O papel da cultura no projeto de desenvolvimento nacional

Entre os dias 14 e 16 de agosto, no Hotel Novo Mundo, no Rio de Janeiro, numa iniciativa realizada pela Fundação Grabois, diversas entidades, parlamentares, artistas e estudantes, dentre outras personalidades, participaram do seminário O Papel da cultura no projeto de desenvolvimento nacional.  A programação foi inserida na agenda de debates do 12º Congresso do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Com o objetivo de promover o debate sobre o lugar e papel da cultura no novo projeto nacional de desenvolvimento e na própria transição para o socialismo, foram chamadas autoridades e profissionais da área para falar sobre o assunto. A mesa de abertura contou com a participação de Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Grabois; o ministro da cultura, Juca Ferreira; a secretária de cultura do município do Rio de Janeiro, Jandira Feghali; e Guti Fraga, coordenador do grupo teatral Nós do Morro.
Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Grabois, iniciou conceituando o papel da cultura na sociedade e destacou que ela compõe “uma das condições para a própria existência nacional”. “É um ramo da economia, mas com particularidades pois seu consumo é um ato de forte manifestação política”, complementou. Dando um caráter de resistência à cultura, mencionou a necessidade de abertura de canais para a disseminação das informações que hoje refletem a hegemonia cultural estrangeira sob interesses que nos são alheios: precisamos “reforçar nossa identidade cultural sem nos contrapor à diversidade”.
O ministro Juca Ferreira elogiou a realização do evento, destacando que a cultura deve ser debatida, já que se trata de “um assunto estratégico que infelizmente não foi assimilado pela sociedade”. Elogiou os avanços que o governo atual tem dado nessa área, ressaltando a “importância decisiva” de Gilberto Gil na gestão anterior, ao deslocar a cultura para o centro dos debates no Estado – que sempre a desprezou na maioria de seus projetos nacionais. Para ele o Brasil é o “maior laboratório de diversidade do mundo” e, em proveito desse “momento excepcional de inclusão” que estamos vivendo, é preciso melhorar três deficiências na nossa nação: educação, sustentabilidade e cultura.
Segundo o ministro, há integrantes nessa área que só “gostam da cultura quando ela dá dividendos a curto prazo”: “tratam cultura como a cereja do bolo, quando na verdade ela é parte essencial do processo”. Por isso, “o Estado tem o papel de garantir direitos nesse complexo, já que o mercado está voltado para o lucro”, contextualizou. São três os eixos do seu programa: cultura como fato simbólico, direito de cidadania (acesso pleno), economia com atendimento do estado (segundo o IBGE, a cultura compõe cerca de 5% do PIB nacional).
Ainda em sua fala, afirmou que “precisamos enfraquecer o lixo cultural, principalmente da mesma matriz, quando a gente pode realizar coisas que dialogam com a nossa cultura”. Daí deu como exemplo a experiência dos pontos de cultura onde “reconhecemos que o povo faz cultura, mas com o cuidado de não cooptá-los”.  A burocracia é um dos principais desafios, declarou: com seus procedimentos tradicionais são os que mais resistem às mudanças.  Finalizou comentando a importância do vale cultura, pois nem 20% da população é vinculada à cultura nacional; exceto o acesso à televisão. São cerca de 3 bilhões, em cupons correspondentes a 50 reais, que incentivam aos trabalhadores acessarem à nossa cultura.
Com muitas afinidades conceituais em relação ao ministro, Jandira Feghali intitulou sua intervenção de “integração e direito à cidade”. Segundo a secretária, “é impossível falar de desenvolvimento econômico sem falar no desenvolvimento humano”. É nesse contexto que a cultura tem fundamental importância. Ela defende que a diversidade deve ser a mola propulsora da humanidade, lembrando que a desigualdade também se expressa na cultura: “a invisibilidade da produção criativa é concretamente proporcional à pobreza da localidade”, comentou em referência à “criminalização da pobreza e da estética da periferia”.
Com uma definição de cidade fragmentada, inclusive no mesmo território, defende a cultura de apropriação do espaço público. Foi com esse pensamento que ela articulou o Viradão cultural no Rio de Janeiro, cruzando 100 pontos da cidade, alternando a manifestação artística nos territórios, criando assim a integração no mesmo espaço público e sem nenhum incidente: “a gente não está conseguindo superar essa fragmentação, esse medo e até anestesia”, criticou, apontando a necessidade de uma “integração histórica” na cidade.
A democratização da comunicação também é ponto fundamental para o projeto cultural da secretária: “não posso trabalhar cultura sem democratizar a comunicação, se não é impossível implantar uma política cultural e todo mundo sabe como isso é difícil no Brasil”. “Democratizar a mídia propriamente dita é muito difícil, mas não podemos abandonar essa luta”, complementou Jandira, lembrando que desde 1991 ela entrou com uma lei para a regionalização da produção artística e jornalística e nada: “para ajudar a enfrentar a concentração é preciso mudar algumas leis”.
O último a falar foi Guti Fraga, coordenador do grupo teatral Nós do Morro. Apesar de enfático e crítico sobre vários aspectos, começou elogiando os pontos de cultura: “quando a gente percebe a descentralização você fica maluco”, descreveu sua surpresa. No que diz respeito ao seu trabalho: “Paulo Freire mexeu muito com a minha cabeça, no processo metodológico da arte”, destacou. Para ele, seu grupo de teatro tem uma filosofia de vida, uma base coletiva, idéias multiplicadoras: “não consigo ver a arte caminhar sem educação”.
Guti criticou a falta de oportunidade para tantas pessoas talentosas, além dos estereótipos em que nós vivemos: nossa cultura tem esse problema de rotular determinados projetos no diminutivo por não serem os mais conhecidos. O Brasil é muito mais do que a gente pensa, ressaltou ao relatar sua experiência no Congresso, em Brasília, quando deparou-se com filhos de sem-teto reivindicando uma política cultural: conversou com crianças que aos 7 anos ganharam sua primeira enxada para começar a trabalhar no campo.
“Nunca tivemos uma política cultural de continuidade”, reclamou, afirmando que o que interessa mesmo é “a transformação do intelecto e não o bolso, compromisso da alma com o coletivo”: “o paternalismo não muda nada nesse país!”, disse.

Um comentário em “O papel da cultura no projeto de desenvolvimento nacional”

Deixe uma respostaCancelar resposta