Moradores do Horto rejeitam proposta do governo federal e resistem na comunidade

Em duas assembleias famílias decidem que não vão fornecer dados para cadastro. Elas defendem direito constitucional à moradia e denunciam que a questão ambiental é apenas um pretexto para esconder interesse econômico pela área

Por Marina Schneider – publicado no Brasil de Fato

Moradores do Horto em assembleia no sábado (11/5). Foto: Pedro Marins

O Governo Federal pretende remover 520 das 621 famílias que residem há décadas no Horto Florestal, comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro. A área onde hoje estão as casas passa agora a fazer parte oficialmente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). A medida foi anunciada no último dia 7, pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Cumprindo decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério do Meio Ambiente demarcou, pela primeira vez na história, a área do Instituto, que terá 132,5 hectares.

O anúncio oficial foi feito em primeira mão à imprensa, em entrevista coletiva no Museu do Meio Ambiente, no Jardim Botânico. Os moradores, que deveriam ser tratados como os maiores interessados no assunto, só foram informados depois, durante assembleia de 500 pessoas na noite do dia 7, na comunidade. “O acordo era que qualquer informação só seria dada à imprensa depois que os moradores fossem comunicados, mas a ministra fez exatamente o contrário”, critica Emília Maria de Souza, presidente da Associação de Moradores e Amigos do Horto (Amahor).

Uma imposição totalmente arbitrária

Na assembleia, os moradores rejeitaram a proposta de recadastramento de seus dados, proposta pelo Governo para dar continuidade ao processo. “A decisão foi imposta de forma arbitrária aos moradores. Foi uma comoção coletiva e de forma unânime nós resolvemos que não vamos aceitar essa decisão. Primeiro pela falta da participação popular e, segundo, pela forma arbitrária e irresponsável, concluída com total desrespeito aos moradores”, explica.

Além dos moradores e de membros da Amahor, participaram da assembleia representantes do Ministério do Meio Ambiente, da Advocacia Geral da União  da Secretaria de Patrimônio da União, da Casa Civil e da Secretaria Geral da Presidência da República. A decisão de não fornecer os dados para o recadastramento das famílias proposto pelo Ministério foi confirmada em nova assembleia dos moradores no sábado, 11 de maio, no mesmo local.

Segundo o governo, não existe um projeto para realocar os moradores e cada caso vai ser tratado separadamente. “É preciso sobretudo tranquilizar e levar paz e segurança jurídica a todos os moradores, que terão de sair do perímetro do Jardim agora identificado”, afirma o assessor especial do Ministério, Luiz Carvalho.

Questão ambiental esconde política de remoção

Faixa de luta da comunidade. Foto: Arthur William

A disputa pela área – uma das mais nobres e caras da cidade – pegou fogo nos últimos anos. A Associação de Moradores e Amigos do bairro Jardim Botânico (AMA-JB) tem atuado fortemente contra a permanência das famílias no Horto. A denúncia conjunta de que os moradores teriam invadido a área foi feita ao TCU pela Associação e pelo JBRJ. Os moradores recorreram da decisão ao Superior Tribunal Federal, mas o processo está parado.

Ao contrário do que tem sido divulgado, as famílias não invadiram área que pertence ao Jardim Botânico. Um grupo interministerial formado pelos Ministérios do Planejamento, da Cultura e Meio Ambiente reuniu documentos técnicos históricos – que não foram divulgados – e definiu o perímetro do Jardim Botânico, anunciado pela ministra do Meio Ambiente no dia 7. A área, agora oficial, inclui o terreno ocupado há mais de um século pelas famílias que ajudaram a construir o Jardim Botânico.

Segundo o assessor do MMA, tais documentos mostram que o Clube dos Macacos e uma comunidade de moradores na rua Dona Castorina não estão dentro do perímetro do Instituto. “São terras da União e serão objeto de regularização fundiária”, afirma. Segundo ele, quem quer mudar o perfil do bairro ou promover a expulsão de pobres deve procurar outros caminhos que não o governo federal.

A mesma política geral de remoções no Rio

“O que vai acontecer aqui é um sistema que está acontecendo em toda a cidade do Rio. É o que se chama de ‘limpeza social’. Ou seja, é tirar os pobres para valorizar os imóveis dos ricos”, argumenta a presidente da Amahor. “Nós não vamos permitir que o capital venha e passe o rodo em nossa comunidade. Dinheiro não tem poder para tudo. Quem tem poder é o povo, é a coragem do povo de resistir e essa coragem nós temos, ressalta”, completa Emília.

O avô de Milcir dos Santos, de 61 anos, veio para o Horto para trabalhar no Jardim Botânico em 1919. Biólogo e funcionário do Jardim Botânico, Milcir vive na comunidade desde que nasceu. “Eu não quero sair daqui por nenhum dinheiro, quero morrer onde nasci”, disse, emocionado, em entrevista após a assembleia de sábado. “O Jardim Botânico nunca teve nenhum interesse aqui e usava a área para jogar lixo. Depois que começamos a entrar com processos de regularização da terra eles começaram a se preocupar”, recorda.

No dia 18 de abril, a Amahor formalizou um requerimento junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) para que as moradias fossem regularizadas. Segundo Rafael da Mota Mendonça, advogado da Associação, os moradores preenchem todos os requisitos que a legislação exige para que tenham suas moradias regularizadas, garantidas e legitimadas. Naquele dia, ele afirmou que esta luta está sendo travada não só no Horto, mas em diversas outras comunidades que sofrem com condutas arbitrárias do poder público e também do poder econômico. “A gente está lutando aqui porque a Constituição dá esse direito a vocês”, completou.

De acordo com Rafael, o documento comprova que as famílias do Horto cumprem os requisitos exigidos para que o direito à moradia seja garantido, tais como a ocupação da terra há mais de cinco anos e renda familiar de até cinco salários mínimos mensais. Ele lembra que estas condicionalidades foram verificadas recentemente pela SPU por meio de um projeto de regularização cadastral, fundiária e urbanística desenvolvido através de convênio com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Saiba mais sobre a história do Horto

Ao longo da história, os administradores do órgão federal cederam terrenos aos funcionários em áreas vizinhas Jardim Botânico para que pudessem levar menos tempo até o trabalho. Os moradores são descendentes de trabalhadores que participaram da criação do Jardim Botânico, desde o final do século XIX. Muitos são também funcionários ou ex-funcionários do Instituto. Suas casas foram construídas com autorização do próprio Jardim Botânico ou de outras autarquias federais.

Desde então houve tentativas do próprio governo federal de regularizar a situação dos moradores, concedendo os títulos de posse às famílias. A recente oficialização do perímetro do Jardim Botânico provoca ainda mais angústia e tensão na comunidade, cujas famílias disputam judicialmente a legalização da posse de suas terras há cerca de três décadas.

A comunidade já tinha um projeto elaborado pela SPU, em parceria com UFRJ e moradores, que hoje é ignorado. O projeto prevê o remanejamento das famílias que estão em área de risco para dentro da própria área do Horto. As áreas mais afastadas seriam destinadas para o Instituto de Pesquisa. “É um projeto que pode servir de exemplo e de parâmetro para resolver várias questões fundiárias no Brasil. Nós vamos lutar para que ele volte a ser avaliado”, reforça Emília.

Uma associação amiga de quem?

Nota fiscal do servico da mudança em nome da AAJB

No dia 4 de abril, oficiais de justiça formalizaram a remoção da família de Sr. Delton de suas moradias na localidade conhecida como Grotão, no Horto. Alegando que as casas estavam em área de risco, a Justiça ordenou a saída dos moradores e a Secretaria de Patrimônio da União conseguiu imóveis para realoca-los temporariamente na Tijuca, Zona Norte da cidade.

 Uma fotografia comprova que a nota fiscal do serviço executado pela empresa de mudança saiu em nome da Associação de Amigos do Jardim Botânico.

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