Pinheirinho: Condepe reúne depoimentos de 507 vítimas de abusos

Um mutirão com 90 voluntários de entidades e movimentos sociais coordenado pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) reuniu 507 depoimentos de vítimas da reintegração de posse do bairro Pinheirinho, ocorrida em 22 de janeiro, em São José dos Campos. Os depoimentos, identificados e assinados, foram colhidos no dia 30 e reúnem casos de violência física, moral, violação de direitos e danos materiais e servirão de base para instrução de inquéritos e processos judiciais em órgãos brasileiros, como a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e Polícia Civil, e internacionais (leia ao final da reportagem um resumo da ata da audiência pública realizada pelo Condepe).
Segundo o conselheiro do Condepe, Renato Simões, das 507 vítimas da desocupação, 23 requisitaram exame de corpo de delito, por ainda estarem com marcas de agressões físicas, estilhaços de bombas, balas de borracha ou cacetetes mesmo uma semana depois da ação violenta orquestrada contra os moradores de Pinheirinho. “Os dados ainda estão sendo tabulados, mas já permitem instruir processos”, diz Simões.
Novo inquérito

O Condepe também pediu e conseguiu que os inquéritos de investigação fossem todos reunidos na Delegacia Seccional de São José dos Campos. “Pedimos que a Seccional avocasse todos os inquéritos porque estavam correndo no 3° DP e nada tinha sido feito, nem depoimento, nem apreensão das armas”, diz Simões se referindo aos dois únicos inquéritos sobre Pinheirinho que haviam até então, abertos no 3 DP da cidade para investigar dois casos de violações, a prisão arbitrária do militante do MTST e Conlutas, Guilherme Boulos, e o tiro disparado pelas costas por um guarda municipal contra o pedreiro David Furtado.
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A apreensão da arma permite que exames de balística comparem o armamento com o projétil retirado do corpo de David. “Pedimos um novo inquérito sobre os abusos e a Seccional abriu e no dia seguinte, mandou apreender a arma do guarda e colher depoimento do David”, relata Simões.
Bateram indiscriminadamente

Apesar do intenso trabalho dos 90 voluntários divididos em grupos nos quatro abrigos montados pela prefeitura de São José, Renato Simões afirma que ainda faltaram três outros grupos de possíveis vítimas: os que estavam no trabalho no momento da visita do Condepe na segunda-feira, dia 30; os ex-moradores de Pinheirinho que não foram para os abrigos e ainda os moradores do bairro vizinho, Campo dos Alemães, para onde se estenderam os conflitos. “A polícia bateu indiscriminadamente e o conflito se estendeu para o bairro Campo dos Alemães. Muitos moradores que estavam nas ruas apanharam.”
A comissão montada pelo Condepe também enfrentou o medo. “Ainda teve gente que não quis falar, dar depoimento”, diz Simões, que acredita que novos casos de abusos e violações devem surgir. “À medida que o trabalho avança, pode aparecer outras denúncias, como a dos abusos sexuais”, afirma o ex-deputado, se referindo aos casos colhidos pelo senador Eduardo Suplicy de estupro de mulheres e um homem ocorrido durante a desocupação – Suplicy apresentou no Senado, nesta sexta-feira, os depoimentos revelando nova faceta do terror institucional vivido pelos ex-moradores de Pinheirinho.
Mutirão
Neste sábado (4), a Defensoria Pública do Estado de São Paulo vai estar com um posto para as vítimas da desocupação de Pinheirinho para tomar depoimentos e dar queixas sobre violações. Segundo Renato Simões, 20 voluntários vão ajudar no trabalho.
Documento
Leia abaixo e em primeira mão uma descrição resumida das ações que o Condepe realizou e os fatos que documentou sobre a reintegração de posse em Pinheirinho.
“ATA RESUMIDA DOS TRABALHOS DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DO CONDEPE
VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS DAS FAMÍLIAS DA OCUPAÇÃO DO PINHEIRINHO
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 30 DE JANEIRO DE 2012
Às 20 horas do dia 30 de janeiro de 2012, com o Plenário da Câmara Municipal de São José dos Campos tomado por militantes de movimentos sociais e de direitos humanos, bem como moradores da ocupação do Pinheirinho, desalojados de suas casas, teve início a audiência pública do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (CONDEPE) convocada especificamente com o tema das violações de direitos humanos perpetradas contra a população daquela região antes, durante e depois da reintegração de posse da área ocupada, promovida com força policial militar, no dia 22 de janeiro de 2012.

“No trajeto, foi advertido de que os guardas municipais posicionavam-se para atirar contra a multidão e procurou proteger a si e sua esposa. David relata que foi baleado nas costas por um Guarda Municipal, que atirou uma segunda vez já caído ao chão”

A audiência pública foi aberta pelo Presidente do CONDEPE, Ivan Seixas, que apresentou seus objetivos e os do mutirão realizado ao longo de todo o dia por mais de 90 voluntários de entidades de direitos humanos dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro junto às famílias ocupantes do Pinheirinho que estão confinadas em quatro abrigos mantidos pela Prefeitura Municipal de São José dos Campos após a reintegração de posse.
O Presidente passou a condução dos trabalhos ao Conselheiro Renato Simões, designado relator do processo aberto pelo CONDEPE para apuração das denúncias de violação dos direitos humanos das famílias ocupantes do Pinheirinho.
A Mesa foi composta com a presença dos Conselheiros do CONDEPE Vicente Roig, Cheila Olala e Rildo Marques e de seu Secretário Executivo, Aristeu Bertelli. Compuseram ainda a Mesa: o representante do Ministério Público Estadual de São Paulo, promotor de justiça Eduardo Dias; o representante da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, defensor Jairo Salvador; o representante do Ministério Público Federal, procurador da República Ângelo Augusto Costa; o representante da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Bruno Teixeira; o Secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, Paulo Maldos; a representante do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, procuradora Ivana Farina Navarrete; a representante do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, Adriana Zorbi; o represente das famílias da ocupação do Pinheirinho,Valdir Martins (Marrom) e o advogado das famílias, Antonio Ferreira (Toninho). Parlamentares presentes compuseram também a mesa: Senador Eduardo Suplicy, Deputado Federal Carlinhos Almeida, Deputados Estaduais Pe. Afonso Lobato, Carlos Gianazzi, Ênio Tatto, Marco Aurélio e Simão Pedro, Vereadoras Amélia Naomi e Ângela Guadagnin, de São José dos Campos, Vereadores Itamar Alves, Laudelino Amorim e Marino Faria, de Jacareí, e Cristiano Pinto Ferreira, Jairo Santos, Tonhão Dutra e Wagner Balieiro.
Coube ao relator do processo, Conselheiro Renato Simões, apresentar a ordem dos trabalhos da Audiência Pública:
1. Oitiva de depoimentos de vítimas de violação de direitos humanos durante a reintegração de posse da área do Pinheirinho;
2. Encaminhamentos do CONDEPE e órgãos presentes.
Passou-se à apresentação do primeiro depoimento, de David Washington Castor Furtado, gravado pelo Conselheiro Renato Simões durante visita ao depoente, no Hospital Municipal de São José dos Campos, perante o Presidente do CONDEPE, Ivan Seixas, o deputado federal Carlinhos Almeida e o deputado estadual Adriano Diogo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, na tarde do dia 30 de janeiro. No áudio reproduzido pelo sistema de som da Câmara Municipal, o depoente David relata que, após a reintegração de posse da área do Pinheirinho, não conseguindo voltar à sua casa isolada pelo efetivo da Policia Militar, decidiu ir com sua esposa e amigos a um posto de cadastramento da Prefeitura Municipal. No trajeto, passando por uma área de conflito entre Guardas Municipais e populares, foi advertido de que os guardas municipais posicionavam-se para atirar contra a multidão e procurou proteger a si e sua esposa. David relata que foi baleado nas costas por um Guarda Municipal, que atirou uma segunda vez já caído ao chão, e que foi socorrido por pessoas solidárias que o levaram até o Pronto-Socorro do Hospital Municipal. Afirma o depoente que se recorda da fisionomia do Guarda Municipal que nele atirou, e que poderia proceder ao reconhecimento fotográfico do agressor.
Em seguida, foi convidada a dar seu depoimento a esposa de David, Maria Laura Silva de Souza, que com ele estava no momento em que foi baleada. Maria Laura confirmou o depoimento de seu marido, e informou que naquele dia foi impedida por um bloqueio policial de retornar a sua casa, que todos os seus bens foram perdidos e que David tentara protegê-la quando correram do local do conflito entre os guardas municipais e populares. Lamentou o ocorrido com seu marido e a possibilidade de seqüelas motoras decorrentes do tiro, ainda a serem avaliadas pela equipe médica, e informou que em nenhum momento nenhuma assistência lhe foi oferecida por qualquer órgão público, nem ao seu marido e família.
Foram ouvidas as vítimas da ação policial no Pinheirinho, cujos depoimentos, como os anteriores, constarão na integra em anexo a esta ata após a sua transcrição taquigráfica:
a. Daniele Aparecida da Silva Napoleão, moradora da ocupação do Pinheirinho, que relatou a agressão que sofreu junto com outros moradores que buscavam entrar na ocupação, isolada pela Polícia Militar desde a madrugada, visto que não passara a noite em sua casa. Relata ter levado um tiro com bala de borracha na boca, e que passou por exame de corpo de delito para comprovar a lesão dela decorrente.
b. Dulcinéia Faustino, moradora da ocupação do Pinheiro, que relatou a invasão de sua casa por policiais militares na madrugada no dia 22, no inicio da reintegração de posse do terreno ocupado, precedida do lançamento de uma bomba de efeito moral cujos estilhaços deixaram marcas ainda visíveis por todo seu corpo. Esclarece que se submeteu já a exame de corpo de delito para comprovar as lesões.

“Leandro Mascarenhas, psicanalista, relatou o trabalho que realizou durante a semana com crianças e adolescentes das famílias ocupantes nos abrigos improvisados para acolhê-las pela Prefeitura, identificando as consequências da violência policial, da destruição de seus lares, da agressão e humilhação de seus pais e mães”

c. Paulo Maldos, Secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, que relatou estar presente ao local sem saber previamente da ação de reintegração de posse, para dar seguimento a consultas a lideranças da ocupação sobre os termos de um acordo a ser firmado entre União, Estado e Município para solucionar a questão fundiária e das moradias das famílias ocupantes. Descreveu minuciosamente a operação policial de isolamento da área, a forma desrespeitosa com que foi tratado por oficial da Polícia Militar ao se identificar como autoridade federal, a agressão por ele sofrida por disparo de bala de borracha nas suas costas enquanto conversava com moradores do Pinheirinho e a repressão policial contra as famílias da ocupação e do bairro do Campo dos Alemães, igualmente cercado pela Policia Militar.
d. Sílvio Prado, apoiador das famílias ocupantes, descreveu a violência policial nas ruas do bairro Campo dos Alemães, vizinho à ocupação do Pinheirinho, envolvendo a população das casas do referido bairro na espiral de violência que se iniciou com a repressão aos ocupantes.
e. Leandro Mascarenhas, psicanalista, relatou o trabalho que realizou durante a semana com crianças e adolescentes das famílias ocupantes nos abrigos improvisados para acolhê-las pela Prefeitura Municipal de São José dos Campos, identificando as conseqüências da violência policial, da destruição de seus lares, da agressão e humilhação de seus pais e mães e da situação precária de habitabilidade dos abrigos.
f. Valdir Martins, o Marrom, um dos lideres da ocupação, morador do Pinheirinho, relata desde as primeiras horas da madrugada a violência policial na ocupação e no bairro vizinho, a busca de prender e desmoralizar as lideranças da ocupação por parte da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a continuidade da repressão com a invasão da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro por policiais, a discriminação e a vida precária dos ocupantes desalojados de suas casas nos abrigos municipais.
g. Antonio Ferreira, advogado das famílias ocupantes, denunciou a violência que sofreu pessoalmente e a violência institucional contra as famílias moradoras do Pinheirinho antes e depois da reintegração de posse, lembrando a falta de políticas públicas nos abrigos e a insuficiência das alternativas apresentadas pelo Governo Municipal e pelo Governo do Estado para a garantia de direitos daquela população.
O Senador Eduardo Suplicy relatou em detalhes sua participação na mediação de um acordo envolvendo os Poderes Judiciário e Executivo (Município, Estado e União) que evitasse a reintegração de posse. Esclareceu que em seus contatos com os juízes Beethoven Ferreira e Márcia Loureiro, com o prefeito Eduardo Cury e com o Governador Geraldo Alckmin, na sexta-feira anterior à desocupação, um acordo de suspensão da reintegração de posse por um período de 15 dias para viabilização do acordo foi efetivado, e comunicado pessoalmente por ele à Assembléia das Famílias ocupantes do Pinheirinho no sábado, véspera da reintegração de posse. Informou que agiu de boa fé, e que pretende cobrar a palavra dos demais e a apuração do comportamento dos juízes e autoridades do Executivo na inviabilização do acordo que preveniria, com políticas públicas, a violência da ação militar do dia 22.
A Procuradora Ivana Farina relatou a atuação do CDDPH na questão do Pinheirinho desde 2006 e a reunião realizada no período da tarde do dia 30 com a Prefeitura Municipal de São José dos Campos sobre as políticas públicas de amparo às famílias desalojadas, da qual participaram os Conselhos de Direitos Humanos nas esferas federal (CDDPH) e estadual (CONDEPE) e os Conselhos Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e da Pessoa Idosa.
O representante da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República relatou a atuação da Ouvidoria nos dias que precederam à reintegração de posse e a agressão que sofreu, com dezenas de famílias, na invasão policial da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

“23 pessoas afirmaram ter sofrido violência física que deixaram, passada mais de uma semana das agressões, marcas em seus corpos, e assinaram o pedido de realização de exame de corpo de delito para registro das lesões por balas de borracha, estilhaços de bombas de efeito moral e golpes por objetos contundentes”

O relator do processo do CONDEPE sobre o Pinheirinho, Renato Simões, apresentou os principais dados do trabalho realizado pelos voluntários de entidades de direitos humanos que formalizaram o depoimento de vítimas de violação na ação de reintegração de posse do Pinheirinho, ao longo de todo o dia 30.
Foram tomados a termo os depoimentos de 507 pessoas, nos quatro abrigos municipais (CAIC Dom Pedro, Ginásio Ubiratan – Latão, Ginásio Morumbi e Vale do Sol), que assinaram os formulários oferecidos pelo CONDEPE com seus depoimentos. Destas, 23 pessoas afirmaram ter sofrido violência física que deixaram, passada mais de uma semana das agressões, marcas em seus corpos, e assinaram o pedido de realização de exame de corpo de delito para registro das lesões por balas de borracha, estilhaços de bombas de efeito moral e golpes por objetos contundentes (tonfas, cassetetes…).
O relator registrou que o universo de violações é muito mais amplo que esse registro já massivo, visto que muitas pessoas não se encontravam nos abrigos no horário comercial em que os depoimentos foram colhidos, por estarem trabalhando. Além disso, o trabalho dos voluntários se circunscreveu aos abrigos, deixando de atingir dois públicos igualmente importantes quantitativa e qualitativamente para a apuração das violações: o composto pelas famílias ocupantes do Pinheirinho que não aceitaram, por várias razões, viver nos abrigos da Prefeitura Municipal, e o composto pelas famílias moradoras do Campo dos Alemães, bairro vizinho à ocupação, onde a ação policial militar e da Guarda Municipal se espalhou indistintamente a violência contra os cidadãos.
O relator apresentou ainda os dados relacionados à situação de crianças, adolescentes e idosos colhido pelos Conselhos Nacionais junto às famílias abrigadas, que foram objetos de debate com os Secretários Municipais de Desenvolvimento Social, João Francisco Sawaya de Lima, e de Assuntos Jurídicos, Aldo Zonzini Filho.
Registrou-se a existência de 1069 crianças e adolescentes nos quatro abrigos, em flagrante desrespeito às exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente, e 50 idosos, igualmente lesados nos seus direitos previstos no Estatuto do Idoso, entre outras legislações em vigor. A insegurança das famílias quanto à garantia de rematrícula das crianças e adolescentes na rede escolar de São José dos Campos, a perda do material escolar com a destruição das casas no processo de reintegração de posse, a falta de informações sobre as alternativas de transporte escolar e acesso dentro do calendário do ano escolar e as conseqüências psicológicas sobre as crianças e adolescentes das situações de violência vividas foram as principais queixar registradas com a cobrança de definição de prontas respostas da Prefeitura Municipal para as políticas públicas voltadas à criança e adolescente.
O relator Renato Simões apresentou os objetivos do processo do CONDEPE.Em reunião com a Delegacia Seccional de Polícia, realizada na tarde do dia 30, com a presença dos Conselheiros Ivan Seixas e Renato Simões, dos deputados Adriano Diogo e Carlinhos Almeida, do vereador Tonhão Dutra e do advogado Aristeu Neto, representante jurídico das famílias, foi solicitada a abertura de inquérito por parte da Delegacia Seccional para apuração das denúncias de abusos cometidos na ação de reintegração de posse, a avocação dos inquéritos já abertos no 3º Distrito Policial referentes às vítimas Guilherme Boulos e David Washington Castor Furtado para a Delegacia Seccional e a imediata realização de exame de corpo de delito nas 23 pessoas que o solicitaram junto aos voluntários do CONDEPE. Ofício neste sentido foi assinado pelos Conselheiros do CONDEPE durante a própria audiência pública e protocolado formalmente no dia seguinte.
A tabulação dos dados dos formulários sobre violação dos direitos humanos preenchidos pelas pessoas ocupantes do Pinheirinho será feito sob responsabilidade do CONDEPE em parceria com o Núcleo de Trabalhos Comunitários da Pontificia Universidade Católica de São Paulo. O relator Renato Simões recebeu e fará constar da ata dos trabalhos o documento “Pinheirinho: Um Relato Preliminar da Violência Institucional”, elaborado por Brigadas Populares/MG, Justiça Global, Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência. O CONDEPE e a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo estudam o teor de uma representação ao Conselho Nacional de Justiça sobre a atuação do Poder Judiciário na invalidação dos esforços de uma saída negociada para a ocupação e na eclosão da operação policial de reintegração de posse.
O relatório do CONDEPE, ao ser finalizado, será encaminhado aos órgãos nacionais e internacionais de Direitos Humanos para as providências cabíveis, ações judiciais de reparação de danos e de responsabilização civil e criminal dos autores das violações. Nova audiência será determinada, após o relatório preliminar das denúncias, para oitiva das autoridades envolvidas no conflito.
Foram ainda anunciadas, pelo relator, as atividades desta semana. Na quarta-feira, dia 1º, no Auditório Franco Montoro da Assembléia Legislativa de São Paulo, nova audiência pública sobre violência no Pinheirinho, convocada por deputados estaduais. Na quinta-feira,dia 2, na Praça Afonso Pena, em São José dos Campos, ato nacional de solidariedade às famílias do Pinheirinho. Sábado, dia 4, também em São José dos Campos, mutirão de assistência judiciária às famílias do Pinheirinho, de responsabilidade da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, para o qual já se dispõem a participar cerca de 20 dos voluntários presentes, que participaram do mutirão do dia 30 de janeiro do CONDEPE.
Devolvida a palavra ao Presidente do CONDEPE, Ivan Seixas deu por encerrados os trabalhos.
São José dos Campos, 30 de janeiro de 2012″
(*) Aray Nabuco é jornalista e editor-executivo do site de Caros Amigos. Reportagem publicada originalmente no site da Caros Amigos.

3 comentários sobre “Pinheirinho: Condepe reúne depoimentos de 507 vítimas de abusos”

  1. Notícias
    27 janeiro 2012
    Caso Pinheirinho
    Decisão do STJ indica que havia outra saída na disputa
    Por Rodrigo Haidar
    “Uma ordem judicial não pode valer uma vida humana.” A afirmação do ministro Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (hoje aposentado), consta de decisão tomada pelo tribunal em agosto de 2009, na discussão de um caso idêntico ao do bairro Pinheirinho, na cidade de São José dos Campos (SP).
    A decisão do STJ indica que a reintegração de posse do Pinheirinho, feita pela Polícia Militar de São Paulo no domingo passado (22/1), não era a única alternativa para resolver a disputa judicial travada em torno da propriedade do terreno que há oito anos foi ocupado por famílias de baixa renda. No julgamento de um pedido de reintegração de posse do terreno onde hoje há o bairro Renascer, em Cuiabá (MT), o STJ decidiu que o emprego de força policial para a retomada da área poderia ser a medida necessária, mas não era a mais adequada.
    Os ministros tomaram a decisão em um pedido de intervenção federal no estado de Mato Grosso feito pela massa falida da empresa Provalle Incorporadora, dona da área de quase 500 mil metros quadrados onde nasceu o bairro na capital de Mato Grosso. Como em Pinheirinho, a empresa obteve na Justiça estadual, em 2004, a ordem de reintegração de posse. Mas a ordem não foi cumprida pelo então governador Blairo Maggi — hoje senador pelo PR. E o STJ deu razão ao governador.
    O relator do pedido de intervenção, ministro Fernando Gonçalves, defendeu que existiam outros meios menos drásticos para ressarcir a empresa dona do terreno. “Por exemplo, fazendo uma desapropriação ou resolvendo-se em perdas e danos”, afirmou o ministro na ocasião.
    “No caso concreto, à saciedade, está demonstrado que o cumprimento da ordem judicial de imissão na posse, para satisfazer o interesse de uma empresa, será à custa de graves danos à esfera privada de milhares de pessoas, pois a área objeto do litígio encontra-se não mais ocupada por barracos de lona, mas por um bairro inteiro, com mais de 1000 famílias residindo em casas de alvenaria. A desocupação da área, à força, não acabará bem, sendo muito provável a ocorrência de vítimas fatais. Uma ordem judicial não pode valer uma vida humana. Na ponderação entre a vida e a propriedade, a primeira deve se sobrepor”, ponderou Gonçalves.
    Os bairros Pinheirinho, em São José dos Campos, e Renascer, em Cuiabá, se assemelham em tudo. Ambos nasceram em propriedades privadas que pertenciam a empresas, mas estavam vazios por conta de longas disputas judiciais. Os dois foram ocupados por centenas de famílias de baixa renda e se tornaram bairros populosos, com a infraestrutura de qualquer bairro residencial.
    Nos dois casos, as empresas proprietárias da área conseguiram, na Justiça estadual, mandado de reintegração de posse, com uso de força policial, caso necessário. No caso de Mato Grosso, contudo, o governador não cumpriu a ordem judicial. A empresa recorreu ao STJ, pedindo a intervenção federal no estado pelo descumprimento da decisão judicial, mas a Corte Especial do tribunal, por seis votos a quatro, rejeitou o pedido.
    Em seu voto, o ministro Fernando Gonçalves anotou que não se tratava de negar à massa falida da empresa seu direito à propriedade da área. Mas de ponderar os valores constitucionais em jogo na disputa. De um lado, o direito à vida, à liberdade, à inviolabilidade domiciliar e à dignidade da pessoa humana. De outro, o direito à propriedade. A maior parte dos ministros entendeu que o direito à propriedade não poderia suplantar as demais garantias.
    Em março de 2005, o governador Blairo Maggi justificou os motivos de não cumprir a ordem judicial. Entre eles, o fato de morarem na área mais de três mil pessoas, em 1.027 casas. Em seu relatório, o ministro Gonçalves anota que o governador também ressaltou que não enviou a polícia para desocupar a área “em decorrência dos ditames constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, diante das consequências funestas que poderiam advir da intervenção policial”. De acordo com Maggi, a ação poderia acarretar uma guerra urbana de proporções imprevisíveis.
    Clique aqui para ler os votos dos ministros do STJ e a discussão no julgamento do caso do bairro Renascer
    Leia a íntegra do acórdão e do voto do ministro Fernando Gonçalves
    INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 – MT (2005?0020476-3)
    RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
    REQTE: PROVALLE INCORPORADORA LTDA – MASSA FALIDA
    ADVOGADO: MICAEL HEBER MATEUS
    REPR. POR: POLIDORA DE MÁRMORES GOIÂNIA LTDA – POLMATGO – SÍNDICO
    UF: ESTADO DE MATO GROSSO
    EMENTA
    DIREITO CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO FEDERAL. ORDEM JUDICIAL. CUMPRIMENTO. APARATO POLICIAL. ESTADO MEMBRO. OMISSÃO (NEGATIVA). PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PONDERAÇÃO DE VALORES. APLICAÇÃO.
    1 – O princípio da proporcionalidade tem aplicação em todas as espécies de atos dos poderes constituídos, apto a vincular o legislador, o administrador e o juiz, notadamente em tema de intervenção federal, onde pretende-se a atuação da União na autonomia dos entes federativos.
    2 – Aplicação do princípio ao caso concreto, em ordem a impedir a retirada forçada de mais 1000 famílias de um bairro inteiro, que já existe há mais de dez anos. Prevalência da dignidade da pessoa humana em face do direito de propriedade. Resolução do impasse por outros meios menos traumáticos.
    3 – Pedido indeferido.
    ACÓRDÃO
    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, indeferir o pedido de intervenção. Vencidos os Ministros Gilson Dipp, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki e Nilson Naves. Os Ministros Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Laurita Vaz e Luiz Fux votaram com o Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Cesar Asfor Rocha e Francisco Falcão. Licenciada a Ministra Nancy Andrighi.
    Brasília, 05 de agosto de 2009. (data de julgamento)
    MINISTRO ARI PARGENDLER, Presidente
    MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator
    INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 – MT (2005?0020476-3)
    RELATÓRIO
    EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:
    Cuida-se de pedido de intervenção federal no Estado do Mato Grosso requerida pela Massa Falida de Provalle Incorporadora Ltda por não haver o Governador daquela unidade federativa atendido requisição de força policial do Juízo de Direito da Vara de Falências e Concordatas de Goiânia – GO – para dar cumprimento a mandado de reintegração de posse em área de 492.403m², decorrente de acórdão do Tribunal de Justiça que guarda a ementa seguinte:
    “INTERVENÇÃO FEDERAL – IMISSÃO DE POSSE – RESISTÊNCIA AO CUMPRIMENTO DE MANDADO JUDICIAL – REQUISIÇÃO DE FORÇA POLICIAL – INÉRCIA DAS AUTORIDADES ESTADUAIS EM CUMPRIREM A DETERMINAÇÃO JUDICIAL – HIPÓTESE DE INTERVENÇÃO AUTORIZADA PELO ARTIGO 34, INCISO VI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
    A intervenção federal, providência de natureza excepcional, deve ser acolhida quando demonstrado que o Poder Executivo do Estado procrastina, por anos, o atendimento de requisição de força policial para auxiliar o cumprimento de decisão transitada em julgado.” (fls. 39)
    Nas informações o Exmo Sr. Governador do Estado de Mato Grosso BLAIRO BORGES MAGGI assinala não haver enviado reforço policial para evacuar a área, já conhecida como “Bairro Renascer”, em decorrência dos ditames constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, diante das conseqüências funestas que poderiam advir da intervenção policial. É que a área em questão, transformada em bairro, conta com mais de mil edificações e milhares de moradores, o que poderia acarretar uma guerra urbana de proporções imprevisíveis.
    Após pronunciamento ministerial, foi oficiado ao Ministro das Cidades solicitando informações a respeito de providências tomadas diante de expediente da Subprocuradoria-Geral da República, conforme fls. 60 e 67. Sobreveio, então, a notícia de eventual transação, devidamente homologada, entre o Estado de Mato Grosso, o Município de Cuiabá e a Massa Falida de Provalle Incorporadora Ltda (fls. 83?84 e documentos de fls. 85?99). Foi ouvida a Subprocuradoria-Geral da República (fls. 102?104), mas não anexada aos autos a sentença homologatória da transação noticiada, com a informação pelo Juízo de Direito da 11ª Vara Cível de Goiânia – fls. 162?164 – da não concretização do acordo.
    O Ministério Público Federal, finalmente, opina pelo indeferimento do pedido de intervenção federal.
    É o relatório.
    INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 – MT (2005?0020476-3)
    VOTO
    EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (RELATOR):
    as informações prestadas pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de Mato Grosso, em 15 de março de 2005, está consignado, verbis:
    “… segundo estudos realizados pelo Comando Geral de Polícia Militar, na área em litígio estariam presentes mais de 3000 mil pessoas somando um total de 1027 habitações, números estes que corroboram sobremaneira à assertiva de imensa dificuldade e de imprevisíveis conseqüências trágicas que a utilização de força policial poderia acarretar não só à região ocupada, mas a todo o município de Cuiabá.
    Assim, vê-se sem nenhum esforço e com certa facilidade que a retirada dos ocupantes do “Bairro Renascer” não se constituiria em tarefa singela e de fácil execução, pois a ilustre parte ex adversa está muito a par, e por certo superiormente a nós outros que desocupar uma área com tantos moradores e com um número grandioso de construções não poderia ser efetivada sem acarretar um enorme transtorno urbano.
    Dessa forma, ao contrário do alegado pela requerente, não se trata em absoluto, de descumprimento ou de desobediência as decisões emanadas do Poder Judiciário, iluminadas que foram as atitudes tomadas pelas Autoridades responsáveis pela Segurança Estadual, que agiram sob o pálio e o imperativo da cautela, da precaução e acima de tudo, em respeito aos atributos constitucionalmente consagrados da proporcionalidade e principalmente da razoabilidade.” (fls. 52)
    Em decorrência, em um primeiro momento, a Subprocuradoria-Geral da República, veio a opinar no sentido de se negar o pedido de intervenção, por não ser conveniente ao “interesse social uma previsível tragédia, vitimando inocentes, e jogando ao desamparo mais de 1000 famílias, para atender aos interesses particulares dos credores de uma massa falida (fls. 58).
    Colocado nestes exatos termos o debate, em face da relevância da situação e frente à possibilidade real de dano grave e de difícil reparação, com evidentes reflexos na ordem pública, foi pedida a interveniência do Ministério das Cidades, acolhendo requerimento do Ministério Público Federal, não se vislumbrando, entretanto, solução plausível para o problema, porquanto a transação noticiada (fls. 84) entre o Estado de Mato Grosso, o Município de Cuiabá e a Massa Falida não teve bom termo, eis que não homologada judicialmente. Diz, com efeito, o MM. Juiz de Direito da 11ª Vara Cível de Goiânia (fls. 164):
    “Assim, sem homologação do acordo não cumprido – por volta de dezembro de 2004 a precatória de imissão da Massa na posse do imóvel foi devolvida para que o Juízo da Comarca de Cuiabá desse cumprimento à mesma, intimando o Governador daquela Unidade Federada para que fornecesse efetivo da Polícia Militar para cumprimento da ordem judicial.
    Desde então, segundo informações deste juízo, a mencionada Carta Precatória permanece parada sem cumprimento.
    Destarte, arrematando, informo que segundo se verifica dos autos, o acordo noticiado, pelas razões já expostas, não foi homologado, e que a carta precatória continua no Estado do Mato Grosso, aguardando cumprimento.” (fls. 164)
    Nesse contexto, a solução do problema deve ter por base o princípio da proporcionalidade, conforme aliás, antes mencionado, pois, como visto, o caso encerra, a toda evidência, um conflito de valores ou, em outras palavras, a ponderação de direitos fundamentais. De um lado, o direito à vida, à liberdade, à inviolabilidade domiciliar e à própria dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, III da Constituição Federal). De outro, o direito à propriedade.
    Em tema de ponderação de valores, a doutrina constitucionalista e a jurisprudência da Suprema Corte, salientam que, sem a exclusão de quaisquer dos direitos em causa, até mesmo porque não pode haver antinomia entre valores constitucionais, deve prevalecer, no caso concreto, aquele valor que mais se apresenta consetâneo com uma solução ponderada para o caso, expandindo-se o raio de ação do direito prevalente, mantendo-se, contudo, o núcleo essencial do outro, com aplicação da três máximas norteadoras da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
    No caso concreto, à saciedade, está demonstrado que o cumprimento da ordem judicial de imissão na posse, para satisfazer o interesse de uma empresa, será à custa de graves danos à esfera privada de milhares de pessoas, pois a área objeto do litígio encontra-se não mais ocupada por barracos de lona, mas por um bairro inteiro, com mais de 1000 famílias residindo em casas de alvenaria. A desocupação da área, à força, não acabará bem, sendo muito provável a ocorrência de vítimas fatais. Uma ordem judicial não pode valer uma vida humana. Na ponderação entre a vida e a propriedade, a primeira deve se sobrepor.
    O Plenário do Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se manifestar, em tema específico de intervenção federal, sobre o princípio da proporcionalidade, na IF nº 2915-5?SP (DJU 28?11?2003), relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes que, em seu elucidativo voto, discorre sobre o tema:
    “Em nosso sistema federativo, o regime de intervenção representa excepcional e temporária relativização do princípio básico da autonomia dos Estados. A regra, entre nós, é a não-intervenção, tal como se extrai com facilidade do disposto no caput: do art. 34 da Constituição, quando diz que “a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal. exceto para: ( … )”.
    Com maior rigor, pode-se afirmar que o princípio da não intervenção representa sub-princípio concretizador do princípio da autonomia, e este, por sua vez, constitui sub-princípio concretizador do princípio federativo. O princípio federativo, cabe lembrar, constitui não apenas princípio estruturante da organização política e territorial do Estado brasileiro, mas também cláusula pétrea da Carta de 1988.
    No processo de intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, verifica-se, de imediato, um conflito entre a posição da União, no sentido de garantir a eficácia daqueles princípios constantes do art. 34 da Constituição, e a posição dos Estados e do Distrito Federal, no sentido de assegurar sua prerrogativa básica de autonomia. A primeira baliza para o eventual processo de intervenção destinado a superar tal conflito encontra-se expressamente estampada na Constituição, quando esta consigna a excepcionalidade da medida interventiva.
    Diante desse conflito de princípios constitucionais, considero adequada a análise da legitimidade da intervenção a partir de sua conformidade ao princípio constitucional da proporcionalidade.
    O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um “limite do limite” ou uma “proibição de excesso” na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo – tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.
    A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleo1ógica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.
    Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (“A proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2ª ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há de perquirir-se, na aplicação do principio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).
    Registre-se, por oportuno, que o principio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2ª ed., p. 264).
    Cumpre assinalar, ademais, que a aplicação do princípio da proporcionalidade em casos como o presente, em que há a pretensão de atuação da União no âmbito da autonomia de unidades federativas, é admitida no direito alemão. Nesse sentido, registram Bruno Schmidt Bleibtreu e Franz Klein, em comentário ao art. 37 da Lei Fundamental, que “os meios da execução federal (“Bundeszwang”) são estabelecidos pela Constituição, pelas leis federais e pelo princípio da proporcionalidade ” (“Die Mittel des Bundeszwanges werden durch das Grundgesetz, die Bundesgesetze und das Prinzip der Verhältnismäbigkeit”, Kommentar zum Grundgesetz, 9ª ed., Luchterhand, p. 765.)”
    Trazendo, então, as três máximas do princípio da proporcionalidade para o caso concreto, podemos afirmar que o emprego da força policial, pode até ser necessária, pois trará o efeito desejado, ou seja, imitir na posse do imóvel a empresa, mas não será adequada, pois existem outros meios de compor a propriedade privada da credora, por exemplo, fazendo uma desapropriação ou resolvendo-se em perdas e danos, e muito menos proporcional em sentido estrito, pelos fundamentos exaustivamente já expendidos, notadamente a prevalência da dignidade da pessoa humana em face do direito de propriedade.
    Nesse sentido, o parecer do Ministério Público Federal:
    Assim, não convém ao interesse social uma previsível tragédia, vitimando inocentes, e jogando ao desamparo mais de 1000 famílias, para atender aos interesses particulares dos credores de uma massa falida.
    A constituição, apesar de dizer que a intervenção, em casos como o dos autos dependerá “de requisição” do STF, STJ ou TRE, não diz que estes são obrigados a requisitar sem antes fazer um juízo de conveniência em face do interesse social.
    No caso presente, a negativa de cessão de tropas estaduais é o mal menor.” (fls. 58)
    Por isso, sem embargo da discricionariedade na decisão de se determinar que a União, para fazer valer uma decisão judicial, intervenha na autonomia de um ente federativo (Estado-membro), que é um ato político, “tem a doutrina entendido que a intervenção deve amoldar-se aos princípios da necesssidade e da proporcionalidade, referenciados não só à gravidade da situação que procura remediar, como também ao resultado pretendido com a medida.” (Enrique Ricardo Lewandowski, in Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil, Editora Revista dos Tribunais, 1994, pág. 140)
    Indefiro, portanto, o pedido.
    Rodrigo Haidar é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
    Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2012
    http://www.conjur.com.br

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