O BRASIL É MARIANA: uma metáfora entre o desastre da Samarco e a situação do Brasil

A lama tóxica se alastrou e contaminou tudo qual cinco séculos de desmandos das oligarquias corruptas e colonizadas (Foto: reproduzida da Internet)
A lama tóxica se alastrou e contaminou tudo qual cinco séculos de desmandos das oligarquias corruptas e colonizadas (Foto: reproduzida da Internet)

A represa da Samarco rompeu e inundou Mariana, assim como a frágil represa da democracia brasileira rompeu e todo lixo acumulado dos séculos anteriores de escravidão, servidão, desigualdade, corrupção e poderes oligárquicos – muito bem representados pelo novo governo que se formou no pós-golpe 2016, mas também presentes no Parlamento, no Judiciário e na sociedade – inundou o Brasil.
Por Fabiano Viana Oliveira (*)
Imaginemos que o Brasil é a cidade de Mariana em Minas Gerais antes do desastre da Samarco. Sem dúvida havia lá uma crença ilusória de que tudo estava bem, seguro e caminhando corretamente, mas tudo não passava de uma fachada.
O processo de redemocratização ocorrido no país nos anos 80-90 foi a fundação inicial para conter a lama tóxica que vem se acumulando no país há cinco séculos. Os costumes corruptos das oligarquias tradicionais vêm sempre se travestindo de novas versões modernas, mas no fundo sempre correspondem aos interesses das elites (nacionais e estrangeiras), inevitavelmente contaminando os costumes de todas as pessoas, que sem escolha diante da exploração simplesmente agem corruptamente também (o jeitinho brasileiro seria a expressão mais famosa dessa corrupção generalizada).
No entanto, as bases fundamentais de nossa jovem democracia foram construídas já misturadas com a lama atrás da represa. Os políticos que participavam da ditadura militar eram os mesmos que estavam construindo a nova democracia e como houve anistia de tudo o que houve antes, ninguém ficou de fora. Assim, quando se mistura no cimento novo a velha lama podre que já estava no terreno, inevitavelmente cria-se a brecha para o vazamento.
Com idas e vindas a represa cresceu e se fortificou em alguns momentos. As instituições foram reforçadas aos poucos. Os sucessos econômicos também deram boa liga para as novas camadas da represa. A superação da inflação na era Itamar/FHC e a diminuição das desigualdades na era Lula deram grande reforço. Até o impeachment de Collor serviu como reforço, pois todos tinham medo de novo retrocesso autoritário, mas a Constituição foi respeitada.
Porém, ao mesmo tempo em que a represa crescia, a lama atrás dela também, fruto do sistema desigual que acumula cada vez mais riqueza com os ricos e o Estado vai sendo enfraquecido. Mesmo no período Lula/Dilma isso se manteve, por mais que compensações sociais tenham sido criadas, o rentismo não foi combatido e as ilusões do sistema financeiro globalizado criaram a impressão de que tudo só melhoraria. Mas como sempre, mais uma bolha capitalista estourou, veio a crise mundial de 2008, e a lama atrás da represa começou a fermentar metano e outras substâncias corrosivas e fedorentas.
Como disse antes, desde a fundação o cimento da represa estava misturado à lama original, assim a corrupção e os interesses das oligarquias tradicionais estavam presentes na massa que construiu a nova democracia, assim inevitavelmente dentro dos governos democráticos (Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma) estavam presentes os agentes nefastos da lama. Muitas vezes esses agentes ajudavam a conter a própria lama, pois tinham algum interesse por trás. Porém, do mesmo jeito que na represa da Samarco, quando a lama é demais e a represa é fraca, uma hora ela estoura e destrói tudo que foi construído.
Podemos dizer que a represa começou a rachar e fazer água desde o momento em que a Presidenta Dilma começou a se afastar dos políticos, inclusive do próprio partido. Sua inabilidade política para lidar com metais pesados e corrosivos como Cunha e companhia permitiu que a represa rompesse. O próprio FHC em seu livro ‘A arte da política: a história que vivi’ diz que não tem como um presidente governar sem o Congresso e, historicamente, o que se viu foi Jango, Collor e Dilma caírem por conta do distanciamento com o Legislativo. E ainda tem gente que acha que a derrubada desses presidentes foi por conta do povo nas ruas… Quanta ilusão!
E enfim a represa da Samarco rompeu e inundou Mariana, assim como a frágil represa da democracia brasileira rompeu e todo lixo acumulado dos séculos anteriores de escravidão, servidão, desigualdade, corrupção e poderes oligárquicos – muito bem representados pelo novo governo que se formou no pós-golpe 2016, mas também presentes no Parlamento, no Judiciário e na sociedade – inundou o Brasil. E agora só nos resta morrer afogados na podre lama cheia de metano, enxofre, chumbo e mercúrio. Quem quiser pode tentar correr, mas não importa, uma hora a lama chega em você também.
(*) Fabiano Viana Oliveira é publicitário, professor, escritor, tem mestrado na área de Antropologia.

Deixe uma respostaCancelar resposta