Dilemas ambientais, culturais e políticos em debate na abertura do I Festival Internacional da Utopia

aberturaAnimado ao ritmo de músicas latinoamericanas, o I Festival Internacional da Utopia iniciou suas discussões por um mundo mais justo e solidário nesta manhã (22), em Maricá, no Rio de Janeiro. Até o próximo domingo (26) movimentos sociais, intelectuais, jovens, indígenas, dentre diversos outros setores da sociedade civil, vão promover dezenas de atividades culturais e debates políticos. Está prevista a presença da presidenta Dilma Rousseff, que receberá um documento com as reflexões e propostas dos participantes.
O Festival foi pensado antes do golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, disse o prefeito anfitrião, Washington Quaquá, mas a resistência democrática também virou um dos seus objetivos. Segundo ele, a esquerda mundial tem lutado por aquilo que é possível e, por isso, tem feito pouco e questionado de forma insuficiente as estruturas do mundo. É preciso lutar pelo impossível e se inconformar com a injustiça enquanto poucos detém as riquezas e a maioria não tem quase nada, complementou.
“Esse festival, que não é organizado apenas para essa conjuntura, pretende ser o primeiro de muitos e com objetivos maiores. Seu nome é para provar e mostrar que precisamos de uma esquerda que lute por aquilo que não é possível, mas pode ser desenhado se nos organizamos na luta diária do povo. O festival é para alargar nossos horizontes utópicos, e lutarmos por uma sociedade igualitária. Onde os meios de comunicação tenham nossas vozes, e não de meia dúzia de famílias. Uma sociedade que não seja feita por campanhas caríssimas de empresários: uma democracia com participação efetiva do povo, através dos novos instrumentos de comunicação e tecnologia. A utopia é mais do que possível, é necessária”, disse.
mesaPela primeira vez na história da humanidade o capitalismo domina o planeta, mas agora tendo a frente o capital financeiro e as multinacionais, disse João Pedro Stédile, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele ressaltou a importância de se pensar alternativas a esse modelo, que não significa mais progresso como foi em relação ao feudalismo. Exploração, sacrifício e exclusão são resultados desse sistema de acordo com seus próprios defensores, completou.
“Em Davos disseram que vão direcionar os investimentos na quarta revolução industrial, mas isso representará um corte de 65 milhões trabalhadores da indústria. Apesar do progresso técnico, 800 milhões de pessoas passam fome todos os dias. Portanto, é necessário pensarmos alternativas anti e pós-capitalistas. O prêmio Nobel deles, Joseph Stiglitz, disse que o capitalismo só tem solução se estatizarmos os bancos. Se eu falasse isso no Brasil, seria preso por 30 anos. Precisamos pensar como derrotar o capitalismo com organização e propostas concretas para convencer o povo a fazê-lo”, afirmou.
O Estado tal como conhecemos, gerado pela burguesia industrial na Revolução Francesa, está falido ao separar a vontade do povo manifesta no voto do poder hoje dominado pelo capital financeiro. Daí a necessidade de se debater qual Estado queremos, e os dilemas ambientais a se enfrentar, acrescentou o economista. A melhor proposta sobre esse tema, destacou Stédile, é o programa e a reflexão exposta pelo Papa Francisco na encíclica que defende a recuperação da natureza como um bem comum.
“Precisamos debater também temas correlatos, como a cultura que o capitalismo padronizou com enlatados. Aceitamos o jogo mercantilista da cultura, precisamos recuperá-la como uma ferramenta pedagógica. A esquerda a abandonou, a reduzimos a carro de som e discursos. Precisamos de formas mais lúdicas e prazerosas, e pensar nos valores dessa sociedade que queremos construir: não pelo individualismo e sim pela solidariedade, não pela desigualdade e sim pela igualdade. Chamamos a presidenta para entregarmos a ela nossas reflexões e dizer: volta, porém com outro programa para enfrentarmos os novos dilemas”, concluiu.
aleda guevaraDerivada do latim, a utopia significa o imaginário possível, explicou a cubana Aleda Guevara, filha do guerrilheiro revolucionário Che Guevara. Alcançar a felicidade se encontra na necessidade e na busca de um mundo melhor, mais solidário e justo, em sua opinião. Para ela, não foi possível promover transformações mais profundas nos últimos anos na América Latina porque os governos progressistas tomaram o poder, mas não mudaram as leis criadas pela burguesia. Comparando as utopias pregadas pelos socialistas e comunistas em relação ao modelo capitalista, ela defendeu que é preciso estudar o modelo inimigo para transformá-lo.
“Porque eles são donos dos grandes meios de comunicação, por isso temos ter claro o que querem e o que nós necessitamos. O governo dos EUA quer se unir com a maior ilha do Caribe, e está mudando métodos importantes reconhecendo erros tremendos com o povo cubano e dialogando com a revolução cubana. Mas precisamos de respeito, igualdade de condições e resolver esses três problemas (Guantánamo, bloqueio econômico e embaixada americana em Cuba sem reciprocidade) para ter uma relação normal. Então continuamos seguindo sonhando com essa utopia, porque não é possível acabar com a revolução cubana”, disse.
Demonstrando sua admiração ao MST, Aleida citou a capacidade de transformação do movimento e ressaltou a importância da reforma agrária tendo a terra como propriedade do povo. Nesse sentido, complementou, é preciso continuar sonhando e encontrando objetivos e necessidades comuns respeitando as diferenças dos indivíduos: a educação deve ser um direito e não um negócio, defendeu.
“O MST nos ensina que é possível mudar a realidade. Precisamos saber o que queremos fazer e como fazer, e é importante nossa unidade e coerência. Precisamos dar o exemplo do que queremos fazer. Para que serve toda uma esquerda, se não é reconhecida pelo povo? Aprendemos muito em Cuba nos últimos anos com o povo a respeitar a nossa pachamama e cultivar melhor. Precisamos observar como esses povos sobreviveram todos esses anos com sua cultura e forma de ser, aprender com a sua sabedoria ancestral”, afirmou.
O respeito à natureza e a defesa da Amazônia também foram algumas das preocupações da militante, ao observar que se trata do último pulmão do planeta e precisa ser preservada contra os interesses predatórios e capitalistas. “Precisamos produzir alimentos respeitando e cuidando da terra. O homem pode viver sem dinheiro, mas não pode sem oxigênio e estamos acabando com o último pulmão desse planeta. Precisamos também ser capazes de sentir a dor das gentes em qualquer rincão do mundo, e levantarmos nossas vozes e braços para defendê-las e organizá-las: sentir o poder que delas emana. O mundo melhor é possível, é imprescindível”, finalizou.

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