Lei 11.888 reforça debate sobre reforma urbana

Entrou em vigor, dia 24 de junho, a Lei de Assistência Técnica Gratuita que garante às famílias, com renda de até três salários mínimos, o direito ao auxílio técnico gratuito para o projeto e a construção de habitações de interesse social. Concomitante a esta Lei, que foi sancionada no final do ano passado, também foi anunciado pelo governo federal o Programa “Minha Casa, Minha Vida” que subsidiará parte do custo para a construção de casas populares. Tais medidas trazem à tona problemas sociais historicamente não resolvidos: a necessidade da reforma urbana e o direito à cidade.

Segundo o Plano Nacional de Habitação, elaborado pelo Governo Federal, o déficit habitacional quantitativo do Brasil chega a 7,9 milhões de moradias e o déficit qualitativo, em 10 milhões de moradias. Além destes dados gritantes sobre o déficit habitacional, a população ainda vivencia mais um problema: a precariedade de suas moradias e a segregação das periferias dos centros urbanos.

Sobre este assunto, a coordenadora de Estudos Setoriais Urbanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria da Piedade Morais, acredita que o conceito de inadequação e precariedade reflete problemas que não estão relacionados ao estoque de moradias, mas sim às suas especificidades internas. “Considerando, simultaneamente, o acesso a serviços de água e esgoto e às condições de habitabilidade dos domicílios, verifica-se que ainda existiam no País, em 2007, cerca de 15 milhões de domicílios urbanos com condições de moradia precárias. Em números absolutos os domicílios precários concentram-se, principalmente, nas regiões Nordeste e Sudeste do País que, juntas, respondem por 60% deste total”, afirmou.

Segregação espacial

E é justamente neste ponto que a Lei de Assistência Técnica Gratuita cumpre seu papel social, pois sua execução garantirá a construção de cidades mais humanas, sustentáveis e planejadas, principalmente, numa sociedade que costuma segregar sua periferia dos centros urbanos e negligenciar infra-estrutura.

“Este é outro problema habitacional, pois diz respeito à proliferação e segregação espacial da população residente em assentamentos precários (favelas, cortiços, palafitas, lixões ou setores com características socioeconômicas semelhantes)”, afirmou Maria da Piedade explicando que um estudo recente contratado pelo Ministério das Cidades revelou que existem mais de 12 milhões de brasileiros morando em três milhões de domicílios localizados em assentamentos precários, nos cerca de 560 municípios brasileiros com mais de 150 mil habitantes ou localizados em regiões metropolitanas.

“A autoconstrução, sem assistência técnica e sem financiamento público, é um dos motivos do caos urbano, da falta de mobilidade e da destruição de áreas de preservação ambiental. Além disso, a população mais pobre e os profissionais de engenharia serão os grandes beneficiários, os primeiros porque são os receptores da assistência e os segundos porque deverão ser os prestadores da assistência e terão o seu mercado e área de atuação de trabalho ampliada”, afirmou Ubiratan Félix, presidente licenciado do Senge-BA.

Ubiratan ainda faz questão de enfatizar que a população deve incorporar a assistência técnica como um direito, não como um favor do Estado ou como uma política assistencialista e pontual. “A assistência à moradia de interesse social é um direito social fundamental como alimentação, saúde e educação”.

Reforma urbana

Contraditoriamente, o crescimento de favelas e periferias acompanha o processo de urbanização de todo o mundo. No entanto, sem que ocorra a distribuição de renda e de terra. O engenheiro mecânico e civil e militante popular pelo direito à moradia, Maurício Campos, explica que a favelização decorre da expulsão dos pobres do campo que vão tentar sobreviver nas cidades, ou então o empobrecimento das próprias populações urbanas já estabelecidas, o que se agravou, particularmente, a partir dos anos 90.

“Erguer bairros precários em áreas sem infra-estrutura urbana é a única saída dos pobres para enfrentar o problema de habitação, já que o poder público, comprometido com os interesses e privilégios das minorias ricas e dominantes, não tem uma política urbana e habitacional voltada para a maioria”, ele declarou.

A partir deste contexto, as atuais políticas habitacionais e urbanas contribuem para o acesso à moradia digna. Além de garantir infra-estrutura para a residência, o projeto ainda contribui para o melhor aproveitamento dos terrenos onde serão erguidas as moradias, para a economia do material empregado na obra e impede a ocupação de áreas de risco e de interesse ambiental e também pauta um debate necessário na sociedade: a reforma urbana.

“No aspecto habitacional, uma reforma urbana digna nunca deveria ser a oferta de imóveis construídos de tal forma que não possam ser melhorados e ampliados pelas famílias que os ocupem. Dentro deste conceito de reforma urbana como direito à cidade, é fácil compreender que ela só é possível dentro de um projeto maior de transformação profunda da sociedade como um todo. E essa transformação tem que significar reparação e justiça social”, enfatizou Maurício.

Clóvis Nascimento, secretário-geral da Fisenge, explica como funcionará a Assistência Técnica Gratuita. “O poder público deverá arcar com as despesas referentes ao pagamento de um profissional do sistema Confea/Creas , devidamente habilitado para tal, que deverá desenvolver o projeto e acompanhar a execução da obra. Com isso, certamente, teremos uma minimização acentuada nas construções de risco, garantindo uma vida digna para as populações mais pobres. Outro aspecto a ser observado é a geração de emprego e renda para o profissional, alavancando o mercado da construção civil, dos materiais e equipamentos, tudo isso contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do País, disse Clóvis.

Ações pelo Brasil

Por todo o País, têm ocorrido atividades de modo a divulgar a Lei de Assistência Técnica Gratuita e também a pressionar o poder público a implementá-la. Após sua sanção, é necessário que os municípios e os Estados elaborem leis locais. E, para que isto ocorra, é preciso organização e mobilização popular. De acordo com Ubiratan Félix, a Fisenge, juntamente com os Senges filiados, tem promovido seminários e debates nas principais cidades brasileiras.

“A Federação, ao lado do Senge-BA e do Senge-MG, lançou a cartilha ‘Engenharia e Arquitetura pública’. Todas as atividades têm o objetivo de divulgar a lei e organizar a categoria para participar deste processo”, afirmou. Além das palestras e seminários, segundo Clóvis Nascimento, a Fisenge esteve no Fórum Social Mundial onde marcou presença em um seminário sobre a Lei na Tenda da Reforma Urbana.

Em Minas Gerais, já ocorreram três seminários com a participação de mais de 1.200 pessoas. Dia 10, o Rio de Janeiro realizou seminário com o autor da Lei, o deputado federal Zezéu Ribeiro e com os movimentos sociais e populares.

“A Fisenge apóia os sindicatos filiados a promoverem debates, seminários e produção de cartilhas popularizando a Lei que aponta o atendimento direto, individual ou coletivo das comunidades pobres, além de contribuir para a organização da categoria neste processo. Esta também é uma oportunidade singular de agregar o trabalho dos profissionais de engenharia, arquitetura e urbanismo às comunidades”, declarou o presidente da Federação, Carlos Bittencourt.

Participação popular

Além de organização da categoria, é imprescindível a participação e mobilização popular neste processo. ”A Lei somente será efetiva se houver cobrança permanente dos movimentos sociais juntamente com as demais Entidades Profissionais atuando com protagonismo nas ações de pressão e mobilização. Os Estados e municípios terão um papel importante na efetividade da Lei, garantindo a sua aplicabilidade por meio de recursos materiais e humanos”, garantiu Clóvis Nascimento.

Ubiratan Félix reforça: “Apenas a organização dos movimentos populares e da sociedade civil poderá fazer com que a vertente assistencialista não prevaleça sobre a vertente de direito à cidadania. O que deve prevalecer é a garantia à cidadania como dever do Estado”.

Na contramão da agregação

Na contramão das políticas de habitação e moradia, o governo do Rio de Janeiro vem construindo muros de contenção ao redor das favelas. Se vingar, este tipo de política de segregação pode vir a pautar estados de todo o Brasil. De acordo com o engenheiro mecânico e civil, Maurício Campos, as primeiras favelas surgiram no Rio de Janeiro.

“Isso aconteceu não só porque era a maior cidade do País na época, mas porque foi a cidade de todo o mundo que teve a maior escravidão urbana de todos os tempos”, afirmou. Não bastasse ser pioneiro no processo de favelização, o governo do Estado demonstra, cada vez mais, uma política de completa atenção aos mais ricos.

Um comentário sobre “Lei 11.888 reforça debate sobre reforma urbana”

  1. Boa tarde,
    Sou Arquiteto e Urbanista em Joinville, Santa Catarina. Faço parte de um grupo de Arquitetos que busca, junto com o Núcleo de Joinville do Instituto de Arquitetos do Brasil, implantar em nossa cidade, a Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social, Lei n° 11.888/2008.
    No dia 20 de agosto próximo, teremos uma reunião com colegas e representantes do poder público municipal. Gostaríamos de apresentar-lhes experiências de cidades que a utilizam eficazmente. Por favor nos informe quais são essas cidades e se possível, pessoas de contato, para podermos contactá-las e implantar a nossa Lei aproveitando as experiências das cidades pioneiras.
    Obrigado.
    Julio de Abreu

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