Em cinco anos, 321 profissionais de imprensa foram agredidos e 18 assassinados

Policial militar agride jornalista em São Paulo, em 2013, no contexto das manifestações. Foto: Rodrigo Paiva (via Portal Comunique-se)
Policial militar agride jornalista em São Paulo, em 2013, no contexto das manifestações. Foto: Rodrigo Paiva (via Portal Comunique-se)

O governo brasileiro anunciou uma série de medidas para a proteção de jornalistas após levantamento oficial mostrar que, de 2009 a 2014, ao menos 321 profissionais de imprensa sofreram alguma forma de agressão como atentado à liberdade de expressão. Dentre eles, 18 foram assassinados, colocando o país como um dos mais perigosos do mundo para o exercício da profissão.
“Toda violência contra os comunicadores fere o princípio da liberdade de expressão. [… ] A democracia se fortalece combatendo todas as formas de censura e de violência, que venha de traficantes ou de aparato do Estado”, disse a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) ao lançar na terça-feira (11) o relatório do Grupo de Trabalho (GT) “Direitos Humanos dos Profissionais de Comunicação no Brasil” durante reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana — que completa 50 anos este mês.
O estudo afirma que o envolvimento de autoridades locais e policiais na violência contra comunicadores é evidente e destaca a impunidade como fator que impulsiona novas ameaças, assim como a necessidade de proteger os jornalistas sem impedir a continuidade de sua atuação profissional.
O documento do Governo Federal também registra riscos para os profissionais que atuam nas regiões de fronteira por causa de traficantes de diferentes ilícitos que, após ameaçarem jornalistas, atravessam as fronteiras para que não sejam investigados pelas autoridades brasileiras. Denúncias apontam, ainda, que esses atores financiam campanhas eleitorais.
A pesquisa feita ao longo de aproximadamente um ano pelo GT foi coordenada pela SDH, com a participação de diversos órgãos federais e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Uma análise jurídica nacional e internacional foi feita paralelamente a consultas a uma série de profissionais de comunicação, organizações que atuam na defesa da liberdade de expressão e na proteção de jornalistas, incluindo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão, Federação Nacional dos Jornalistas, Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores de Comunicação, Associação Nacional de Jornais, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, Comitê para a Proteção de Jornalistas, Press Emblem Campaign, Federação Internacional de Jornalistas, Repórteres Sem Fronteira, Artigo 19, Intercâmbio Internacional pela Liberdade de Expressão e Associação Interamericana de Imprensa.
A ministra agradeceu ainda ao relator especial das Nações Unidas sobre liberdade de opinião e de expressão, Frank La Rue, que veio três vezes ao Brasil para colaborar com o trabalho, à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e ao Centro de Informação da ONU para o Brasil (UNIC Rio).
O documento final está baseado também no Plano das Nações Unidas sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade. “Queremos seguir as normativas internacionais das Nações Unidas, e queremos também exportar nossa experiência”, acrescentou Maria do Rosário.
O relatório sublinha o perigo que se tornou a cobertura de protestos, com a ação policial repressiva e violenta contra jornalistas e manifestantes. Ressalta, entretanto, que os profissionais de mídia também são ameaçados, em menor escala, pelos que participam dos protestos e que os veículos de comunicação têm a responsabilidade de oferecer condições de segurança a seus funcionários.
O relatório do GT sugere o estabelecimento, em parceria com a ONU, de um Observatório da Violência contra Comunicadores com gestão de um Comitê Gestor bipartite, composto por organizações da sociedade civil que atuem na área de combate à violência contra comunicadores, e setores do Estado considerados estratégicos para o tema.
A proposta do GT é que a instituição possibilite o tratamento das violações contra comunicadores no exercício profissional de forma plural, de acordo com seu nível de gravidade e necessidades específicas de encaminhamentos, sendo assim estruturada:

  1. Unidade de Recebimento de Casos – terá como atribuição o recebimento da denúncia, encaminhamento e acompanhamento dos desdobramentos;
  2. Sistema de Indicadores – uma plataforma web que permitirá que qualquer cidadão tenha acesso a um panorama constantemente atualizado sobre violência contra comunicadores no país;
  3. Mecanismo de Proteção aos Comunicadores – uma linha de atuação do Sistema Nacional de Proteção da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que atue na esfera protetiva, levando em consideração as especificidades inerentes a prática profissional dos comunicadores.

O documento apresentado pelo GT faz uma série de recomendações a diversos Poderes constituídos e também às empresas de comunicação, dentre elas:

  • A federalização da apuração de crimes contra jornalistas quando houver omissão ou ineficiência na apuração, ou suspeita de envolvimento de autoridades locais;
  • O acionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em caso de omissão ou ineficiência no processamento e julgamento, ou suspeita de envolvimento de membros do Poder Judiciário;
  • Que o Ministério da Justiça elabore estudo sobre equipamentos de segurança e ofereça treinamento aos profissionais da comunicação, em parceria com as empresas e profissionais independentes ou autônomos; padronize protocolo de atuação das forças de segurança pública com aplicação do princípio da não violência;
  • Que o Ministério das Comunicações implemente medidas de garantia do exercício dos sistemas público/comunitário nas localidades cobertas/servidas por esse serviço;
  • Que o Congresso Nacional aprimore o sistema de federalização da investigação de crimes contra a liberdade de expressão e o Incidente de Deslocamento de Competência para os processos judiciais relativos aos crimes contra direitos humanos, ampliando as autoridades que podem requerer a aplicação de tal dispositivo; além de chegar a um consenso sobre direito de resposta;
  • Que o CNJ firme colaboração com o Observatório para acionamento do “justiça plena”;
  • Que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana estabeleça parceria com a UNESCO para produção de relatório nacional dos “Indicadores de Segurança dos Jornalistas”;
  • Que os veículos desenvolvam mecanismos de proteção destinados às suas equipes na realização de sua atividade profissional, podendo buscar apoio do Estado, assim como estratégias próprias para melhor identificação e afastamento do risco à integridade física de seus profissionais.

Acesse o relatório na íntegra clicando aqui.
Resolução da Assembleia Geral da ONU no final de 2013
No final de dezembro de 2013, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução sobre a segurança dos jornalistas e a questão da impunidade. O texto “condena todo tipo de ataque e violência contra jornalistas e profissionais de mídia, como tortura, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e intimidação e perseguição em ambas as situações de conflito e de não conflito”.
É a primeira vez que a Assembleia Geral aprova uma resolução que trata diretamente da segurança dos jornalistas e da questão da impunidade.
A resolução também proclamou 2 de novembro como o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade de Crimes contra Jornalistas. A data coincide com o dia em que os jornalistas franceses Ghislaine Dupont e Claude Verlon foram mortos no Mali neste ano. A data também está dentro do período das três semanas que as organizações não governamentais da área em todo o mundo fazem campanhas contra a impunidade todo ano.
“Parabenizo a adoção desta resolução pela Assembleia Geral e o seu reconhecimento da liderança da UNESCO na promoção da segurança dos jornalistas e na luta contra a impunidade”, disse a chefe da UNESCO, Irina Bokova.
A resolução pede que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, relate em sua próxima sessão, em 2014, o progresso que está sendo feito pelo Sistema das Nações Unidas no que diz respeito à implementação do Plano de Ação da ONU sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade.
Ela também convida a UNESCO para ser a coordenadora geral da implementação do Plano de Ação das Nações Unidas sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade, operando com os Estados-membros, agências da ONU, organizações, fundos e programas para a troca de informações relevantes.
A resolução – co-patrocinada pela Grécia, Argentina, Áustria, Costa Rica, França, Tunísia e outros 72 países – pede aos Estados que promovam um ambiente seguro e propício para que os jornalistas possam realizar seu trabalho de forma independente e sem interferências indevidas, tais como medidas legislativas.
Além disso, pede o aumento da conscientização sobre os direitos humanos internacionais e as obrigações legais e compromissos relacionados à segurança dos jornalistas no direito humanitário, especialmente no Judiciário e entre os agentes policiais e militares, bem como entre os jornalistas e a sociedade civil.
A resolução sugere ainda o monitoramento e comunicado sobre os ataques contra jornalistas; a condenação pública dos ataques; bem como o aporte dos recursos necessários para investigar e julgar tais ataques.
Com mais de 600 jornalistas mortos nos últimos dez anos e muitos outros sofrendo ataques não fatais – bem como a taxa extremamente baixa da condenação dos autores desses crimes –, a resolução vem em um momento crucial no trabalho da promoção da segurança de jornalistas, profissionais de mídia e produtores de mídia social que geram o jornalismo de interesse público, aponta a UNESCO.
“A resolução marca o compromisso contínuo das Nações Unidas e da UNESCO para melhorar a segurança dos jornalistas e combater a impunidade”, disse a agência da ONU.
Em 2010, o Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação (em inglês, IPDC) da UNESCO reconheceu a necessidade de unir todas as partes interessadas na busca da proteção dos jornalistas. O IPDC buscou um mecanismo que aproveitasse a força coletiva do Sistema ONU, dos Estados-membros, da sociedade civil nacional e internacional, dos acadêmicos e da mídia em si para lidar com a segurança dos jornalistas e a questão da impunidade.
O resultado foi o Plano de Ação da ONU sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade, adotado em uma conferência em setembro de 2011 e, em seguida, aprovado pelo Conselho de Chefes Executivos das Nações Unidas em abril de 2012.
Em 2006, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 1738, que condena os ataques de jornalistas que trabalham em situações de conflito. Em julho de 2013, o mesmo órgão realizou uma reunião sobre o tema.
No Brasil, um levantamento realizado até o final de outubro de 2013 dava conta que agentes da Força Nacional e policiais foram responsáveis por 75,5% das agressões contra jornalistas durante a cobertura de manifestações e protestos no país. O dado é da Associação Brasileia de Jornalismo Investigativo (Abraji), que contabilizou pelo menos 102 casos de violência até a data.
Para saber mais sobre a violência contra jornalistas no Brasil e no mundo, acesse: www.segurancadejornalistas.org

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