O fascista nada mais é do que um perseguidor de si

Pelo título escolhido, a ideia que se tem é que iriei perseguir incessantemente os fascistas e suas práticas. Não. Não farei isso, não quero duelar, diminuir ou fomentar a implicância ou diferença. Quero apenas amansar essa turma que despeja ódio, truculência, intolerância e quem sabe trazer um pouco de esperança. Mas, antes de sugerir transformação ou apenas tentar colaborar pela mudança, irei falar um pouco de um conhecido, que com o passar do tempo foi se tornando um sujeito cada vez pior e insuportável. Diga-se de passagem, nem ele se aguentava.
Armando mão de pilão, apelido que a turma do Jiu-Jitsu dera a ele, também era conhecido como Armandão. O apelido dado pela turma do jiu-jitsu devia-se a sua inescrupulosa arte de estrangular, até apagar, os adversários nos treinos e nos campeonatos disputados. Para os amigos e familiares, fora do jiu-jitsu, era conhecido como Armandão. Seu tamanho, arrogância e impetuosidade faziam jus a ambos os apelidos.
Na praia de Copacabana, seus companheiros o viam como um pilar de segurança. Se ele estivesse na praia, ninguém precisava se preocupar. Ai daquele que ousasse fazer bagunça perto de sua turma. O mesmo acontecia nas boates e bares da cidade. Era um perseguidor implacável daqueles que tinham uma conduta ou perfil diferente ao de sua turma. Conservava seu grupo, sua área e seu reinado no braço.
Tempos para cá, Armandão virou um crítico político. Reproduzia mensagens homofóbicas, racistas e outras mais preconceituosas. Tinha um ódio implacável daqueles que não morassem na Zona Sul. Havia uma frase, que ele sempre dizia ao chegar à praia, em alto e bom tom, que tinha como intuito demarcar seu território: “Se o sujeito é da baixada, que ele fique por lá. Copacabana é terra nossa.”. Dizia isso sempre com a mão na cintura, fronte alta e estufando o vasto peitoral malhado, que crescia a cada semana na mesma proporção que seu preconceito e ignorância.
Voltando as questões políticas, Armandão era um caçador de mensagens e postagens que sustentassem suas teses. Teses não, suas tolas convicções. Quando achava uma publicação que sustentava sua ignorância, dizia com vaidade: “Ta vendo, esse deputado é foda, um mito. Sabe tudo, sabe tudo. Esse representa nossa tropa!”.
E foi nessa que Armandão deixou de ser referência somente no jiu-jitsu, nas praias ou nos bares que frequentava. Passou a ser referência política também. Ganhou vários seguidores e aduladores no mundo cibernético. Isso o fazia malhar ainda mais para sentir-se um líder cada vez mais forte.
Bom, não quero fazer aqui panfletagem negativa desse pobre sujeito. Fazendo isso, darei talvez mais força e fomentarei o ódio nesse cruel soldado da moralidade, que não poupa palavras de baixo calão muito menos força física quando o convém. O que eu quero contar aqui, mesmo que de forma breve é um pouco da juventude desse rapaz, que talvez tenha sido a fase de partida para tantas ações ignóbeis que ele viera a cometer no futuro.
Acho que quase ninguém sabe, mas Armandão enquanto era conhecido como Armandinho, era chacota na escola. Um ex-rival de colégio me confidenciou uma surra que o até então Armandinho havia tomado quando ainda era da quinta série. Tempos depois, Armandinho viera a se tornar um delinquente juvenil. Iniciando no Jiu-Jitsu, ganhou a confiança que lhe faltava para iniciar suas práticas covardes. A partir dai nada mais passava despercebido. Perseguia os gays, pobres e qualquer um que fosse diferente e fraco. A verdade que ele construiu essa fama implacável batendo sempre nos mais fracos. Jamais soube de ele encarar alguém que representasse algum perigo.
Até ai, poderíamos dizer que Armandão seria reprodutor daquilo que havia sofrido. Mas, existe outro ponto importante que talvez tenha influenciado sua transformação mais que a surra na escola: a história do crescimento financeiro de seu pai. Também Armando, o pai construiu um pequeno império dando golpes na praça. Tinha boa entrada com muitos políticos corruptos e sempre conseguia um empurrãozinho para fazer seus negócios sujos prosperarem. Foi denunciado algumas vezes e até em capa de jornal saiu. Coisa que deve ter marcado muito Armandinho, que por conta desse fato teve que trocar de escola.
Voltando ao protagonista, o Armandinho que virou Armandão, além de perseguidor dos mais fracos fisicamente, também ficou conhecido na juventude pelos calotes e pequenos crimes que cometia. Página que se alguém abrir atualmente, fatalmente será vítima de sua truculência.
Pois é, e de tanto que Armandinho deu volta, furtou e bateu, hoje ele se tornou um fascista que se esconde na bandeira da moralidade, coisa que nunca teve. Seu alvo predileto é sempre aquele que mais se parece com ele na adolescência. Quando sai no jornal algum noticiário denunciando um vigarista qualquer, Armandão vira bicho feroz e gosta sempre de deixar registrado dizendo: “Ainda pego um filho da puta desses, pode anotar.”.
E foi assim que o Armandão virou um perseguidor de si mesmo. Eu, que sinceramente também tenho na minha história páginas péssimas, gostaria de sugerir ao pequeno Armandão que se perdoe. Aceite o passado e construa um futuro melhor. Gostaria de retificar com uma sublime mensagem direta: “Armandão, todo mundo erra. Já ouviu falar na expressão “quem nunca?”. Pois é, quem nunca fez besteira nessa vida. Perdoe-se rapaz. Pare de perseguir seus fantasmas como se fosse o bastião da moralidade. Você nunca foi um ser moral e por esse caminho você ficará cada vez mais distante disso. Existe sempre um recomeço. Perdoe-se vai.”
Bom, fico na torcida para que um dia o Armandinho ou Armandão leia essa crônica e quem sabe, silenciosamente, mude sua vil conduta e sua péssima convicção de que mudar seja perseguir, nos outros, o que tem de pior em si.
O problema é que agora o nosso lutador entrou para polícia e passou a perseguir ainda mais seus fantasmas do passado. Adotou aquele velho bordão déspota, típica das altas classes dominantes no Brasil que diz: “Sabe com quem você está falando?”. Agora, além da força física, ele possui arma de fogo e um distintivo que o protege e legitima ainda mais suas péssimas práticas. Mas, como eu também tenho páginas péssimas na minha história, pratico jiu-jitsu e conheço bons policiais, não perderei a esperança e afirmo ao Armandão que dá para melhorar. Mas primeiro, é preciso se perdoar Armandão. Vamos lá, vamos lá…

4 comentários sobre “O fascista nada mais é do que um perseguidor de si”

  1. Paulinho, a crônica é atual, e incrível. Vc escreve maravilhosamente bem. Mas o que quero dizer agora é que um dia fiz o que o Armandão deveria fazer: Me perdoei. Em uma crise de mania agredi uma amiga e mesmo ela tendo me perdoado, depois de um tempo, eu não me perdoava. Sofri muito até que me perdoei. Hoje pratico Muay Thai, sou calma e é claro que com a ajuda dos remédios da bipolaridade vivo uma vida normal. Luta só na academia!! Parabéns!

  2. “Aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar, que precisou reprimir.” (Theodor Adorno, Educador e Filósofo Alemão).

  3. Graças às redes sociais e, principalmente à grande mídia, que tem fomentado, propositalmente, o ódio entre as mais diversas diferenças, cor, credo, ideologia e sexo, vários “Armandinhos” têm “saído do armário”, e ganhado espaço, se fortalecendo e se justificando com o compartilhamento do ódio “terceirizado”.
    Mas o mais espantoso é que há Armandinhos também nas classes, digamos, oprimidas, que vêem ergam figuras como essas a oportunidade de serem mais fortes e, paradoxalmente, despejar seu discurso de ódio e “limpeza” social pra cima dos que lhes são iguais. Em outras palavras, há Armandinhos sociais, que atacam a si mesmos, como forma de negar suas origens de pobreza e muitas limitações…
    Enfim, espero que o povo se perdoe, assim como o Armandinho!!
    Abraços!
    Zé Cruz
    Bancário / Taxista e ainda de esquerda, rs…

  4. Ao ler a crônica é impossível não se relacionar com algo da experiência pessoal.
    Todos conhecenos ao menos um “Ar,andão”, e todos são vítimas da mesma falácia, sua insegurança é sua fraqueza.
    A sua insegurança emocional ou intelectual os tornam fracos ao ponto de tentarem s eimpor por meios fisicos.
    Uma pena que ele tenha passado desapercebido pelo Espírito da Arte Suave, e não tenha aprendido que ceder é sábio, humilde e eficaz.

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