Para inglês ver

parainglesverOs brasileiros somos craques em maquiar. Desde 1810, viemos nos profissionalizando em ludibriar olhares ingleses, com a estratégia de gerar visibilidade sem necessariamente atingir grau algum de efetividade. O problema é que, como se sabe, muitas vezes o feitiço vira contra o feiticeiro. E, hoje, é o próprio brasileiro que sofre com a tradição política de valorizar apenas aquilo que gera repercussão, trazendo benefícios imediatos, sem perspectiva alguma de médio ou longo prazo.

Incrivelmente, esse modus operandi, aparentemente comum em todo o país, ainda não comprometeu por completo a autonomia do Brasil, seja em termos políticos, econômicos ou sociais. Talvez porque somente num país como o nosso seja possível empregar o “jeitinho”, que reúne a malandragem do brasileiro a suas habilidades e poder de improviso, para resolver assuntos da maior importância.

Não obstante o Macgyver que há em cada um de nós, perduram problemas graves, como a questão da drenagem na cidade do Rio de Janeiro, que, esta semana, enfrentou um dilúvio atípico, é bem verdade, mas que não pode justificar a paralisação quase que total de suas atividades.

Seria redundante dizer que o Rio de Janeiro sofre há séculos com fortes chuvas, principalmente por sua topografia, que reúne, em curtos espaços, morros, rios, lagoas e mares. Também não é novidade o fato de que, todos os verões, centenas de pessoas morrem ou ficam feridas devido às tempestades, nem que milhares delas (quase todas pobres) ficam desalojadas e perdem boa parte de seu patrimônio.

Mesmo assim; mesmo tendo conhecimento disso, as autoridades são incapazes de resolver a questão. Limitam-se, no máximo, a anunciar programas, a mudar logomarcas das operadoras e companhias responsáveis pela manutenção dos sistemas de esgoto, drenagem etc., bem como a aparecer na TV para lamentar as tragédias e proferir seus discursos semi-prontos (simplesmente ignorando as incômodas perguntas dos repórteres), os quais ressaltam as ações de seu departamento.

Preterida pela lógica da visibilidade, a mudança estrutural – seja no campo da política, da educação, da saúde ou da reforma urbana – parece ser sempre delegada ao mandato seguinte. Planos mirabolantes e até megalômanos para dar conta de problemas históricos costumam ser anunciados na propaganda eleitoral, quando as eleições se aproximam. Acompanhados, claro, de imagens coloridas e de uma trilha sonora agradável que falam dos principais feitos do candidato, legitimados por enormes somas de dinheiro que, segundo a propaganda, foram ou serão aplicados nos projetos.

Projetos. Somos muito bons em anunciar projetos e até em implementá-los, embora quase sempre com superfaturamento e desvio de recursos. Mas, além de, com freqüência, constatar-se que o produto não foi feito com afinco, ainda se sofre com o problema da manutenção. Tomem-se como exemplo as obras do Panamericano de 2007, evento que poderia ter transformado boa parte do Rio de Janeiro, mas que deixou como principal lembrança uma vila olímpica que está hoje afundando nos pântanos da Barra da Tijuca. Ou a Cidade da Música, motivo de vergonha para os cariocas, que viram mais de meio bilhão de reais serem gastos (mais de 500% a mais do que o previsto no orçamento inicial, de R$ 80 milhões) numa obra que até hoje não foi concluída e que já é vítima da falta de manutenção.

Construir obras e inaugurar projetos são tudo aquilo de que um político precisa, pois lhe garantem créditos junto aos eleitores, além de contribuir com os cofres de empreiteiras, empresários e aliados políticos. Todos saem felizes, menos o povo, que, no entanto, ludibria-se com seus quinze minutos de fama ao presenciar, em frente às câmeras, o lançamento da pedra fundamental de hospitais sem médicos, escolas sem professores e salas de informática cujo equipamento não durará mais que alguns meses.

Essas práticas perniciosas podem, contudo, perder suas forças à medida que a população for se desgarrando da ingenuidade dos ingleses, que assistiram, por quase um século, aos brasileiros fingindo combater o tráfico negreiro. Há de se aprender que não é com soberbos dispêndios em novos e grandiosos projetos que se resolverão os problemas ou se alcançarão benefícios sociais legítimos. Antes, é preciso conservar o que já está pronto e, se for para fazer algo de novo, que seja uma ação que corte o mal pela raiz, trabalhando a questão em um nível estrutural. Afinal, de medidas plásticas e cosméticas; de gráficos e imagens 3D estamos todos cansados.

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