Cultura do descaso

Por Saene Santos,
Falta pouco para sentir meus olhos doerem ao ver a sujeira em que se encontra a escola e especialmente o refeitório da escola municipal em que trabalho depois dos alunos terem passado por ela.
Não sei exatamente de onde vem essa “cultura do descaso” que presencio diariamente na escola. Apenas sinto uma certa nostalgia ao recordar meu tempo de infância em que estudei num rígido sistema escolar que, a princípio, nos punia por hábitos “mal educados”, tal como jogar lixo fora do lugar próprio para isso. Diz o trecho de um sábio livro: “a disciplina no momento não é causa para alegria”. Como alunos, ficávamos chateados com a disciplina recebida, mas agora percebo que foi esse ambiente que nos tornou pessoas “civilizadas”.
Na verdade, apenas éramos disciplinados sem entender profundamente o sentido da correção, porque não éramos estimulados a pensar sobre os efeitos maiores que atitudes simples podem trazer ao ambiente. Mas de qualquer maneira, funcionou (pelo menos comigo).
Hoje que já estou adulta consigo enxergar as boas intenções que estavam por trás dessa cobrança na escola. Mas atualmente não vejo a mesma preocupação por grande parte de quem está liderando os alunos na escola ou fora dela. As desculpas posso enumerar. Quando converso com alguns funcionários da limpeza, chego a ouvir comentários como esse: Mas fazer o que professora? Não podemos cobrar atitudes que a família precisa ensinar, por que limpeza vem desde casa, não é a escola que precisa ensinar e se formos ver, os pais também não têm bons hábitos de limpeza e preservação!!! (Talvez também não tenham sido ensinados na escola.)
Então, o que a escola deve ensinar????
De acordo com a LDB 9394/96, a educação “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Consultando o dicionário verifiquei que a palavra ‘cidadania’ refere-se a qualidade de cidadão, por sua vez, a palavra ‘cidadão’ refere-se ao indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado livre.
É direito nosso enquanto cidadãos a garantia do padrão de qualidade no ensino, isso reza a própria LDB.
A qualidade de ensino, por sua vez, também envolve o ambiente em que estudamos. Salas limpas, arejadas, iluminadas e com mobiliário adequado compõem aspectos importantes para a qualidade do ensino. Então esses cidadãos em formação precisam sim aprender a colaborar com a qualidade do ensino deles próprios e dos demais que dividem o espaço escolar, no que se refere à limpeza.
A quem cabe ‘dentro da instituição’ escolar, ensinar e cultivar esses valores? Daí teremos mais discussões… Dentro no novo modelo de gestão educacional democrática, é dever de ‘todos’, (alunos, pais, professores, gestores, funcionários e comunidade) participar na elaboração do projeto político pedagógico das unidades escolares. Ou seja, educação também vem de casa para a escola, quando os pais participam na elaboração do Projeto Político Pedagógico e concordam que seus filhos precisam colaborar para o bom funcionamento da Unidade escolar, inclusive com respeito à limpeza.
“Não foi eu que sujei”, é outra frase bem comum que pertence a essa “cultura do descaso”.
Quando solicitamos a algum aluno que por favor apanhe algo que caiu no chão, por exemplo, um papel de bala, uma embalagem vazia, etc, é bem comum ouvir isso: “Não vou pegar… não foi eu que sujei” ou “não foi eu que joguei”. Muitas vezes o conceito que alguns têm é de que somente funcionários da limpeza são responsáveis por recolher qualquer coisa que esteja no chão. Que visão curta… Será que acontece o mesmo quando observam uma nota de dinheiro no chão? “Não vou pegar… não foi eu que joguei…”
Outro pensamento comum é: “Os funcionários da limpeza têm obrigação de limpar tudo sim, afinal são pagos para isso!”. É verdade, eles recebem seus salários para limpar regularmente toda a escola. Porém, como está sendo explicitado repetidamente, há atitudes que são saudáveis e precisam ser cultivadas, como o senso de colaboração. Por onde tem andado esse senso? Quem o está cultivando ou propagando esse senso no ambiente escolar?
Observo funcionários estagnados diante de alunos indisciplinados, e por que não dizer ‘desorientados”?. Sim, digo alunos desorientados, pois se os membros da equipe escolar estão se esquivando de demonstrar, ensinar e cultivar bons hábitos, os responsáveis pelos alunos fora da escola também não os estão orientando adequadamente (ou com a frequência devida), achando que é papel exclusivo da escola ensinar bons hábitos… estaremos fadados a viver indeterminadamente sob a “cultura do descaso” com alunos desorientados nesse aspecto. Pensando a longo prazo teremos: Alunos desorientados = Adultos desorientados = Pais desorientados = filhos desorientados que viram alunos desorientados… e assim a vida (ou a morte) segue…
Já disse uma propaganda comercial que ‘há coisas que o dinheiro não compra’, dentre essas, bons valores, atitudes solidárias, amor verdadeiro, bom caráter. Essas são conseguidas especialmente ao observar bons exemplos, visto que o ambiente em que estamos inseridos influencia consideravelmente no tipo de pessoa que somos.
Um exemplo prático da influência que o ambiente exerce é deixar uma criança pequena em meio a usuários de um idioma. Seja qual for o idioma, por estar exposta regulamente ao uso deste, ela por fim e quase que naturalmente o aprende. Já ouviu alguma vez alguém dizer assim: Prefiro que meu filho não fique solto na rua, porque a rua não tem coisas boas pra ensinar. Nas entrelinhas desse pensamento está claro o poder que a rua, ou as pessoas da rua têm para influenciar. Por isso a cautela em não querer deixar os filhos sob influência ‘da rua’. Mas e a escola? Também não tem influência sob os alunos? Se é obvio que sim, onde está o cuidado em manter uma boa conduta, ou dar um bom exemplo dentro da escola individualmente para atingir a coletividade? Eu poderia finalizar esse texto dizendo assim aos Professores, Pais e demais pessoas que perpassam pelo ambiente escolar: “Pensem nisso!”. Todavia prefiro dizer: “Ajam sobre isso”.
(*) Saene Santos é pedagoga e professora de uma rede municipal de ensino do estado do Rio de Janeiro.

2 comentários sobre “Cultura do descaso”

  1. É fato que a educação começa em casa mas como diz a LDB a educação é responsável pelo desenvolvimento do educando, isso quer dizer que a escola exerce um papel importante no desenvolvimento e na conduta do educando cabe aos pais transmitir valores aos seus filhos e a escola tem como missão nortear esses educandos.

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