Horrorizado pelas ruas

Após passeatas em Niterói e as coberturas das diferentes mídias: o que empolgava nos atos/protestos vem se “diluindo no ar”. Fato aferido na participação na passeata de pelo menos 300 mil pessoas no Rio, no dia 20, que foi das 17 horas às 22 horas. Para os que não sabem as manifestações foram orquestradas primeiro pelo Movimento do Passe Livre (MPL) que luta para baixar os preços das passagens que haviam sido aumentados no último mês. Após os primeiros atos os preços retornaram ao valor anterior tanto na cidade do Rio, Niterói e São Paulo. O movimento tem uma plataforma de questionamento do projeto neoliberal de parcerias públicas e privadas sobre os custos dos serviços públicos essenciais. Pauta iluminada sobre o espectro vermelho que questiona na direção dos direitos dos trabalhadores e estudantes.
Agora após tal vitória as manifestações seguiram como a do dia 20, no Rio. E, diferente do primeiro momento mais ligado ao MPL, onde se questionava as bases dos governos neoliberais brasileiros desde Fernando Collor de Mello até hoje Dilma Roussef, nesse segundo momento há pouca crítica ligada ao comum. Após a ‘vitória’ do MPL dos 20 centavos outros atores vêm ganhando destaque. O que se via nas manifestações do fôlego do MPL os temas e os cantos giravam em função dos pleitos das tarifas e do sistema de trânsito.
Nesse segundo momento o que se vê são: o canto do hino nacional, ressuscitou o hino da bandeira, canta-se uma música de uma banda de rock nacional dos intervalos televisivos, cantos de hinos de igrejas (falando de Deus e da família) e pagodes do momento. Não se lê mais Bertolt Brecht nas camisas. Ao inverso, os rostos trazem as marcas da bandeira nacional e como os usados pela mídia-hegemônica ‘caras-pintadas’ (Globo, grupo Veja, Record…). Gritos, falas e cantos são sobre a corrupção, contra os governos e qualquer partidarismo. Em catarse se afirma que não se quer qualquer plataforma partidária, de esquerda ou direita, preferem o “melhor para o Brasil”. Impressionante que poucos dias após conseguir baixar as tarifas de ônibus o que se vê é a exponencial participação popular nas manifestações. Também, a profunda falta de plataforma, falta de objetivo direto nelas. Ora, coisa parecida com essa não foi vista antes na história do Brasil não? Doses de patriotismo, um pouco de ufanismo, apego a tradição, a família, a ação de grupos de direita e contrariedade à politização – principalmente a politização de esquerda, acusados de comunistas: baderneiros que jantam crianças.
Para isso, cito um detalhe. Amigos e amigas de partidos históricos como a CUT, o PCB e PSTU (esquerdas) e o recente PSOL levantam as bandeiras partidárias e foram rechaçados por um número de pessoas, e entre eles, grupos de extrema direita atacaram os partidários da esquerda. Tiraram as bandeiras, rasgaram e queimaram. Usaram de socos e pontapés contra o centro-esquerda. Violência não só pura mais principalmente simbólica frente às esquerdas. Carecas atacaram covardemente grupos de luta por direitos humanos.
Repito: há (no mínino) uma flagrante despolitização do movimento. Comparativamente, essa manifestação frente às demais há uma queda da politização de lutas por direitos e igualdade. Também, há um tom religioso (conservador) nas discussões sobre direitos humanos. Há a troca de pauta contra indícios neoliberais em prol de um patriotismo, com doses elevadas de moralismo. Troca-se as ações diretas contra os 20 centavos pela luta efêmera contra a corrupção e a impunidade. Mais que corrupção e impunidade? Qual ação concreta? Ninguém sabe: ninguém aponta. Mais parece ser uma catarse de cobrança na forma festas/manifestação nos cantos de marchinhas e do recente sertanejo universitário.
Por fim, se antes tinha escrito que “Horrorizai-vos por que estamos nas ruas!”, agora, saí horrozirado delas. Estado de surpresa pela simples comparação entre os atos na flagrante mudança das pautas fruto dos diferentes grupos que constroem/sustentam as manifestações. Se antes havia uma empolgante pauta de luta por direitos comuns, nas últimas passeatas sente-se o cheiro de orquestrações da ultra-direita. Que seu fronte luta pela baderna e pela intolerância para construir um clima de anarquia no governo democraticamente eleito no Brasil.
(*) Fábio Py Murta de Almeida é teólogo, historiador e doutorando em Teologia pela PUC-RJ. Articulador do blog: fabiopymurtadealmeida.blogspot.com

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