Itamaraty, PT e Yoani Sánchez

Há alguns anos o Brasil vem recebendo críticas por manter uma postura relativamente branda em relação a países governados por ditadores ou governos extremistas, nos quais os direitos humanos são sistematicamente desrespeitados. Fazem parte desse grupo países como a Síria, cujo governo, chefiado por Bashar Al-Assad, é acusado de matar milhares de civis, e Cuba, onde há evidente cerceamento de liberdades individuais, como a censura à informação e o impedimento dos cidadãos de saírem do país.

O assunto voltou a ganhar as páginas dos jornais em virtude da visita da blogueira cubana Yoani Sánchez ao Brasil. Depois de anos tentando emitir seu passaporte, ela foi autorizada a deixar Cuba e está, agora, de passagem pelo país. Ao chegar, contudo, Yoani foi recebida com protestos de manifestantes que a acusavam de manter relações de interesse com o governo dos Estados Unidos.

O acontecimento foi o estopim para que comentaristas – que já andam incomodados com o tom ideológico-populista do discurso do PT e pela empáfia demonstrada por alguns dos representantes do partido (a começar pelo ex-presidente Lula) quando confrontados com questionamentos a respeito de políticas do governo e escândalos de corrupção – criticassem veementemente o “esquerdismo radical”, que não tolera oposições de qualquer natureza.

Todas as críticas são pertinentes. O PT, de fato, vem “se queimando” devido à forma como tem lidado com políticos do partido ligados a escândalos de corrupção e até mesmo condenados pela justiça, como é o caso de José Dirceu e José Genoíno, que andam, inclusive, recebendo entusiasmados aplausos de seus colegas petistas em eventos promovidos pela sigla.

Além disso, o partido – que, volta e meia, flerta com a ideia de regulamentar os meios de comunicação – parece não reagir bem a críticas por parte da mídia, adotando uma postura um tanto quanto histérica ao dar a entender que reportagens de cunho negativo são fruto de um trabalho de uma suposta “mídia golpista”, como se houvesse uma conspiração de conglomerados de comunicação para derrubar o governo (é claro que os veículos jornalísticos não são isentos, mas eles atendem a interesses comerciais e políticos diversos, que ora agradarão, ora irritarão os petistas).

Quanto ao radicalismo dos manifestantes contrários à Yoani Sánchez, o que se pode dizer é que a esquerda só tem a perder quando adota uma roupagem excessivamente radical, algo que assume proporções ainda mais graves quando os jornais exibem imagens de militantes puxando o cabelo de uma mulher que foi eleita pelos principais veículos de comunicação ocidentais como a grande voz dissidente de Cuba, como apontou o jornalista Luciano Martins Costa em artigo publicado no observatório da Imprensa (veja aqui). Ou seja, o que mais marcou a chegada da blogueira ao Brasil e deu ainda mais destaque ao fato foi a agressão dos “esquerdistas fanáticos” ao “Sansão de Cuba”.

No entanto, também não se pode taxar como absurdos os protestos contra Yoani. Não só porque é perfeitamente plausível a hipótese de que a blogueira possui ligações com os Estados Unidos, que são os maiores responsáveis pelos embargos que, há décadas, afetam a economia cubana, como porque, se faz parte de um ambiente democrático haver vozes dissonantes (e é exatamente isso o que a Grande Mídia vem colocando sobre a mesa de discussões), é perfeitamente cabível ocorrer esse tipo de manifestação, à exceção de agressões físicas, claro. Doa a quem doer.

Já no que se refere à política externa brasileira, cumpre esclarecer que: (a) as relações internacionais não podem ser tratadas com base em maniqueísmos. Assim, assumir um lado simplesmente porque os EUA afirmam ser ele o correto é absolutamente temerário; (b) o principal argumento do Itamaraty para não se declarar favorável a embargos ou medidas mais duras contra países como a Síria consiste na ideia de que o diálogo, e não o isolacionismo, é o melhor caminho para promover mudanças, o que – justiça seja feita – tem coerência.

Ainda sobre esse assunto, vale assinalar que os EUA, assim como outras potências mundiais, sempre mantiveram relações políticas e econômicas com países comandados por ditadores, fundamentalistas e afins. Bastava, porém, que tais governos não atendessem a algumas de suas vontades, para que embargos fossem impostos ou até mesmo invasões militares, promovidas, sempre sob a justificativa de que isso estaria sendo feito por razões éticas, morais e até divinas (segundo Bush, os EUA eram o país escolhido por Deus para salvar o mundo).

Isso sem contar as suspeitas – confirmadas por muitos historiadores – de que os americanos foram grandes articuladores dos golpes de estado que redundaram na instauração de ditaduras militares na América Latina nas décadas de 60 e 70 do século passado…

Enfim, fica a impressão de que, no que tange às decisões do Itamaraty e ao caso Yoani, os grandes jornais brasileiros fazem uma cobertura esquizofrênica – motivada, talvez, pela ira provocada pela hegemonia do lulo-petismo na política nacional – que, quando não contraditória, parece ser, no mínimo, excessivamente ideologizada (o que também não deixa de ser antagônico em relação a seu próprio discurso).

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