Favelas: cumpram a lei, senhores Juízes

miguel baldezAs favelas são no segmento urbano da sociedade o principal campo de discriminação social. Bom lembrar que foi na metade do século XIX que se consolidou o processo de apropriação da terra por nossa incipiente mas já politicamente poderosa classe dominante. Foi no ano de 1850 que se deu a promulgação simultânea das leis 601, a Lei de Terras, e Eusébio de Queirós, a primeira lei do ciclo de abolição do cativeiro, a lei que proibiu o tráfico negreiro. Depois, vieram a lei do Ventre Livre em 1871, a lei do Sexagenário em 1885, e, finalmente, em 1889, a Lei Áurea. Mas, com aquela primeira lei do processo legal do abolicionismo no mesmo tempo histórico que a lei de terras, o que efetivamente se fez, como bem diz José de Sousa Martins, foi transferir a escravidão do Homem para a terra.
Assim, aos historicamente discriminados, aqueles excluídos pelo direito exemplarmente burguês positivado no Brasil, restaram apenas, no campo, as sobras do latifúndio, e, no urbano, as áreas desprezadas pela especulação imobiliária, esta forma paroxística de produção capitalista das cidades.
Não foram poucos os governos empenhados na repressão aos companheiros favelados, destacando-se na memória mais recente, antes de todos e, certamente, o mais violento por suas convicções autoritárias, o governo de Carlos Lacerda, com suas inesquecíveis e violentas remoções. Mas não lhe ficaram devendo na perversa agressividade nem o de Negrão de Lima nem o de Chagas Freitas.
Com tais governos, a prática das remoções ganha forma e vai ser adotada inclusive em ações judiciais por juízes, dada a máxima vênia, principalmente os mal informados dos conceitos jurídicos. Mas o povo das favelas reagiu e, por suas instituições, protestou, sensibilizando com seus protestos a própria Igreja, cuja participação com bispos democratas inesquecíveis, como Dom Waldir Calheiros, em Volta Redonda, Dom Adriano Hipólito, em Nova Iguaçu, e Dom Mauro Moreli, em Caxias, vai contribuindo para encampar a luta dos companheiros favelados.
Nesta cidade, Dom Eugênio Salles cria as pastorais entre as quais a Pastoral de Favelas, cuja contribuição para o reconhecimento social das favelas há de ser sempre lembrado e louvado. E a luta foi se adensando até que, com a reconstituição do País, algumas Leis Orgânicas municipais, como a do Rio de Janeiro, substituiu a forma fascista de remoção pelo remanejamento, uma conquista do povo das favelas.
Pois o remanejamento só é possível em caso de risco, comprovadamente definido por prova pericial com a participação de perito comunitário e para local na própria comunidade, ou, não sendo possível na comunidade, em lugar próximo.
Resta que os juízes cumpram o dispositivo da Lei Orgânica e não admitam mais o horror das remoções e não façam o que fez o Juiz que, há poucos dias, despejou com forte aparato policial um morador do Horto Florestal.
Em conclusão, fique um apelo aos juízes removistas: cumpram a Lei, Senhores Juízes!

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