Intelectuais analisam o papel do Estado e o atual cenário político no Brasil

mesa tarijA tenda dos pensadores Darcy Ribeiro, no I Festival Internacional da Utopia, na tarde de anteontem (24), em Maricá (RJ), foi palco de uma debate entre intelectuais e políticos sobre o papel do Estado na sociedade. Participaram o escritor paquistanês Tarik Ali, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) e o cientista político Roberto Amaral.
No mundo em que vivemos os governantes corporativos e os políticos estão preparados para aceitar poucas demandas da sociedade, por isso é muito difícil descrever a utopia contemporânea, disse o escritor e jornalista paquistanês Tarik Ali. Educação, saúde e moradia para todos, que são necessidades básicas, neste contexto se tornaram utópicos por causa da forma que somos governados e o sistema em que vivemos, explicou.
“Estamos vivenciando uma nova fase do capitalismo, na qual as prioridades se reverteram em relação ao que elas costumavam ser no século passado. A desigualdade de renda chegou a um estágio que parece até irracional, isso é verdadeira no mundo todo. Essa disparidade reduz a vida útil das pessoas comuns, a grande riqueza que prescreveram nos anos 80 não está acontecendo. Houve uma enchente de riqueza, que só está tornando os ricos mais ricos”, destacou.
Um fenômeno novo da globalização é a terceirização da industrialização para países onde a força de trabalho é mais barata, como na Índia e a China, e não há sindicatos fazendo com o que os preços aumentem ainda mais os lucros das corporações que se concentram no mundo ocidental, acrescentou o intelectual. A preservação da ordem social e econômica nas mãos de um pequeno grupo que mantém os meios de produção e a propriedade são outras características desse modelo.
“A internet e a nova revolução tecnológica foram levadas ao mundo inteiro, e os EUA produzem laptops e telefones que trocamos a cada cinco anos. É perfeitamente possível criar aparelhos que durem 100 anos, mas não fazem para manter a exploração. Aqueles que tentam lutar contra isso estão constantemente sob ataque, então essa revolução tecnológica veio com a industrialização criando um mercado no qual os consumidores têm um papel muito importante. Somos complacentes com isso, é o que eu chamo de capitalismo enriquecedor”, disse.
A função do capitalismo é manter a circulação ilimitada dos bens, por isso faz com que as commodities estejam circulando permanentemente, observou o ativista. E em muitos países a industrialização é baseada no sistema bancário, que é corrupto e isso se estende para a política, acrescentou. Em relação ao governo do PT, Tarik ali disse que seu governo não realizou nenhuma mudança substancial na forma do capitalismo funcionar no país, só fez o bolsa família que não é uma reforma estrutural do sistema.
“O que está acontecendo é que as fraquezas do PT em fazer essas mudanças levaram a essa situação. você não pode destruir o inimigo se está no mesmo campo de batalha que ele. Se o planeta quiser viver vai precisar um ecosocialismo, como a agroecologia, mas precisa fazer um planejamento. Precisamos entender o sistema para modificá-lo, e apesar das dificuldades lutar por uma alternativa”, finalizou.
A mudança ou superação do Estado
Embora reconheça a importância do Estado, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), pré candidata à prefeitura do Rio de Janeiro, a utopia é pensar numa sociedade onde ele não seja mais necessário. É preciso levar em consideração, segundo ela, qual o seu objetivo e para quem ele serve. Por sua característica de corresponder a uma determinada forma de organização do momento da sociedade, é preciso mudar sua atual forma de ordem jurídica de submissão e opressão de uma classe por outra.
“O estado não serve a uma conciliação de interesses, em sua forma capitalista jamais será representativo da maioria e, portanto, da humanidade. A fome ainda é a maior causa de morte no mundo, e nunca foi tão grande a concentração de riquezas. Isso não é para nos surpreender, mas é para indignar. Nosso debate é se tem alternativa. Esse futuro não está escrito e também não temos que copiar de ninguém”, sugeriu.
Nesse sentido é preciso realizar um grande debate sobre o que se adapta melhor à realidade brasileira, sair de uma absoluta promiscuidade do mercado com o estado corrupto. Com a Constituição de 1988 foi possível construir uma relação diferente com a inserção dos pobres, disputando o controle das políticas públicas e a participação da sociedade com uma maior capacidade de compreender suas conquistas e resistir às suas perdas.
“Passamos por uma década de 90 inteira pelo neoliberalismo, onde ao invés do estado de direito houve uma exclusão dos direitos das pessoa. Foi assim que a sociedade elegeu o governo Lula, que nunca se comprometeu a transformar a estrutura do capitalismo mas foi um governo popular e democrático. Entrou mais estado, o pacto garantidor de políticas universalistas foi garantido, e mudança estratégica na sua política externa que incomodou muito. Isso faz parte da análise do golpe que temos hoje, não é por causa das nossa limitações e erros mas por causa das mudanças na relação externa e na participação do Estado”, analisou.
Para impedir o golpe é preciso, de acordo com deputada, de uma reforma política profunda, a quebra do monopólio da comunicação e estabelecer uma reforma tributária progressiva. Politizar mais a sociedade, que teve mais direitos sem compreensão de que isso fez parte de uma política de governo que mudou prioridades, criticou.
“É importante defender aquilo que conseguimos fazer, por isso retornaram com um fundamentalismo inaceitável e uma agenda que querem nos impor. A cada momento que a gente avança vem uma maré contra nós, por isso temos que pensar as mudanças estruturais e o ganho das consciências. Precisamos de uma capacidade que o mercado não comande nossas vidas, trabalhar nesse estado sua democracia a sua diversidade para o socialismo brasileiro”, finalizou.
Para o ex-presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Roberto Amaral, a entrada de Michel Temer no lugar da presidenta Dilma Rousseff houve uma mudança do Estado que estava a serviço do avanço social para um anti nacional. Embora seja integrante de uma corrente que também defende a dissolução do Estado, nos jornais são retratados como defensores do Estado.
“O Estado na sociedade de classes subdesenvolvida, como o brasileiro, está a serviço da classe dominante. O poder judiciário, legislativo e executivo organizam seus aparelhos mediante os quais vão transmitindo sua ideologia de dominação através do monopólio da comunicação. Um monopólio inconstitucional, injusto e corrupto que não enfrentamos, como também fizemos concessões seguidas para fortalecê-lo”, ressaltou.
A defesa ao Estado se justifica para defender os interesses populares das camadas mais pobres, pois mesmo sem hegemonia é possível intervir a serviço delas. Isso ocorreu com Getúlio Vargas, Jango e com Lula, de acordo com o intelectual, de modo a garantir direitos como salário mínimo, a escola gratuita e um sistema de saúde público. Para ele, o limite da esquerda no sistema capitalista é realizar reformas.
“O Luz para todos, por exemplo, não temos ideia do impacto que é chegar a luz elétrica no interior do nordeste. Mas levamos os fios, e não levamos o conteúdo: foram assistir a Globo e a Record. O nosso governo renunciou a vários postulados, o mais grave foi ao debate político. Inclusive deixamos que a direita usasse os instrumentos. Estamos vendo uma presidente honrada sendo substituída por um chefe de uma gangue. Precisamos fazer uma auto crítica sobre nosso papel da política de estado nos últimos anos, e o PT tem que dar uma satisfação à esquerda”, afirmou.
Amaral alertou que o golpe está muito melhor articulado e planejado que em 1964, quando os militares instalaram uma ditadura militar no país. “Suas medidas não são improvisos. O objetivo é impedir o projeto nacional de desenvolvimento fundado na distribuição de renda e na superação do subdesenvolvimento. Estamos correndo risco de enfrentar uma fase tão tenebrosa quanto a de 64”, concluiu.
Foto: Comunicação I Festival Internacional da Utopia

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