“Turquia não é um país da América Latina, que tomam por golpe o poder do dia para noite”, disse o ex-presidente turco, Abdullah Gu.
Começo a crônica com essa frase perturbadora, capaz de ruborizar a face de qualquer brasileiro, envergonhado e inconformado com a usurpação do poder.
A frase foi jogada no afã de mexer com os nossos brios e destacar um ponto chave, que talvez explique, parcialmente, a inércia dos brasileiros: a parcialidade da nossa mídia.
Antes de falar do Brasil, faz-se necessário citar alguns países da América Latina, que promoveram uma transformação horizontal nos meios de comunicação e ajudaram a formar e informar a população, além de fazer um contraponto aos veículos privados e comprometidos com o capital. Consequentemente, fortaleceram a capacidade de resistência da população a golpes.
Inicio recorrendo a era Chávez, na Venezuela. Assim que assumiu o poder, o ex-presidente sofreu uma dura tentativa de golpe. Os golpistas tiraram do ar o Canal Venezuela de Television, não permitindo que Chávez se pronunciasse, avisando à população que não havia renunciado. O objetivo era tira-lo de cena, evitando sua aparição no canal público e promovendo, através dos canais privados, a ideia de que ele havia renunciado e fugido. A população tomou as ruas e se manifestou com veemência, opondo-se ao grupo golpista liderado por Pedro Carmona, então presidente da Federação Venezuelana de Câmara de Comércio, um dos principais representantes da elite econômica venezuelana.
Depois de todo esse tormento, Hugo Chavéz passou por um período que visou regulamentar empresas do setor privado e buscou fortalecer os canais estatais. A medida tinha como objetivo equilibrar as informações. Manteve-se na constituição o termo que previa liberdade de expressão, como direito e exigiu-se uma programação adequada para crianças e adolescentes. A ideia era que o público específico, recebesse informações propícias ao seu desenvolvimento.
Na Argentina, Cristina Kichener, também tomou a pauta como prioridade. Impôs a lei de Meios, que tinha como objetivo democratizar a mídia, oferecendo pluralidade e diversidade nas informações. A lei, que era tida como referência internacional, foi revertida pelo seu sucessor Macri, sem que houvesse qualquer debate no parlamento e na sociedade civil. Através de decretos, o presidente voltou a fortalecer os monopólios.
No Uruguai, quando se discutia a pauta, Mujica definiu: “Tudo bem que é preciso ter liberdade de imprensa, mas o que não pode ter é o monopólio.”.
Uma das principais medidas, antes mesmo que a Lei de Meios fosse aprovada, foi a proibição da exibição de programas sensacionalistas, de 6 às 22 horas, que fomentavam a violência e o mal estar. Somou-se a essa medida a legalização do uso da maconha e, em dois anos, as morte ligadas ao tráfico foram extirpadas no país.
O que eu quero dizer com isso tudo é que além de ser um grande ponto de desenvolvimento, a mídia é capaz de promover uma forte resistência à vilania dos poderosos. Aqui no Brasil, talvez o maior dos erros de Lula e Dilma, tenha sido não fazer a regulamentação da mídia. Perdemos a chance e pagamos um preço altíssimo por isso.
Ultimamente, a grande mídia se esforça para pacificar o país, evitando notícias que possam catalisar o ódio e a insatisfação, além de manter uma ignóbil articulação na consolidação do golpe.
Fortalecendo o engodo, uma das medidas mais antidemocráticas no governo usurpador foi a tentativa de intervir na direção da TV Brasil. Além da medida arbitrária e tirana, Temer pretende aprovar no Congresso uma lei que reduz a atuação e os custos da empresa, que vive de recursos da União. Isso porque o canal estatal está longe de ser um dos principais em audiência.
Mas o fato é que, caso um novo governo progressista volte ao poder, essa pauta deverá ter caráter de urgência. É inaceitável continuar com uma programação tão insana e facciosa, como os grandes meios têm proposto. E antes que alguém diga que a intenção de todos os governos progressistas é fazer uma lavagem cerebral, enfatiza-se que o ponto de defensa da liberdade de expressão esteve presente em todos os que fizeram a mudança.
Com todo esse cenário descrito, a frase citada pelo turco começa a fazer sentido e, talvez, justifique a posição estática da nossa população: sem informação equilibrada e formação histórica, continuaremos a ser o país que toma golpes do dia para noite, sem que haja resistência.
Foto(*): contextolivre.com.br