Que venha Dilma, que venha Aécio e também venham os governadores eleitos

trabajadoresPor Ivandro da Costa Sales
Dilma jura que fez tudo certo, nada a lamentar, e que o Brasil vai melhorar ainda mais. Aécio diz que o governo do PT é um desastre e que ele veio para nos salvar do dilúvio. Ela e ele nem se referem aos grupos econômicos, políticos culturais e religiosos, sejam eles brasileiros, internacionais ou transnacionais. Ela e ele resolverão tudo, sem essa de bancos, empresas nacionais e transnacionais, FMI, Organização Mundial do Comércio, ONU, Governo Americano, TV Globo, Bancada Ruralista, Bancada Evangélica, Centrais Sindicais, MST e ONG’s querer se intrometer na administração do país. Ela e ele são demais. Salvarão a pátria e ninguém tem a ver com isso. E é fácil, basta “votar certo”. Os candidatos a governador nos estados pensam e se comportam como Aécio e Dilma.
Seguramente nem Dilma, nem Aécio, nem os governadores eleitos cumprirão tanta promessa miraculosa, podemos apostar. É pena que ainda não se esteja atento ao processo que se repetirá incessantemente na nossa Democracia Representativa: o eleitor descontente, fará, na próxima eleição, sua terrível vingança, votando numa chapa adversária. Esperará mais quatro ou cinco anos para se vingar, se continuar descontente.
Depois desse duelo feio, triste, mal representado e deseducativo que se vê nos guias eleitorais e debates televisivos, em que Dilma e Aécio dão visíveis sinais de cansaço, ele ou ela terá um pouco mais de voto e em breve tomará posse como Presidente da República do Brasil.
O que esse duelo, dirigido por marqueteiros muito bem pagos, está escondendo e o que deveriam fazer todos os que pretendem implantar no Brasil um modo mais participativo e solidário de produzir bens e serviços e de administrar os interesses e direitos da sociedade?
O feio período eleitoral está escondendo algo fundamental: o jogo de interesses da sociedade. Não deixa perceber que tudo na sociedade é influenciado e decidido por interesses econômicos, políticos, culturais, ideológicos, afetivos, religiosos. Alguns desses interesses, os dos grupos dominantes, já estão afirmados e lutam por todos os meios (que não são poucos) para se perpetuar. Outros, os dos grupos explorados e dominados, tentam pelos meios de que dispõem (e não são muitos) se fazer valer. E com quanta candura, nem Dilma nem Aécio falam na existência, importância e força de tantos e tão variados grupos de interesse.
Os empresários, seus representantes e assessores sabem que os candidatos estão mentindo, quando nem se referem à influência decisiva que os grupos econômicos, políticos, culturais e religiosos dominantes exercem no poder executivo, legislativo e judiciário. Os empresários gostam dessa mentira conveniente, já que lhes permite atuar dia e noite, sem parar, na surdina, sem serem notados e molestados.
Boa parte dos grupos subalternizados que foi educada na ilusão de que o governo é o responsável pelo Bem Comum, pensa que basta votar num candidato “honesto” e “bem intencionado” e que só se precisa conhecer melhor o passado e as realizações dos “onipotentes” candidatos. Santa ilusão. Os empresários sabem muito bem de sua importância e a fazem valer, governando o governo. Os trabalhadores e os grupos subalternizados nem sempre reconhecem sua importância econômica, política e cultural e por isso mesmo, entregam seus destinos a alguém que os “proteja”. O resultado é este: os empresários mandam no governo e o governo manda no povo.
Vale lembrar que joga melhor, e tem chances de vitória, quem conhece e até disfarça sua importância e força. Joga para perder quem desconhece sua importância e entrega seus destinos a representantes de seus adversários.
O duelo travado por Dilma e Aécio esconde também que partido político não é algo descolado da sociedade. Os partidos são e não podem deixar de ser representantes políticos dos grupos de interesses da sociedade, sejam eles interesses privados ou mais coletivos.
É triste sentir que a vontade que todos têm de ter o que dizer sobre sua própria vida e a vida da sociedade fica reduzida, inclusive nas chamadas da Justiça Eleitoral, ao voto obrigatório e muitas vezes vendido por dinheiro, empregos ou cargos. E para que se creia no poder milagroso do voto, alguns bilhões de reais são gastos com as urnas eletrônicas, despesas da justiça e tribunais eleitorais, montagem de comitês partidários, confecção e distribuição de panfletos e cartazes, utilização de carros de som, produção de horários eleitorais obrigatórios e de longos debates televisivos etc., etc., etc.. Fora o caixa dois da compra de votos. Seria até oportuno que alguém, um dia, demonstrasse de onde vem tanto dinheiro e como os candidatos recuperam tudo o que gastaram durante a campanha eleitoral. Alguém saberia dizer o que os grupos empresariais esperam ganhar com a grande “ajuda” que deram aos candidatos?
Todo o processo eleitoral dificulta a percepção de que a gestão dos interesses da sociedade que, até bem pouco, era monopolizada pelo governo, agora é realizada pelo governo e por tantos e tão diferentes grupos econômicos, políticos, culturais, religiosos, etc.. A função estatal não é mais monopólio do governo. E como Dilma e Aécio mentem ao dizer “eu vou fazer, eu vou mandar”. Ele e ela sabem muito bem que Presidente de República não tem tanto poder, já que sua função é a de ser gerente especial dos grupos de interesses, sobretudo dos grupos mais fortes da sociedade.
Para quem não está de acordo com essa identificação ultrapassada de Governo com Estado, em vez de dizer “O Estado é responsável, o Estado vai fazer” seria mais apropriado começar a pensar na função estatal do governo e na função estatal dos diversos grupos da sociedade civil. Estado não é uma coisa, um substantivo. É uma função, a de gerir interesses, direitos e privilégios da sociedade, função que atualmente é bem compartilhada pelas organizações governamentais e pelas organizações da sociedade civil, sobretudo pelas organizações da sociedade civil empresarial. Pensar Estado como um substantivo, um ente fora da sociedade e do contexto de interesses dificulta perceber a resistência no interior do aparelho governamental do Estado e também a íntima, profunda e permanente relação do governo com todos os grupos de interesse da sociedade.
Pois bem, no dia 26 de outubro deste ano da graça de 2014, saberemos quem conseguiu a maioria dos votos e foi eleito para o cargo de Presidente da República do Brasil.
Para quem considera que Democracia é esse processo que vivemos, tudo acabou, só resta esperar para ver. Para quem, ao cotrario, acredita que é possível vivenciar um modo mais cooperativo e participativo de produção de bens e serviços e de gestão da sociedade, talvez valha tomar em consideração algumas reflexões, a seguir.
As coligações da base de apoio de Dilma e Aécio estão bem longe de pensar e desejar um modo não capitalista de produção de bens e serviços e de gestão da sociedade. Aceitam que o capitalismo no Brasil só precisa de alguns retoques “humanitários”. São candidaturas e propostas diferentes, oriundas, entretanto, de um só partido, o partido da ordem vigente. Como se pode notar, admitimos aqui que só existem dois partidos, o da ordem e o da mudança do sistema capitalista. Na atual campanha política se debatem duas variações do partido da ordem capitalista.
Os empresários, eles sim, sabem bem que qualquer das coligações atuais está a serviço da ordem capitalista, com pequenas diferenças. Alguns grupos empresariais capitalistas preferem um governo como o de atual PT e de sua base aliada, que se antecipa às crises na defesa da “economia”, formulando políticas econômicas, fiscais, cambiais, monetárias etc.. Outros grupos empresariais também capitalistas, os da base de Aécio Neves, preferem confiar mais na concorrência, mantendo, entretanto, a certeza de que o governo estará sempre bem próximo para socorrê-los. O certo é que nenhum grupo empresarial capitalista dispensará o apóio do governo, seu maior aliado. O liberalismo do “laissez – faire”, ou seja, de nenhuma intervenção do governo na ordem econômica, nunca aconteceu na história do capitalismo.
Quem desejar viver um modo de produção e de gestão mais cooperativo, coletivo e participativo, deve saltar fora da lógica do capitalismo, sistema que tem como único objetivo o lucro e acumulação do capital e como estratégia a exploração grosseira ou refinada da força de trabalho de todos os trabalhadores. Para conseguir seus objetivos, o capital transforma os produtos do trabalho humano, a natureza, a honra, Deus, enfim transforma tudo em mercadoria, que, ao ser vendida no mercado, permite a recuperação do valor que é pago ao trabalhador. E todo o valor excedente será apropriado privativamente por quem desconsiderou a dignidade do trabalhador, reduzindo-o à simples força de trabalho, mercadoria que está sobrando no mercado.
Saltar fora da lógica do capitalismo não significa abandonar a luta. Significa reforçar as práticas em que já se tenta vivenciar a cooperação, solidariedade e participação. Significa também saber como atuar dentro de todas as organizações econômicas, políticas e culturais, sejam elas governamentais ou civis. Por mais penoso que possa parecer, não dá para abandonar as organizações econômicas, políticas e culturais do sistema, espaços tão importantes da aliança, parceria, enfrentamento de interesses semelhantes, diversos e antagônicos e nos quais estão investidos enormes recursos humanos, materiais e financeiros da sociedade.
Nas organizações governamentais, campo adverso, local privilegiado da gestão dos interesses dominantes vigentes, vale organizar a resistência, a negociação e, se for o caso, colaborar com o que possa contribuir para educação e organização política dos trabalhadores e de todos que vivem ou viverão do trabalho. Não se pode, entretanto, perder a perspectiva de saltar fora da lógica do capital e da construção de um outro modo de produção e de gestão da sociedade. Insiste-se aqui em falar de um outro modo de produção e distribuição de bens e serviços por se acreditar que qualquer proposta por mais bem intencionada e edificante que seja, mas que não inclua profundas modificações na economia, não passará de uma proposta reformista.
As organizações da sociedade civil exigem estratégias bem diferentes: resistência, negociação e algum apoio nas organizações civis empresariais e apoio, parceria e também críticas, nas organizações civis do campo popular.
As formas serão sempre definidas pelas possibilidades e limites de cada situação. Talvez valha lembrar Gramsci, autor que buscava encontrar as formas mais adequadas de luta para superar o capitalismo, tomando sempre em consideração seu enorme desenvolvimento e suas contradições. Para ele a guerra de movimento em que um exército avança e toma o poder central, deixará intactas todas as instituições que sustentam a velha ordem. A tática por ele recomendada seria a guerra de posições em que se vai ocupando espaços e fragilizando os adversários.
Ainda sobre as formas de luta, é bem oportuno saber o que em 1895 escreveu Engels na introdução da obra As Lutas de classe na França de 1848 a 1850, escrita por Marx em 1850. Engels se referia aos momentos de grande desproporção de forças a favor dos grupos dominantes e também se referia aos grupos que só acreditavam na luta das ruas e que não aceitavam participar em eleições e nem na luta parlamentar. Eis sua fala:
“A ironia da história mundial põe tudo de pernas para o ar. Nós, os “revolucionários”, os “subversivos”, florescemos muito melhor pelos meios legais do que pelos ilegais e a subversão. Os partidos da ordem, como se denominam eles, perecem em virtude da legalidade que eles próprios criaram. Com Odilon Barrot gritam desesperados: “a legalidade nos mata”, enquanto nós, nesta legalidade, ganhamos músculos rijos, faces coradas e respiramos a eterna juventude. E se não formos tão insensatos que nos deixemos arrastar ao combate nas ruas para ser-lhes agradáveis, não lhes restará, afinal, outra coisa a fazer que romperem eles mesmos esta legalidade que lhes é tão fatal.”
O grande sonho é que, um dia, os trabalhadores assumam a gestão das empresas e que as organizações da sociedade civil, em pé de igualdade com as organizações governamentais, assumam a função estatal de co-gestoras de políticas públicas. No estágio atual da dominação dos trabalhadores, das limitações políticas e cooptação das comissões de fábrica, dos sindicatos e dos partidos políticos dos trabalhadores, da compra e venda de votos, da entrega de destinos a falsos salvadores da pátria, estaríamos bem e até nos contentaríamos se no caminho de uma nova sociedade, chegássemos a controlar e fiscalizar a produção e gestão da sociedade a até apoiar o que aponta para a realização de nossos objetivos.
Que venha Dilma, que venha Aécio e que venham também os governadores. Tomara que nos encontrem atentos, prontos para resistir e negociar, e até dispostos a apoiar o que possa nos reforçar.
Sítio Mãe Liquinha. Taperoá, PB, 21 de outubro de 2014
O autor é professor universitário aposentado, eventualmente presta assessoria em Gestão Democrática, Análise de Conjuntura e Metodologia de Educação Popular a organizações governamentais e civis.

Deixe uma resposta