Repalavra

Árduos tempos, de esvaziamento das palavras. Desde o poder se impõem expressões avessas à realidade, que são aceitas acriticamente até por aquelas pessoas que acreditam ser críticas do sistema. Aliás, há que ver o que seja crítica, se uma postura real de dissidência, ou apenas uma postura.

Refiro-me agora pontualmente a termos como neoliberalismo (que não tem nada de novo nem de liberal) e reforma da previdência (que é desmonte, desvio, alguma outra coisa mas não reforma). Por uma dessas coincidências, lia uma crônica de Machado de Assis em que o autor girava em volta da expressão O que há de novo? Um texto de mais de cem anos atrás.

O que é que há de novo, realmente? Um sistema que nos rouba a percepção e o pensamento. Falamos o que impõem falar, a força de persistência, pressão ou medo, frequentemente uma combinação destas três coisas. Lembro de um texto de Julio Cortázar (Diario de Andrés Fava) em que diz: recuperar a palavra.

Falamos uma língua que não escolhemos, usamos palavras cujo significado ignoramos e nem nos damos o trabalho de pesquisar ou questionar. Desde muito jovem eu gostava e continuo a gostar de prestar atenção ao que é dito. É uma forma de evitar que nos queiram passar à perna. Intelectuais, jornalistas, elementos do poder, dispõem de um espaço sem igual para pressionar as consciências.

Mas há um espaço que deve ser ocupado: é o espaço da pessoa, a pessoa que cada um(a) de nós é. Isto começa com o reencontro da palavra. O que estou a dizer? O que estou a pensar? O que estou a fazer? O que quero? Para onde vou? Quais os meus valores? Quem sou?

Refazer o mundo é uma tarefa indispensável se queremos de fato sermos livres. Não há pior prisão do que aquela que não se percebe, aquele xadrez de grades invisíveis feito de crenças negativas, depreciativas, acovardadas, que nos deslegitimam e nos roubam a vida.

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