Caiu a casa do jornalismo político

É no mínimo curioso que o promotor de Justiça José Carlos Blat, fonte primária da “reportagem” da VEJA contra o PT no último domingo (edição de 10/03/2010), já tenha pedido à própria VEJA ressarcimento por danos morais no valor de R$ 20 mil, alegando que a revista extrapolou o direito de liberdade de informação e violou a sua honra, ao qualificá-lo como “pioneiro da era dos promotores heróis”.

A matéria que causou o litígio entre Blat e VEJA é de 5 de fevereiro de 2006, sob o título “Intocável sob suspeita”, e sustento ser importante começar por este relato para chegar ao caso atual da BANCOOP. Abordava processos administrativos aos quais o promotor respondia no Ministério Público de São Paulo. Blat perdeu: “(…) Duarte Camacho [juiz da 4ª Vara Cível de São Paulo] entendeu que a revista apenas noticiou um inquérito verídico que envolvia uma figura pública”. Cabia recurso.

Relatou o juiz na sentença de dezembro de 2008: “Os procedimentos administrativos narrados na reportagem são verdadeiros. A reportagem divulgou a notícia dos procedimentos administrativos respondidos pelo autor porque o autor é um profissional que, freqüentemente, está na mídia em razão do seu trabalho”. E ainda: “O magistrado ressaltou que, assim como os grupos criminosos que o promotor combate estão expostos aos holofotes da mídia, Blat também deveria estar acostumado a ser notícia”. (Última Instância, via JusBrasil, dez/2008)

ACUSAÇÕES CONTRA BLAT

[Revista VEJA, “Intocável sob suspeita”, edição 1943, de 15/02/2006]

Na edição citada, os “procedimentos administrativos respondidos pelo autor”, segundo o juiz, são os seguintes:

ACUSAÇÃO 1: “(…) Em 1998, entrou para o Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do qual foi afastado em 2004, em circunstâncias confusas. A Corregedoria o investigava por uma tentativa de livrar-se de multas no Detran e por um episódio estranho em que um carro oficial do Gaeco foi apreendido fora da cidade de São Paulo – com um criminoso ao volante. No fim de 2004, a Corregedoria do Ministério Público decidiu levar essas investigações a fundo. Ouviu o depoimento de onze pessoas, entre elas quatro promotores. Com base nesses depoimentos e em documentos levantados, a Corregedoria disse ter encontrado indícios de crimes mais graves.”

ACUSAÇÃO 2: “(…) As primeiras investigações contra Blat colocaram em xeque suas ações contra desmanches de veículos roubados. Promotores afirmaram que uma seguradora de veículos indicava quais locais deveriam ser invadidos e quem deveria ser preso. Nessas ações três funcionários dessa seguradora apresentavam-se como peritos. Todo o estoque era apreendido e, em vez de seguir para a polícia, a maior parte das peças era desviada para um depósito de terceiros.”

ACUSAÇÃO 3: “(…) Blat também foi acusado de proteger o contrabandista chinês Law Kin Chong, preso em São Paulo. Em 2002, quando participou de uma força-tarefa antipirataria, ele teria dirigido o foco da investigação somente contra os pequenos contrabandistas, deixando Law livre para atuar. Uma advogada que trabalhava para o contrabandista visitava Blat periodicamente no Gaeco.”

ACUSAÇÃO 4: “(…) As investigações descobriram ainda que Blat mora num apartamento de Alfredo Parisi, que já foi condenado por bancar o jogo do bicho. Blat admite que, antes de se tornar promotor, foi sócio do filho de Ivo Noal, outro banqueiro do bicho, numa loja de conveniência – o que não é crime.”

ACUSAÇÃO 5: “(…) Os bens do promotor também entraram na mira da Corregedoria. Segundo os depoimentos, Blat comprou de uma só tacada dois carros importados e blindados. A Corregedoria recebeu uma denúncia de que um apartamento no Guarujá também seria de Blat. Mais tarde, descobriu-se que, na verdade, estava em nome do ex-sogro do promotor, René Pereira de Carvalho, um procurador de Justiça. Carvalho tentou pagar 200 000 reais em dinheiro vivo, mas, diante da recusa da vendedora, usou cheques administrativos. A origem dos recursos não foi esclarecida. Por isso foi aberto um inquérito específico sobre seu patrimônio.”

A Revista VEJA conclui:

“(…) Sobre Blat pesam também as seguintes suspeitas: usar veículos e pessoal do Gaeco para interesses pessoais, negociar com um delegado a liberação de seu pai, que teria sido preso em flagrante por armazenar bens roubados, abuso de autoridade, truculência e suspeita de enriquecimento ilícito. É possível que Pinho esteja correto, e que nenhum crime tenha sido cometido. No entanto, por muito menos, políticos e empresários são duramente investigados pelo Ministério Público paulista – é o caso do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Enquanto seu destino no Ministério Público não é definido, Blat já traça outros planos. Disse a VEJA: “Eu me desiludi com o Ministério Público. Estou pensando em me candidatar a deputado federal”.

Isso foi em 2006. Blat estava pensando em virar político, oficialmente.

Agora, em 2010, Blat diz outra coisa, conforme nota no site Consultor Jurídico:

“Estou fazendo meu trabalho. Um trabalho técnico. E não tenho nenhuma simpatia por partido algum. Não sou tucano nem petista, nem nada (…) É sempre a mesma coisa. O que acontece é que quando você investiga um caso envolvendo um partido A, eles te acusam de trabalhar para o partido B. Na verdade, eu só trabalho para o Ministério Público”.

Resta saber por qual partido o promotor estava “pensando” em se candidatar. Ou então precisa avisar urgentemente que, para se candidatar, é preciso ter partido.

SOBRE A REPORTAGEM DO BANCOOP

A reportagem de VEJA é até engraçada ao deduzir que já é lugar comum petista saindo por aí com dinheiro na meia, na cueca etc.: “(…) Os depoimentos colhidos pelo MP indicam que o esquema de desvio de dinheiro da Bancoop obedeceu a uma trajetória que já se tornou um clássico petista. Começou para abastecer campanhas eleitorais do partido e acabou servindo para atender a interesses particulares de petistas.” (p.74)

O “clássico petista” é, entre outras expressões, uma das que me faz pensar por que pessoas com massa cinzenta (responsável por processar a informação no cérebro) ainda leem VEJA. Seria desinteresse pela política? A revista é inútil, um mero panfleto político, financiada por um segmento empresarial-partidário e que só age em prol de seus interesses particulares.

É óbvio que qualquer cidadão com senso ético deseja a punição de todo e qualquer corrupto e, especificamente neste caso, também a Justiça às famílias que investiram pesado no sonho de ter uma casa própria. Mas acreditar que a solução é transformar todo e qualquer problema em plataforma eleitoral é uma piada de mau gosto. Jornalismo marrom, nada mais do que isso.

A “reportagem” nem sequer ouviu os acusados. É absolutamente inacreditável. No mínimo, os leitores inteligentes (e não creio que são todos) da revista gostariam de saber o que falam os acusados. E por que VEJA não considerou entrevistá-los? Simples: por que a “reportagem” poderia cair. Por que VEJA teme o contraditório?

Eu fui atrás desta informação. A BANCOOP emitiu uma nota, disponível aqui.

O primeiro parágrafo é uma vergonha para os jornalistas, a classe: “A BANCOOP (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo) não foi ouvida em momento algum pelos jornalistas responsáveis pela matéria da revista “VEJA”, em clara violação a princípio elementar de ética jornalística (…)”. Ouvir isso de bancários dá um certo desconforto… corretíssimos, exigem ética.

Um dos trechos mais importantes para subsidiar a investigação jornalística (se tivesse ocorrido): “A matéria é extremamente fantasiosa quanto aos fatos, como demonstra a informação de que teriam sido emitidos, para saque em dinheiro, cheques nominais à própria BANCOOP em valor total superior a R$ 31 milhões. Na verdade, há uma intensa movimentação bancária entre contas da própria BANCOOP, já que cada empreendimento da cooperativa, por força inclusive do Acordo Judicial celebrado com o Ministério Publico, tem conta bancária específica, sendo necessária a transferência de recursos utilizados para o custeio das respectivas obras (…)”.

Além disso, segundo informa a BANCOOP (e ninguém questionou publicamente), já foram entregues 84% das unidades prometidas. Quanto às demais, a BANCOOP admite publicamente que houve problemas administrativos em 2003 e 2004. Depois que eu li, de curiosidade (devido à repercussão), a matéria da VEJA, fiquei com a sensação de que milhões de pessoas estavam morando debaixo das pontes, tudo por culpa da BANCOOP. A revista fala em “um dos mais espantosos esquemas de desvio de dinheiro perpetrados pelo núcleo duro do Partido dos Trabalhadores”.

O site Consultor Jurídico fez o mínimo: o dever de casa de ouvir os lados.

É muito importante que se apure a transferência dos 31 milhões de reais, neste caso em questão, ou outras supostas irregularidades encontradas. Sabendo que o promotor e a revista VEJA devem enfrentar a Justiça, caso seja um factóide ou uma jogada política.

No entanto, é preciso registrar que, quando o caso envolveu José Roberto Arruda – cujo Governo do Distrito Federal está com R$ 894 milhões sob suspeita -, a mesma revista VEJA decidiu estampar na capa uma mulher seminua, para ilustrar a matéria “O fim do efeito sanfona”, este terrível problema que atinge milhares de brasileiros.

O motivo? Já denunciamos aqui em outra oportunidade: parte do mensalão foi diretamente para a VEJA. Foram R$ 442 mil para a compra de exemplares da revista, sem licitação…

REFLEXÕES SOBRE O JORNALISMO POLÍTICO

A imprensa privada é tida, no discurso liberal, como a mais apta a praticar o jornalismo independente. Qual o argumento principal?

Segundo Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), em artigo recente no Observatório da Imprensa:

“O modelo ideal de empresa jornalística é a que se sustenta por meio da venda dos exemplares e também, necessariamente, pela receita publicitária oriunda de uma carteira ampla e diversificada de anunciantes. Somente empresas jornalísticas financeiramente sólidas podem manter a desejável independência editorial em relação a governos ou a interesses privados, o que lhes permite eleger como prioridade absoluta o direito dos cidadãos de acesso às informações, e assim garantir a publicação de notícias e análises que podem contrariar interesses políticos e econômicos.”

Muito bonito. No caso de VEJA, com financiamento de craques da política como José Roberto Arruda e José Serra (imagem abaixo), fica um pouco mais complicado. E o pior é que toda a imprensa brasileira aumenta e “evolui” a gritaria político-partidária.

ESPAÇO PARA O CONTRADITÓRIO

Ao contrário do que fez a VEJA, esta revista abre o seu humilde espaço para o contraditório, seja por meio dos comentários (abaixo), seja pelo envio desta matéria para o promotor José Carlos Blat, por email, para que possa se posicionar.

10 comentários em “Caiu a casa do jornalismo político”

  1. Até o jornal O Globo do último sábado (13) cedeu, apesar de ter feito capa durante a semana, no caso Bancoop e do promotor José Carlos Blat. O jornal sentencia: “Magistrado [que negou novo pedido de Blat, essa semana] demonstra temor de contaminação política e manipulação eleitoral da investigação” (pág.14).

    A Justiça de São Paulo, informa a matéria, negou o pedido de bloqueio das contas da Bancoop, e ainda por cima solicitou mais informações ao MPE de SP para decidir sobre a quebra do sigilo bancário de João Vaccari Neto, atualmente tesoureiro do PT.

    Vaccari Neto foi taxativo em comunicado “(…) O Ministério Público Federal, a quem foi prestado o depoimento, não considerou as acusações minimamente consistentes, tendo em vista que não houve qualquer desdobramento em relação a mim.

    Passados cinco anos, nunca fui chamado para prestar esclarecimentos ao Ministério Público Federal. Nem mesmo fui informado da existência ou do teor desse depoimento. O Ministério Público não propôs ação contra mim. Nenhuma denúncia foi apresentada.” [http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2010/03/13/a-nota-oficial-de-vaccari/]

    O mínimo que VEJA deveria ter feito era considerar isso. Mas, desta vez, foi a Justiça a mais coerente: “O despacho do juiz aponta para a falta de embasamento do pedido de quebra de sigilo de Vaccari e solicita uma exposição das razões que levaram o promotor José Carlos Blat a solicitar apenas na semana passada as informações bancárias do tesoureiro do PT”, informa O Globo.

    Vaccari não era nem sequer gestor da Bancoop no período investigado (2002 a 2004).

    O juiz criticou ainda a divulgação antecipada do pedido na imprensa. “Não se pode desconsiderar a repercussão política que presente investigação passou a ter”, diz o juiz, lembrando que “faltam apenas sete meses para as eleições” e que “uma das pessoas de quem foi requerida a quebra de sigilo estaria sendo indicado como possível integrante da equipe de campanha da virtual candidata do partido”.

    O juiz pediu cautela, para que a atmosfera política “não venha a ser utilizada por terceiros para manipulação da opinião pública por propósitos políticos” (citado a partir da sentença).

    Quanto ao Bancoop: “O pedido de bloqueio de todas as contas da Bancoop foi negado pela Justiça para evitar que toda a cooperativa fosse paralisada, prejudicando outras obras e tendo em vista que um acordo judicial já foi celebrado na esfera civil.” (O Globo, cad. O País, pág. 14, 14/03/2010)

    Até mesmo as tais transações bancárias foram questionadas, porque Blat nem sequer enviou dados suficientes comprovando qualquer irregularidade.

    Eu só não entendo, repito, por que alguém com suficiente massa cinzenta ainda crê que a VEJA faz jornalismo. Não o faz. Atua como braço político de um grupo político-empresarial. De forma absolutamente transparente, este é mais um triste caso em que tal realidade fica demonstrada.

  2. E do blog do Nassif [http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2010/03/13/a-nota-oficial-de-vaccari/], importante opinião:

    “Por Carlos Graça Aranha

    LN, boas.

    Entenda por gentileza o que vou escrever, pois, longe de mim dar razão à esse semanário duvidoso. A capa de Veja é um escândalo, sendo o caso pura falácia. Tenho acompannhado o caso e o mais importante até agora foi o DESPACHO, e não sentença(que é terminativa de processo), do Juiz que denegou alguns pleitos do MP. Atente-se que denegou alguns pedidos e também determinou ao MP que MINUDENTEMENTE indique onde se encontram tais ou quais fatos apontados nas representações por entre as milhares de páginas do feito.

    Ou seja, o juiz também não inocentou A ou B como alguns ligados ao PT andam comemorando, verdade seja dita. Ao que se indica houve efetivamente uma fraude no Bancoop, lesando centenas de pessoas, porém não estão claras as condutas dos envolvidos, até por conta da natureza cooperativada da coisa. Parece ser caso requentado de fato anterior não aproveitado, mas parece. Pena que o sr. MP tenha uma quedinha política na figura desse Blat. Volta e meia ele anda a disparar sua verborréia em tom político. O que será que ele anda pensando dos “alagões” criminosos de SP ? Não há bobos por aí e toda essa turma partidária no país, de A a Z necessita de recursos para suas campanhas(tema muito bem explorado hoje aqui). Simplesmente não há claridade nessa área, em nenhum partido. Tudo é nebuloso mesmo. Logo, há que se ter cautela. Tanto assim que a Dilma anunciou o afastamento de Vaccari da tesouraria na campanha.

    Fato interessante sobre o tema é que ando lendo por todos os lados que o MP estadual de SP anda comandando essa investigação !!! Como, com ordem de quem ? MP ainda não pode instaurar inquérito criminal !!! Rasgaram a CF de novo ? Até o juiz cita a necessidade eventual de a autoridade policial ouvir alguém no despacho…quer dizer, não há AP ? É inquérito policial ou não ? Corre por qual DP ? Perguntas ao MP.

    Nota final: se for inquérito civil(onde o MP pode agir) não pode apurar crime.

    A teoria do quem pode o mais, pode o menos, é absolutamente esdrúxula. Vejamos. O presidente do país pode editar medidas provisórias(MAIS), logo poderia editar decreto estadual(MENOS)? Claro que não. Questão de competências legais.

    abs.”

  3. O promotor jose carlos blat nao compareceu hoje ao senado porque tinha um compromiso . foi a inauguraçao do trecho sul do rodoanel , eta promotorzinho politico talves em outubro ele se candidate a algun cargo pelo PSDB ou DEM e claro

  4. PARABENS AO MPSP POR TER UM PROMOTOR ENTRE
    TANTOS OUTROS COM ESSE GABARITO

    Espetacular trabalho DA promotoria criminal!
    Durante 3 anos investigou analisou e apresentou a denuncia, foi criticado obviamente
    Porque estava mexendo numa caixa de marimbondos, parabens ao MPSP.
    Sorte das vitimas da bancoop, terem cruzado com um promotor e professor no assunto

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    28/10/2010 – 17h51

    Justiça quebra sigilo bancário e fiscal de tesoureiro do PT
    http://www1.folha.uol.com.br/poder/821897-justica-quebra-sigilo-bancario-e-fiscal-de-tesoureiro-do-pt.shtml

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    25/10/2010 – 22h09

    Relatório final de CPI pede intervenção na Bancoop
    http://www1.folha.uol.com.br/poder/820219-relatorio-final-de-cpi-pede-intervencao-na-bancoop.shtml

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    19/10/2010 – 12h38

    Promotor apresenta denúncia contra tesoureiro do PT por desvios DA Bancoop
    http://www1.folha.uol.com.br/poder/816782-promotor-apresenta-denuncia-contra-tesoureiro-do-pt-por-desvios-da-bancoop.shtml

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    O sucesso na empreitada viria…nao foi facil mas veio…

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