandou cortar essas castanheiras? O IBAMA deu licença? Uma das árvores símbolo da Amazônia, as castanheiras são madeira de lei, há lei que proíbe cortes, mas ouvimos também de muitos ribeirinhos que o IBAMA e a Polícia Federal são implacáveis ​​com os ribeirinhos e condescendentes/cúmplices com grandes e poderosos desmatadores. Uma pessoa nos informou que este bairro aqui era uma mata de castanheiras. Foram todas derrubadas para construir o bairro. Estes troncos gigantes das castanheiras derrubadas serão vendidas e se transformarão em móveis de luxo não sabemos em qual capital do brasil ou do exterior.”

Na bacia do Rio Tapajós há Povos Indígenas, entre eles o Povo Mundurucu com mais de 13 mil parentes que resistem e estão lutando vários pela demarcação de seu território. Igrejas evangélicas e (neo)pentecostais estão se espalhando no meio dos povos indígenas e das comunidades ribeirinhas e nas cidades também, muitas delas desrespeitando as culturas dos povos originários e solupando lutas coletivas pelos direitos dos povos.

Enfim, a Amazônia, os Povos Amazônicos e todos os seres vivos da Amazônia estão clamando por cuidado, respeito e solidariedade. Preservar a Amazônia e o que ainda resta de todos os biomas e ecossistemas se tornou uma questão de sobrevivência para a humanidade. Os clamores são ensurdecedores. Feliz quem os ouviu e se compromete com a superação do capitalismo, máquina bárbara de mais vidas, e do agronegócio, com suas monoculturas e mineração, que estão causando brutais sextas-feiras de paixão em plena terceira década do século XXI!

03/04/2024

Obs .: As videorreportagens nos links, abaixo, verso sobre o assunto tratado, acima.

1 – Leonardo Boff na Palavra Ética da TVC/BH, com frei Gilvander: Sínodo da Amazônia. 23/11/2019

https://www.youtube.com/watch?v=AXnHmvGduQ4

 

 

 

 

 

2 – “Lavando os pés uns dos outros e beijando os pés do próximo.” – Comunidade Ribeirinha de Barreiras, no município de Itaituba, no Pará – 28/03/2024

https://www.youtube.com/watch?v=dezisC2YUVA

3 – Os Ladrões e Poluidores das Água – Vídeo produzido pela FASE – Solidariedade e Educação – Março/2024

https://www.youtube.com/watch?v=WgttwkaH6tQ

4 – Realidade/desafios das CEBs do Oeste e Amazônia no XV Intereclesial das CEBs, Rondonópolis/MG. Víd11

https://www.youtube.com/watch?v=eDlFAkMDzDY

5 – Amazônia. O Resgate dos Yanomani, com a urbanista Regina Fittipaldi

https://www.youtube.com/watch?v=e3jwrYDiwDY

6 – Estudo: Em três décadas a Amazônia perde o equivalente aos estados de SC, PR, SP, RJ e ES/JN/02-7-2020

https://www.youtube.com/watch?v=4o7F5Tsua0w

7 – Desmatamento na Amazônia é o maior dos últimos dez anos – JN – 19/01/2021

https://www.youtube.com/watch?v=xYZ9x_IXIBg

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E “cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail:  gilvanderlm@gmail.com  –  www.gilvander.org.br  –  www.freigilvander.blogspot.com.br       –        www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

A religião como Projeto de poder político: Notas sobre a expansão no Brasil da Teologia do Domínio

Mergulhados em tempos distópicos e tenebrosos, assistimos, perplexos, à crescente expansão, em escala mundial, da extrema-Direita, movida pela ideologia fascista, centrada em contra-valores tais como a violência, a mentira contumaz, a hipocrisia, todos promovidos, em grande parte, pela mídia hegemônica, especialmente por suas redes digitais. Neste movimento deletério dos princípios elementares que norteiam o processo de humanização, o apelo à religião tem se dado de modo abusivo, especialmente por meio de seus próceres.

Nas últimas décadas, com efeito, temos constatado avanços significativos da onda neofascista, na Europa, na América-Latina e alhures, como manifestação emblemática do desenvolvimento capitalista, em sua fase / face neoliberal, em seu potencial extremamente devastador, seja das condições socioambientais, seja das condições econômicas (com graves consequências no aumento das desigualdades sociais, seja no âmbito político, seja no âmbito cultural).

No caso específico do Brasil, salta aos olhos o recurso abusivo que seus representantes têm feito da Religião como meio privilegiado de impor uma ideologia teocrática, apelando também para os mecanismos de controle dos aparelhos de Estados. É assim que diversas denominações ditas Evangélicas, em parceria com segmentos neopentecostais católicos, têm recorrido, por diferentes estratégias, à promoção de iniciativas e eventos, com o claro propósito de proselitismo, seja em redes de televisão, de rádios, de periódicos, seja investindo maciçamente na eleição de candidatos e candidatas a cargos com mandato executivo e legislativo, tanto na esfera municipal, tanto no plano estadual, quanto na esfera federal. Também no âmbito do Judiciário, sua presença se faz notar. Importa, ainda, ter presentes suas investidas nos aparelhos repressivos do Estado.

Tal como a conhecida Teologia da Prosperidade, na qual se fundamentam ricos pastores de várias denominações evangélicas, de modo a induzirem grande número de seus seguidores a manterem e até a aumentarem sua contribuição mensal, dita “Dízimo”, sob a promessa de que Deus multiplicará seus bens e abençoará suas vidas, vem ganhando força a chamada “Teologia do Domínio”, cujos traços principais cuidamos de destacar.

Cumpre, antes de tudo, assinalar a relação  orgânica entre  a Teologia do Domínio e o movimento mundial da extrema Direita, em suas estratégias de submeter a sociedade civil ao cerrado controle ideológico dos princípios e valores totalitários que a  caracterizam. O controle ideológico constitui um pilar decisivo de suas diversas estratégias de controle total da vida social, econômica, política, cultural, subjetiva, ética, estética e espiritual.

Cada uma dessas dimensões se mostra como alvo direto ou indireto de seu projeto totalitário. Recorrendo a um exemplo ilustrativo deste projeto, podemos mencionar a recente fala feita pela ex-Primeira Dama do Brasil, quando do recente Ato público, realizado na Avenida Paulista em São Paulo, a pretexto de esclarecimentos e em defesa do ex-Presidente do Brasil. Tal Ato, em sua abertura, remetia ou lembrava, antes, a realização de um culto, cujo rito se mostrou caracterizado por forte traços da Teologia do Domínio, à medida que a ex-Primeira Dama, usando e abusando de textos Bíblicos do Antigo Testamento, em uma interpretação fundamentalista, conclamava seus ouvintes a uma batalha em defesa do Bem e contra o Mal, em que o Mal corresponde a todos aqueles que não concordam com os propagadores da Teologia do Domínio, tornando-se, por isto mesmo, perigoso inimigo a ser combatido e exterminado.

Outro traço da Teologia do Domínio é o abuso de uma hermenêutica supremacista do Antigo Testamento, com o propósito de lastrear suas teses de submissão da humanidade a dogmas supremacistas veterotestamentários, aos quais tenta submeter, inclusive, os ensinamentos do Novo Testamento e do próprio Evangelho. Trata-se da substituição do Deus-Amor pelo Deus dos exércitos, sempre pronto a combater e a exterminar todos os que não lhe prestam obediência. Ou seja, a Teologia do Domínio, em sua insensatez, persegue todos os diferentes como inimigos, sob a alegação de estarem contra Deus, o seu Deus.

O apelo abusivo ao nome de Deus só agrava o teor de uma ameaça de desfiguração da condição humana, à medida que vivencia e tenta legitimar, como se os valores fossem da condição humana, traços mais perversos da mesma condição humana, situação que se pode observar por suas posturas e atitudes não raro desumanizantes, ecocidas, misóginas, androcêntricas, racistas, xenofóbicas, aporofóbicas, islamofóbicas, homofóbicas, transfobicas, entre outras.

Seguir estudando criticamente como se estrutura e organiza a Teologia do Domínio e suas manifestações no atual cenário internacional e nacional constitui relevante tarefa, como meio de combatê-las em suas raízes. Para tanto, convém (re)visitar alguns estudos que nos fornecem elementos históricos do aparecimento e evolução deste fenômeno. Nesse sentido vale a pena (re)ler, por exemplo, um estudo feito por Delcio Monteiro de Lima em seu livro “Os Demônios descem do Norte” (Editora Francisco Alves, 1987), bem como – agora, já sobre o tema específico – o livro “Heaven on earth?: the social & political agendas of dominion theology” (1992).

No que toca especificamente ao caso brasileiro cumpre lembrar o empenho investigativo de João César de Castro Rocha e outros, a exemplo de Andrea Dip, em seu livro “Em nome de quem?: A bancada evangélica e seu projeto de poder” (Editora Civilização Brasileira, 2018). Neste sentido, recomendamos acompanhar mais de perto seus escritos e entrevistas, a exemplo da concedida por João César de Castro Rocha no podcast Pauta Pública.

Nesta entrevista, podemos ler: “Em meio ao avanço de investigações da Polícia Federal sobre as suspeitas de um plano de golpe de Estado por parte de Jair Bolsonaro e seus aliados, o ex-presidente reuniu milhares de apoiadores na avenida Paulista no dia 25 de fevereiro. Para o historiador e professor de literatura comparada na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) João Cezar de Castro Rocha, no futuro os historiadores verão essa manifestação como um momento sintomático de algo que há muito tempo se articula nos bastidores: pela primeira vez, tornou-se explícito o projeto da teologia do domínio. No episódio 109 do podcast Pauta Pública, o professor explica as dimensões religiosas da manifestação bolsonarista. Segundo Castro Rocha, a teologia do domínio usada nos discursos de Michelle Bolsonaro e Nikolas Ferreira foi desenvolvida nos Estados Unidos e, recentemente, adotada no Brasil. Ela é a base da doutrina de várias igrejas, como a da Lagoinha, diz o professor.” (https://apublica.org/2024/03/teologia-do-dominio-e-mais-perigosa-para-democracia-que-bolsonarismo-diz-historiador/)

Um final sintomático desta investida teocrática, podemos perceber na votação prevista para esta semana, de um Projeto de Lei propondo a isenção de impostos para igrejas, a despeito de o Estado se declarar laico.

João Pessoa, 19 de março de 2024.

 

* Texto ditado pelo autor, e digitado por Elizabete Santos Pontes, Gabriel Luar Calado Bandeira e Heloíse Calado Bandeira, a quem o autor expressa sua gratidão.

Imagem: Sociovlog, Youtube, 18/10/2020

A eficácia político-pedagógica da militância de Breno Altman: Notas acerca de sua exposição anti-sionista, na Paraíba

Na véspera da comemoração do natalício de Gregório Bezerra (13/03/1900-21/10/1983), admirável lutador popular, a quem prestamos nossa homenagem, cuidamos de compartilhar um registro acerca da presença de Breno Altman, na Paraíba, para lançamento do seu livro “Contra o Sionismo: Breve história de uma doutrina colonial e racista”

 

Figura de referência da Esquerda, o Jornalista Breno Altman tem-se notabilizado pela qualidade de suas análises e de suas intervenções orais e escritas, seja no plano internacional, seja no âmbito nacional. Por meio de sua participação diária, tanto em canais alternativos (ora em “Opera Mundi”, ora no canal Brasil 247 e em outras redes digitais), vem se mostrando reconhecidamente e qualificado pelas suas análises e intervenções criteriosas.

 

Apresentando-se como Judel, de espectro anti-sionista, tem-se tornado alvo predileto, sobretudo por conta de sua corajosa oposição e denúncia das atrocidades cometidas pelo Governo sionista de Israel contra o Povo Palestino, de sistemática perseguição pelas forças sionista e ultra-Direita, a exemplo da Conib (Confederação Israelita do Brasil), que lhe tem movido ação judicial por suposta posição anti-semítica.

 

Ao invés de limitar-se a mera defesa, no plano judicial, Breno Altman não tem cessado de responder, ativa e altivamente, a tal perseguição, seja por meio de entrevistas, seja pela publicação de seu recentíssimo livro “Contra o Sionismo” (Alameda Editorial, 2023), seja ainda pela fecunda iniciativa de debater a questão sionista, desde suas raízes histótica e sua evolução desssastrada, percorrendo as 27 unidades federativas do Brasil, inclusive a Paraíba. As linhas que seguem, se circunscrevem a fornecer uma breve notícia de sua recente passagem pela Paraíba.

 

Com o apoio e solidariedade de múltiplas entidades da sociedade civil (Entidades Sindicais, de Movimentos Populares, de correntes partidárias e estudantis), Breno Altman esteve também na Paraíba, no início da semana passada, tendo cumprido 6 compromissos, sendo 3 em Campina Grande (no meio sindical, com os estudantes e na UFCG) e 3 em João Pessoa (no Sindicato dos Correios, na Assembleia Legislativa e na UFPB).

 

Aqui nos limitamos a destacar aspectos axiais de sua exposição feita, na UFPB, no dia 05/03 próximo passado, encontrando o auditório 411, do CCHLA completamente lotado, especialmente por jovens. Tendo-lhe sido passada a palavra, Breno Altman, após a saudação inicial, começou por apresentar as razões de sua presença: esclarecer sobre a relevância do tema, que hoje desponta como a questão mais urgente para o mundo e a necessidade de aprofundamento dessa questão, para um enfrentamento exitoso.

 

Em seguida cuidou de enfrentar, em perspectiva histórica, os fundamentos e a evolução do Sionismo. As atrocidades, ainda em curso, cometidas pelo Sionismo contra os Palestinos, não datam de 07/10/2023, em consequência da violenta insurgência do Hamas, mas constituem prática corriqueira, há pelo menos 75 anos, ou ainda mais precisamente desde o final do século XIX, quando o Congresso sionista inspirado nas teses de Theodor Herzl (1860-1904), realizado em Basileia (Suíça). Cometendo uma fraude de interpretação histórica, assumida pelo congresso, segundo a qual, diferentemente da interpretação vigente durante séculos, de que somente a partir da chegada do Messias, o Povo Judeu cuidaria de retornar ás suas origens geográficas, Herzl contra propunha a tese de que se deveria começar já os preparativos para a chegada do Messias, promovendo desde ja o retorno dos judeus ás suas origens geográficas, disperssados que haviam sido pelo mundo, principalmente na Europa após as antigas diásporas.

 

Desde então, seguiram-se, sobretudo no período pós-Primeira Guerra (1914-1918), sucessivas e crescentes investidas dos sionistas contra a terra e a gente Palestinas. Contando com o poderoso financiamento de tropas bem armadas a invadirem aldeias, a expulsarem os palestinos de sua terra, as centenas de milhares, com o apoio do Reino Unido, dos Estados Unidos, da França e de outras potências europeias, os Sionistas foram apropriando-se a força de grande parte das terras palestinas, ao tempo em que promoviam o retorno de euro-judeus a estas terras, para ocupá-las e civilizá-las ao arrepio dos direitos mais elementares do povo palestino.

 

Após a segunda guerra mundial, em virtude de grande comoção suscitada pelo holocausto (do qual foram vítimas 6 milhões de judeus), a recém-fundada ONU acabou consentindo uma partilha de territórios  profundamente injusta para com os Palestinos, na qual estes que antes ocupavam a enorme parte do território, tiveram que perder suas propriedades para os novos colonizadores. Pacto evidentemente a que se opuseram os palestinos, com a solidariedade dos povos Árabes.

 

Desde então, há mais de 7 décadas, sucedem violentos conflitos, opondo, de um lado, os colonos invasores (os sionistas) e, por outro lado, a resistência árabo-palestina, dos quais os mais atrozes ocorreram em 1967, quando da chamada “Guerra dos Sete Dias “, o de 1973 e o atual genocídio, que ja dura 5 meses, perpretado pelo Gorverno de Israel contra os Palestinos na Faixa de Gaza.

 

Em sua exposição, Breno Altman destaca que tal genocídio não teria lugar, sem a cumplicidade dos Estados Unidos, da Grã-Betânia e das potências imperialistas do Ocidente, que lhe fornecem pesados armarmentos, combustível e apoio logístico. Breno Altman, ao final de sua fala, fez questão de reconhecer a relevância da corajosa denúncia feita pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva das atrocidades cometidas pelo Governo de Israel contra o Povo Palestino, parte expressiva do qual formada por vítimas inocentes, principalmentes crianças e mulheres.

 

Pelo exposto, podemos observar, não apenas a qualidade da fala do expositor, como também a eficácia de sua militância política, inspirando-nos a seguir adiante, em uma resistência proativa, especialmente no tocante às nossas organizações de base solidariedade ao Povo Palestino.

 

João Pessoa, 12 de Março de 2024

Imagem: Editora Alameda / Divulgação Lançamento do livro de Breno Altman – Opera Mundi Redação Opera Mundi, 12 de dezembro de 2023

Ecoando a profecia indígena do cacique Merong, do Território Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG

Ecoando a profecia indígena do cacique Merong, do Território Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG. Por frei Gilvander Moreira[1]

Encantou-se o guerreiro Cacique Merong (Wallace Santos Souza. Ele gostava de ser chamado pelo nome indígena), liderança do povo Kamakã Mongoió, da Retomada/Território Indígena Kamakã Mongoió, em Córrego de Areias, Brumadinho, MG. Grande liderança do povo indígena mineiro e brasileiro, Merong enfrentou heroicamente policiais da Polícia Militar de Minas Gerais, a mineradora VALE S/A assassina reincidente e seus capangas, e quem atrapalhava o fortalecimento da Retomada. Merong foi encontrado dia 04 de março de 2024, por volta das 8 horas da manhã, na sua casa no meio da mata na Retomada Kamakã Mongoió, casa distante mais de 200 metros da casa da Cacique Katorã, também na mata. A Polícia Civil levou o corpo do Merong para o Instituto Médico Legal de Betim e, após o retorno do corpo, o velório aconteceu no Território Kamakã.

Entretanto, na madrugada do dia 06 de março de 2024, a mineradora Vale conseguiu na Justiça Federal uma liminar que proibia o sepultamento, melhor dizendo, na linguagem indígena, semear e plantar o cacique Merong no Território Kamakã Mongoió, em Brumadinho. Ter acatado o pedido judicial da Vale S/A foi uma decisão da Justiça Federal mais desumana, brutal, violenta e inconstitucional que já vi na minha vida. A mesma Justiça que deixa impune a mineradora Vale S/A por muitos crimes, inclusive por ter sepultadas vivas 272 pessoas no crime bárbaro em Brumadinho, agora concede à Vale S/A uma decisão judicial que proíbe enterrar o cacique Merong.

Só na mitologia grega se diz que houve a proibição de se enterrar um morto. Pior: no processo judicial visando proibir sepultar o cacique Merong no Território Kamakã, como era desejo expresso dele, a Vale S/A arrolou como réus um morto, o cacique Merong; mãe dele, a cacica Katorã, em luto profundo; e a criança indígena sobrinha do Merong, Kenowara, de 9 anos de idade. Que estes muitos crimes perpetrados contra o cacique Merong, o Povo Kamakã Mongoió e todos os povos indígenas sejam apurados com rigor, julgados e os responsáveis punidos exemplarmente.

Para enterrar 272 pessoas vivas na lama tóxica de Brumadinho dia 25 de janeiro de 2019, a mineradora Vale não pediu licença, agora quis impedir o sepultamento de uma liderança indígena morta, que, aliás, lutava fortemente contra ela, em seu território. A Vale violentou até rituais indígenas ancestrais!!! O que está acontecendo com o poder judiciário? Exigimos Justiça!

Seguiremos firmes na luta ao lado dos Povos Indígenas e, especificamente, do Povo Kamakã Mongoió, umas das famílias do Povo Pataxó Hã Hã Hãe. Consideramos imprescindível ecoarmos a voz, os gritos por justiça, a profecia vivenciada intensamente pelo Cacique Merong nos seus 36,5 anos. Neste sentido transcrevemos abaixo o “Discurso implacável do Cacique Merong, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos, dia 19 de maio de 2023. Parece que Merong já antevia o que aconteceria com ele. Que fala eloquente! Que firmeza! Merong bradou: “Que o meu corpo possa servir de adubo para aquela terra. As gerações futuras, meus filhos, netos, bisnetos… vão saber da luta que travei sem trégua em um país que nós somos originários.”

Com a Palavra, abaixo, Merong, que, mesmo sem seu corpo físico, continuará vivo em nós sempre na luta por todos os direitos humanos dos Povos Originários e de todos os Povos.

O Cacique Merong saudou a todes na língua Kamakã e continuou: “Eu sempre gosto de iniciar as minhas falas falando na língua indígena, porque nós estamos no país, que é Pindorama, e Pindorama é Território Indígena, porque antes de chegarem as mineradoras, já existiam os Povos Indígenas aqui. Então, a minha fala hoje é uma fala de denúncia e é uma fala guardada para um momento como este. Como já diz uma frase, o passado constrói o presente.

Eu sou o cacique Merong, sou filho da cacica Katorã, também sou tio da criança Kenowara[2], e somos os guerreiros que iniciamos a Retomada do Território Kamakã Mongoió no Córrego de Areia, em Brumadinho, MG. Porque se o passado constrói o presente, o nosso povo faz parte de uma grande família chamada Pataxó Hã Hã Hãe. O nosso povo não surgiu de lugar nenhum, nós sempre estivemos aqui. Há 40 anos, a minha avó teve que migrar para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG, se refugiar nas vilas e favelas em busca de saúde para um tio que chegou aqui deficiente de tanto trabalhar para fazendeiro quando as nossas terras haviam sido roubadas na Bahia. E eu sou nascido em Contagem, na RMBH, que é um Território Indígena também.[3] “O passado constrói o presente.” Nós nunca deixamos de ser indígenas; deixamos às vezes de praticar nossa cultura por causa da repressão que sofremos, mas o nosso povo, ele é como Fênix, ele ressurge da cinza.

No ano de 2008, nós iniciamos a luta pelo espaço de venda do artesanato de onde os nossos parentes haviam sido expulsos pela própria prefeitura de Belo Horizonte. A minha tia faleceu com leucemia, com papéis que ela encaminhava para o Ministério Público pedindo o espaço de volta. Ela sonhou com aquele espaço e nós retomamos em 2008. Então foi a nossa luta que garantiu o espaço onde os parentes estão trabalhando hoje, foi a retomada do espaço da Feira Hippie no ano de 2008. É uma tristeza que muitos parentes não puderam estar vendendo seus artesanatos porque eles faleceram até pela angústia de serem reprimidos na capital de Minas Gerais.

No ano de 2017, a família Kamakã fez a frente de luta por Território na FUCAM, conhecida como Fundação Caio Martins, passando a se chamar Aldeia Kamakã Grayra, em 2017.  No ano de 2018, eu estava como vice-cacique da Aldeia Kamakã Grayra, e no ano de 2019, 25 de janeiro, a barragem da mineradora Vale estoura em Brumadinho e contamina o Rio Paraopeba, rio que nós pescávamos, rio que seria herança dos filhos da Kenawara, que é uma criança hoje de 9 anos. E por causa também do estouro da barragem, surgem conflitos internos e o nosso povo teve que se espalhar e sair do Território, porque já não tinha mais a sua vida, o seu cotidiano normal por causa da mineradora Vale. E eu prometi para minha mãe que nós faríamos uma nova Retomada para o nosso povo que já não estava mais naquele Território que foi contaminado, não só contaminado pela lama tóxica, mas também contaminado pela ganância. E de 2019 a 2021, nós pedimos ao Grande Espírito que nos guiasse para um Território, que nos levasse, que nos conduzisse para um Território.

No dia 23 de outubro de 2021, nós chegamos ao Córrego de Areia, onde nós fincamos o marco e fizemos uma Retomada. Nós não fizemos essa Retomada escondido, nós anunciamos para o mundo inteiro que nós, Kamakã Mongoió, estávamos fazendo Retomada do nosso Território. O Córrego de Areia é um Território muito grande, muito grande. Nós passamos um mês, dois meses acampados, reconhecendo o Território e vendo se nós podíamos usar aquele Território para nós vivermos. Faltava água potável e nós encontramos a água potável.  A água potável estava num Território que a mineradora Vale tinha comprado. Nós não escolhemos entrar num Território da Vale, ninguém nos mandou ir lá. Quem nos levou para lá foi a força do Grande Espírito, foi a força da floresta, porque a floresta é viva, a água também é viva. E quando eu falo que é um Território Ancestral, eu não estou inventando mentira para vocês e nem contando mentira para ninguém.

Nós passamos mais de cinco meses com pouquíssimas pessoas fazendo a frente da luta. E nós enfrentamos a fúria da Vale, nós enfrentamos as articulações da Polícia Militar. Quem foi que nos segurou? Quem nos manteve naquele Território foi a nossa força ancestral, a nossa espiritualidade, o nosso cântico. Quando a polícia chegava lá perguntava: “Só tá vocês aqui?” “Nossos parentes estão aí dentro da floresta”, eu dizia para eles. E realmente estavam e estão.

E hoje eu me levanto novamente para dizer que nós não saímos daquele Território. Que o meu corpo possa servir de adubo para aquela terra, mas as gerações, meus filhos e netos vão saber da luta que o Merong Kamakã fez em um país que nós somos originários. Os meus avós, a minha mãe, eles não vieram da Europa, eles sempre estiveram aqui, o nosso povo sempre circulou por esse país chamado Brasil.

Quando eu vivia na periferia, na minha infância, às vezes, a gente passava por problemas e eu e o meu irmão olhávamos para as montanhas e tentávamos chegar até a montanha, só que nós não conseguíamos, nós éramos muito pequenos. E hoje nós moramos dentro da montanha que é aquelas montanhas de Casa Branca que vocês veem. Hoje nós somos guardiões do Córrego de Areia. Como pode pouquíssimas pessoas enfrentarem tantos seguranças da mineradora Vale? Como pode vencer a intimidação que nós passamos ali dessa mineradora assassina que envia drone, que envia Polícia Militar? Existe uma força maior que nos levou para ali.

A nossa mensagem está sendo transmitida à sociedade e que os infiltrados da Vale no nosso meio possam levar essa mensagem. Vocês sabem quanto tempo que eles demoraram para nos descobrir na terra que eles compraram? Três meses. Nós já tínhamos plantado feijão e mandioca, já estávamos quase colhendo feijão. Eles estão comprando tudo.  E agora eu falo e afirmo: quer fazer reparação? Deixa nós usufruirmos de tudo o que tem natural, da água, da terra. Devolve aquilo que é nosso, que é a nossa dignidade, é isso que nós queremos.

Eu não escolhi fazer esse diálogo, assim como eu também não escolhi ocupar um Território chamado Território da Vale, mas a natureza pede socorro! Quem já ouviu falar no Apocalipse? Para os povos indígenas é o segundo Apocalipse, porque o nosso povo vivia nas florestas desse país chamado Brasil, vivia em liberdade, não tinha limites, migrava, morava, dormia onde queria e o nosso mundo foi destruído por essa chamada evolução e a mesma chamada evolução está destruindo o próprio mundo que criou, por causa da ganância!

A mineradora Vale construiu um cemitério em cima de outro cemitério de uma sociedade, chamado Aratu, que são povos que vieram do Nordeste. E a mineradora Vale segue minerando em cima dos cadáveres daquelas pessoas que ela matou, que ela chama de joias.

Reconhecemos a luta de cada pessoa que perdeu sua vida no crime da Vale, mas será que nós que estamos vivos não deveríamos ser valorizados? Será que a nossa cultura enquanto povo milenar desse país chamado Brasil não deve ser respeitada? Lagoa Santa é o berçário dos povos indígenas do tronco Macro-jê.  Nós não somos invasores de terra, nós somos filhos originários dessa terra e temos a esperança de que ainda vai existir água limpa e floresta de pé nesse país chamado Brasil. Awerê!”

As falas transcritas do Cacique Merong agora se tornam importantes documentos sobre a profunda história e luta pelos direitos indígenas em Minas Gerais e no Brasil. Nossos corpos – boca, mãos, pés, cabeça, coração… – serão o corpo vivo do Cacique Merong que se encantou, “virou passarinho”, conforme dizem nossos parentes indígenas. O sangue de Merong continuará circulando nas nossas artérias nos encorajando, suas ideias na nossa cabeça nos guiando, seu coração estará em nossos corações amando e cuidando como ele cuidava, suas mãos em nossas mãos fazendo o que ele nos ensina a fazer, seus pés em nossos pés pisando firme nas lutas justas, urgentes e necessárias.

Enfim, a vida do Cacique Merong grita, ecoa e ressoa… “Irá chegar um novo dia e neste dia os oprimidos a uma só voz a liberdade (e a justiça)  irão cantar…”

12/03/2024

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Cacica Katorã, do Povo Kamakã Mongoió, de Brumadinho, MG: “A luta pelo Território vai continuar. Não arredamos o pé daqui. Merong jamais suicidaria. Tiraram a vida dele” – 04/03/24

2 – Policial manda Cacique Merong recorrer ao capeta. Aponta arma. Cacique Kamakã sob risco de ser morto

3 – Trajetória apaixonante do Povo Indígena Kamakã Mongoió de “Vitória da Conquista/BA” (massacre) até a Retomada de Território em Brumadinho, MG. Aula Magna do cacique Merong na VII Semana de Antropologia e Arqueologia da FAFICH/UFMG, 25/11/22

4 – Mística Kamakã Mongoió e música indígena na conclusão da VII Semana de Antropologia e Arqueologia da UFMG, em Belo Horizonte, MG, dia 26/11/22. Vídeo 1

5 – “Resistiremos e só saímos mortos. PM não pode despejar indígenas. Quem deve julgar nosso caso é a Justiça Federal.” Cacique Merong, na Mesa de Negociação do Governo de MG, 23/3/22. Retomada Indígena Kamakã Mongoió, de Brumadinho, MG.

6 – “As Retomadas são um sopro de vida para nós indígenas. Nós vamos resistir com nosso corpo na luta.” (Cacique Merong, Kamakã Mongoió, de Brumadinho, MG. DESPEJO ZERO exigimos! Vídeo 4 – 21/3/22.

7 – Cacique Merong na Mesa de Negociação em MG, na iminência de Despejo da Retomada Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG: “Seu eu morrer na luta pelo nosso território, morrerei com dignidade. Temos o direito de existir.” Filmagem de Frei Gilvander – 11/03/22

8 – Retomada Indígena Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG. Frei Gilvander entrevista o cacique Merong Mongoió e a cacica Katorã – Vídeo 1 – 15/11/2021.

9 – A terra é sagrada, patrimônio da humanidade. Luta do Povo Indígena Kiriri, em Caldas, sul de MG – Vice-Cacique Merong Kamakã Mongoió. 07/11/2018.

10 – Cacique Merong: “Nossa Retomada Kamakã, em Brumadinho, MG, é em defesa da humanidade. Exigimos a Revogação da Resolução do Zema/SEMAD, que aniquila o Direito à Consulta Prévia …” Na ALMG, Vídeo 6 – 19/05/23

11 – APOINME, Cacique Merong, Pataxós e Pagé Paulo na Retomada Xukuru-Kariri, em Brumadinho, MG: 2 anos de luta e muitas conquistas. Vídeo 5 – 25/02/24

12 – Cacique Merong e Poliana, do MLB, na Retomada TERRA MÃE, de Betim/MG: “Povo Indígena Warao e de centenas de famílias sem-teto, aqui não vai ter despejo. Acreditem na luta e construam suas casas e nelas morem”. Vídeo 2 – 27/09/23

13 – Retomada Kamakã Mongoió, em Brumadinho/MG. Merong: “a criança indígena Kenowara sendo formada para ser cacica para a luta seguir com as próximas gerações” – 21/10/23

14 – Saga e resistência do Povo Indígena Kamakã Mongoió. Por cacique Merong, na Pré-Jornada da Agroecologia de MG, da Teia dos Povos de MG, no Quilombo Manzo, em BH-MG – Vídeo 9 – 21/04/23

15 – Mestre Joelson, da Teia dos Povos, e cacique Merong do Povo Kamakã Mongoió, de Retomada em Brumadinho, MG: elos da história Kamakã Mongoió

16 – Cacica Katorã, do Povo Kamakã Mongoió, de Brumadinho, MG: “A luta pelo Território vai continuar. Não arredamos o pé daqui. Merong jamais suicidaria. Tiraram a vida dele” – 04/03/24

17 – “Votar a favor dos Povos Indígenas e da preservação da Amazônia e dos biomas ou …?” (Cacique Merong, criança Kenowara Akyçã e Cacica Katorã, da Retomada Indígena Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG. Vídeo 1 – 23/10/22

18 – História do Povo Kamakã Mongoió. Cacique Merong no Centro Universitário UNA, em BH: Serviço Social e a luta pela terra, moradia, territórios e preservação ambiental. “Sem Povos Indígenas não terá preservação ambiental”. Vídeo 1 – 23/9/22

19 – Kenowara, criança indígena, e cacica Katorã enfrentam a Vale S/A, na Retomada Kamakã, em Brumadinho/MG: “Davi enfrentando Golias”. Viva a luta indígena! @ForaMarcoTemporal – Vídeo 2 – 21/08/23

20 – Retomadas Kamakã e Xukuru-Kariri em Brumadinho, MG, irmanadas na luta pelo Território: Cacique Merong e Adv. da APIB, na Mesa de Negociação: “Não abrimos mão do nosso direito ao Território”, dia 11/05/23 – Vídeo 2

21 – Horta Comunitária e Escola Indígena na Retomada Indígena Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG: que beleza! – 22/10/22

22 – CIMI pede que Processo contra Retomada Indígena Kamakã, em Brumadinho, MG, vá para CEJUSC do TJMG e Des. Dr. Newton espera o envio pelos desembargadores do caso. DESPEJO ZERO exigimos! Vídeo 3 – 21/3/22

23 – Crianças indígenas plantando árvores frutíferas na Retomada Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG: que beleza! Vídeo 5 – 09/12/2021.

24 – Convivendo em harmonia com a natureza, plantando árvores e criando galinhas: Retomada Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG, Vídeo 4 – 09/12/2021.

25 – Mística indígena Kamakã Mongoió na Retomada em Brumadinho, MG, acolhendo a FUNAI, em visita de reconhecimento. Vídeo 3 – 09/12/2021.

26 – FUNAI VISITA Retomada Indígena Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG: mandioca plantada, água e recepção à FUNAI. Vídeo 1 – 09/12/2021.

27 – O Grande Espírito guia a Retomada Indígena Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG. Frei Gilvander gravando com o cacique Merong Mongoió e a cacica Katorã – Vídeo 2 – 15/11/2021.

28 – FUNAI reconhece Retomada Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG, e promete defender os direitos dos indígenas. Vídeo 2 – 09/12/2021.

29 – Incêndio no Museu Nacional/RJ: O descaso com a memória, com a história – Dra. Alenice Baeta, Cacica Marinalva e Vice-Cacique Merong, ambos do Povo indígena Kamakã Mongoió, em entrevista a frei Gilvander. 03/9/2018.

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E “cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Assista ao vídeo Retomada Kamakã, Brumadinho/MG. Merong: “a criança indígena Kenowara sendo formada para ser cacica”https://www.youtube.com/watch?v=_Rw6rweYtyc

[3] No Censo do IBGE, de 2022, 796 pessoas se autodeclararam indígenas na cidade de Contagem, MG. Cf. o artigo Luta e Resistência Indígena na RMBH cresce e fortalece, de frei Gilvander Moreira no link http://gilvander.org.br/site/luta-e-resistencia-indigena-na-rmbh-cresce-e-fortalece-por-frei-gilvander-moreira/

Arte de vivir

Esto del arte es la parte que creo que más me rescata

Sé que esto sucede también con otras personas

Es tener una dirección adonde ir

Es saber que siempre hay una posibilidad, una salida

Es rehacer el presente y el pasado

Pasar a limpio a nuestro favor

Dejar de estar a merced de lo que pueda sofocarnos

O robarnos la alegría de vivir.

Recupero la perspectiva de quien soy y donde estoy

Cada instante es precioso.

A fé pascal que cura a nós e a Mãe Terra

4º Domingo da Quaresma:  Jo 3, 14 – 21. 

A fé pascal que cura a nós e a mãe Terra

Neste 4º domingo da Quaresma (ano B), o evangelho lido é João 3, 14- 21 no qual a conversa de Jesus parece se alargar de Nicodemos para todos/as nós. No começo é Jesus quem fala. Depois, fica claro que é a própria comunidade do evangelho que fala de Jesus na terceira pessoa. O evangelho começa por uma referência ao episódio da serpente de bronze, contado no livro dos Números (Nm 21 4 ss). Jesus tinha dito a Nicodemos que para se acolher bem o reinado divino no mundo é necessário novo nascimento. Aqui ele deixa claro que esse novo nascimento não é algo tranquilo. É conflitivo e se realiza à medida que assumimos a cruz, como foi o caso de Jesus e como ele apontou para os discípulos e discípulas.

Nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, por três vezes, Jesus anuncia ao grupo a sua decisão de ir a Jerusalém enfrentar as autoridades religiosas e a cruz será a consequência disso. O quarto evangelho substitui essa linguagem da cruz por uma expressão própria: a elevação do filho do Homem (Jo 3, 14 e 12, 23). Aquilo que para o senso comum seria o máximo da humilhação e do castigo (ser suspenso em um instrumento de tortura como a cruz), o 4º evangelho vê como elevação e como glória, isso é, sinal da presença de Deus.

Essa passagem usa como figura da cruz de Jesus a antiga serpente de bronze, levantada no deserto. Conforme o relato bíblico, o povo sofria uma epidemia de feridas. Quem olhava para a serpente era curado.

Em todo o Oriente Antigo, era comum o culto da Serpente como divindade curadora e da fertilidade. Mesmo com toda a rigidez dos profetas contra os cultos estrangeiros, no próprio templo de Jerusalém, onde era proibida qualquer imagem, havia uma serpente de bronze. Conforme os textos bíblicos, o mesmo Moisés que fora implacável contra o culto do bezerro de ouro, aceitou a serpente de bronze. Rejeitou a cultura popular quando, no caso da adoração ao bezerro de ouro, porque aquele tipo de religiosidade afastava o povo da caminhada libertadora. Aceita no caso da serpente, porque ali se trata de curar, portanto, defender a saúde e a vida.

Muitos cristãos ainda interpretam os cultos afro-brasileiros como sendo idolatria, do mesmo modo que os profetas da Bíblia condenavam os cultos cananeus. Isso está errado porque iguala tudo. Não percebe que a mesma Bíblia que rejeita e condena o culto do bezerro de ouro aceita a imagem da serpente de bronze que era uma divindade dos cananeus, do mesmo jeito que era o bezerro de ouro. No entanto, enquanto o bezerro de ouro representava o desejo de riqueza, a serpente era símbolo de cura das doenças e defesa da vida.

Ao se comparar com a serpente de bronze no deserto, Jesus assume a caminhada libertadora e mostra que quer atualizá-la agora para todo mundo. Historicamente, a cruz é terrível instrumento de suplicio. De fato, representou a violência do sistema contra o profeta rebelde que desafiou os religiosos. No entanto, a comunidade do Discípulo Amado quer nos mostrar na cruz mais do que isso. O amor transforma a cruz em instrumento de cura e salvação. Não porque Deus tenha necessidade da morte do seu Filho para salvar o mundo, mas porque o seu amor chega ao ponto de, através de Jesus, se oferecer aos inimigos como dom e oferta de vida. Essa é a loucura da cruz. Esse evangelho diz que Deus amou tanto o mundo que lhe entregou o seu Filho. O modo de falar recorda o modo como Abraão aceita entregar  o seu filho Isaac, quando pensa que Deus lhe pede isso (Gn 22). No caso de Jesus, a doação da vida vai até o final, porque não se trata de um sacrifício e sim de testemunho (martírio).

Jesus revoluciona o modo de revelar Deus. Mostra que Deus não pode ser identificado com o poder supremo, nem com uma divindade que premia os que lhe obedecem e castiga aos que lhe resistem. O Deus de Jesus é só Amor e só pode amar. Não pode legitimar guerras nem religiões de cruzadas. É um Deus carente. Se no primeiro testamento, se revelou vestido de fumaça e fogo, nos evangelhos se reveste de carne: a nossa carne. É um Deus que se entrega na entrega de amor que Jesus faz. O evangelho conta que, no horto, Jesus viu o seu grupo em risco. Então, se entregou para salvá-los: “Se é a mim que buscais, deixai que esses possam ir livres” (Jo 18 8).

Seria pretensão e arrogância querer explicar o tamanho e as razoes desse amor. Ele nos é oferecido para que também nós aceitemos viver isso. Isso é o sentido da Páscoa. Essa é a proposta da Campanha da Fraternidade que liga a conversão pascal à nossa abertura e disponibilidade para entrar em uma cultura de “amizade social”. Se Deus amou tanto o mundo que chegou a entregar o seu Filho Único, esse amor é fonte de comunhão e de amizade social que devemos desenvolver e aprofundar.