Caso Battisti: as artimanhas e falácias são infinitas

Por Carlos A. Lungarzo, da Anistia Internacional

 

Nunca um caso jurídico permitiu que tantas figuras obscuras pudessem sair de seus esgotos e ganhar notoriedade. Advogados de porta de xadrez,  schoolars medíocres, comunicadores do ódio, blogueiros e charlatães diversos. Seria injusto dizer que isto foi apenas atiçado pelos euros do palácio Chigi e o Quirinal. De fato, apareceram numerosos linchadores vocacionais, que se sentiram reconhecidos pelo fato de poderem botar mais lenha na fogueira.

 

Desta vez, os minutos de glória espúria são de um procurador do Distrito Federal que quer anular o visto de Battisti e deportá-lo. Ele deduz que o Estatuto de Estrangeiro impede a concessão de visto a estrangeiro condenado por crime doloso.

 

Vejamos o que realmente diz a Lei de Estrangeiro, nº 6,815

 

Art.5º – Não se concederá visto ao estrangeiro:

I – menor de dezoito anos, desacompanhado do responsável legal ou sem a sua autorização expressa;

 

II – considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais;

 

III – anteriormente expulso do País, salvo se a expulsão tiver sido revogada;

 

IV – condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira;

Segundo a imprensa, o procurador afirma ter o STF decidido que os crimes atribuídos a Battisti não são políticos, e que somente o Supremo Tribunal Federal tem autoridade para determinar a extradição.

 

O promotor se vale, obviamente, de alguns aspectos confusos das leis brasileiras, mas não são tão confusos para esconder o fato de que a manobra do MP é apenas uma falácia.

  1. Já foi dito, ad nauseam, que o STF qualifica o delito como político ou comum, mas não tem poder para executar a extradição. Ele pode apenas, autorizar a extradição. Ou seja, se o STF tivesse proibido a extradição de Sicrano, nem o presidente do Brasil, nem o cardeal primaz, nem o Papa, teriam poder para extraditá-lo. Mas, quando o STF considera possível a extradição, fica a critério do presidente da República executá-la ou não.
  2. Além deste raciocínio singelo, lembrem-se que o próprio STF reconheceu que o presidente tinha autoridade para decidir.
  3. Ficando a pessoa no País, ela DEVE, NATURALMENTE, TER UM VISTO. Isso aconteceu com todos os outros estrangeiros cuja extradição foi requerida por qualquer nação e negada pelo Estado brasileiro.
  4. Não podemos argumentar que o julgamento de Battisti na Itália foi fraudado, nem que a qualificação de crime político foi errada, porque, gostemos ou não, os cinco juízes que votaram em favor da extradição em 9 de setembro de 2009 estavam em “harmonia espiritual” com seus colegas italianos.
  5. Se aceitarmos que esse julgamento foi limpo (não custa fazer hipótese), os crimes seriam comuns, mas isso não significa que o réu seja passível de extradição. Para que o fosse, seria necessário que tivesse garantido seus direitos fundamentais no país requerente. Isso foi o que disse a AGU, a PGR e o próprio decreto presidencial de 31/12/2010.

Em síntese, um extraditável não pode receber visto de permanência, mas um condenado que não é EXTRADITÁVEL por quaisquer razões PODE, SIM, FICAR NO PAÍS!

 

A lei não proíbe o visto a quaisquer, mas àqueles que são extraditáveis. Isto é bem claro. O Conselho Nacional de Imigração deve ter tido isto em conta quando concedeu o visto. É impossível que o Conselho e a Polícia Federal não soubessem quem era Battisti.

 

Além da sede de sangue típica dos inquisidores, não sabemos exatamente as intenções desta proposta. Mas, eis as que me parecem mais suspeitas:

  1. Algo que está presente em todas as ações mórbidas, extremas, contra Battisti, é a intenção, às vezes muito escondida, DE CONTRIBUIR PARA A DESESTABILIZAÇÃO OU DESGASTE DO GOVERNO. É verdade que alguns poucos aliados do governo se manifestaram alguma vez contra Battisti, mas isto foi feito brevemente, sem insistir no linchamento. Já todos os linchadores famosos (e poderíamos fazer uma lista de várias centenas), salvo os membros de certa revista, tinham como um dos objetivos promover um golpe branco.
  2. O MAIS IMPORTANTE é a possibilidade de uma cilada. Já foi dito dúzias de vezes que, em 2004, a Itália comissionou o para-policial Gaetano Saya, chefe de um grupo de extermínio, para sequestrar (ou, se a coisa ficasse difícil, matar) três pessoas, uma das quais era Battisti. Na época, Saya entrou em desavença com o chefe do Sismi (Serviço de Inteligência do Exército), que tinha contratado o grupo criminoso. Segundo boatos do jornalismo italiano, a briga foi por dinheiro. Mas, hoje, a Itália mostrou ser mais generosa, e possivelmente pagaria muito mais que os míseros 2 milhões de Euros daquela época. ENTÃO, A IDEIA DE DEPORTAR BATTISTI TEM, PARECE, UM OBJETIVO CLARO: Battisti, se viajasse para o México, França, ou a outro planeta, primeiro deveria sair por algum aeroporto brasileiro. CRIMES NOS AEROPORTOS SÃO O MAIS TÍPICO ASSUNTO DE ROMANCES DE ESPIONAGEM E FICÇÃO POLÍTICA. Só a ditadura argentina cometeu mais de 50.

Aliás, os colaboradores ou subservientes da Itália não se beneficiariam muito se Battisti fosse a outro país, mas permanecesse fora da Itália. A proposta do Sr. Procurador do DF, se for considerada honestamente, não beneficia a Itália. Para que a Itália quer Battisti no México, quando o que os fascistas, stalinistas, mafiosos e falsas vítimas realmente querem é seu sangue?

 

Provavelmente, as pessoas que nunca sofreram perseguição internacional se surpreenderiam se soubessem como é conhecido este truque: (1) um país quer capturar alguém; (2) esse alguém está num local seguro; (3) com algum truque (geralmente auxiliado desde o interior do país hospedeiro), atrai-se a pessoa a outro país.

 

O visto de Cesare Battisti é válido, e qualquer estrangeiro sabe isso, porque todos nós temos um visto exatamente igual. Esta manobra só visa manter por tempo indefinido a guerra de nervos, mas será necessário habituar-se a ela.

 

Vale destacar, porém, que esta situação de provocações permanentes e rasteiras deveria receber um “chega!” dos que têm poder para fazê-lo. É fácil perceber que os linchadores não vão se cansar, porque são muitos e se revezam continuamente. Devemos lembrar que quando um país admite alguém como membro de sua comunidade, em qualquer qualidade, tem a obrigação de zelar por sua segurança.

 

UMA ÚLTIMA OBSERVAÇÃO

 

O inquisidor brasiliense, na página 7 do protocolado na 20a vara, mostra que sua preocupação não é, obviamente, um ato de “justiça” ou de correção administrativa.

 

Ele consome algumas páginas contando a bem conhecida história dos quatro homicídios atirados nas costas de Battisti, e se esbalda em elogios para o Inquisidor Maior.

 

Se ele realmente se considera respaldado pela Lei 6.815, POR QUE PRECISA ATACAR FURIOSAMENTE A IMAGEM DE BATTISTI?

 

Se a lei se aplica ao caso do escritor italiano, qual é a necessidade de dizer que ele atuou com premeditação, crueldade, aleivosia, etc., etc.?

 

Obviamente, trata-se mais de uma campanha para aumentar a sede de sangue dos linchadores que, embora nunca desistam, podem estar menos ativos por causa da duração do processo e das sucessivas derrotas sofridas por eles e seus patrões.

 

O procurador, aparentemente,  tenta compensar a “ingratidão” do STF, que confirmou a soltura determinada por Lula…

3 comentários em “Caso Battisti: as artimanhas e falácias são infinitas”

  1. Que viagem do Lungaretti, achar que podem assassinar o Battisti no aeroporto, seria bem mais fácil fazer isto em Cananéia, onde ele mora totalmente desprotegido, e seu endereço está disponível na ação civil pública do procurador…
    Engraçado que para deportar aqueles dois boxeadores cubanos não precisou de tanta burocracia, porque será?

  2. Severino, o autor é o Carlos Lungarzo. Como ele estava no litoral, pediu-me que postasse o artigo dele.

    Quanto ao caso dos pugilistas, foi tratado pelo Executivo, enquanto a prisão e abertura de processo de extradição do Battisti foram definidas pelo STF. Cada Poder procedeu de uma maneira.

    O que não quer dizer que eu tenha concordado com aquele trâmite sumário no caso dos boxeadores. Discordei, no exato momento dos acontecimentos. Posicionei-me contra, em vários artigos.

    Mas, naquele caso, o mal já estava feito. Não havia como reverter os encaminhamentos.

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