Em busca de novos ventos para o campo brasileiro

Brasília – Na última terça-feira (28), os principais movimentos sociais do campo brasileiro anunciaram, através de um manifesto, a “construção e realização de um processo de luta unificada em defesa da Reforma Agrária, dos direitos territoriais e da produção de alimentos saudáveis”. A aliança não é exatamente uma novidade histórica, mas desde 2000 estas organizações não conformavam uma articulação tão ampla.
Assinam o manifesto a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Cáritas Brasileira, a Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) e o Movimento Camponês Popular (MCP), além de organizações que já se articulam através da Via Campesina Brasil – o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Apesar de considerarem-se organizações “primas”, as diferenças – de natureza, de identidade, de demandas e de forma de luta para organização de sua base social, conquista da terra e desenvolvimento das áreas que ocupam – levaram estas forças políticas do campo à atuação fragmentada, com distintas estratégias políticas de pressão e negociação com um governo federal liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), com o qual todas estas forças têm, em maior ou menor grau, ligação histórica. Passados mais de nove anos deste projeto no poder, as diferenças parecem agora ser secundarizadas pelo entendimento comum sobre os danos da política agrária implementada no país, que trouxe o que as organizações qualificam de “avanço periférico” para o setor, enquanto o agronegócio é incentivado como modelo hegemônico:
“A meta do Incra para 2011 era assentar 30 mil famílias, o que já era muito baixo, e eles chegaram só a 11 mil. Nos últimos anos foram destinados R$ 16 bilhões para a agricultura familiar e R$ 100 bilhões para o agronegócio. Não somos prioridade na agenda do governo e por isso vamos apostar na unidade”, afirmou o secretario de política agrária da Contag, Willian Clementino., que ainda lembrou que, no mesmo ano de 2011, apenas uma terra quilombola foi regularizada.
“Está bem claro para todos nós que há um avanço do agronegócio, do capitalismo do campo, e há um retrocesso nas políticas que fortalecem a reforma agrária, a agricultura familiar e camponesa. É isso que está apertando cada vez mais todos os movimentos sociais do campo e que deu liga”, aponta a integrante da coordenação nacional do MST, Marina dos Santos.
Além do cenário nacional
O manifesto das organizações do campo também relaciona a conjuntura nacional à internacional. O texto aponta que o agronegócio, baseado na exportação de commodities agrícolas e não agrícolas (mineração), aprofunda o capitalismo dependente do país, a reprimarização da economia, a degradação ambiental, a contaminação dos alimentos com agrotóxicos e a violência contra as comunidades rurais – expulsas ou super-exploradas, “inclusive com trabalho escravo”, destaca o texto. Num contexto de crise do capital financeiro internacional, aliada a sofisticação da mercantilização dos bens comuns da natureza sob o discurso da “economia verde”, o manifesto diz que “o Brasil, como um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital especulativo e agroexportador”, ”gerando concentração e estrangeirização da terra” e ainda adverte que o país “pode se tornar alavanca do projeto neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na América Latina e África”.
A unidade na prática
A coordenadora geral da Fetraf, Elisangela Araújo, faz questão de ressaltar que as organizações do campo que assinam o manifesto historicamente sempre mantiveram diálogo e relata que a aliança mais robusta agora é um processo paulatino, que ganhou força, sobretudo, em 2011, na renegociação coletiva de dívidas de pequenos agricultores junto ao governo federal e na mobilização em torno das alterações do Código Florestal. “Não significa que agora seremos um só movimento, mas apresentamos uma análise da conjuntura e uma pauta comum. Cada organização continua com suas mobilizações no primeiro semestre. Dependendo do resultado, podemos ter ações conjuntas no segundo”, explica.
Dentro do calendário tradicional próprio de cada organização está, por exemplo, a Marcha das Margaridas, promovida pela Contag, que, em agosto do ano passado, levou 70 mil mulheres à Brasília. Este ano, está em andamento a jornada de lutas das mulheres da Via Campesina, que ocorre em torno do dia Internacional das Mulheres, 8 de março. Ainda esta semana, alguns dos movimentos que assinam o manifesto prometem mobilizações para pedir o veto da presidenta Dilma ao novo Código Florestal, caso ele seja aprovado pelo Congresso. Para o mês seguinte estão previstos o “Abril Vermelho”, do MST, e o Grito pela Terra, da Contag. Ainda no primeiro semestre, um elemento novo aparece neste calendário: a Cúpula dos Povos, em junho, na qual os movimentos rurais se juntarão à sociedade urbana sensibilizada pela pauta ambiental debatida na Rio+20.
Se concatenadas as capacidades de mobilização, estas organizações poderão dar um novo impulso à mudança do modelo de desenvolvimento para o campo. “Espero que [o anúncio da aliança] sirva como um sinal para o governo federal e que os órgãos responsáveis por essas áreas fiquem atentos e não olhemr somente para as grandes empresas”, disse Marina dos Santos, do MST.
(*) Reportagem reproduzida da Carta Maior.

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