Cotas para negros: em quanto tempo se implode um pensamento social secular?

Houve no processo histórico uma espécie de “otimização” do preconceito. O olhar de inferioridade e a vergonha de ser negro que foram, sistematicamente, maquinados no pensar individual, permitiram a espoliação de gerações subseqüentes. Por Marília Lamas.

À primeira vista, por melhor engendrado que seja um mecânico sistema de inclusão, este ainda será um consentimento de um Estado que se pretende generoso para com a “escória” uterinamente prejudicada. Se melhor analisada, então, é possível enxergar o quão demagógica é esta atitude.

Não há como eliminar o olhar oblíquo e vertiginoso de uma senhora de classe média diante de um concidadão negro e excluído, por exemplo. Embora tal atitude pareça distante de um mecanismo político-social (já que, no jogo da hipocrisia brasileira, se restringe a um comportamento discreto), houve, no processo histórico, uma espécie de “otimização” do preconceito. De maneira um tanto orquestrada, o olhar de inferioridade e a vergonha de ser negro que foram, sistematicamente, maquinados no pensar individual, permitiram a espoliação de gerações subseqüentes.

Quanto à existência deste concerto de espoliação, não há dúvidas. No entanto, o que parece incomodar qualquer conhecedor do Brasil e de sua evolução são as razões do incipiente desafino deste concerto. É no mínimo curioso que a maestria de nossas elites esteja cedendo a pequenas pressões sociais. Mais do que curioso, é amedrontador que este sistema de manipulação de massas possa estar servindo para mais um espetáculo de desigualdade. Com a implantação das cotas, pode ocorrer uma definitiva estratificação da sociedade, simultânea ao estrangulamento do sistema educacional e, conseqüentemente, à morte de qualquer tentativa de mudança efetiva no sistema de exclusão.

Evidentemente, este olhar pessimista e desconfiado representa uma parcela da população que não é vítima da desigualdade social e que, portanto, não depende do sistema de cotas como forma de ascensão. Mas, certamente, seria interessante que os “beneficiados” pelas cotas abandonassem a ingenuidade, enxergando seus opressores com um pouco mais de suspeita, e fizessem um mínimo de reflexão sobre sua condição antes de aceitar, muito agradecidos, mais este “favor”. Esta mudança de posicionamento poderia, finalmente, dar fim a um preconceito social que ainda existe no imaginário das classes altas, mas que anda tão maquiado quanto as socialites que as representam.

Marília Lamas é aluna da Escola de Comunicação da UFRJ.

5 comentários em “Cotas para negros: em quanto tempo se implode um pensamento social secular?”

  1. Excelente texto, Marília.
    Análise bem-feita e argumento bem-estruturado. Além de estar muito bem escrito.

    Pregam os defensores das cotas que se trata de uma medida imediata, para sanar a curto prazo as deficiências do acesso à faculdade por negros. A longo prazo, seriam efetivadas outras medidas que corrigiriam estruturalmente essa questão.
    Acontece que todos sabemos que, em geral, essas “medidas a curto prazo” insistem em se tornarem permanentes; o que era algo paliativo se torna a solução final para o problema.
    Solução que, deve-se dizer, consiste apenas em tapar o sol com a peneira – o famoso “empurrar com a barriga”.
    Assim é o Brasil: deixar tudo para amanhã…

    Ah, caso não saiba que sou eu, Marília, aqui é o Gabriel, lá da ECO ^^

  2. q bom! vamos ficar de braços cruzados esperando a solução enquanto várias geraçoes de negros não conseguem acesso a universidade!
    sabemos que o Brasil é um inegavelmente um país racista, nós temos que estar na Universidade sim, para criarmos uma massa critica, que ocupe os cargos mais elevados, para que se possa construir politicas publicas de igual para igual!!
    e sabemos que nessa sociedade, o diploma faz a diferença é capital !!

  3. Vejo que a ainda existem pessoas com CONSCIENCIA.
    Tb sempre fui contra o errôneo sistema de COTAS. Horrível! Prova de RACISMO. Moderado conceito para “INFERIORES”, “COITADOS”. Acredito, que o feito maior para um dia chegarmos à igualdade almejada, será realmente conscientizar o homem, não somente com os trabalhos acima citados, profissional, religiosa, social ou politicamente, mas principalmente, familiar e enquanto discente a partir de sua educação fundamental. Vejamos o que diz o ditado: “PAU QUE NASCE TORTO, MORRE TORTO”. Vamos trabalhar a CONSCIÊNCIA, mas não a consciência negra, mas a consciência de que as DIFERENÇAS, sejam de tamanho, peso, altura, idade, cor, religião, sexo, aparência física, aptidões, etc, são apenas DIFERENÇAS comuns, e que não merecem questionamentos. Só assim chegaremos à extinção do vilão PRECONCEITO.

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