Conteúdo inadequado, kit-polêmica

A história ainda é nebulosa. Parece um daqueles eventos políticos em que os fatos são piores que os rumores. O teatro público foi o seguinte: o Ministério da Educação anunciou a distribuição de material didático de combate à homofobia nas escolas de ensino médio; um grupo de parlamentares evangélicos reagiu ao que foi descrito como kit gay e pressionou o governo contra a iniciativa; a presidente anunciou o veto ao material didático do MEC. As breves palavras da presidente sobre o ocorrido se resumiram a “não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais”. Não arrisco dizer que essa foi a primeira grande polêmica do governo Dilma, mas pressinto uma atualização da patrulha moralista que a perseguiu durante a campanha presidencial.
O primeiro capítulo desse teatro parece ser o único a sobreviver como relato oficial da história. O MEC produziu um material didático para a sensibilização e o combate à homofobia nas escolas de ensino médio. O diagnóstico do MEC é simples: a homofobia mata, persegue e violenta aqueles que estão fora da norma heterossexista de classificação das sexualidades. Um adolescente gay tem medo de ir à escola e ser discriminado. Há histórias de abandono escolar e de suicídio. Uma das personagens do vídeo original do MEC se chama Bianca, uma travesti que sai do armário ainda no período escolar. Seu primeiro ato de rebeldia foi pintar as unhas de vermelho e ir à escola. A ousadia rendeu-lhe um ano de silêncio familiar.
Ainda não entendo a controvérsia em torno desse material. O puritanismo que crê ser possível falar de sexo e sexualidades sem exibir práticas e performances foi respeitado pelo material do MEC. Bianca é uma voz desencarnada em um vídeo sem movimento. Não vemos Bianca em ação, conhecemos apenas o seu rosto. Só sabemos que Bianca existe, quer ir à escola e sonha em ser professora. Ela insiste que para ser professora precisa ir à escola. Mas ela depende da autorização dos homens homofóbicos de sua sala de aula, que ameaçam agredi-la. Bianca agradece às suas professoras e colegas que a reconhecem como uma estudante igual às outras. Sozinha, a escola pode ser um espaço aterrorizante.
O segundo capítulo da história é mais difícil de acreditar. Grupos evangélicos teriam substituído a história de Bianca por um vídeo vulgar, uma fraude grotesca cometida por quem não suporta a igualdade sexual. Em audiência com a presidente, teriam entregado o vídeo e, ao que se conta, aproveitado a ocasião para conversar sobre a crise política que ronda o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci. Entre as peripécias de Palocci, as travestis em ato sexual e o fantasma da homossexualidade, a reação da presidente foi suspender o material didático do MEC. O surpreendente não está no uso de mentiras para a criação de fatos políticos, mas na proeza de os grupos evangélicos terem conseguido convencer a presidente de que sua equipe de governo do MEC seria tão medíocre na seleção de material didático para as escolas públicas.
Se a presidente assistiu aos vídeos reais ou aos fraudulentos, não importa. O fato é que foi anunciado o veto ao material didático do MEC – uma vitória para os conservadores, que não sossegam desde que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a igualdade sexual em matéria de família. Mas há uma injustiça covarde nessa decisão. O tema do material era a homofobia, algo diferente de propaganda de opções sexuais. Na verdade, jamais assisti a um vídeo de propaganda de algo tão íntimo e da esfera da privacidade quanto a opção ou o desejo sexual consentido. Homofobia é um crime contra a igualdade, viola o direito ao igual reconhecimento, impede o pleno desenvolvimento de um adolescente. Homofobia é o que faz Bianca ter medo de ir à escola.
O verdadeiro material do MEC tem um objetivo claro: sensibilizar professoras e estudantes para a mudança de mentalidades. Uma sociedade igualitária não discrimina os fora da norma heterossexista e reconhece Bianca como uma adolescente com direitos iguais aos de suas colegas. Mas, diferentemente do fantasma conservador, a mudança de mentalidades não prevê uma subversão da ordem sexual – os adolescentes não serão seduzidos por propagandas sexuais a abandonarem a heterossexualidade. A verdade é que o material do MEC não revoluciona a soberania da moral heterossexista, mas contesta a falsa presunção de que a homofobia é um direito de livre expressão. Homofobia é um crime contra a igualdade sexual.
(*) Matéria publicada por Debora Diniz no caderno Aliás do jornal Estado de S. Paulo do dia 29 de maio de 2011. Debora Diniz é professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

5 comentários em “Conteúdo inadequado, kit-polêmica”

  1. Os evangélicos não querem praticar homofobia, pois entende que as opições sexuais são livres. O que os evangélicos não querem é serem considerados criminosos, quando no exercício do artigo quinto da constituição Federal e na pratica de sua doutrina biblica, orientarem seus fiéis e outros sobre a pratica pecaminosa diante de tal escolha.

  2. Realmente os evangélicos autênticos são contra a homofobia tanto quanto os próprios homossexuais, respeitam os homossexuais mas são contra o homossexualismo.

  3. Nós que reconhecemos a bíblia como a palavra de Deus, não só somos contra as práticas imorais como também a prática de quaisquer violência.
    Há alguns pontos a ser considerado, que parece que este blog não está informando ao internauta.
    Eu, discordo das “teorias” que criaram para explicar a existência dos gays e afins. Há crianças de 3 ou 4 anos que são altamente violentas, querem agredir seus irmãozinho etc, isso nem sempre se dá com convivência com adultos violentos, porém a criança desenvolveu essa tendencia a violência, então os pais devem aceitar que seu filho sejam violentos e pronto? claro que não, devem trabalhar sua conduta de modo que ele venha a entender a importância de ser pacifico e mudar seu proceder pois ninguém nasce com estas características são desenvolvidas no decorrer de sua formação.
    A homosexualidade nada mais é do que uma má formação, somente isto, as demais explicação são bobagens….
    Acreditando na bíblia ou na ciência fomos criados homens e mulheres de forma tão perfeita que ninguém inteligente pode contestar que o homem e a mulher foram feitos um para o outro, as demais tendencias imorais, animalescas – não somente o homem sexual, mas o sexo anal, oral etc, não combina com a crianção.
    Portanto o MEC deveria está preocupado em acabar com a violência em si, claro! mesmo discordando da forma imoral que muitos vivem, em momento algum sou a favor de quaisquer forma de violência, Eles devem ser respeitados assim como respeitamos outros tipos de pessoas – erradas ou não ao nosso conceito.
    Nossas crianças, estão sendo criadas em um mundo onde tudo é permitido, tudo é possível, limites não existe, por isso o crescente número de jovens gays, jovens que não sabem a diferença de sua esquerda para sua direita.
    Esse esclarecimento é somente para mostrar o conceito de uma classe exclusiva dos não católicos, que normalmente são confundidos com Evangélicos – As Testemunhas de Jeová, nós temos o nosso conceito sobre os gays e afins, mas acima de tudo amamos a vida e desejamos que quaisquer pessoa gay ou não sejam ouvidas e que seus conceitos aceitos ou não sejam respeitados.
    Não sou contra o Kit, mas acredito que deveria focar a importância do respeito multo, dá não violência – quanto a decisão de ser o não gay, deve ser pessoal.

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