Escrever

Quando começo a juntar os textos em direção a um novo livro, vou experimentando muitas sensações, que gosto de partilhar com quem possa estar lendo isto. Uma delas, muito forte, é difícil de expressar, mas tem a ver com reunião, com recuperação de identidade, unidade. São pedaços de mim que foram sendo escritos em diferentes momentos.

Esses pedaços contém vivências, experiências. Foram passeios, conversas. Contém esperanças, dores, frustrações, tristezas, sonhos, tudo que é o viver humano. É um reviver, um viver a vida em dobro, como disse Anaîs Nin em seu livro Em busca de um homem sensível. Esse livro teve um papel fundamental na minha decisão de escrever, de me trazer para o papel.

Hoje comecei a juntar escritos, e a leitura de cada um foi me levando a outros tempos, a outros lugares. Fui reencontrando pedaços de mim. E cada pedaço de mim remete a outras pessoas, pessoas que foram parte ou ainda são parte da minha vida. Esses pedaços que vou juntando, são lembranças que vou reunindo de gente que conheci. Revivo os encontros em que estive com essas pessoas. E não foram poucos. Fortaleza, Ocas do Índio, Mendoza, Buenos Aires, João Pessoa.

Então o escrever, que é um ato aparentemente (e realmente) muito solitário e íntimo, é também, um ato social, coletivo, comunitário. Ao reler o que fui escrevendo e ir montando essa espécie de mandala infinita que é a recordação, voltam as viagens, as risadas, as cantorias, as paisagens rurais e urbanas. As expectativas. Os mergulhos interiores. As partilhas.

Todas ou quase todas as coisas que escrevo, são tentativas de me comunicar, de criar um lugar no mundo, de passar a história a limpo, de partilhar a perplexidade do existir, de abrir um buraco no véu do nada e tentar espionar a ver o que há do lado de lá. Muitas pessoas tem me comunicado as suas impressões sobre os meus escritos. Pessoas que se reconhecem neles, do mesmo modo que eu fui me reconhecendo nas leituras em que fui sendo iniciado desde o começo da minha vida e, depois, no ato de escrever.

De modo que este exercício de ler e de escrever, de costurar vida e olhares no papel, é um ato em que tudo vai se concentrando, como reflexos convergentes que ricocheteiam desde distintos lugares. Lugares que são pessoas. E esses feixes de luz, essas linhas luminosas, vão tecendo uma teia infinita em todas as direções: são a construção cósmica e cotidiana de cada um de nós, humanos, no ato de viver.

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