Saudade do que não sabemos

Cantava Chico e MPB-4:

(…) A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir

Em dois momentos, dá saudade de um lugar e de um tempo que nunca vivi:

E muito tempo depois:

A música foi feita para a peça Roda Viva e conquistou o terceiro lugar no III Festival da TV Record (outubro de 1967). O primeiro lugar ficou com Ponteio, de Edu Lobo e Capinan; o segundo com Domingo no parque, de Gilberto Gil; e o quarto lugar foi para Alegria, alegria, de Caetano Veloso.

A peça foi escrita por Chico e montada por José Celso Martinez Corrêa. Estrearia no Teatro Princesa Isabel, no Rio, em 15 de janeiro de 68.

Está registrado no livro “85 anos de Música Brasileira” (Vol. 2, 1ª edição, 1997, editora 34):

Criticando a situação do artista, triturado pela mídia – o personagem principal, o cantor Ben Silver, é um ídolo inventado e imposto ao público pela publicidade -, o espetáculo teve uma encenação chocante, agressiva e provocadora, pela maneira livre e audaciosa como José Celso tratou o texto, com a aprovação total do autor. Aliás, Chico aproveitaria a oportunidade para se livrar da incômoda imagem de bom moço, que teimavam em lhe impingir.

Acontece que apresentada no agitado ano de 1968, quando a radicalização da ditadura caminhava para a edição do AI-5, ‘Roda Viva’ gerou uma intensa reação de grupos de direita ligados ao regime, que culminou com a agressão aos atores e a destruição dos cenários no Teatro Galpão, em São Paulo, seguidas de novas agressões em Porto Alegre, o que determinou o final das encenações em 3 de outubro. Então, os participantes da peça foram enfiados num ônibus e despachados para fora do Estado, com a recomendação de não retornarem.

Mas, voltando à canção, “Roda Viva” é uma longa e muito bem elaborada composição, com uma melodia soturna que realça e complementa o pessimismo fatalista do poema (“Faz tempo que a gente cultiva / a mais linda roseira que há / mas eis que chega a roda viva / e carrega a roseira pra lá…”). A canção foi defendida no festival e gravada pelo próprio Chico, com o apoio do MPB 4, numa versão que pode ser considerada como definitiva.

Essa é a versão que destaco acima.

Um suplemento literário do jornal O Estado de S. Paulo de fevereiro de 1968 completou: “Roda viva é, nesse sentido, o oposto de A banda. A princípio, foi samba pouco ouvido. Não lhe deram muita bola. É certo que nunca chegou a ser considerado um equívoco na carreira do seu autor. Mas, de início, foi considerado inferior à A banda. Quase todos acharam justo o terceiro lugar que lhe outorgaram no 3.° Festival da TV Record. Agora, não. A força de comunicação desse samba – que se foi impondo, quase preguiçosamente, à sensibilidade geral – já fez dele um dos momentos indiscutíveis da música popular brasileira de todos os tempos.”

A letra está aqui. Relembre e sinta saudade do que não viveu, porque às vezes faz bem.

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