Por um novo laicato, rumo a um novo Concílio: ensaiando passos, ao nosso alcance

Oportuna e relevante, a iniciativa da Igreja Católica no Brasil, de consagrar 2018 como o Ano do Laicato, recém-iniciado.

Trata-se de um dos desafios eclesiais dos mais complexos e urgentes a serem adequadamente enfrentados, no quadro geral das profundas reformas estruturais, cada vez mais reclamadas por parcelas expressivas de membros da Igreja Católica, incentivados, aliás, pela ação renovadora a quem se vem dedicando o Bispo de Roma, por gestos escritos e pronunciamentos. O Concílio Vaticano II, em suas Constituições, Decretos e Declarações, já havia tocado nesta questão, ainda que muito levemente. Não é à-toa que, na Lumen Gentium a organização eclesial começa pelo capítulo dedicado, não à hierarquia (como costumava acontecer, em concílios precedentes), mas pelo “Povo de Deus”. A partir daí, é que vai destacando os vários segmentos componentes do povo de Deu, na Igreja Católica, e suas respectivas funções e áreas de atuação. Não se trata, portanto, de uma novidade, para os nossos dias, a não ser no que dia respeito a sua devida implementação, eis que, cinquenta anos passados, parece que as estruturas eclesiásticas, ou não mudaram quase nada, ou sofreram pouca alteração desde então.

Por outro lado, tendo em vista que o Vaticano II apenas aflorou tais desafios, isto deve ser entendido como um ponto de partida, e não como um objetivo satisfatório a ser alcançado. Do tempo do Vaticano II (1962-1965) para cá, muita água rolou debaixo da ponte, não apenas no tocante a conjuntura sócio-histórica internacional, como também no que diz respeito a compreensão da missão da Igreja como expressão e resultado de valiosas pesquisas teológicas, desenvolvidas desde então. Aqui vale destacar, não apenas as pesquisas no campo da Teologia da Libertação, como também as pesquisas resultantes no campo da Teologia Feminista, cujos protagonistas, sobretudo mulheres, talvez sejam os que mais avançaram no esforço de verdadeira renovação eclesial.

As linhas que seguem, brotam das inquietações de um cristão católico, de contribuir, modestamente que seja, junto aos grupos jovens de cristãos, na reflexão crítica sobre os atuais desafios, ao interno da Igreja Católica.

Cuidamos, então, de enunciar desafios urgentes a serem enfrentados, especialmente pelas Leigas e Leigos, no sentido de impulsionarem, desde baixo, profundas mudanças no processo organizativo da Igreja Católica. Desses desafios, destacamos apenas dois: o de reunirmos condições para a criação de uma Conferência Nacional dos Leigos e Leigas, bem como dar os primeiros passos rumo à construção processual de um novo Concílio, a ser organizado, desta vez, por todos os segmentos componentes da Igreja Católica.

Rememorando critérios organizativos da Tradição de Jesus, à luz de textos neotestamentários e das comunidades cristãs dos primeiros séculos.

Revisitando textos neotestamentários – os Evangelhos, em especial -, temos dificuldade de justificar, de modo fundamentado em estudos históricos críticos exegéticos contemporâneos, a estrutura organizativa em vigor, na Igreja Católica (não só, aliás), sob vários aspectos. Por exemplo, tal como se acha institucionalmente organizada a Igreja Católica – de forma piramidal -, sentimos extrema dificuldade de entender a conformidade deste modelo com os critérios organizativos que presidiam ao estilo organizativo das primeiras comunidades, onde prevaleciam claras relações horizontais, entre seus componentes. Não se observa, por exemplo, uma linha divisória entre clero e leigos. Havia, sim, funções diferenciadas – mas complementares! -, conforme os carismas dos membros das comunidades, com explícito propósito de melhor servir ao bem comum, e não de instrumento de poder de uma casta sobre o conjunto dos demais membros. A clara linha divisória clero/leigos é, como se sabe, uma construção posterior, estabelecida, mantida e ampliada em função de um projeto de poder de uma casta sobre o conjunto dos demais sujeitos eclesiais. O próprio Jesus não se apresenta como um sacerdote convencional, mas, antes, como um leigo (isto é: como um “laikós” (membro do Laós, isto é, membro do Povo de Deus). Jesus era, também, percebido muito mais como uma liderança leiga. Teve até que encarar confrontos com os sacerdotes. E não foram poucos ou sem importância… Conflitos, inclusive, que acabaram resultando em sua condenação à morte de cruz, pelos grandes do seu tempo, inclusive pela casta sacerdotal. Mesmo tendo consciência de que também a vida organizativa comporta mudanças, ao longo de séculos, não é fácil justificar, com sólidos fundamentos, de que modo as estruturas de poder evoluíram da forma como hoje se apresentam… Destaquemos, de passagem, alguns pontos, a este respeito, por meio de alguns questionamentos:

Que critérios fundamentais ajudavam a assegurar a horizontalidade reinante entre os membros das primeiras comunidades cristãs, respeitada a diversidade de carismas e funções, a bem do conjunto das próprias comunidades? Vale a pena conferir tais práticas, nos relatos evangélicos bem como nos Atos dos Apóstolos e nas cartas paulinas…

– Outro aspecto, que salta à vista (de quem tem olhos para ver!) é a quantidade de mulheres discípulas de Jesus e presentes nas cartas paulinas, algumas delas como organizadoras e animadoras de comunidades. Por que será que esses “detalhes” passaram (e ainda passam) ao largo das vistas de teólogos, e tivemos que esperar, durante séculos, a contribuição específica de teólogas, para nos darmos conta do viés androcêntrico dos exegetas oficiais? Olhar seletivo incidente, aliás, em diversas interpretações de tantos outros textos sagrados de outras religiões…

É notória a posição discriminada ocupada pelas mulheres, em várias sociedades (e ainda hoje), inclusive no tempo de Jesus, em que não se podia sequer dirigir a palavra as mulheres. Mas, o quê fez Jesus? O que nos dizem, acerca disto, vários relatos evangélicos?

Nos Evangelhos, por exemplo, como subestimar o papel de Maria Madalena, entre os apóstolos de Jesus? Donde, então, conformar-nos com o lugar ainda hoje destinado às mulheres, nas estruturas organizativas da(s) Igreja(s)? Como explicar que, quando se trata de a elas recorrer para assegurarem o cotidiano das atividades eclesiais, enquanto a elas é negado o direito de tomar decisões, ao lado dos homens, na vida eclesial?

Nesta linha de compreensão, quê efeitos profundos teve, ao longo de séculos, uma cerca equiparação entre Reino de Deus e Igreja?

Será que, ainda hoje, temos clareza quanto à necessidade e urgência de distinguirmos (ainda que sem separar) entre Reino de Deus, que Jesus veio anunciar e inaugurar, cuja referência é a humanidade, e, doutra parte, Igreja, que costuma ser entendida e exercitada numa dimensão auto-referenciada, como costuma alertar o Papa Francisco?

E, ao longo de séculos – principalmente a partir da era constantiniana -, que estratégias foram utilizadas pela hierarquia, quer de caráter teológico, litúrgico, disciplinar…, para distanciar-se do conjunto dos demais membros da Igreja, buscando monopolizar as decisões, sempre tomadas, de acordo com seus seus interesses de casta, nem sempre com amparo nos textos fundantes?

2. Contribuições do Concílio Vaticano II quanto ao reconhecimento dos Leigos e Leigas como sujeitos eclesiais.

O Concílio Vaticano II (1962-1965) constituiu um reconhecido esforço de renovação pastoral da Igreja Católica Romana. De fato, várias questões de cunho renovador aí tiveram lugar. Isto pode ser atestado por vários de seus dezesseis documentos, a partir de suas quatro Constituições. Muitos o avaliam como uma primavera para a Igreja, tomando em consideração alguns avanços dele decorrentes. Graças à densa contribuição de teólogos tais como Yves Congar, Jean Danielou, Henri de Lubac, Chenu, Edward Schllebecxks, Karl Rahner, Hans Küng, importantes ganhos do Vaticano II podem ser evocados por meio de palavras-chave tais como: “Refontização”, “Povo de Deus”, “Aggiornamento”, “Colegialidade”, “Diálogo”, “Autonomia das realidades terrestres”, “Ecumenismo”, “Missão”…

Houve, com efeito, um sopro renovador, buscando inclusive dialogar com a modernidade. Ainda que, em tom menor, aí se observou inclusive um pequeno ensaio de atenção à causa dos pobres (cf. Lumen Gentium, n.8), embora este aspecto tenha sido aprofundado apenas a partir da conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín, em 1968. Antes disto, todavia, convém lembrar o impulso que até sobre Medellín teve a realização, no final do Vaticano II, mas um tanto à margem dele, a realização em Roma, do Pacto das Catacumbas, celebração protagonizada por quarenta bispos, na Catacumba de Santa Domitila, nos aredores de Roma, em 16 de dezembro de 1965, cujo documento final é um compromisso dos signatários com a causa dos pobres, pela via de sua própria conversão a um estilo de vida parecido com o dos pobres.

Sucede, porém, que poucas dessas decisões prosperaram a contento, eis que a onda reacionária (instalada desde a realização do Concílio) foi progressivamente ganhando força, nas instâncias decisórias da Igreja, acabando por interromper tal processo, durante décadas, sendo apenas recentemente retomado pela figura profética do atual Bispo de Roma. O Papa Francisco, com efeito, em seus escritos e pronunciamento tem buscado impulsionar importantes reformas interrompidas. Uma delas é a busca de retomar o que, na Lumen Gentium, se diz acerca do povo de Deus como protagonista do processo de reorganização das estruturas eclesiais, o que renova a esperança de reconhecimento do papel do Laicato como um dos sujeitos eclesiais, nos processos de tomada de decisão.

Não obstante a impetuosa irrupção de Medellín, pela via da opção pelos pobres, é fato que, uma década depois, começou um longo período de impasses e retrocessos, graças à reviravolta provocada pelos pontificados de João Paulo II (1979) e Bento XVI (2005), durante o qual a chamada Ireja na Base sofreu tremendos atos de punição e bloqueio, o que significou um duro golpe também para o protagonismo dos Leigos e das Leias.

Ainda em meados dos anos 90, em escala mundial, e a partir da Áustria, foram sendo criados grupos e movimentos de Leigos e Leigas (também de outros segmentos eclesiais, como o das Religiosas dos Estados Unidos (CLWR) e algumas associações de presbíteros, buscando clamar por urgentes reformas na Igreja. Mais recentemente, esses grupos – com representação também no Brasil -, por ocasião da celebração dos 600 Anos da Reforma luterana, promoveram manifestações em cerca de vinte países, em distintos continentes, para clamarem por urgentes reformas das estruturas eclesiais, inclusive em apoio ao Bispo de Roma. Dentre os principais pontos reclamados nas referidas manifestações, constavam: “Mais Evangelho, menos Direito Canônico”; participação democrática de todos os segmentos eclesiais nas decisões; reconhecimento do direito das mulheres, de participarem nas decisões das instâncias eclesiais, ao lado dos homens; reconhecimento da legitimidade das mulheres vocacionadas aos diversos serviços e ministérios eclesiais (ordenados e não-ordenados); liberdade de escolha, por parte dos ministros ordenados, quanto ao seu estado civil, no exercício de seu ministério; Ecumenismo pela base, antes que em cima de formulações doutrinárias… Sobre tais manifestações, já tivemos oportunidade de nos pronunciar (ver, por ex., Textos De Alder Calado).

3. Em busca de condições favoráveis, para a criação de uma Conferência Nacional de Leigos e Leigas.

Em consequência do critério de horizontalidade, que buscamos restabelecer, como um critério evangélico de nossa igualdade fraterna, tão bem expressa pela nossa condição de Batizados (“sacerdote, profeta e rei”) ou em cumprimento da saudável diversidade de carismas – sem uma necessária vinculação hierárquica, mas antes com base na primazia do servir e não do mandar, algo tão bem claro na lista de carismas expressos em 1 Cor 7, por ex. E, no que diz respeito ao servir, isto fica ainda mais explícito, em Mc 10, 42-45. O mundo se organiza assim – uns tiranizando os outros -, mas entre vocês, não seja assim – eis o núcleo da Boa Nova de Jesus. Trata-se de um paradigma a inspirar nossas práticas e concepções, em todas as esferas da vida cristã. Por que na esfera organizativa da Igreja, deveria ser diferente? Onde é que se encontra suporte definitivo e constante, para se aferir que os diversos segmentos da Igreja Católica devem organizar-se piramidalmente, como vem acontecendo? Se nossa Instituição se compõe de segmentos de ordenados, de Religiosos e Religiosas e de Leigas e Leigos, o que nos impede, do ponto de vista do Evangelho, dos textos neotestamentários e da Tradição de Jesus, de nos organizarmos horizontalmente, como irmãos e irmãs, conforme os carismas recebidos por cada segmento, conferindo uma rica diversidade de carismas, na unidade do Espírito Santo, e a serviço do Povo de Deus? É claro que isto não se faz, a curto prazo, graças a um suposto golpe de voluntarismo, mas de forma processual. Não menos é certo que se, em vez da Tradição de Jesus, formos tomar como base exclusiva o Código de Direito Canônico, isto se torna quase inviável, uma vez que Código de Direito Canônico reflete a lógica característica de uma Igreja organizada como uma pirâmide: Papa, Cúria, Dioceses, Paróquias… E cada uma dessas instâncias é regida por prepostos apenas do segmento ordenado, sem a participação nas decisões dos demais segmentos, em especial sem a participação das Leigas e dos Leigos, que, curiosamente, constituem a imensa maioria do Povo de Deus. Como, então, justificar tal privilégio do segmento ordenado, com base nos textos neotestamentários, no núcleo do Evangelho, na Tradição de Jesus? Não se trata de negar ou de subestimar os carismas dos componentes de um segmento – no caso o dos ordenados, todos homens! -, mas de assegurar a todos os segmentos componentes da Igreja Católica o reconhecimento de todos contam com a inspiração e assistência do Espírito Santo, também quanto ao processo de tomada de decisões. Em que isto fere o espírito do Evangelho? Em que isto se afasta da Tradição de Jesus? Em verdade, o que se afasta da Tradição de Jesus, é a forma de organização em vigor.

A este respeito, tem sido muito cara ao atual Bispo de Roma a intuição de que não é a pirâmide, mas antes o poliedro, o que deveria caracterizar a forma de organização eclesial. Enquanto a pirâmide se organiza em cima de camadas superpostas, o poliedro permite a saudável convivência da diversidade, representada pelas tantas superfícies desta figura geométrica, ao mesmo tempo em que toda essa rica diversidade se acha conectada, unida no próprio poliedro, tomado como um todo.

Como acima referido, o Concílio Vaticano II deu passos importantes, ainda que insuficientes, tendo em vista da realidade de hoje, mais de cinquenta anos após, em relação ao reconhecimento do papel do Laicado na Igreja. Disto dão testemunho alguns de seus documentos, em especial a Constituição Lumen Gentium, o Decreto Apostolicam Actuositatem e o Decreto Ad Gentes. Na Lumen Gentium, e mais especificamente no capítulo relativo ao povo de Deus, os leigos figuram como um dos 3 principais segmentos componentes da Igreja. Com relação especificamente ao Laicado, os Leigos e as Leigas são definidos como parte integrante dos sujeitos eclesiais, em função de sua vocação apostólica e missionária, a chamado do próprio Espírito Santo, em diálogo com os demais segmentos, cada um em sua especificidade, mas a todos conjuntamente cabendo responsabilidades pelo apostolado e pela missão. Os Leigos e Leigas aparecem igualmente, no Decreto Apostolicam Actuositatem, em que figuram como protagonistas vocacionados a contribuírem tanto no terreno da Igreja, quanto no terreno do mundo, dada sua tríplice vocação de “Sacerdote, profeta e rei”, por todas recebida por ocasião do batismo. No Decreto Ad Gentes, os Leigos e as Leigas são definidos como co-participantes da ação missionária no mundo, múnus para o qual devem contar com formação específica, reconhecimento explícito de seu papel na ação missionária, bem como reconhecimento de agentes missionários tão importantes quanto os demais segmentos.

Ao revisitarmos atentamente estes e outros documentos do Concílio Vaticano II e do Magistério Eclesial, ao mesmo tempo em que constatamos o reconhecimento explícito da missão dos Leigos e Leigas como componentes de um segmento da Igreja, também observamos que o assento mais forte recai no papel dos Leigos e Leigas de atuarem no mundo secular, ainda que também se reconheça sua missão “ad intra”. Daí também perceber-se uma velada subordinação de sua atuação às decisões especialmente do Clero, mais particularmente do segmento episcopal. De lá para cá, temos observado mudanças significativas nos vários segmentos, inclusive por força de uma melhor compreensão dos textos fundantes do Cristianismo e da Tradição de Jesus, graças também ao avanço de pesquisas teológicas, neste horizonte. Por outro lado, o segmento específico do Laicado tem apresentado sensíveis avanços, na compreensão e na busca generosa de responderem, cada vez melhor aos apelos do espírito santo, frente aos atuais desafios da Igreja e do mundo. Neste sentido, descobrem que, se até aqui, sua missão tem sido mais centrada no horizonte secular (vem assim acontecendo desde a Ação Católica Especializada – Jac, Jec, Jic, Joc e Juc), hoje os desafios eclesiais parecem, cada vez mais, necessitar da conjugação mais orgânica dos Leigos e Leigas, tanto em sua atuação no mundo, quanto ao interno da Igreja.

Não se trata de qualquer pretensão de disputa de poder (aqui parece bem entendido a mensagem explicitada, em Mc 10, 42-45), mas de sua contribuição específica, juntamente com os demais segmentos da Igreja, no processo de reformas urgentes das estruturas eclesiásticas. É assim que se faz conveniente o aprofundamento da reflexão em torno da oportunidade e da relevância de o laicato, a exemplo do que já acontece em relação aos Bispos e aos Religiosos e Religiosas, se constituir também enquanto uma conferência Nacional dos Leigos e Leigas, como o objetivo de participarem, junto com os demais segmentos, dos processos decisórias, nas diversas instâncias eclesiais. Daí a necessidade de se criarem as condições necessárias a tal iniciativa, a curto e médio prazos.

4. Passos em direção a um novo Concílio.

Como instituição feita de santos e pecadores, a Igreja é chamada a converter-se, incessamente. Deve estar sempre disposta a renovar-se: “Ecclesia semper reformanda est.” Em seu percurso histórico, isto costuma dar-se por meio de sínodos e concílios. “Sínodo”, aliás, já desde sua etimologia, é um belo convite a um contínuo caminhar juntos. Nesse sentido, a Igreja é chamada a ser, toda ela, sinodal, conciliar. Por isto mesmo, teve que realizar, ao longo do seu caminhar, mais de vinte concílios, tendo sido o mais recente deles o Concílio Vaticano II, realizado quase um século depois do Concílio Vaticano I, que se tornou conhecido, entre outros elementos, por haver pretendido definir a suposta infalibilidade do Papa, razão por que, a justo título, o Concílio Vaticano II buscou ser um concílio pastoral, não tanto um concílio definidor de doutrinas. Muitos foram, com efeito, os ganhos do Vaticano II, que tentamos acima destacar. Ao lado, porém, de reconhecidos ganhos, também é preciso perceber seus limites. Limites não apenas daquela edição concilar, mas, antes, correspondentes mesmo aos limites de alcance dos concílios, em geral.

O Concílio Vaticano II reuniu em torno de 2.500 bispos, vindos a Roma, de todos os continentes, com a missão de repensar o caminhar pastoral da Igreja, decidindo formas de renovação, especialmente de caráter pastoral. Por outro lado, a fim de nos darmos conta de alguns de seus limites, seguem alguns questionamentos:

– Ainda que consiga reunir todos os Bispos católicos do mundo inteiro, trata-se, ao fim e ao cabo, de um único segmento eclesial. Até que ponto este critério é suficiente para tomar as grandes decisões da Igreja, sem a participação também dos demais segmentos, com direito a voz e a voto?

– Sendo a Igreja composta por três segmentos de seus membros, e sendo apenas um único a tomar as decisões, e considerando que o segmento episcopal, não apenas não se faz acompanhar de dois outros componentes do mesmo segmento – os presbíteros e os diáconos -, como também o componente episcopal é formado apenas de homens, onde ficam as mulheres?

– O sentido de “Colegialidade”, presente no Decreto Christus Dominus (n. 4), que trata do ministério dos Bispos, por que não pode contemplar também os demais segmentos?

– Ao enfrentar os grandes desafios de hoje, na Igreja e fora dela, quem melhor dá conta de fazê-los: apenas o segmento episcopal ou também os demais segmentos, tendo a seu favor a densa experiência de Leigos e Leigas, nas mais diversas esferas da realiade, dada sua condição de cidadãos e cidadãs do Reino de Deus, comprometidos com a superação dos desafios, não apenas fora dos espaços eclesiais, mas também os desafios internos à Igreja?

– No campo da Doutrina Social da Igreja, por exemplo, uma das críticas que, por vezes, se levantam, é que, em matéria de realidade social, em sua complexidade e vastidão, quem, pela própria formação, se acha melhor habilitado a analisar: o Papa, os Bispos ou os Leigos e Leigas?

As indagações podem multiplicar-se. Limitamo-nos a estas poucas, a título de aperitivo. A par disto, importa, também, ousar alguns passos nessa direção, a curto e médio prazos. Sabemosque o clamor pela realização de um novo Concílio não vem de hoje. Já nos anos 1990, se ouviam vozes proféticas, nesta direção. Lembro-me, por exemplo, do entusiasmo de Dom Antônio Batista Fragoso, Bispo de Crateús – CE, a mobilizar-se e a incentivar que outros também o fizessem. Ainda não se cogitava, todavia, que tipo de Concílio, mas já era um grito a ser ouvido…

De todos os modos, os concílios começam sempre de uma primeira iniciativa, antes mesmo da convocação. Alguns, nesse sentido, já se ensaiam, molecularmente. Um deles é o tentado por alguns grupos e movimentos de católicos e católicas, engajados em promover o Fóeum do Povo de Deus,cuja segunda edição está prevista a realizar-se em Aparecida, no Brasil, em novembro de 2018. Outros passos vão se desenhando, mundo a fora. São pequenos afluentes que vão acumulando água, até tomar força suficiente para desaguar num grande rio…


5. Considerações sinópticas

Como acima dito, o propósito destes apontamentos é menos de caráter acadêmico, e mais uma iniciativa de um cristão católico, em busca de contribuir, modestamente que seja, com a reflexão sobre os atuais desafios eclesiais, principalmente junto às comunidades e grupos de jovens. Os avanços conseguidos pelo Concílio Vaticano II, ainda que tivessem sido implementados, já não atendem satisfatoriamente às necessidades do novo contexto sócioeclesial. Se, ao tempo do Vaticano II, já não se tratava de uma organização eclesial centrada apenas no segmento clerical ou hierárquico, nos dias atuais isto se torna motivo de um clamor generalizado por mudança, de modo a distribuir mais equitativamente as responsabilidades e decisões por entre os vários sujeitos eclesiais – segmento clerical, segmento religioso e segmento leigo. Já não se concebe que apenas os bispos monopolizem as decisões do conjunto dos membros da Igreja. Ante tantos desafios, muitos dos quais da lide direta dos leigos, já não faz sentido que as decisões sejam tomadas apenas por um segmento, tanto mais que se trata apenas de homens, quando a enorme maioria dos membros da Igreja é formada pelos Leigos e Leigas, sendo estas a maior parte. Daí a necessidade de envidar esforços para uma justa divisão de responsabilidades, por meio, por exemplo, da criação, a médio prazo, de uma Conferência Nacional dos Leigos e Leigas.

Para além da escala nacional, importa igualmente dar os primeiros passos em direção a criar condições favoráveis rumo a convocação de um novo Concílio, a ser organizado sob novos critérios, com ampla participação de delegações dos três segmentos eclesiais, de modo a buscar deliberar sobre medidas capazes de enfrentar velhos e novos desafios, tais como redesenhar/contextualizar o ministério petrino (o Papado), superar o caráter burocrático das estruturas eclesiásticas, a exemplo da Cúria Romana; redimensionar as responsabilidades pastorais dos bispos, de maneira a enfrentar a crescente tendência administrativa; rever critérios de escolha e transferência de bispos; investir os Leigos e as Leigas de responsabilidades, não apenas seculares, mas também ao interno da Igreja, conforme seus dons e carismas; sobretudo reavivar o compromisso da Igreja com a causa libertária do povo dos pobres.

João Pessoa, 12 de dezembro de 2017

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