O papa Francisco: Entre as novidades parcas e incongruências

Mês atrás fomos “brindados” com novo ocupante do papado romano. Sim, a palavra é “brindados”, pois era notório a falta de hábito do papa Bento XVI com o cargo. Embora, reconhecesse a importância das tradições medievais na Igreja se embolava nos paramentos. Era mais estudioso do que símbolo de pastoral. O que faz falta a instituições religiosas de porte como a Igreja Católica Romana (ICAR).
O papa Francisco em poucas ações, mensagens e prédicas, se mostra mais à vontade como bispo de Roma. Já, se percebe nele ações mais abertas, ecumênicas. Leonardo Boff lembra que a escolha do nome do papa é um “projeto de igreja” que está se anunciando. Por isso é provocativa a escolha do nome Francisco, lembrando Francisco de Assis mítico construtor da ordem dos franciscanos: de elos com pobres, terra e natureza. Nos poucos passos do novo pontificado deu demonstrações de realinhar os rumos que vinham sendo deixados de lado pela cúria romana. Vaticanistas indicam a tentativa de alinhamento da Igreja ao Concílio Vaticano II abandonado nos dois últimos mandatos papais. Afirmam também que outra demonstração das pretensões reformistas se deu na escolha das lideranças que ocuparam os principais cargos no mandato do papa Francisco. Em sua maioria formada por religiosos de fora da cúria romana, diferente de antes.
Agora, existem dados controversos em relação ao novo papa, no passado: s.j. Jorge Mario Bergoglio. O primeiro, data da reunião do CELAM na Argentina quando fez com que se retirasse o termo “pobre” do texto final da conferência. Visava com isso, transformá-lo em mais universal, sem citação a grupo social. O segundo elemento que merece destaque é o silêncio, em relação, à sangrenta Ditadura Militar argentina. Fato, muito explorado nas mídias brasileiras e mundiais. Logo, as mídias currais eleitorais da direita trataram de negá-lo. Embora, não se possa ligar (claramente) s.j. Jorge Mario Bergoglio com os anais da Ditadura Militar argentina, seu silêncio não pode ser desvencilhado ao poder. Mais complicado ainda foi seu silêncio com os problemas ocorridos com companheiros da Companhia de Jesus na Ditadura Militar.
Um pouco para amenizar o constrangimento das averiguações sobre o novo papa se vêm enaltecendo que ele faz sua comida, que vivia numa casa comum e andava de metrô em Buenos Aires. O que não é ruim. São dados de uma pessoa comum com primor pelo simples. Assim, uma pergunta que não quer calar: o que isso pode mudar no rosto da estrutura (missão) do catolicismo no Mundo? Quero crer que seus gestos de humanidade sejam apenas uma ponta do iceberg do que está por vir. Mais, o que foi mostrado até hoje, não reverbera qualquer modificação romana. Pode parecer pessimismo, mas gostaria de ter esperança na estrutura católica ou de qualquer outra religião. Até por que, as lideranças da cúria católica são as mesmas dos mandatos anteriores: formada de clérigos postos pelo João Paulo II e Bento XVI. Papas responsáveis pelo retorno dos processos do Santo Ofício contra religiosos heterodoxos católicos.
Outro detalhe que não se pode deixar de destacar. É que o papa Francisco é o primeiro papa de tradição jesuítica. Ordem símbolo da Contra-Reforma que há anos vem perdendo adeptos no Mundo, principalmente, na América Latina e no Brasil. Sabe-se que hoje no Brasil não são mais de 500 religiosos, o que vem acarretando na diminuição dos centros de formação e de suas missões. Esse dado é importante, pois a América Latina que foi colonizada com ajuda dos jesuítas hoje desfruta de poucos representantes. Isso por que, cada vez mais o continente se pentecostaliza. Nesse sentido, ter um papa latino-americano e jesuíta é algo significativo, pois, o próprio território latino-americano vem sendo nos últimos anos, povoado por governos alinhados à esquerda, fato que no passado ajudara a eleição do papa polonês João Paulo II.
Assim, o que se tem até agora são apenas sinais, impressões sobre o novo mandato papal. Algo muito difícil de ser tateado diante da complexidade relacionada ao cargo. Embora, seja uma figura mais despojada e pastoral, na recente escolha dos líderes das instituições que o ajudarão a levar a ICAR, um dos escolhidos para o comitê da crise foi o monsenhor Filippo Santoro, conhecido no Brasil (entre os fluminenses) professor de teologia na PUC-RIO. Uma figura controversa, conservadora, favorável ao retorno do ensino religioso confessional nas escolas. Chegou a encomendar que as lideranças religiosas deveriam assumir o ensino religioso normal: “justamente os conteúdos não podem ser definidos por uma autoridade que não tem competência; quem ensina a doutrina e a dimensão ética são as autoridades religiosas que deram corpo às tradições culturais do País” (Emerson Giumbelli e Sandra Carneiro (orgs.), Ensino religioso no Estado do Rio de Janeiro, Comunicações do ISER, Rio de Janeiro, v. 23, n. 60, 2004, p.31-32).
Enfim, fica o desejo ecumênico de que o papado de Francisco seja relevante, marcando a reaproximação com a humanidade incentivo do empoeirado/esquecido Concílio Vaticano II: mesmo diante da complexidade e das incongruências da grande estrutura religiosa.
Fábio Py Murta de Almeida é historiador e doutorando em teologia PUC-RIO

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