Para além da crise: questionamentos

Ainda é cedo para se fazer um balanço mais acurado da paralisação protagonizada pelo movimento dos caminhoneiros: Paralisação que – nunca é demais sublinhar – é apenas parte da crise, por mais que a agudize.

Em verdade, ainda se tem notícia de dezenas de pontos de algum tipo de resistência, ao longo do país. Isto, contudo, não impede de estarem a circular muitos textos analíticos, de variado matiz político-ideológico, alguns dos quais de reconhecida contribuição ao entendimento mais objetivo do que anda se passando.

As breves notas que seguem, em forma de questionamentos, alinham-se ao esforço de reflexão e ação, tendo como propósito ajudar a irmos para além da crise, em busca de saídas, a curto, médio e longo prazos (desde que organicamente articulas) dos impasses presentes. Partimos de algumas evidências, para, em seguida, lembrar da necessidade sempre presente de reconhecermos as conexões estruturais e conjunturais desta marcante paralisação a outros impasses pulsantes em nossa realidade nacional e internacional. Por fim, buscamos levantar alguns questionamentos, indagando de nossas responsabilidades, tanto na geração/manutenção dos impasses presentes, quanto sobretudo na busca de superação deste quadro.

 

Partindo de algumas evidências

O que não deveria ser uma surpresa – o acúmulo de descontentamento por parte dos caminhoneiros, anos a fio – acabou surpreendendo a gregos e troianos. Da parte do (des)governo Temer, a despeito das longas e reiteradas tentativas de reivindicações e de alertas, fez-se um silêncio sepulcral, preferindo ocupar-se de sua estéril e estúpida agenda de desmonte e de entrega do patrimônio nacional à sanha das transnacionais. Aqui, nenhuma surpresa, desde um olhar das classes populares. Surpresa mesmo vem da parte das forças sociais historicamente chamadas a estarem permanentemente ligadas aos grandes sinais emitidos pela realidade social, e  no entanto, também elas – injustificadamente tomadas de surpresa com o estouro da paralisação, protagonizada por uma categoria sem grande tradição de resistência, no Brasil, mesmo sabendo-se do seu enorme potencial – já testado em outros países, como no Chile, nos inícios dos anos 70… No caso do Brasil, sobram razões: a injustificada extensão da malha do transporte rodoviário, a ampla dependência de combustíveis tradicionais, a crescente submissão econômica, inclusive a política de preços da Petrobrás, aos interesses das grandes corporações transnacionais, os efeitos deletérios da corrupção sistêmica praticada (também) no âmbito da Petrobrás, entre outros elementos.

No caso do primeiro elemento -ampla prevalência da malha rodoviária-, trata-se de um grave equívoco para um país com as característica geográficas do Brasil num planejamento minimamente razoável da malha de transportes, não cabe dúvida sobre a necessidade de se respeitar a ampla d movimentação do relevo, a rede hidrográfica, a riqueza de bacias fluviais,  a larga faixa oceânica que margeia o território brasileiro, as extraordinárias condições favoráveis à utilização de vias férreas, além do transporte aéreo. Tal perfil geográfico aconselharia, em condições republicanas democráticas, a adoção, não de um modal largamente rodoviário, mas de uma diversificação de modais de transporte, em especial do transporte de cargas, responsável pelo escoamento da produção. Falaram mais alto, principalmente desde os anos 60, os interesses das grandes transnacionais ligadas ao petróleo, a que se submeteu o Estado brasileiro. Escolha que implicou múltiplas consequências, dentre as quais o crescente desmantelamento do transporte ferroviário e o sub-aproveitamento do transporte fluvial.

Outro fator concorrente para a situação presente tem a ver com a maciça dependência de combustíveis fósseis, de amplo potencial nocivo ao Ambiente, afetando, não apenas a saúde dos humanos, mas também se revelando devastador para a vitalidade socioambiental. Também aqui pesa sobremaneira a dependência econômico-política do Estado às heterodeterminações: de novo, as transnacionais e as grandes empreiteiras se rejubilam, pois ” O PLANETA E OS PEQUENOS PAGAM A CONTA QUANDO OS GRANDES PROSPERAM E FAZEM A FESTA” (cf. http://textosdealdercalado.blogspot.com/2017/04/o-planeta-e-os-pequenos-pagam-conta.html)

O certo é que, sob um clima de surpresa (justificada ou não), irrompe  a iniciativa paredista, a lembrar o ímpeto das manifestações de 2013. E, num “crescendum”, se espalham por todo o país, a provocar progressivo desabastecimento de combustíveis, de alimentos, de insumos hospitalares e agropecuários, de modo a afetar todos os setores da economia (a cadeia agroexportadora, parte da indústria, o comércio, os serviços…). E grande tem sido o estrago: estima-se (por enquanto) em 40 bilhões de Reais…

Um rápido olhar sobre a pauta de reivindicações dos caminhoneiros (apoiados por empresas de transporte) é bastante para se perceber o caráter estritamente ligado aos interesses imediatos de uma categoria sem tradição sindical mais combativa, razão por que contou logo com amplo apoio vindo de todos os lados, não sem a desconfiança de setores da esquerda… De tal modo restrita se afigura sua pauta de reivindicações, que não acenava sequer para os abusivos  aumentos da gasolina, do gás de cozinha e do álcool… Não acenava, a não ser para sua necessidade imediata: o abusivo aumento do preço do óleo diesel…

A paralisação dos caminhoneiros é apenas parte da crise…

A multifacetada crise (econômica, política, socioambiental, ética…) nos ensina que a paralisação dos caminhoneiros é uma pequena amostra, é como a ponta de um “iceberg”, este, sim, a merecer de nós uma atenção toda especial.

Se é certo que não devemos esperar, de braços cruzados, o fim do atual modo de produção, de consumo e de gestão societal, o que nos faz enfrentar os impasses conjunturais do atual cenário, certo também é que nossa tarefa maior é de irmos articulando organicamente as ações de combate e de resistência, conforme nossas possibilidades históricas, de modo a irmos de fato (e não só com promessas ou declarações de intenção) criando condições concretas, na perspectiva de superação radical dos atuais impasses. Isto implica escolhas de monta. Uma delas: priorizarmos ações que se revelem seminais e compatíveis com outra sociabilidade. Com efeito, será mesmo que tem adiantado despender o melhor de nossas energias, investindo-as em projetos já testados, e cujos frutos mostram o que realmente podemos conhecer de tais investidas, a exemplo da aposta recorrente em “salvadores da Pátria”? Sem ignorarmos a disposição de não poucos, de seguirem apostando todas as suas fichas no processo eleitoral, será por aí mesmo o caminho, especialmente numa conjuntura eleitoral das mais sombrias, dos últimos anos?

Nesse sentido, que prioridades devemos eleger, no atual quadro? Vejamos algumas. Sem abrimos mão de combater as políticas de desmonte em curso, não parece mais razoável seguirmos reféns das pautas oficiais, que a todo momento sinalizam políticas pontuais, que, de imediato, assumimos como prioridade de resistência: uma resistência a varejo, que se tem mostrado facilmente assimilável às pretensões das forças dominantes. Em vez disto, somos convocados historicamente a envidar esforços em buscar e fortalecer projetos alternativos à lógica imperante, ainda que se trate de ações moleculares, mas claramente imbuídas de sementes de alternatividade.

 Para além da crise: questionamentos sobre nossas responsabilidades

 Conscientes de que a crescente paralisação dos caminhoneiros é uma ponta do “iceberg” da crise, em que estamos mergulhados, nacional e internacionalmente, e dispostos a dar passos de superação, cabem alguns questionamentos sobre nossas responsabilidades de sujeitos sociais comprometidos com a causa libertadora dos “de baixo:

– Se é verdade que lutamos mesmo por uma sociabilidade alternativa ao atual modo de produção, de consumo e de gestão societal, os passos que vimos dando apontam mesmo para esse horizonte?

– Se estamos conscientes de que o atual modo de produção não se sustentaria sem o suporte do Estado, por que seguimos teimando em buscar construir um modo de produção alternativo, justamente pelas vias de um Estado que, por toda parte, não cessa de dar mostras de sua exaustão?

– Nesse sentido, reconhecemos mesmo nossa parcela considerável de responsabilidade pelo momento vivido, no Brasil? Quem eram, há alguns anos, os protagonistas mais diretos desta tragédia? Tinham algo a ver conosco?

É razoável atribuirmos toda essa sucessão de impasses à simples traição de aliados ou, antes, a própria decisão de nos aliarmos a quem não devíamos comporta parte expressiva de nossa corresponsabilidade nesse infeliz desfecho, mas amplamente previsível?

– Em vez de seguirmos apostando no que não dá certo, por que não retomar, EM NOVO ESTILO, caminhos que se revelaram fecundos, em nossas origens, sobretudo do ponto de vista organizativo e formativo?

João Pessoa, 01 de junho de 2018

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