‘Negar o acesso ao ensino público foi uma forma de perpetuar a desigualdade’

Em Lagarto (SE), ex-presidente recebeu título de Honoris Causa e destacou que país só será sociedade moderna “na hora em que a universidade deixar de ser privilégio e passar a ser um direito de todos”

“Minha mãe era empregada doméstica, analfabeta, então não teve condição de me colocar em uma escola que me proporcionasse entrar em uma universidade. Mas, quando entrei, tinha o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), cotas, e foi por meio dessas políticas que pude acessar a Universidade Federal do Sergipe e ser a primeira da minha família a entrar em uma universidade pública.”

O depoimento de Jessy Dayane, vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), era similar ao de muitos jovens presentes ao evento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Sergipe (UFS), no início da tarde desta segunda-feira (21), na cidade de Lagarto. O município, de 105 mil habitantes e a 70 quilômetros de Aracaju, abriga o campus de Saúde da UFS. Mais uma vez, em sua caravana que já passou pela Bahia e agora percorre o Sergipe, o ex-presidente foi recebido por centenas de pessoas.

“O ensino, quando interiorizado, garante que a população de baixa renda, principalmente a população rural, tenha acesso ao ensino de qualidade, a um ensino com dignidade e a opções futuras no mercado de trabalho”, conta Ricardo, estudante de 19 anos do curso de Nutrição da UFS. A interiorização a que ele se refere é um dos aspectos da expansão da Universidade Federal do Sergipe ocorrida a partir de 2006, no âmbito da política promovida à época de levar a educação superior para o interior do país.

Itabaiana foi a primeira cidade contemplada por essa política, com um campus inaugurado em 2006. No ano seguinte, foi a vez de Laranjeiras receber cinco cursos de ensino superior. Já em 2011, foi aberto o campus da Saúde em Lagarto e o Campus do Sertão, em Nossa Senhora da Glória, foi inaugurado em setembro de 2015.

Lídia, de 79 anos, foi recepcionar Lula por causa de seu neto, formado em Medicina pela UFS, e pelo pai dele, que também se formou na universidade. “O pai do rapaz era pobre, humilde, não podia fazer faculdade e hoje já tá trabalhando, fez Terapia Ocupacional”, conta. “Se ele for candidato, tem 10 anos que não voto, mas volto a votar pra Lula.”

Na leitura da resolução do Conselho Universitário da UFS pela concessão do título de Honoris Causa, o texto destacou o “apoio incondicional do seu governo às instituições federais de ensino superior”, o que tornou Lula “o grande mentor da ampliação desse sistema público de ensino, proporcionando um crescimento de matrículas superior a 100% no período entre 2003 e 2011”.

“Não tem como fazer a leitura da Universidade Federal do Sergipe sem considerar antes e depois do Reuni. Antes, tínhamos 10 mil alunos, 500 professores, 180 doutores, seis programas de mestrado e um de doutorado. Com o Reuni passamos a ter 30 mil alunos, 1,5 mil professores, nós passamos a sair da capital e ir para o interior”, disse em seu discurso o reitor da UFS Angelo Antoniolli. Da criação do Reuni, em 2007, até abril de 2015, o número de municípios atendidos pela rede pública de ensino federal passou de 114 para 289.

O caráter libertador da educação

Em seu discurso, Lula ressaltou a melhora na oferta do ensino superior no Brasil, mas destacou que ainda falta muito para que o país atinja um patamar razoável nesse aspecto.

“Como vocês sabem, o número de matrículas nas universidades brasileiras passou de 3,5 milhões em 2003 para 8 milhões em 2014. Ainda é pouco. Ainda é motivo pra gente ter vergonha por termos poucos alunos na universidade. O Chile, proporcionalmente, tem mais. A Argentina tem mais. E o Brasil precisa compreender duas coisas: primeiro, a educação não é gasto, é investimento. E esse país só será grande e competitivo com uma sociedade moderna, com uma sociedade vivendo um padrão de decência, na hora em que a universidade deixar de privilégio e passar a ser um direito de todos”, disse.

O ex-presidente falou das dificuldades que teve para implementar o Reuni. “Não pensem que foi um programa fácil de introduzir, tinha uma parte dos estudantes das universidades federais, normalmente filhos de gente muito rica, que, quando propusemos aumentar o número de alunos nas universidades, eles passaram a fazer discursos de que pioraria a qualidade do ensino. Em vários estados quebraram reitorias, ameaçaram bater em reitores porque uma parte da elite brasileira não admite que pobre entre na universidade.”

Em meio a diversas menções elogiosas ao ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, Lula disse que garantir o direito de acesso à educação “é obrigação do Estado”. “Triplicamos o orçamento do Ministério da Educação. Fizemos isso por entender que a democracia é real quando o pai de família sabe que seus filhos, por meio da educação, terão oportunidades de uma vida melhor”, apontou.

“Até a metade do século 20, a maioria da população brasileira ainda era analfabeta. O acesso ao ensino básico só foi universalizado agora, no século 21, e assim mesmo com boa parte das escolas em condições precárias”, lembrou. “Negar o acesso da maioria ao ensino público de qualidades sempre foi uma forma de perpetuar a desigualdade nesse país. Elites retrógradas mandavam seus filhos estudarem na Europa, enquanto negavam ao povo brasileiro esse direito sagrado, porque sempre temeram o caráter libertador da educação.”

Depois de Lagarto, a caravana se deslocou 42 quilômetros até Itabaiana, para ato com lideranças populares e políticas locais na Associação Atlética. Em pronunciamento, Lula criticou quem reduz os objetivos de sua peregrinação pelo Nordeste a campanha eleitoral. Disse que se quisesse fazer isso, adotaria uma prática mais cômoda de desembarcar somente nas capitas para dar um entrevista e se reunir com a classe política local.

“Não precisaria viajar 22 dias pelo interior do país para fazer política. Eu estou viajando para a gente ver se consegue descobrir neste país”, disse, referindo-se ao período posterior à deposição de Dilma por meio de um golpe. “Quando eu quis ser presidente, tinha um compromisso com minha o consciência de fazer com que o Nordeste fosse menos desigual que o restante do país. No Nordeste tinha menos universidades, menos estudantes e mais analfabetos, mais evasão e menos doutores”, listou, ao dizer que só sabe fazer política olhando nos olhos das pessoas e que a região só é a mais pobre do país por conta da irresponsabilidade de políticos ao longo dos últimos 300 anos.

Depois de Itabaiana, o ex-presidente encerra a agenda do dia em Nossa Senhora da Glória, onde recebe título de Cidadão Gloriense e retorna a Aracaju. Nesta terça (22), cumpre agenda na capital. Na quarta, abre nova etapa, em Penedo, já em Alagoas.

Com reportagem de Cláudia Motta

Fonte: Rede Brasil Atual
http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2017/08/negar-o-acesso-ao-ensino-publico-foi-uma-forma-de-perpetuar-a-desigualdade

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