Loucos (parte 2)

Por Adrián Paenza, jornalista, matemático e professor argentino (reproduzido do jornal argentino Página/12, edição de 13/02/2013)

Robert Goddard previu que um foguete poderia funcionar fora da atmosfera e foi arrasado pelo The New York Times; 49 anos depois, o cientista já morto, o jornal se retratou de maneira simplesmente injusta (Foto: Internet)
Outro caso incrível é o de Barry Marshall, um médico australiano, que foi quem descobriu em 1984 que a maioria das úlceras é causada por uma bactéria (Helicobacter pylori) e não pelo estresse, como todo mundo acreditava até ali. Seus colegas não acreditavam e Marshall via como a vida de muitíssimas pessoas poderia ser salva simplesmente tomando o antibiótico adequado. Como Marshall não conseguia contaminar um animal e o tempo ia passando, tomou uma medida drástica: decidiu usar ele mesmo como parte do experimento! Preparou uma mistura que continha a bactéria, colocou num recipiente e bebeu. Marshall escreveu em sua autobiografia que nunca imaginou que adoeceria tão gravemente, mas a confiança que tinha na solução lhe permitiu avançar dando um passo tão brutal. Mesmo depois, já curado e com centenas de exemplos de pacientes que, desesperados, aceitaram o tratamento ainda não aprovado, a comunidade médica insistia em continuar pondo reparos. Mas tudo bem: mais tarde, em 2005, Marshall recebeu então o Prêmio Nobel de Medicina por suas contribuições.
A matemática também tem vários exemplos para apresentar, porém o mais destacado é o de Georg Cantor. Cantor nasceu em São Petersburgo, mas viveu a maior parte de sua vida na Alemanha. Foi o inventor da Teoria dos Conjuntos mas, ademais disso, sua vida se transformou num calvário porque a sociedade matemática, encabeçada por Leopold Kronecker, não pôde aceitar sua descoberta de que havia infinitos maiores do que outros. Tal foi o desprezo que sofreu em sua época que terminou internado num hospício, acreditando estar louco e aceitando – virtualmente – a condenação dos que estavam equivocados. Cantor havia escrito no momento de sua descoberta: “Estou vendo, mas não acredito”. Hoje, seus trabalhos são considerados pioneiros e suas conclusões são estudadas em todos os departamentos de matemática do mundo.
Quero terminar, por enquanto, com o caso de Robert Goddard, um físico norte-americano que foi o primeiro a projetar e construir um foguete com combustível líquido. Isso aconteceu no ano de 1926. A essa altura, os cientistas pensavam que seria impossível construir o que hoje seria um foguete que leva um satélite ao espaço. Goddard pensava algo diferente, a tal ponto que escreveu que o homem seria capaz de sair da atmosfera e alunar (alunissar, pousar na lua). A reação provocada por sua previsão foi tão virulenta que o próprio The New York Times publicou um artigo no qual criticava duramente Goddard por dizer que um foguete poderia funcionar fora da atmosfera porque no vácuo (vazio) não teria “nada contra o que impulsionar”. Pior ainda: o arrasaram por desconhecer o que o jornal chamou “Física de colégio secundário”.
Goddard decidiu ficar recluso e continuar trabalhando sem responder. Afinal: quando Goddard já tinha morrido, 49 anos depois, The New York Times escreveu: “Investigações posteriores permitiram confirmar os resultados de Newton do século 17, e agora se estabeleceu que um foguete pode funcionar tanto na atmosfera como no vácuo. The New York Times lamenta o erro”. Assim. E nada mais.
E nada mais, por enquanto. Em mais de 45 anos como professor, há uma coisa que aprendi para sempre: escutar alguém que tem uma ideia, ainda que pareça equivocada ou, em todo caso, que me pareça equivocada. Muitas vezes topei com estudantes que me fizeram ver que quem não entendia era eu. Isso, creio que vale a pena escutar, e sobretudo em se tratando de crianças. (Continua – parte 1 foi postada dia 26/abril)
Tradução: Jadson Oliveira. Publicado originalmente no blog Evidentemente

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