Provocações italianas continuam sem resposta

Anistia Internacional (USA)

Gasparri apresentado como racista pela revista Vergogna, que pertence ao chamado "Partido Democrático"
Como acaba de observar Celso Lungaretti em seu post de hoje (13/01/2010), publicado em um de seus blogs (aqui), membros do governo italiano, passando por cima da etiqueta internacional, iniciaram um novo e inesperado ciclo de provocações com a ameaça de Gasparri contra Lula em relação com o caso Battisti. Mesmo que não pude ouvir nenhuma gravação, posso imaginar aquele condottieri agitando o dedo indicador e bradando: “Coitados de vocês se eu souber que as coisas são desse jeito!”. Ele parece estar imitando o estilo soturno da mística dantesca, favorito da cultura oficial italiana durante séculos: “Guai a Voi Anime Prave! Non isperate mai veder lo cielo…”

Entretanto, esta corrente de agressões verbais e ameaças não é apenas um ato de brutalidade diplomática, que mereça o simples desprezo ou a ironia. Sem negar que há um predomínio de selvageria cultural que os próprios políticos italianos não conseguem superar, não deve dissimular-se o fato de que estas provocações visam pôr a prova a auto-estima das autoridades brasileiras e a capacidade de reação do corpo diplomático.

Faz tempo que todos percebem a assimetria entre o comportamento cordial brasileiro, típico do povo, mas também imitado por algumas elites, e a impunidade verbal desenvolvida pelos funcionários do Estado Italiano. Como Lungaretti elenca na segunda seção de seu artigo, as pressões de diversa intensidade e estilo aplicadas sobre o governo brasileiro se multiplicam continuamente, com alguns períodos de descanso.

Contudo, é necessário fazer explícito algo que está no ar faz muito tempo: a conduta dúbia de Itamaraty, que, durante o ciclo de provocações italianas, evitou reagir às agressões, mesmo quando estas tiveram caráter definidamente oficial, como foi o “chamado para consultas” do embaixador. Com independência de qualquer argumento ético ou ideológico, a simples rotina da etiqueta diplomática exigia uma ação proporcional do Ministério de Relações Exteriores, que se manteve muito tímido sobre este ponto.

Cabe lembrar que, quando o governo do Equador questionou a tarefa predatória de uma das superempresas brasileiras (denúncia que esteve muito aquém da catástrofe produzida por aqueles corsários no pequeno país), o ministro Celso Amorim se apressou a chamar o embaixador para “consultas”. Também, o MRE deu grande amostra de indignação quando filhos dos colonos brasileiros assentados em regiões privilegiadas da Bolívia foram desalojados sem violência de uma universidade por organizar badernas.

Sabemos que, desde o começo, o MRE mostrou-se inimigo de Battisti. Uma jornalista bem informada, cujo ranço conservador lhe impediria difundir uma notícia que prejudique o MRE, revelou um dado muito expressivo: a representante de Itamaraty no CONARE teria reconhecido que não queria “ofender” (ou termo equivalente) os italianos, e por isso votou contra o refúgio de Cesare.

Não acredito que Itamaraty esteja fazendo um lobby anti-Battisti como o do Ministério da Defesa, até porque não tenho essa informação. Imaginamos, apenas, que eles tenham rezado para que o escritor italiano nunca passasse por estas praias, mas, por outro lado, sabem que a extradição é ilegal, contrária ao direito brasileiro, ao direito humanitário e ao direito internacional, e colocaria em ridículo o país e, portanto, também seus diplomatas. Com seu alto sentido técnico, sobre o qual nunca houve dúvidas, o MRE é consciente de que os europeus que se manifestaram contra Battisti perfazem apenas um 7,6% do Parlamento, constituído por uma gangue de deputados italianos experts em política delinquencial.

Mesmo que  não goste, nossa chancelaria sabe que a medida mais benéfica para a imagem internacional do país é asilar o escritor italiano, ou derivá-lo a um terceiro país da sua escolha, onde tenha absoluta segurança. É louvável que o MRE não entre num clima de troca de baixarias, como a que tiveram, em 1998, a Itália (quem diria?) e a Turquia, por causa da negativa da Itália a extraditar o líder curdo Abdullah Öcalan (ou seja, dessa vez Itália estava no lado certo), mas a atual reverência ante as injúrias peninsulares tampouco parece adequada.

Obscenidades como a de Gasparri podem questionar-se com base na violação do cerimonial diplomático e justificariam pelo menos notas verbais (que, na verdade, são escritas). Mas, parece que Itamaraty mantém um silêncio amedrontado, como se pensasse que ignorar os desaforos da máfia peninsular tornará a decisão do presidente mais fácil. Mesmo que isso seja verdadeiro, há um dano moral com conseqüências futuras: reverenciar o despeito do Estado Italiano porque nunca pôde aceitar ser um imperialismo frustrado, pode criar na população brasileira o sentimento de que seu governo não é capaz de defendê-lo das baixarias de potências racistas e xenófobas.

(Em tempo: há dois dias até o Vaticano apavorou-se do racismo que existe na Calábria, mas esse é assunto para outra nota.)

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