Nos primórdios da Revolução Industrial, nas núpcias da Belle Époque, Adam Smith se encantava com as possibilidades do capitalismo, acreditando que as fortunas transbordariam das taças das classes superiores e escorreriam a preencher as das classes inferiores.
Contudo, não foi bem isso o que aconteceu. Descobrimos que os recipientes da classes mais altas não têm fundos. Ou têm muitos: na Suíça, nas Ilhas Cayman… O fato é que o excesso de lucro não é convertido necessariamente em aumento de salários ou quaisquer outros benefícios para o trabalhador. É bom lembrar que cerca de 1% da população brasileira detém quase 50% das riquezas produzidas no nosso país.
Esse sobressalente é, sim, guardado. Acumulado. Para que futuras gerações, cujo único mérito é de ter o mesmo sangue, continuem herdando e herdando e herdando. E, nesse aspecto, de onde o capitalismo se afasta da monarquia?
A única diferença é que este sistema era baseado única e exclusivamente em bens imóveis, ou seja, terras. Já aquele não tem preconceitos, baseia-se em móveis, imóveis, capitais ou qualquer coisa que os valha. No entanto, o princípio continua sendo o mesmo: um primeiro homem, arrojado e violento, e são várias as formas de violência, acumula uma quantidade absurda de bens para que seus herdeiros continuem a usufrui-los por muitas e muitas gerações. Enquanto durar o saldo positivo, dura sua dinastia. Ou até que outro intrépido e agressivo guerreiro os tome.
Sem que ninguém percebesse, mundo voltou ao feudalismo. Isso talvez explique a medievalização das nossas instituições políticas atuais. Nosso sistema político-econômico precisa ser repensado com urgência. A solidariedade precisa ser resgatada. Enquanto houver o acúmulo de poucos, persistirá o cúmulo de muitos.
(*) Leandro Leite Leocadio é sociólogo, escritor, impostor, jornalista, cartunista e vigarista. Escreveu no jornal O Estado de São Paulo, na revista Bundas e no jornal Pasquim 21.