Não é mais uma crítica de Tropa de Elite 2

O filme já estreou faz quase três semanas, mas, ainda assim, acredito ser válido um breve comentário, não acerca de seu roteiro ou marcas ideológicas, mas quanto à reação de parte do público durante uma sessão de Tropa de Elite 2, abarcando ainda seus possíveis desdobramentos.

Fico, antes de tudo, a lamentar profundamente o grau de ingenuidade e infantilidade de muitos dos espectadores do filme. É tragicômico notar como, ao início da trama, boa parte da platéia só faltava xingar o personagem do deputado que fazia de tudo para o Bope não sair matando os bandidos em Bangu I, e como, ao final, essas mesmas pessoas se davam conta de que o personagem era o verdadeiro herói da trama. Foi também lamentável (e curioso) constatar que os espectadores tiveram a chance de “se olhar no espelho” durante a sessão, quando o Capitão Nascimento entra num restaurante e todos os clientes batem palma pela matança que ele teria autorizado.

No entanto, meu lamento é, possivelmente, por demais generalista – até porque, admito, possui forte carga emocional e pessoal. Primeiro, porque estive presente a apenas uma sessão, e isso não configura sequer uma amostra estatística. Segundo, porque nem todos os espectadores pensaram ou agiram assim e, terceiro, porque a própria concepção ideológica dos mesmos pode não ter sido abalada durante o filme, já que muitos provavelmente saíram da sala de cinema achando que todo mundo dentro do presídio tinha mesmo de morrer, pois, afinal, “bandido bom é bandido morto”.

Vejam bem, não sou nada a favor da bandidagem (o que, imprescindivelmente, deve ser esclarecido de antemão, pois, tais quais aqueles que argumentam que “quem é a favor da descriminalização do aborto é contra a vida”, sempre há os que, nesse ponto, dirão que, se me posiciono assim, é porque devo gostar de bandidos, crimes, mortes, etc.). Mas o fato é que, sem contar a triste realidade de que centenas e até milhares de presos inocentes estão nas cadeias brasileiras, acredito que não se pode admitir que uma instituição que é criada para garantir a “ordem” no sistema, seja a primeira a agir de forma contrária àquilo que está na lei.

Esse, portanto, é um primeiro ponto que deve ser colocado antes mesmo de outro mais amplo e, por isso, fundamental: a questão dos Direitos Humanos. Assim como pensa o Capitão Nascimento – pelo menos antes de notar que não é bem assim que a banda toca –, muita gente vem adotando uma postura crítica em relação aos Direitos Humanos em razão de acontecimentos pontuais que, a meu ver, não deveriam ser tidos como referência nessa discussão. Senão vejamos, quando morre um refém porque a polícia não pôde atirar para matar um bandido, uma avalanche de críticas desce morro abaixo para atingir em cheio os “maconheiros de esquerda” que prezam pelos Direitos Humanos. Bem, sendo assim, não posso deixar de perguntar: quantas pessoas decentes já deixaram de morrer graças às pressões daqueles que lutam pelos Direitos Humanos? Está aí um cálculo interessante para constar como estatística no Human Rights Watch…

Ora, uma vez apresentado esse argumento, infelizmente ainda sem provas concretas, passo para a refutação da hipotética crítica supracitada, que, acredito, consiste numa visão simplista e oportunista. Simplista porque reduz o amplo escopo da violência social ao responsabilizar um princípio – que, aliás, preza acima de tudo pela dignidade de homens e mulheres, sem diferenciação social, étnica, etc. – por esse problema, que é da maior complexidade; lembrando, inclusive, a lógica de Tropa de Elite 1, que acabou elegendo como inimigos da sociedade os maconheiros da Zona Sul carioca. E oportunista porque é justamente esse tipo de crítica que favorece a atuação de pessoas com interesses escusos, que se aproveitam de visões ingênuas como essa. Por exemplo, políticos e policiais envolvidos com a milícia, que, claro, têm total interesse que bandidos (e supostos criminosos, já que na favela vale tudo) sejam mortos ao léu, para, então, se instalarem nos novos currais eleitorais e mercados de gás de cozinha, respectivamente. Afinal, bandido bom, é bandido morto, certo?

Não, isso não está certo. Não faz sentido deslocar bandidos para que novas quadrilhas, tão cruéis e perigosas quanto seus predecessores, se instalem. E, fundamentalmente, não se pode aceitar que a violência seja a resposta para combater a violência. Quantos milênios mais serão necessários para entender que não reside aí a resposta para tal imbróglio?  Até mesmo o sisudo governo do estado do Rio de Janeiro, que é chefiado por um político que certa vez chamou a Rocinha de “fábrica de marginais”, já entendeu que fazer incursões nos morros cariocas, matando não sei quantas pessoas e apreendendo não sei quantas armas de fogo e drogas para a imprensa fotografar – sabendo que, no dia seguinte, novos bandidos, armamentos e narcóticos chegariam (afinal, o mercado tem de ser continuamente aquecido…) – não dá certo. As UPPs estão aí, não é mesmo? Mesmo com todos os seus defeitos e limitações, pois, sabe-se, não cortam o mal pela raiz.

Fica então registrada uma defesa (apaixonada, com certeza, e sem ambições dogmáticas) dos Direitos Humanos, tendo em vista que, não só em função de Tropa 2, mas devido ao eterno interesse de aproveitadores hipócritas em fazer uso do fácil, rápido e apelativo pensamento imediatista e reducionista para atingir seus objetivos pessoais, tais princípios venham ainda a enfrentar severas “rajadas de fogo” por aí afora. A melhor estratégia para rebater as críticas vindouras é contra-argumentar com base num pensamento sistêmico, considerando que problemas e virtudes de nossa sociedade estão mais ligados do que se imagina, e lembrando a seus promulgadores que não faz sentido se ater a um ou outro fato para avaliar o todo. Afinal, até mesmo o Capitão Nascimento já fala em “sistema”.

bope

6 comentários sobre “Não é mais uma crítica de Tropa de Elite 2”

  1. Brilhante exposição!
    Como é difícil encontrar colegas que não desprezam,ou melhor, que valorizam e zelam pela cultura dos Direitos Humanos.Temo que o pensamento vigente no Brasil de hoje é o da obscura Idade Média. Cada vez mais escuto pessoas comentarem que o ideal seria a volta da pena de morte; a completa devastação das favelas, supostos antros da bandidagem; a aplicação legal de tortura; a criminalização dos movimentos sociais; e assim por diante.
    Um saudoso abraço ao autor. Que sua luta seja corajosa e incansável!

  2. O importante é que o autor do filme, se no tropa 1, fez parecer apologia a matança da policia, no tropa 2, aproveitou o sucesso do primeiro para questionar tudo.
    É importante o desenvolvimento da nossa cultura, em especial, cinematográfica, e televisiva, porque o brasileiro não é muito de ler livros, de adquirir cultura literária, mas uma boa imagem vale por mil palavras e causa reflexão nas pessoas… O cinema é algo popular e os norte americanos souberam muito bem expor sua cultura ao mundo inteiro, cabe aos artistas brasileiros conseguirem o mesmo feito aqui dentro e lá fora… Fico imaginando um tropa 3 atingir questões da politica e do crime organizado a nivel internacional… Mostrar que diplomatas e embaixadores não estão aqui apenas por diplomacia e muitos deles também fazem parte do ‘sistema’…

  3. Me sensibilizei mas não me mobilizei nas chacinas de Acari, Candelária, Borel; até que chegou a chacina do Andarai/agosto/2005 onde perdi o meu coração! Será que vamos todos agir desse mesma forma; cada um esperando a sua vez?

  4. Talvez seja disso que se trata… “cada um esperando a sua vez”. Penso com João sobre a questão dos “Direitos Humanos” enquanto um coletivo identificado ao seu conjunto e não um conjunto de umbigos sem nenhuma identificação ao seu coletivo… Na segunda hipótese, restaría-nos a indagação: Cada um por si… e Deus por quem?

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  6. Ótima colocação!
    Fui assistir o filme só essa semana, depois de ter ouvido inúmeros colegas elogiar a produção. No entanto, nenhum falou sobre os Direitos Humanos, O que se percebe que para muitos essa questão passou despercebida diante dos outros fatos que o filme traz.
    Usando de suas palavras é tragicômico notar que nenhuma das pessoas que estavam na sessão comigo vibraram ao ver o Professor de História e Deputado adentrar no presídio em plena rebelião sem usar um colete a prova de balas. Mas vibrar todos juntos quando o capitão Nascimento entra no restaurante e é aplaudido de pé.
    Pior ainda é escutar após o término do filme tantas outras pessoas repetirem a frase: “bandido bom é bandido morto”.

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