Milícia chega à presidência da CPI dos Ônibus no Rio

Acompanhe nesta matéria em detalhes quem são os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão — e porque ter o clã Brazão à frente de uma CPI pode impossibilitá-la completamente.

NA FOTO, o deputado Domingos Brazão (à esquerda) e o vereador Chiquinho Brazão, novo presidente da CPI dos Ônibus, juntos com o prefeito Eduardo Paes -- todos do PMDB -- na inauguração da reforma da Praça do Condomínio Merck, em Jacarepaguá, em 2011. Foto do Flickr oficial de Domingos Brazão.
NA FOTO, o deputado Domingos Brazão (à esquerda) e o vereador Chiquinho Brazão, novo presidente da CPI dos Ônibus, juntos com o prefeito Eduardo Paes — todos do PMDB — na inauguração da reforma da Praça do Condomínio Merck, em Jacarepaguá, em 2011. Crédito da foto: Flickr oficial de Domingos Brazão.

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QUEM SÃO DOMINGOS E CHIQUINHO BRAZÃO

Chiquinho Brazão — ou João Francisco Inácio Brazão, nascido em 22 de fevereiro de 1962 — é um político do PMDB do Rio de Janeiro, o mesmo partido do governador Sérgio Cabral Filho e do seu irmão, o deputado estadual Domingos Brazão. Chiquinho está em seu terceiro mandato e herdou o reduto eleitoral do irmão, em Jacarepaguá, após Domingos ter cometido diversos crimes, o que já o levou a perder seu mandato em julho de 2011, que foi recuperado mais tarde.

A área dos votos de Chiquinho é de uma milícia que foi denunciada pelo CPI das Milícias, da Assembleia Legislativa do Rio. O documento final da CPI aponta que Domingos Brazão fez campanha em um reduto controlado por milícia, em Rio das Pedras, em estreita colaboração com os chefes dos grupos paramilitares. A informação foi dada por Nadinho de Rio das Pedras (ex-DEM), preso em 2007. Nadinho afirmou em 2008, durante a CPI, que a campanha foi em apoio à milícia local, junto aos candidatos. O mapa eleitoral da região confirma a adesão.

Outra denúncia dá conta da influência tanto de Domingos quanto de Chiquinho Brazão em Osvaldo Cruz, onde teriam influência política em um grupo com 14 milicianos que exploravam irregularmente serviços com cobrança de segurança de moradores (R$ 15,00 a R$ 20,00); comércio (R$ 35,00); gás (R$ 15,00 por semana), sinal de TV a cabo (R$ 50,00 a instalação e R$ 35,00 a mensalidade), “lan house” e até mesmo uma taxa de 30% na venda de imóveis. O relatório detalha armas utilizadas (pistola e fuzis), formas de intimidação e os líderes e integrantes da milícia, entre outras informações.

O local de agressão, tortura e morte era, segundo as denúncias, em uma “casa de cor azul no alto do morro do Campinho, após o campo e próximo a uma creche”.

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DEFESA DAS MILÍCIAS, INCLUSIVE PUBLICAMENTE

Não é à toa que, em julho de 2008, durante a aprovação da CPI das Milícias na Assembleia Legislativa, Domingos Brazão criticou a CPI porque “as milícias são melhores que o tráfico”.

No mesmo ano, quando o miliciano e deputado estadual Natalino Guimarães (ex-DEM) foi mantido preso por decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALERJ — acusado de chefiar uma milícia na zona oeste do Rio ao lado do irmão, o vereador Jerônimo Guimarães (PMDB), o “Jerominho”, que também está preso –, cinco deputados foram contra e votaram a favor do miliciano: Álvaro Lins (PMDB), Anabal (PHS), Dica (PMDB), Marcos Abrahão (PRTB) e… Domingos Brazão.

O deputado Dica (Jorge Moreira Theodoro), por exemplo, recebeu apoio da mais antiga milícia de Duque de Caxias, chefiada pelo soldado reformado da PM e vereador Jonas Gonçalves da Silva, o “Jonas é Nós”, e o também vereador Sebastião Ferreira da Silva, o “Chiquinho Grandão”. Tanto Jonas como Chiquinho foram apontados na lista de indiciados na CPI das Milícias da ALERJ, mas o nome de Chiquinho foi retirado da lista no último momento, após votação em plenário, a pedido do deputado… Dica.

Outro que votou a favor de Natalino e junto com Domingos Brazão foi Álvaro Lins, ele próprio preso em maio de 2008. Deputado estadual e ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Álvaro Lins buscou apoio de milícias do Rio de Janeiro para se eleger pelo PMDB em 2006. Lins foi acusado de formação de quadrilha armada, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e facilitação ao contrabando.

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(BONS) NEGÓCIOS EM FAMÍLIA

Ambos — Domingos e Chiquinho — são sócios de postos de gasolina e possuem outros investimentos e bens de luxo. Mais à frente, entenda a relação entre os postos de gasolina e a família Brazão.

Em 2008, Chiquinho impressionou pelo tamanho do crescimento de seu patrimônio até então: com imóveis avaliados em R$ 1,6 milhão no total, Chiquinho Brazão foi o líder naquele ano em variação patrimonial entre os cinco mais ricos da Câmara: subiu 927%.

Em 2012, já possuía quase 2 milhões de reais declarados – acesse todos os bens declarados em http://bit.ly/13pieKL e http://bit.ly/13pgIIE

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DENÚNCIAS DE PRÁTICAS ASSISTENCIALISTAS E COMPRA DE VOTOS

Em 2010, fiscais do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ) fecharam o “Centro de Ação Social Gente Solidária”, na Estrada dos Bandeirantes, na Taquara, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio. O centro era ligado a Domingos Brazão.

No local, foram recolhidos milhares de amostras grátis de remédios, cestas básicas, material hospitalar e odontológico, centenas de escovas de dentes com o nome “Brazão”, camisetas também com o nome do deputado (e do irmão, pois o primeiro nome não aparece) e receituários onde Brazão aparece como marca d’água. Os fiscais apreenderam ainda fotos do irmão do deputado, o Chiquinho Brazão, e duas cadeiras de rodas do SUS.

Domingos Brazão foi então acusado, pelo Ministério Público Eleitoral, de abuso de poder econômico, captação ilícita de voto e conduta vedada a agente público durante a campanha eleitoral de 2010. Ele foi cassado em julho de 2011 , mas conseguiu liminar anulando a decisão por conta do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a Lei da Ficha Limpa não se aplica às eleições de 2010.

Na segunda instância, o corregedor do TRE-RJ, juiz Antonio Augusto Gaspar, havia cassado o mandato de Domingos e o tornado inelegível por 8 anos. Ao analisar a ação de investigação proposta pelo Ministério Público Eleitoral contra Domingos Brazão, o TRE entendeu estarem presentes três requisitos: a vinculação do centro social ao nome do deputado; ser ele ou terceiros em seu benefício os responsáveis por sustentar o centro; ser necessário gastos de monta expressiva para financiar as atividades assistencialistas prestadas pelo centro social.

Um dado curioso: até mesmo a universidade privada UNISAM mantém um convênio de graduação, segundo seu site oficial, com a “Associação de Defesa da Cidadania Ação Social Domingos Brazão”.

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RELAÇÕES COM MILICIANOS (1)

Mesmo que Domingos Brazão seja segundo as denúncias tornadas públicas o mais atuante, Chiquinho já se beneficia há muito tempo da ação de seu irmão.

Em 2004, por exemplo, o empresário Renan de Macedo Leite foi acusado de ser o cabeça da máfia do combustível no Rio. O curioso é que Renan era servidor público. À época, apesar de ser ou de ter sido sócio de pelo menos 13 empresas – das quais oito eram postos de gasolina –, ele estaria batendo ponto diariamente na Assembleia Legislativa do Rio por um salário líquido de R$ 2.861.

Segundo reportagem de Antônio Werneck e Carla Rocha, em 6 de julho daquele ano, Renan foi nomeado para um cargo comissionado no gabinete de Domingos Brazão. A Polícia Federal foi a responsável pela investigação da máfia.

Relatou a matéria:

“A lotação de Renan no gabinete do peemedebista é apenas o fio da meada. O empresário também é sócio do Auto Posto e Serviço Bam Bam Ltda, que cedeu um Dodge Dakota, placa LNL-0195, para a eleição do mais novo representante do clã Brazão na política fluminense. O carro com um adesivo de campanha foi usado no corpo a corpo de cabos eleitorais do vereador eleito Chiquinho Brazão (PMDB), irmão de Domingos. Na prestação de contas da campanha que acabou de entregar ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Chiquinho afirma ter recebido mais R$ 10 mil de Renan.” (O Globo, 10/11/2004, http://bit.ly/1ckRX9E)

À época, Domingos disse que não iria exonerar o chefe da máfia do combustível: “O deputado Domingos Brazão se disse surpreso com a prisão de Renan, a quem se referiu como um amigo de mais de 20 anos. Segundo ele, os dois foram criados juntos na Zona Oeste. Brazão disse que Renan se engajou fortemente na campanha de seu irmão e por isso o nomeou para o cargo comissionado. (…)”

A deputada Cidinha Campos declarou à época: “O homem acusado de ser o cabeça da máfia está dentro de um gabinete da Alerj. Além disso, ele tem sócios que contribuíram para outras campanhas de deputados estaduais, alguns que inclusive já estão sendo investigados. Assim como a CPI da Loterj, a CPI dos Combustíveis na Câmara (dos Deputados, em Brasília) também não investigou ninguém. Eles convocavam as testemunhas e desconvocavam.”

Na investigação da máfia, com escutas autorizadas pela Justiça, a polícia reuniu provas de que o grupo viria há pelo menos cinco anos adulterando combustível e sonegando impostos, causando um prejuízo de R$ 5 bilhões anuais. A operação “Poeira no Asfalto” prendeu 42 pessoas.

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RELAÇÕES COM MILICIANOS (2)

Além do chefe da máfia do combustível, Domingos também foi denunciado por lotar em seu gabinete o advogado Marcelo Bianchini Penna, apontado pela polícia como o principal ‘braço jurídico’ da milícia de Fabrício Fernandes Mirra, de 33 anos. Mirra foi preso em 2009 acusado de chefiar uma milícia com atuação em 23 comunidades do Rio. “Ele era o braço do Brazão na milícia”, disse a deputada Cidinha Campos à época.

Segundo as investigações da Delegacia de Repressão e Combate ao Crime Organizado do Rio de Janeiro (Draco), Bianchini era usado pela quadrilha para orientar testemunhas ameaçadas pelo bando a mudar seus depoimentos nas delegacias. Cidinha informou na oportunidade que enviaria relatório sobre o envolvimento de Bianchini com a milícia à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). O deputado Domingos Brazão não se pronunciou sobre o assunto na época.

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PROJETOS INSIGNIFICANTES

Ações atuais do deputado Domingos atualmente incluem uma moção de louvor, no dia 3 de junho deste ano, a um funcionário do circuito gastronômico do parlamentar na Barra: o maître do Gero, um dos restaurantes mais badalados do Rio. O prato predileto dele é um cordeiro assado ao vinho tinto, com risoto à parmegiana, que custa cerca de R$ 90.

Ele justificou: “É preciso, de vez em quando, dar uma relaxada, senão a minha esposa me bate. O lazer com a família é prioridade. E são nessas horas de lazer que observamos as pessoas que ajudam a fazer do Rio o que ele é hoje. Pessoas que merecem ser homenageadas, até como uma forma de incentivo e de reconhecimento para a categoria da qual fazem parte.”

Anteriormente, Brazão já tinha distribuído moções para um funcionário do Fratelli e a um barman do Azzurra. Ele também justificou: “Tenho que estar antenado para usar o mandato de todas as formas. Há o trabalho de luta numa CPI, por exemplo, mas ainda existe a moção para expressar um regozijo, como diz o regimento da Alerj. Eu leio a revista “Veja”, mas leio a “Caras” também. É preciso lazer, senão a vida perde a graça.””

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JORGINHO DA SOS, OUTRO CURIOSO INTEGRANTE DA CPI

Outro integrante da nova CPI dos Ônibus, o vereador Jorginho do SOS — também do PMDB! — também não assinou o requerimento: o único foi Eliomar Coelho (veja mais abaixo). Jorginho da SOS deu uma entrevista admitindo “ter pouco conhecimento sobre o tema”. Além disso, ele não apresentou um único projeto no ano passado. Ele diz ter sido “convidado” a participar da CPI e afirma ser “uma experiência nova, com a qual vou poder contribuir para a cidade”.

O grau de despreparo e assistencialismo de Jorginho do SOS pode ser medido pela seguinte declaração, em resposta ao fato de ele não ter apresentado projeto algum em 2012: “Eu atuo mais na minha comunidade (Complexo do Alemão). Tenho lá um projeto que me elegeu. Por isso, a minha ausência. Não faço muitos projetos aqui na Casa, porque o que passa aqui é nome de rua, essas coisas. Quero algo que sirva realmente para a população.”

Jorginho da SOS é acusado de ter ligação com o tráfico na região, mas ele nega: afirma que trata-se de um homônimo.

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ENTENDA COMO OCORREU A INSTALAÇÃO DA CPI DOS ÔNIBUS

1. A população e a imprensa denunciam ao longo de 2012 e 2013 uma série de irregularidades e a total falta de transparência na relação entre as empresas de ônibus e o poder público. O serviço é caro e de péssima qualidade.

2. Um vereador que não foi financiado por nenhuma empresa ou pela Fetranspor, a federação dos empresários, decide bancar uma CPI e, após muita pressão popular e em meio a novas denúncias, consegue aprová-la. O nome do vereador é Eliomar Coelho, do PSOL, que não faz parte da base do governo.

3. Como sempre acontece, como é de praxe, quem propôs a CPI preside a CPI. No entanto, desta vez, a base governista, que não apoiou a CPI “porque não foi comunicada”, decide intervir e coloca um monte de gente disputando os cargos da CPI.

4. Para tentar facilitar a transação, o governo: (A) Marca a reunião para horário alternativo ao original, hoje de manhã no caso, para tentar driblar o público; (B) Como não deu certo — mais de 300 pessoas compareceram, dentro de fora da Câmara — eles fazem uma “sessão” de menos de 15 minutos em que não dá pra ouvir nada o que estão falando – o que fez com que o Ministério
Público peça explicações sobre o ocorrido.

5. Resultado: Chiquinho Brazão (PMDB), governo, vai presidir a comissão. “Prof. Uoston” (também do PMDB) será o relator. Dos cinco integrantes da CPI, apenas Eliomar Coelho assinou o requerimento.

Além de Jorginho da SOS, também compõe a CPI Renato Moura, do PTC. Em nove anos, segundo o site da Câmara, o nobre legislador apresentou dois projetos na área de transportes. O primeiro “obriga os veículos destinados ao transporte de escolares do município a manterem os faróis acesos durante o dia e dá outras providências”.

O segundo “dispõe sobre a instalação de câmeras e monitor de vídeo nos veículos de transporte coletivo urbano – ônibus – e dá outras providências”. Este último – que chega a ser engraçado, se não fosse trágico – pede a instalação de monitores para o motorista, de modo que ele tenha “total controle da situação”, visto que o espelho retrovisor é “bastante limitado”. A justificativa do projeto tem apenas três frases, todas com erros de português ou de lógica.

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RESUMO DA ÓPERA

A população não é idiota e não gosta de fazer papel de idiota. Pressionou a Câmara Municipal para entrar e ir até o gabinete dos nobres vereadores autores da manobra. Somente no grito, como sempre, conseguiram entrar. E as pessoas seguirão pressionando.

Continue acompanhando pelas redes sociais e pela imprensa – e participe! Colem abaixo os links em que é possível acompanhar a CPI dos Ônibus ou entre nos perfis do Rio na Rua, Mídia Ninja e na página do próprio Eliomar Coelho, autor da CPI.

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