Datena VS. Ateus

De acordo com o portal Comunique-se, o apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, poderá ter de se retratar no programa “Brasil Urgente”, a pedido do Ministério Público Federal de São Paulo. A solicitação do órgão é baseada nas declarações do jornalista em relação ao público ateu, o qual Datena culpa por muitos malefícios que ocorrem na sociedade.

Em reportagem veiculada em julho deste ano, Datena proferiu, entre outras pérolas, as seguintes palavras: “É por isso que o mundo está essa porcaria. Guerra, peste, fome e tudo mais, entendeu? São os caras do mal. Se bem que tem ateu que não é do mal, mas, é…”.

Como costuma dizer meu estimado colega Gustavo Barreto, nessas horas somos tomados por uma certa preguiça mental que nos impede, num primeiro momento, de desenvolver qualquer contra-argumento.  No entanto, o chamado do dever jornalístico é mais forte, de modo que aqui segue minha posição sobre o assunto.

É compreensível, porém impressionante – dado que estamos no século 21, em plena era da informação – o fato de as pessoas sempre estarem buscando uma resposta totalizadora para o que lhes incomoda; para os “defeitos” do mundo. São ingênuas, por não saberem que os incômodos sempre existirão, seja sob a forma de angústia (um vazio interior que é inerente ao espectro desejante do sujeito), seja porque o perfeito equilíbrio social, político e econômico provavelmente não está previsto nem na obra dos prêmios Nobel dessas áreas; ou são simplesmente hipócritas. Porém, no caso do apresentador Datena, deve-se considerar que há ainda o componente midiático envolvido, em que o jornalista (?!), para além de sua eventual ignorância e/ou hipocrisia, pode ter desferido tais afirmações exclusivamente para aumentar a audiência.

De qualquer modo, digamos que ele realmente acredite nisto: que o fato de as pessoas não acreditarem em Deus as torna malignas e que aí reside o problema fundamental que aflige a todo o conjunto de sociedades no planeta Terra.

Bem, em primeiro lugar, cabe perguntar: nenhum cristão nunca cometeu crime algum? O que foram as cruzadas e as atrocidades já cometidas na História “em nome de Deus”? Ou todos estão livres de qualquer julgamento, já que, quando fazem algo de errado, era apenas culpa do encosto?

Segundo: Não parece ser suspeitosamente confortável considerar que todas as mazelas existentes são culpa do Outro; sobre essa figura estranha, que, coincidentemente, foi e é, na História mundial, criada e meticulosamente explorada por aqueles que se apoiam em argumentos maniqueístas com vistas a aumentar seu poder, controle ou adesão, vide Hitler VS. judeus; americanos VS. russos e, agora, muçulmanos; católicos VS. pagãos; evangélicos VS. religiões africanas; Europeus no contexto do imperialismo VS. o Outro primitivo; Chávez e Fidel Castro VS. EUA; Dilma e Serra nas eleições VS. o Outro favorável ao aborto e, por isso, maligno e contrário à vida; etc. etc. e etc.?   Enfim, porque o Sr. Datena não se coloca como parte de todo um sistema complexo, isto é, a sociedade humana, que é inerentemente problemático, ao invés de, como se fosse um ser metafísico (um meta-ser), achar que pode se retirar deste “mero” plano mortal a fim de julgar a tudo e a todos?

Terceiro: os argumentos do Sr. Datena parecem desconsiderar a possibilidade de o ser humano ter, por si só, vontade de agir em prol da vida, com compaixão e boas intenções, independentemente de qualquer religião. Em “Assim Falou Zaratustra”, Nietzsche questiona a imagem do virtuoso, o religioso perfeito que alega fazer tudo pelos outros (e nada por si mesmo), ao implicar que suas atitudes visam, no final das contas, a garantir-lhe um lugar ao céu. Ora, os ateus, pelo menos, não praticam “bondades” (melhor não entrar na discussão da relatividade e complementaridade entre bem e mal, ou o texto não acaba) com essa finalidade. Claro que sempre há uma segunda intenção, nem que seja sentir-se bem por praticar o bem, mas, ao menos, o ateu tende a não se apoiar em argumentos hipócritas como faz o virtuoso de Nietzsche.

Por último: não estaria estimulando ainda mais a violência e outros males aquele que prega a intolerância religiosa ou para com os que se abstêm de oficializar suas crenças (sim, porque não se filiar a uma reconhecida instituição religiosa não significa não acreditar em nada, nem que seja na sua própria força de vontade, na vida, felicidade, etc.), como fez, ainda que indiretamente, o Sr. Datena e como fazem aqueles que distribuem cartazes nas cidades pregando a homofobia?

A pergunta é, em minha opinião, de extrema relevância porque vivemos atualmente uma espécie de onda de fundamentalismos que parece se abater sobre Datenadiferentes esferas sociais. É certo que tanto no Brasil, como em outros lugares do mundo, a democracia vem se consolidando, mas, contraditoriamente, por isso mesmo tal fenômeno está se apresentando. De acordo com o sociólogo Zigmunt Bauman, em meio às incertezas, insegurança e falta de estabilidade da sociedade pós-moderna – onde o Estado ausente representa o preço a ser pago pela manutenção da liberdade e direitos individuais (tão caros aos liberais democratas) – muitos recorrem à religiosidade e, principalmente, aos ideais totalitários para terem novamente regras claras do jogo ao seu dispor.

Nada contra isso. Absolutamente. Mas me parece injusto que os que recorrem a esse recurso exijam que todos façam o mesmo. Estou certo de que Deus não aprovaria tal linha de raciocínio.

5 comentários sobre “Datena VS. Ateus”

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  2. Seus textos têm um rítmo cativante. Mas o título deste deveria ser “Dapena vs Ateus”; pena de nós, claro, quero dizer, daqueles que não se escondem por trás do manto religioso para praticar o ódio.
    Discordo ainda que seja surprendente o retorno dos totalitarismo após a democracia. Já quando surgiu na Grécia, ela era problemática e há indícios de que Platão terminou a vida amargurado, frustrado com seus ideais de levar clareza ao próximo, através do amor ao saber.

  3. É uma pena, já que isso partiu de um jornalista talvez o mais conceituado da band. é uma pena pois ele mesmo se diz um defensor de direitos do povo. Isso mostra o tamanho da ignorância que ainda tem o Brasil, um país onde podemos dizer que questões religiosas definiu a eleição presidencial. Infelizmente no Brasil o ateu é visto como um ser do mal que não se deve depositar confiança apenas por acreditar na ciência, não podemos esquecer que quanto maior a escolaridade maior o índice de ateismo e viva Charles Darwin.

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