Por Gustavo Barreto, no Observatório da Imprensa
O jornalista Aloysio Biondi escreveu em 1999: “Os editores escondem a verdade, isto é, os problemas, nas últimas quatro linhas – o que lhes permite fingir que não estão deixando de noticiar nada, uma atitude hipócrita, pois eles sabem muitíssimo bem que a informação que impressiona o leitor é aquela estampada no título e no lide” (Caros Amigos, agosto de 2000).
“O assunto deve esfriar no carnaval”
Estamos acompanhando um escândalo envolvendo o ex-assessor do ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz, demitido na sexta-feira por envolvimento em escândalo de corrupção. Observe o trecho a seguir:
“A Secretaria de Comunicação encomendou uma pesquisa para avaliar se o caso Waldomiro prejudicou a imagem do governo. No Planalto, a orientação política é tentar evitar a instalação de uma CPI. Os assessores políticos do presidente apostam que o assunto deve esfriar no carnaval.”
Fonte: Últimas quatro linhas da reportagem do jornal O Globo (18/2/04) sobre o Caso Waldomiro, cujos títulos principais foram:
“PF vai investigar atuação de Waldomiro no governo”, com subtítulo “PT diz que só aceita CPI se apuração for ampla e irrita até os aliados” (primeira capa);
“Devassa nos atos de Waldomiro”, com subtítulo “PF vai apurar ações de ex-assessor do Planalto. Delegado pode pedir quebra de sigilo telefônico” (pág. 3)
A pauta mais adequada não foi colocada: O PT-Governo é contra a CPI (absurdo número 1); O Planalto espera que o assunto “esfrie no carnaval” (absurdo número 2). Os assessores do presidente dizem claramente: “O povo não liga para a corrupção, pois está aí o carnaval para fazer eles esquecerem que dinheiro público foi desviado”.
Aloizio Mercadante (PT-SP): líder do governo no Senado: “A orientação é olhar para a frente, não imobilizar o Congresso. Não agimos com revanchismo. Mas, se a oposição quer olhar para trás, voltar ao passado, recuar dois anos, então vamos recuar oito”.
Percebam uma condição implícita neste discurso. A única forma de conseguirmos ter uma real apuração do que ocorreu nos anos FHC é achando atos irregulares no PT-Governo. Se ninguém ameaçar, estamos quites.
Este tipo de imprensa, meus amigos, é quase tudo o que nós temos. Os políticos, nossa escolha. E o PT, nosso partido da ética.
Bom carnaval.
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.