Por trás de tudo

Por Luis Fernando Veríssimo (publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo de 23/7/2015)

Uma amiga chegou com a informação de que uma padaria perto da nossa casa pertencia ao reverendo Moon. Demos boas risadas. Por que o sul-coreano Moon, fundador e líder da Igreja da Unificação com fiéis no mundo todo, dono de latifúndios e de um império midiático, se interessaria em ter uma pequena padaria de bairro? Depois, tivemos que pedir desculpa à amiga. Era verdade! Revelou-se que a padaria (que não existe mais) era uma das muitas propriedades do reverendo Moon no Estado.

Teorias conspiratórias e especulações sobre as secretas engrenagens do mundo, que estariam por trás de tudo, de tão repetidas se transformaram em folclore. Há anos se atribui tudo que acontece a maquinações da CIA – ou dos maçons, ou dos templários (mas há tempo não se fala na Comissão Trilateral, lembra?) – e tudo parece fruto mais da imaginação do que de qualquer dedução racional.

Meu pai tinha um amigo espanhol, anticlerical furioso como só os espanhóis sabem ser, que culpava tudo no papa, até o mau tempo. O papa e correntes invisíveis do Vaticano estariam por trás de tudo.

Mas… Há dias o Elio Gaspari publicou documentos oficiais mostrando que a participação da CIA e do governo dos Estados Unidos no golpe de 64 foi maior e mais decisiva do que se pensava. Não era paranoia, os americanos não só colaboraram na desestabilização do governo Goulart como estavam prontos a intervir caso o golpe fracassasse. O improvável, neste caso, está provado. O reverendo Moon era mesmo dono da padaria.

A pesquisadora e professora Maria Girardello Gatti, de Santa Catarina, fez um estudo sobre as relações de Estados Unidos e Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, concentrando-se no meu pai, Erico Verissimo, que, dentro da política da boa vizinhança entre os dois países, foi convidado pelo Departamento de Estado americano a dar um curso sobre literatura brasileira na Universidade da Califórnia, primeiro no câmpus de São Francisco, depois em Berkley. Passamos dois anos na Califórnia.

A professora Gatti teve acesso a documentos do Dops e do FBI, do período, e descobrimos que o convite ao meu pai desencadeou uma intensa troca de correspondência entre informantes da polícia política brasileira e analistas do FBI, que queriam saber se meu pai era comunista ou não, já que no seu livro O Resto É Silêncio um personagem se revela um anti-americano radical.

A papelada liberada inclui até um memorando sobre o assunto do próprio J. Edgar Hoover, diretor do FBI, para Nelson Rockefeller, na época supervisor do programa de boa vizinhança com a América Latina. Hoover sugere que o convidado seja rigorosamente interrogado ao chegar aos Estados Unidos. E fica a fascinante sugestão de que, para se informar sobre a posição política do autor, Hoover tenha lido todo O Resto É Silêncio.

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