Jornal do Brasil e as milícias no Rio de Janeiro

Em um momento em que a população pobre de nosso Estado vive submetida à tirania dos traficantes de droga por um lado e do autoritarismo policial por outro, enquanto estudante de comunicação e leitor do Jornal do Brasil há mais de 10 anos, fiquei indignado com reportagens sobre a atuação de milícias paramilitares em bairros pobres e favelas do Rio de Janeiro. Por Carlos Leal.

Enquanto estudante de comunicação e leitor do Jornal do Brasil há mais de 10 anos, fiquei indignado com as reportagens feitas na edição de domingo (28/1/2007)* sobre a atuação de milícias paramilitares em bairros pobres e favelas do Rio de Janeiro. Seria de se esperar que um jornal com a tradição do JB adotasse uma abordagem que contextualizasse a gravidade e o absurdo da situação em que se encontra a segurança pública do Rio de Janeiro.

Em um momento em que a população pobre de nosso Estado vive submetida à tirania dos traficantes de droga por um lado e do autoritarismo policial por outro, em que a criminalidade assola toda a população, em que um setor expressivo dos órgãos de segurança do Estado (principalmente as polícias civil e militar) avança em seu grau de degeneração e de corrupção tornando-se praticamente co-agente da criminalidade, observamos o surgimento das milícias enquanto expoente máximo de todo esse processo.

Um Estado que mantém setores expressivos da população submetidos aos mais degradantes níveis de miséria, sem direito aos serviços mais básicos como saúde, educação e saneamento básico, observa seus órgãos de segurança se transmutarem em forças ilegais que passam a ingerir de forma absolutamente autoritária e claramente ilegal sobre a população, extorquindo-a e repetindo o modelo de terror já utilizado por traficantes.

Ao invés de declarações públicas das autoridades explicitando a gravidade da situação e se comprometendo em resolvê-la, o que observamos é um silêncio oficial que mal esconde a aprovação de setores significativos das autoridades públicas, civis e militares, da transformação das forças de segurança pública em quadrilhas organizadas para extorquir a população. E, de fato, quando não estão em silêncio, as declarações das entidades ligadas aos órgãos de segurança apontam para uma aprovação dessa transformação de setores significativos do exército e da policia em quadrilhas.

Observamos na página A16 desta edição do JB o tenente-coronel Mário Sérgio de Brito Duarte, que ocupa cargo na Secretaria de Segurança Pública, afirmando – ou então a reportagem do JB dá a entender de forma leviana essa afirmação, o que não está explícito – em seu blog que as milícias “trazem benefícios”. Já a Associação dos Militares Auxiliares e Especialistas (Amae) e seu presidente dão apoio explícito às milícias, através de manifestos divulgados entre policiais da ativa e diz que elas existem há muitos anos de forma incipiente sobre a forma do xerifado. E conclui com um prognóstico que oscila entre caráter de neutralidade e aprovação.

A longo prazo, após o Pan, diz, as milícias vão-se consolidar por todo estado do Rio de Janeiro. Por fim, um capitão paraquedista do Exército, que dá depoimento na matéria na página A15, diz que o Exército já “analisa a situação”, e depois, também em tom de aprovação, diz que as milícias são parte da “doutrina do Exército”.

Para justificar isso cita o caso das “special forces” do exército norte-americano, que financiou, treinou e equipou diversas milícias – como os “contra” da Nicarágua, a Milícia Talibã do Afeganistão e a “Máfia de Berkley” da Polinésia, que dominou o Timor Leste durante anos. Todos os casos se trataram de intervenções também ilegais dos Estados Unidos que contrariaram todas as normas do direito internacional e, além disso, foram recordistas na promoção de genocídios e desrespeitos atrozes aos direitos humanos.

Neste cenário todo, ao invés de demonstrar a gravidade, o perigo e o absurdo da situação, o JB em suas três matérias “Para os Bandidos, Verde é Desesperança” e “Associação defende grupos”, na página A16, e “Exercito está atento”, na página A15, o que observamos estarrecidos é que o JB adota uma postura de aparente indiferença frente à situação a partir de uma abordagem não valorativa da questão, o que aponta para uma implícita aprovação por parte do Jornal das milícias como maneira de resolver os problemas de segurança do Estado.

Isto deixa qualquer leitor minimamente esclarecido do jornal e que conheça a história do JB completamente estarrecido e indignado. Isso fica claro quando o jornal denomina de “trabalho” as atividades criminosas desenvolvidas pelas milícias como ocorre na matéria “Associação defende grupos”, página A16, equiparando as mesmas a um serviço promovido por um órgão público.

A obrigação do JB era de apontar o x do problema de maneira clara e contextualizada, relacionando o problema da degradação das condições vida nas favelas à ausência de serviços públicos elementares somados ao multimilionário mercado internacional das drogas que faz com que traficantes imponham um regime de terror às populações pobre, em primeiro momento, mas que se estende a toda população gradativamente; à degradação, sucateamento e corrupção da polícia que transforma a mesma em tirana da população pobre e co-agente da criminalidade, como já explicitou inúmeras vezes o renomado sociólogo e especialista em segurança pública Luis Eduardo Soares, e à ausência total de políticas públicas voltadas para combater esses problemas de forma articulada.

Ao invés disso o JB preferiu apontar como positivo a conversão das forças de segurança publica em agentes que atuam à margem do controle das entidades da sociedade civil e das autoridades civis do poder Legislativo, Judiciário e Executivo. Caminho esse que em toda a história só gerou episódios e experiências trágicas, bastando para isso lembrar a nossa história recente, quando, durante a ditadura militar, centenas e centenas de pessoas foram torturadas e assassinadas brutalmente por um aparato militar/policial – os esquadrões da morte – que atuava à margem de qualquer lei.

Carlos Leal é estudante da Escola de Comunicação da UFRJ e militante do movimento estudantil.

(*) Por se manter uma questão e um texto atual, decidimos manter as datas e publicá-lo como foi escrito. Publicada em 13/11/2007.

Um comentário em “Jornal do Brasil e as milícias no Rio de Janeiro”

  1. Carlos, infelizmente você está esquecendo, ou não sabe, que o JB atual nada tem a ver com o antigo jornal da Condessa Pereira Carneiro. Agora pertence ao empresário Nelson Tanure.Virou jornaleco de aluguel, que dança conforme a música, ou melhor, conforme o que der mais lucro ou retorno político. Portanto, não se admire tanto com relação à qualidade do jornal. Não é mais “O” JORNAL DO BRASIL. É apenas um JB qualquer.

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