O fracasso da política norteamericana contra as drogas

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O Instituto Carioca de Criminologia promoveu em sua sede, no dia 21 de outubro, um encontro com Jack E. Cole, fundador e diretor executivo da Law Enforcement Angainst Prohibition (LEAP) – Agentes da Lei Contra Proibição. Trata-se de uma organização não governamental criada nos Estados Unidos que questiona a guerra contra as drogas no mundo. A mesa foi mediada por Maria Lúcia Karam, juíza aposentada, e estavam presentes o jurista Nilo Batista e o delegado de Polícia Civil Orlando Zaccone.
Cole é policial aposentado, atuou vinte e seis anos na New Jersey Police, sendo que 12 deles como agente disfarçado do departamento de narcóticos. Na sua experiência, compreendeu que a política contra as drogas nos EUA fracassou, decidiu combatê-la fundando a LEAP, em 2002, com mais quatro policiais. Hoje são 15.000 integrantes, todos ex-policiais ou profissionais, ativos ou não, relacionados à área penal: juízes, promotores, agentes penitenciários, FBI, etc. A organização hoje é internacional, já passou por 76 países, em seis anos realizou cerca de 5.000 palestras nos EUA e perto de 500 em outros. Só o Jack concedeu umas 500, contam com 75 palestrantes que vão se multiplicando a cada evento. Maria Lúcia Karam se tornou representante da LEAP no Brasil e Cole acredita que terá pelo menos três membros no país quando for embora.
“Eu vim aqui para implorar a vocês não seguirem a política de drogas dos EUA, é um caminho para o desastre, o desespero”, alertou o palestrante. Para apresentar seus argumentos, ele contextualizou o processo das drogas no seu país no século passado. Segundo ele, a primeira droga proibida foi o ópio, em 1909, no Estado de São Francisco, onde nenhum chinês podia portar a droga. No ano de 1914 foi implementada a lei federal, sem restrições, época em que os chineses construíram as ferrovias norteamericanas. Como mais de 90% dos usuários da droga era de chineses, Cole acredita que esse foi o mecanismo para inibir a competição no mercado de trabalho. Dessa maneira não substituíram a mão de obra americana, depois dos trilhos prontos: “se vocês lerem a respeito vão ver que a proibição funciona muito mais ao racismo que à proibição nos EUA”, afirmou.
Falando rapidamente sobre a lei seca, apenas destacou que no dia seguinte à regularização do álcool, em 1933, mafiosos como Al Capone abandonaram a criminalidade acabando com a violência nas ruas. Em 1970 Cole entra na polícia, outras drogas já haviam sido proibidas; em 1964 seu departamento de narcóticos, em Nova Jersey, e de outros estados, tinham 7 agentes. Nas eleições de 1970 Nixon declarou guerra às drogas, leis viabilizaram fundos para o combate às substâncias ilegais. Os departamentos passam a ter 76 agentes, 11 vezes mais, em menos de dez anos. Nessa época a probabilidade de morrer com as drogas era quase nula, foi feito um estudo e propagou-se por toda a sociedade que era inaceitável 1,3% da população consumir drogas ilícitas.
A evolução a partir das políticas de combate às drogas
Toda a polícia era instigada a ir para as ruas prender os traficantes. Não era fácil de achar, diz Cole, tinham de ir para as cidades, onde na época só havia maconha, haxixe, LSD e chá de cogumelo. Praticamente não se falava em cocaína, anfetamina e heroína. Com base numa das pesquisas feitas pela Drug Enforcement Administration (DEA), a fim de apurar a evolução dos preços das drogas, a heroína custava 3 dólares, com percentual de pureza em torno de 1,5%, em 1970. Na década de 80 passou para 6,77 dólares, trinta anos depois os preços despencaram para 80 cents, com uma pureza de 36%: popularizaram a droga mais potente. No ano passado pesquisas acusaram em 60% o nível da pureza, quarenta vezes mais grave que no começo da guerra. Eram 4 milhões de usuários, hoje já são 114 milhões de viciados. A heroína matava por overdose 28/100.000 habitantes, hoje mata cinco vezes mais, são 141/100.000.
Os gastos no governo Nixon no combate às drogas chegaram a 100 milhões em nível federal. Quarenta anos depois os EUA tiram do bolso dos contribuintes 70 bilhões de dólares por ano, com um contingente policial de repressão onze vezes maior. Em 1982 foi a primeira indicação de fracasso dessa política, segundo o ex-policial, quando o governo elogiou o trabalho dos agentes e declarou que quanto mais pessoas fossem presas mais apoiaria com leis severas. Reagan estipulou sua equação econômica, em que prendendo a demanda reduziria a oferta: a repressão aos usuários foi a ruína, disse Cole.
anfPalestra de Jack E. Cole, ex-policial de narcóticos no EUA, realizada para cerca de 50 pessoas no Instituto Carioca de Criminologia. Foto: Agência de Notícias das Favelas – ANF.
Vera Malaguti, criminologista, questionou o limite imposto no debate brasileiro de só se legalizarem os usuários. O palestrante explicou que é devido aos “Estados Unidos dominarem a política de drogas mundial, se qualquer país alterar fica sujeito a sanções econômicas”. Portugal legalizou a posse, não sofreu sanção porque não legalizou, apenas discriminalizou o usuário; é a lei mais ampla nesse campo atualmente. O uso decresceu em Portugal, exceto a maconha que aumentou um pouco, mas reduziu cerca de 30% entre os jovens. A overdose caiu em 72% e a aids e a hepatite em 71%.
Vinte anos depois da primeira indicação de fracasso, havia o quádruplo de presos no sistema carcerário. Em 2005 eram 1 milhão de presos por crimes não violentos relacionados às drogas. Cerca de 89% do total de presos são usuários, 830 mil pessoas presas com maconha. Nos EUA, se você é preso com um cigarro de maconha, mesmo em casa, perde sua habilitação de motorista: moradores de áreas rurais e urbanas, com difícil acesso aos meios de transporte, ficam sem locomoção para o estudo ou trabalho, perdem bolsas de estudo, não têm direito às políticas de habitação, dentre outros direitos cerceados. “Você pode superar o vício, mas não a condenação que fica registrada no sistema”, criticou Cole, e complementou: “lançam o usuário de novo na cultura da droga, de onde era para ele sair”.
“O racismo é o que começou e orienta essa política das drogas”, reforçou. Jack lembrou de uma declaração do chefe de gabinete do Nixon, depois de uma reunião com o presidente, referindo-se às palavras de seu superior: “você tem que encarar o fato de que o verdadeiro problema dos EUA são os negros e a chave é achar uma solução de maneira que as pessoas não percebam”. Hoje, entre os usuários, 72% são brancos e 13% negros, no entanto 60% dos detentos nas prisões estaduais e 81% nas federais são negros.
Isso remete à democracia, pois quem é fichado nos EUA não pode votar. Por volta de 14,5% dos negros não podem votar, sete vezes mais que os brancos. No Texas, terra de George Bush, e na Flórida, a porcentagem aumenta para 31%: Cole acredita que isso teve mais influência na candidatura de Bush em 2002 que as fraudes eleitorais. “Política mais racista que essa só voltando para a escravidão”, ressaltou. Em 1993, na África do Sul, no regime de Apartheid, era de 851/100.000 habitantes o nível de negros presos per capita, enquanto em 2007 chegou a ser 6.667/100.000 nos EUA. “É impossível olhar esses dados e não perceber o racismo, senão nas leis pelo menos em suas aplicações. Tem mais negros na prisão que escravos antigamente”, complementou.
Em defesa à legalização das drogas
Nesses 40 anos foi gasto um trilhão de dólares dos contribuintes, 39 milhões de pessoas foram presas, “mesmo com o dinheiro e as vidas afetadas hoje em dia as drogas são mais baratas e potentes do que quando eu comecei disfarçado: essa é a essência de uma política fracassada”, ressaltou o ex-policial. Para ele é preciso racionalizar a regularização, de modo que o usuário saiba o conteúdo que está consumindo e não haja mais aliciadores do tráfico nas ruas e, em conseqüência, menos violência. Todo o efetivo policial direcionado às drogas poderia ser distribuído, impedindo que se alastre a violência com o apoio da sociedade que passaria a combater crimes (homicídios, estupros, roubos…) que não são consensuais como os das drogas.
As vantagens com isso seria a redução das mortes por overdose, das doenças, da corrupção, das prisões e, em alguns casos, no índice de dependentes. Cerca de 900.000 jovens vendem drogas nos EUA; com a legalização esse comércio passaria às mãos de adultos responsáveis, defende Cole. “Quando eu prendo um homicida e o estuprador, diminui o cenário. O traficante não, porque as drogas permanecem e tem um exército reserva para entrar no mercado”, observou. “Quando se proíbe qualquer tipo de droga, não há nenhuma racionalidade nessa distinção, cria-se um mercado subterrâneo que se enche de criminosos”, disse.
Isso vale também para a corporação policial, instituição que sofre com a corrupção nos EUA, disse ele. Essa instigação ao policial a uma guerra, não é como a um militar, acaba ficando sem limites: gera testemunhas falsas em tribunais; policiais que sabem quem são os traficantes, mas se no momento oportuno na operação se deparam com a falta de flagrante forjam – “salgam”, segundo o ex-agente – para mostrar trabalho; “em outros países ainda é pior, alguns policiais cometem execuções extra-judiciais”, comentou, e a platéia toda disse que é o caso no Rio de Janeiro. Tudo isso, ele atribui à guerra contras as drogas.
Um exemplo bem sucedido foi o da Suíça, apontou Cole. Foram abertas 123 clínicas no país, nas quais os viciados podiam injetar três doses por dia, drogas progressivamente substituídas. Não houve nenhuma overdose em 15 anos, o índice de aids e hepatite é o menor da Europa hoje, o crime caiu em 60%. As drogas são distribuídas em certa escala, ninguém precisa roubar para comprar, não tem traficantes nas ruas. Em junho de 2006, foi realizado um estudo sobre o projeto, constatou-se que o consumo de heroína foi reduzido em 82%. “A heroína é provavelmente a mercadoria mais cara do planeta e não era no início, quanto mais dura é a lei mais valiosa ela fica”, alertou.
“Eu não consigo ver nada que poderia transformar tanto o mundo como a legalização das drogas: economizar mortes, combater a corrupção, economia em gastos”, destacou. Os custos com os processos judiciais e a polícia, por exemplo, poderiam ser investidos em educação, habitação e saúde, concluiu.

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