Favela-Bairro ficou pela metade na Mineira

vista de cima2Ao atravessar o túnel Santa Bárbara, no Rio de Janeiro, ligação entre a zona sul e a zona norte, nota-se uma lógica claramente excludente de projeto urbanístico. Refiro-me ao bairro do Catumbi, onde além do famoso sambódromo, mundialmente conhecido pelos desfiles de carnaval, existem diversas comunidades de baixa renda.
É um bairro de passagem, a auto pista que saí do túnel termina próximo ao cais do porto, nas redondezas da rodoviária Novo Rio. Nessa via há apenas uma pequena entrada para o bairro: praticamente sem comércio, esquecido. Tirando o carnaval no mês de fevereiro, a região só é lembrada quando ocorre algum tiroteio, fato que a estigmatizou como perigosa.
São várias comunidades no entorno: São Carlos, Coroa, Mineira, Querosene, Zinco, Clara Nunes, Chuveirinho, dentre outras. Visitamos a Mineira, por quê? De uns tempos para cá quase todas as casas foram pintadas de verde e, intrigado pelo trabalho de fachada próximo ao reduto do carnaval, midiatizado mundo afora, fui conferir de perto.
O presidente da Associação dos Moradores do Morro do Catumbi, Ricardo Castro Barros, o Kadu, explicou-me a situação. A comunidade viveu 25 anos em guerra entre facções do tráfico de drogas e também com a polícia, teve época em que morria um por semana, fato que dificultou o desenvolvimento da favela.
Kadu tem 39 anos, trabalhou 14 deles no Bradesco, assumiu a presidência pela primeira vez em 2003, está há um ano no novo mandato. A Associação foi fundada em 1961, ficou vários anos abandonada, literalmente, como demonstrou em fotos, e agora com a paz no local está sendo reformada e em atividade.
Primeiro, esclareceu que as casas pintadas foram fruto de um projeto dos moradores e a escolha do verde ocorreu em comum acordo: símbolo da esperança. Com a conquista de apoios e doações, fizeram um mutirão cujos moradores voluntários foram pagos com cestas básicas. Nada sofisticado – tinta misturada com cal, no braço, inclusive algumas já estão desbotadas. Então o governo não faz nada pela comunidade?, perguntei. Para minha surpresa, descobri que tiveram alguns avanços, significativos, mas outros ficaram pela metade.
O Favela-Bairro, projeto gerido pela prefeitura, passou por lá entre 2003 e 2007. Foram construídas três creches, as ruas foram pavimentadas, o campo de futebol e a quadra de eventos reformados e o esgoto começou a ser canalizado, mas ficou inacabado. Ficaram as promessas de volta e o esgoto a céu aberto.
Claudio Jorge Elias, o Nem, mora e trabalha na comunidade, é gari comunitário, há 11 anos luta pela resistência do samba na Mineira, cujo bloco Mocidade Unida da Mineira, sob sua liderança, se encontra hoje no terceiro grupo. Para ele, “teve uma grande melhora, teve caminho que no mutirão tínhamos que fazer os degraus no braço. O problema está no esgoto, ainda a céu aberto, já que o projeto não foi finalizado”. Seriam 220 casas removidas, mas foram apenas 20, por causa da creche, em consenso, nenhum morador saiu prejudicado. A rua que facilitaria o acesso ao lado esquerdo da favela também ficou só na promessa. É uma reivindicação atual.
O Secretário Municipal de Habitação (SMH), Jorge Bittar, não soube responder por que o projeto não foi finalizado, pois assumiu neste ano a secretaria. Mas afirmou, através de sua assessoria, que “a SMH inicia ainda este ano a complementação das obras do Programa Favela-Bairro nos morros de São Carlos e da Mineira. A licitação já foi divulgada e as propostas serão apresentadas em agosto. As intervenções incluem: finalização do sistema do abastecimento de água (430 domicílios serão atendidos); finalização do sistema de esgotamento sanitário (475 domicílios serão atendidos); construção de novas galerias de drenagem; obras de contenção de encostas; instalação de 208 postes de iluminação pública; recuperação do mobiliário urbano (brinquedos, bancos, etc) e da arborização”.
Vale destacar que as obras que ocorreram foram realizadas logo na entrada da comunidade, mas entrando mais um pouco não se vê nenhum progresso. Os grafites, que dão as boas vindas com mensagens de conscientização, também foram bancados sem a contribuição do governo. A luz, por exemplo, chegou através de uma parceria com a Light, via taxas sociais, pois nem todos podem arcar com os custos. Apesar de próxima à comunidade, a Light resistia a entrar com os seus serviços por causa das guerras. Suas torres, inclusive, delimitam no topo da comunidade a divisa entre a Mineira e o São Carlos, área antigamente chamada de Faixa de Gaza.

Kadu, o presidente da Associação, reclama que os moradores pagam diversos impostos, como os tributados no consumo, e por isso têm o direito de melhorias na comunidade. A tv a cabo NET, por exemplo, nunca se interessou em estender seus serviços à comunidade. Faltam projetos, iniciativas que estabeleçam o convívio e o desenvolvimento. Não é por falta de interesse dos moradores, só de oportunidades. Recentemente eles organizaram um desfile de moda só com meninas da região, e Kadu diz ter se surpreendido com o resultado. Sem nenhum apoio do governo, volta e meia são promovidos eventos culturais, rodas de funk, hip-hop, pagode, dentre outras características do local, sempre cheias.
O governo do estado, por sua vez, entrou na comunidade há alguns anos com o Centro Comunitário em Defesa da Cidadania, onde são feitos registros de certidão de nascimento, óbito, casamento, etc. Com o apoio da Faetec, a partir de 1994, foram instalados alguns computadores no local, mas o material foi recolhido em janeiro deste ano, sem muitas explicações.
Segundo Aldir Fonseca, responsável pelo Centro, depois desse problema interno na Faetec o Sérgio Cabral, governador do estado, declarou que vai transformar os Centros Comunitários em Centros de Referência da Juventude. Recentemente a comunidade recebeu os materiais, máquinas novas, todo um equipamento, mas antes mesmo de os colocarem para funcionar tudo foi levado embora novamente.
Em relação à violência na favela, rótulo reforçado nos meios de comunicação, Kadu afirma ter melhorado muito apesar de ainda existir tráfico de drogas na região. Os índices de criminalidade, como assaltos, roubos de carro, homicídios, graças à paz entre as facções, reduziram automaticamente, mas ainda ocorrem mortes e receio por parte da população quanto às operações policiais. Recentemente, por exemplo, foi morto um trabalhador (ver matéria aqui) e as crianças continuam com pavor quando vêm algum policial entrando na favela. O presidente da associação critica a truculência utilizada pelos policiais ao entrarem na comunidade e os horários escolhidos para as operações, que geralmente ocorrem ao final da tarde ou de manhã cedo, momento de passagem de estudantes e trabalhadores.
“Nós queremos o poder público presente, não só o braço armado do poder público, queremos os projetos sociais e as melhorias da comunidade como o saneamento básico”, reivindicou Kadu, liderança da comunidade da Mineira.

5 comentários em “Favela-Bairro ficou pela metade na Mineira”

  1. Gostaria de saber se dentro desse projeto do favela bairro na mineira e são carlos está incluida
    a chácara que fica logo no pé do morro rua emilia
    guimarães 67 pois precisamos de piso e da derrubada de árvores que correm o risco de cair em cima das casas. obrigada

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